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CITAÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE
Sumário
No presente recurso discutia-se apenas a validade da citação da ré, para o que se teve de esquematizar os vários tipos de nulidade da citação constantes do CPC e respetivos regimes.
Texto Integral
Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório
“A” e “B”, com os sinais dos autos, intentaram a presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra “C”, residente na Rua “X”, n.º 37, 3º dt.º, …23 Vila Franca de Xira, pedindo que:
- sejam julgados verificados, por provados, os fundamentos de resolução judicial do contrato de arrendamento invocados pelos autores, por violação pela ré, inquilina, dos deveres de informação aos senhorios, de manutenção e conservação do locado, e de assegurar uma boa vizinhança; e, em consequência, seja decretada a cessação efetiva do arrendamento, com a consequência de a ré ter de entregar, livre e devoluta, a fração autónoma dos autores, sendo assim decretado o despejo imediato, com autorização de uso de força pública se necessário e autorização de entrada em casa de habitação;
- seja a Ré condenada em mora na entrega da fração autónoma, caso não proceda à entrega no prazo estipulado pelo tribunal, em quantia indemnizatória a liquidar posteriormente em execução de sentença;
ou, em alternativa, que:
- seja decretada a cessação efetiva e definitiva do contrato de arrendamento celebrado a 6/04/2015 entre autores e ré, com efeitos a 6/04/2020, por os autores terem manifestado e expressado a oposição à renovação automática do contrato, atempadamente e pela forma prevista na lei, e demais consequências legais, designadamente, que a ré seja condenada a entregar imediatamente o locado, livre e devoluto, se necessário com recurso a uso de força, e com autorização de entrada em casa de morada de família;
- seja reconhecida a constituição da ré em mora na obrigação de entregar o locado, operada em 23/06/2022 com a notificação judicial avulsa, e a obrigação de pagamento adicional de valor idêntico ao valor da renda mensal, desde essa data e até à efetiva entrega da fração autónoma aos autores, livre de pessoas e bens, quantia indemnizatória essa a liquidar em execução de sentença.
Pessoal e regularmente citada, a ré não contestou a ação.
Em 21/12/2024, foi proferida sentença condenatória.
Notificada, veio a ré apelar com as seguintes conclusões:
A) Por ter sido um terceiro, que é alheio à demanda, citado em sub-rogação da Ré.
B) Não se pode presumir, iuris tantum que a mesma foi validamente citada, e que se iniciou o prazo para sua defesa.
C) De resto a Ré só tomou, validamente, conhecimento da presente ação quando foi notificada da sentença, que a condenava ao despejo.
D) De resto a ação em causa enferma de vários vícios, pois a Ré é cidadã Portuguesa, não é nem nunca foi cabo-verdiana.
E) Não se podendo presumir de facto que foi validamente citada, o ato em causa está ferido de nulidade art. 188 / (e 191 /2 in fine do CPC).
F) A Ré só tomou conhecimento da ação quando foi confrontada com a sentença que determinava o seu despejo.
G) Tendo aí, de facto, requerido apoio judiciário.
H) Existindo a nulidade da citação, é nulo tudo aquilo que for processado posteriormente nos termos do art. 187 /a do CPC, ou seja, a sentença de despejo.
I) Devendo, pois, ser a Ré ser regularmente citada, para se vir a defender no prazo que a lei lhe atribui, para tal nos termos do Código de Processo Civil.
J) Seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Vossas Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, farão a costumada Justiça.
Os autores responderam, pugnando pela improcedência da apelação.
Por despacho de 11/04/2025, a nulidade foi indeferida e o recurso admitido.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Considerando as alegações do recurso, coloca-se apenas a questão de saber se a citação da ré é nula e quais as consequências dessa nulidade.
II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório e, ainda, os seguintes, relativos à citação e aferidos pela consulta dos autos:
- Em 04/12/2023, foi expedida à ré, “C”, carta registada com aviso de receção, para a morada arrendada (Rua “X” N.º 37, 3.º Dtº, ...23 Vila Franca de Xira);
- A referida carta veio devolvida com a menção não atendeu, tendo a ré sido avisada para levantar a carta na estação de correios, o que não fez;
- Em 22/12/2023, foi pedida a citação por solicitador de execução;
- Em 21/05/2024, foi junta aos autos certidão de citação da qual consta que a citação foi concretizada na pessoa de “D”, que declarou estar em condições de a receber, e o mais que consta da respetiva certidão;
- Na mesma data de 21/05/2024, foi expedida à ré a carta a que se reporta o artigo 233.º do CPC;
- A ré não contestou nem interveio por qualquer forma nos autos que, em 23/10/2024, foram conclusos e no dia subsequente determinada a notificação dos autores para alegações de direito, o que estes fizeram, tendo em seguida sido proferida a aludida sentença condenatória.
III. Apreciação do mérito do recurso – validade da citação
Em geral, a citação pessoal de pessoas singulares faz-se:
a) Através da entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
b) Por contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando (v. artigo 225.º, n.º 2, als. b) e c) do CPC, na versão aplicável durante o período em que decorreram as diligências de citação e a sua efetivação – dezembro de 2023 a maio de 2024 – versão do CPC até à Lei 3/2023, de 16 de janeiro, inclusive, anterior ao DL 87/2024, de 7 de novembro; a essa versão do CPC reportam-se os artigos dos próximos parágrafos, referentes aos modos de citação).
A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior (art. 228.º, n.º 1).
Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado (art. 228.º, n.º 5).
Frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando (artigo 231.º, n.º 1).
Se o citando ali não se encontrar, mas o AE apurar que ali reside, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado (artigo 232.º, n.º 1).
No dia e hora designados, não encontrando o citando, a citação é feita na pessoa capaz que esteja em melhores condições de a transmitir ao citando, incumbindo-a o agente de execução ou o funcionário de transmitir o ato ao destinatário e sendo a certidão assinada por quem recebeu a citação (artigo 232.º, n.º 2, al. b)).
Considera-se pessoal a citação efetuada nos termos do n.º 2 (artigo 232.º, n.º 6).
Sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo 232.º, é ainda enviada, pelo agente de execução, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe: a) A data e o modo por que o ato se considera realizado; b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta; c) O destino dado ao duplicado; e d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada (artigo 233.º do CPC).
O CPC prevê vários tipos de nulidade da citação, com regimes distintos sobre o momento da sua arguição e as consequências da falta de arguição nesse momento.
A espécie de nulidade de citação mais forte é a que se reconduz a falta de citação, que o artigo 187.º divide em dois grupos:
a) falta de citação do réu,
b) falta de citação do Ministério Público, logo no início do processo, nos casos em que deva intervir como parte principal.
O primeiro grupo, de falta de citação do réu, subdivide-se nos casos previstos no artigo 188.º do CPC, a saber:
i. Total omissão do ato;
ii. Erro de identidade do citado;
iii. Indevido emprego da citação edital;
iv. Ato posterior ao falecimento do citando pessoa singular ou à extinção da citanda pessoa coletiva;
v. Prova de que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Os casos de falta de citação (todos, seja do réu, seja do Ministério Público interveniente como parte principal) determinam a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta (artigo 187.º); a menos que o réu ou o Ministério Público intervenha no processo sem arguir logo a falta da sua citação, caso em que se considera sanada a nulidade (artigo 189.º).
Em qualquer dos casos de falta de citação, a nulidade é de conhecimento oficioso (a não ser que deva considerar-se sanada, como se refere superfluamente no artigo 196.º do CC), e pode ser arguida em qualquer estado do processo (enquanto não dever considerar-se sanada, como se afirma, mais uma vez superfluamente, no artigo 198.º, n.º 2).
Falta de citação no caso de pluralidade de réus tem regras anulatórias específicas constantes do artigo 190.º
Além da espécie mais gravosa de nulidade da citação a que já nos referimos (a falta de citação), o CPC prevê, no artigo 191.º, outras nulidades de citação, com regimes distintos.
Identificamos nesse artigo três casos típicos e uma cláusula aberta:
a) Citação edital em caso em que devia ser efetivamente usada essa modalidade de citação, mas realizada sem observância de formalidades prescritas na lei (artigo 191.º, n.º 2, 2.ª parte);
b) Omissão da indicação do prazo para a defesa (artigo 191.º, n.º 2, 2.ª parte);
c) Indicação de prazo para a defesa superior ao que a lei concede (artigo 191.º, n.º 3);
d) Citação realizada sem observância de outras formalidades prescritas na lei (artigo 191.º, n.º 1).
As nulidades que acabámos de identificar com as alíneas a) e b) são de conhecimento oficioso (artigo 196.º) e podem ser arguidas quando da primeira intervenção do citado no processo (artigo 191.º, n.º 2, in fine).
Nas demais nulidades, o prazo de arguição é o que tiver sido indicado para a contestação (artigo 191.º, n.º 2, 1.ª parte) e só podem ser conhecidas sobre reclamação dos interessados, salvos casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso (artigo 196.º, 2.ª parte).
Em todos estes (do artigo 191.º) casos de nulidade da citação, a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (n.º 4 do artigo 191.º).
Esclarecidos sobre como deve efetuar-se a citação de pessoa singular e sobre os vários tipos de nulidade da citação e os seus regimes, vejamos o caso concreto.
Arguiu falta de citação por erro na identidade do citando, mas sem razão. A citação feita teve como destinatária a ré e não um terceiro, e cumpriu os passos acima referidos e constantes dos artigos 228.º a 233.º, com exceção do referido no artigo 232.º, n.º 1. Ou seja, quando o AE se dirigiu à morada da ré e ali não a encontrou, aparentemente não terá deixado nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada, tendo logo efetuado a citação na pessoa que ali encontrou, nos termos do disposto no n.º 232.º, n.º 2, al. b).
A omissão do referido passo, teria de ter sido arguida no prazo da contestação, nos termos do disposto no artigo191.º, n.º 2.
Não se verifica nenhuma das causas de nulidade por falta de citação listadas no artigo 188.º, n.º 1.
IV. Decisão
Face ao exposto, os juízes desta Relação julgam a apelação improcedente e confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 05/06/2025
Higina Castelo
Pedro Martins
Laurinda Gemas