RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
Sumário

Sumário: (da responsabilidade da relatora):
1 – O reconhecimento do direito de terceiros a uma indemnização, prevista no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, depende da prova dos respetivos pressupostos, designadamente, da prova de que esses terceiros, que podiam exigir alimentos, já os recebiam ou deles necessitavam.
2 – Os progenitores não gozam do direito de receber indemnização a título de danos patrimoniais fora do quadro legal do artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil. Em concreto, inexiste fundamento legal que lhes permita serem indemnizados pela perda futura da capacidade de ganho do falecido.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
1 Os autores, ora apelantes, pediram a condenação da ré, apelada, no pagamento de uma indemnização, a título de reparação por danos patrimoniais, no valor global de € 1.160.203,13; por danos não patrimoniais, no valor de € 75.000,00 para cada autor; e pelas horas de agonia e sofrimento do filho dos autores, até ao seu falecimento, no valor de € 15.000,00, valores acrescidos de juros legais, desde a citação.
2 A ré contestou a ação, pedindo a sua improcedência.
3 Após julgamento, o tribunal de primeira instância proferiu sentença e decidiu nos seguintes termos:
Julgo parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, condeno a Ré - EURO INSURANCES DAC - a pagar aos Autores a quantia de € 123.073,54, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, devidos, sobre a quantia de € 8.073,54, desde a citação e, sobre a quantia de € 115.000,00, desde a presente data, até integral pagamento.
4 Os apelantes, inconformados com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreram. Concluíram as alegações, em suma, da seguinte forma:

CONCLUSÕES DOS APELANTES
A) Título principal, seja reconhecida e declarada, com os seus legais efeitos, a suscitada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ex vi o disposto pelo artigo 615.º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil;
B) Caso assim não se entenda, a título subsidiário, deverá ser fixada nova indemnização, em favor de cada um dos Apelantes, de € 75.000,00, a título de danos não patrimoniais;
C) Igualmente, deverá ser dado parcial provimento ao Recurso para que, por equidade, deverá a sentença recorrida ser revogada parcialmente para que a Apelada seja condenada no pagamento, em favor dos Apelantes, por ter o filho dos o filho destes sido vítima de atropelamento mortal, deixado de receber, até atingir a sua futura reforma, a importância de € 866.000,00 a título de lucro cessante, de seus salários até atingir a idade da reforma, mais juros legais;
D E, igualmente, por derradeiro, deverá igualmente ser dado provimento parcial ao presente Recurso para que, em correspondência com a matéria de facto ora impugnada, ser a sentença recorrida revogada parcialmente para que a Apelada seja condenada no pagamento, em favor dos Apelantes, na parcela de € 294.122,40 que o falecido filho destes, faria jus ao recebimento de 20 anos de pensão por reforma, ou seja, € 14.706,12 líquidos por ano, durante 20 anos, com juros legais;

5 A apelada respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão.

OBJETO DO RECURSO
6 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
7 Neste caso, os apelantes na sua motivação alegam a impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 6, 15 e 18, porém nas conclusões nada mencionam quanto a essa pretendida impugnação, devendo, nessa medida, entender-se que, tendo as alegações delimitado o objeto do recurso, essa questão ficou excluída, por não ter sido ali vertida.
8 Pelo exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir se o tribunal de primeira instância errou na fixação dos montantes indemnizatórios, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

FUNDAMENTOS DE FACTO
9 Com interesse para a decisão importa considerar o que resulta descrito no relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos, conforme julgados pelo tribunal de primeira instância.

FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO
A. Os Autores são pais do cidadão italiano VF, nascido a …/…/1985, em Itália.
B. O filho dos Autores, no final do ano de 2017, gozava período de férias em Portugal.
C. Na data de 30/11/2017, por volta das 13h30, VF encontrava-se em Lisboa e efetuava a travessia de uma passadeira de peões, localizada na Avenida 24 de Julho, junto ao Edifício da EDP.
D. Durante a sua travessia, já tendo percorrido 15,50 metros da respetiva passadeira, quando já havia superado 51,66% da totalidade da via, foi o mesmo colhido e atropelado pelo veículo de passageiros, marca Renault, matrícula …., que era conduzido por RR.
E. O veículo encontrava-se seguro na Ré EURO INSURANCES, através de Contrato de Seguro do Ramo Automóvel, titulado por Apólice (…).
F. O atropelamento ocorreu por desatenção do condutor do veículo, o qual, mesmo diante da presença do peão (durante a regular travessia), não imobilizou o veículo no espaço livre à sua frente, não permitindo que o peão concluísse o seu atravessamento, não obstante a passagem para peões se encontrar bem demarcada no pavimento e por sinalização vertical.
G. Em consequência do embate, na sequência de seu atropelamento, o peão foi projetado ao chão, onde ficou prostrado, e sofreu lesões traumáticas crânio- meningo-encefálicas, que foram causa adequada e determinante para a sua morte, a qual se verificou no dia 03/12/2017, pelas 18h25.
H. Foi deduzida acusação por parte do Ministério Público contra o condutor do veículo ligeiro e por sentença, já transitada em julgado, no âmbito do processo n° …/17.7T9LSB, o qual correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz …, foi RR condenado, além do mais, pela prática de um crime de homicídio por negligência.
I. VF, aquando de seu falecimento, era solteiro, não tendo companheira nem filhos.
J. Era soldado de carreira, do Exército italiano, desde 05/10/2005.
K. Na data de seu falecimento, detinha a patente militar de “Caporalmaggiore Scelto”, estando ligado ao Comando do “Reggimento Lagunari Serenissima”.
L. A sua sede de trabalho, quando não se encontrava em Missão no Estrangeiro, era o Quartel “…..”, localizado na localidade de …, Província de Veneza, em Itália.
M. Era o orgulho da família, tendo durante a sua carreira militar participado em três missões de manutenção da paz, nomeadamente da ONU e da NATO, no Líbano e no Afeganistão; em operações “Ruas Seguras” e, ainda, por ocasião do Jubileu em Roma, numa missão “Antiterrorismo”.
N. Recebeu condecorações em razão de serviços prestados em Itália e em Missões no Estrangeiro.
O. A projeção do valor bruto, sem retenções fiscais, do salário e de pensão que o falecido filho dos autores receberia, indica os valores de € 866.000,00 e € 19.000,00, respetivamente.
P. Nas exéquias fúnebres, transporte do corpo para Itália, viagens de seus parentes para Portugal, refeições em Lisboa, licenças de campa em cemitério e hotel, aquando do falecimento do seu filho, os Autores despenderam a quantia global de€ 8.073,54.
Q. A dor, saudade e angústia sofrida pelos Autores, em razão da perda do filho, nas condições sobreditas, foi e é intensa.
R. O Autor-pai e a Autora-mãe, carregam diariamente a dor da perda e das saudades do filho falecido, inconformados com o desaparecimento do mesmo, não aceitando a sua morte.

FACTOS JULGADOS NÃO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO

a) VF sofreu dor e agonizou desde as 13:30h do dia 30/11/17 até ao seu falecimento;
b) o acidente foi causado ou, pelo menos, influenciado pelos efeitos do consumo de canabinóides no falecido.
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO
Nota prévia
10 Na análise das questões objeto de recurso, todas as referências jurisprudenciais respeitam a acórdãos publicados em www.dgsi.pt, exceto quando expressamente mencionada publicação diferente.

Enquadramento legal

11 O enquadramento legal relevante a considerar na análise e solução deste caso é o seguinte:

Artigo 495.º, n.º 3, do Código de Processo Civil
Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava em cumprimento de uma obrigação natural.

Artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.

Artigo 2004.º, do Código Civil
1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

Artigo 2009.º, do Código Civil
1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:
a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;
b) Os descendentes;
c) Os ascendentes;
d) Os irmãos;
e) Os tios, durante a menoridade do alimentando;
f) O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste.

Artigo 2133.º, do Código Civil
1. A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adoção, é a seguinte:
a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Outros colaterais até ao quarto grau;
e) Estado.

Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil
A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Enquadramento das questões
12 O A única questão a decidir respeita aos danos, importando analisar e decidir se o tribunal de primeira instância errou na apreciação que fez dos danos patrimoniais e na quantificação que fez dos danos não patrimoniais.
13 O tribunal de primeira instância fixou as seguintes quantias:
- € 15.000,00, a título de dano morte;
- € 8.073,54 – a título de danos patrimoniais;
- € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais para cada um dos autores;
14 Os apelantes discordam da decisão porquanto nesta não se reconheceu o direito destes às quantias respeitantes aos salários e pensões previstas que o filho, falecido, deixou de receber.
15 Os apelantes discordam também do arbitramento da quantia de € 50.000,00, pois pretendem o arbitramento de € 75.000,00 a favor de cada um.

Danos patrimoniais
16 Os apelantes não têm razão quanto à pretensão de serem ressarcidos das quantias que o filho teria auferido ao longo da sua vida a títulos de salários e pensões de reforma.
17 É verdade que sendo o seu filho solteiro, e não tendo companheira ou filhos, os apelantes são os seus herdeiros – artigo 2133.º, do Código Civil.
18 É igualmente verdade, que nos termos do artigo 2009.º, n.º 1, al. b), do Código Civil os apelantes tinham direito a alimentos do seu filho, na medida encontrada entre a necessidade e a possibilidade de os prestar (artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil).
19 O reconhecimento do direito a alimentos é estabelecido com base nos seguintes pressupostos:
i) a existência do vínculo jurídico que a lei declara apto à constituição do direito;
ii) A verificação do binómio, necessidade (de quem invoca o direito a alimentos), possibilidade (de quem é obrigado a pagar).
20 O primeiro pressuposto releva a importância ético-social do vínculo familiar e a solidariedade familiar; o segundo, traduz em concreto a relevância do aspeto económico e financeiro.
21 Nos termos do artigo 495.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, enquanto pais com direito a alimentos, os apelantes podem ser ressarcidos a título de danos patrimoniais, numa exceção ao regime geral de que só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal tem direito a indemnização, e não os terceiros que apenas reflexa ou indiretamente sejam prejudicados – Cf. Código Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editores, 1987, Vol 1, p. 498.
22 Como também se entendeu no Ac. deste STJ de 17-02-2009, no proc. nº 08A2124, “A referência que é feita, no respetivo nº 3, do artigo 495, do CC, aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado, destina-se, desde logo, a explicitar o âmbito ou leque dos beneficiários de indemnização a que o terceiro causador do dano fica obrigado. A isto acresce que a justificação teleológica deste normativo, ao referir-se, concretamente, aos alimentandos e não a outra categoria ou qualidade de destinatários, consiste no facto de no mesmo preceito se tentar preservar o direito a alimentos daqueles que já antes usufruíam ou deles podiam usufruir” - também no Ac. STJ, de 27/9/2022, Pr. 253/17.5T8PRT-A.P1.S1, se entendeu nos mesmos termos.
23 Em conclusão, a indemnização por danos patrimoniais devidos aos parentes, em caso de morte da vítima, reconduz-se à prestação dos alimentos, sendo titulares deste direito os que podiam exigir alimentos ao lesado, em conformidade com o disposto pelos artigos 495º, nº 3 e 2009º, nº 1, do Código Civil.
24 Ora, porém, como referimos, o direito a alimentos depende não só do vínculo familiar, mas ainda do reconhecimento da necessidade de os receber e possibilidade de os pagar.
25 Neste caso, pese embora, os autores tenham a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito, pois que são os pais do falecido, não alegaram nem demonstraram que o falecido lhes prestasse alimentos, nem sequer que estes deles necessitem. Como defendido no Ac. STJ, de 25/5/2021, 674/20.6T8VFR.S1, a suscetibilidade de terem direito, não equivale a terem-no.
26 Aliás, os apelantes apenas basearam a sua pretensão de serem ressarcidos, na circunstância de serem herdeiros do falecido, pretendendo ser indemnizados pela perda futura de rendimentos decorrentes da sua morte.
27 Porém, a jurisprudência dos tribunais superiores já se pronunciou no sentido de que tal não é possível; entre outros salientamos os seguintes arestos:
– Ac. STJ, de 11/02/2015, Pr. 6301/13.0TBMTS.S1 - Tendo a vítima falecido, em consequência, necessária e imediata da colisão, não gozam os autores, seus progenitores, do direito a perceberem qualquer indemnização, a título de danos patrimoniais pela perda futura da sua capacidade de ganho, mas, apenas, com fundamento na obrigação legal de alimentos, a que se reporta a 1ª parte do nº 3 do art. 495° do CC, desde que se verificassem os respetivos pressupostos legais, o que, de todo, os autores recusam; e ainda que fora das hipóteses previstas no art. 495°, nº 3, do CC, não podem os herdeiros, pais da vítima mortal, com fundamento na transmissão «mortis causa», nos termos do disposto no art. 2142°, do CC, peticionar outros danos patrimoniais, não lhe sendo reconhecido o direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da sua morte);
- Ac. STJ, de 28/11/2013, Pr. 177/11.0TBPCR.S1 - O direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da morte de alguém, cuja personalidade cessou com esta, não é reconhecido por lei, nem à vítima, e, consequentemente, aos seus herdeiros, nem diretamente a estes.
- Ac. STJ, de 18/09/2012, Pr. 973/09.8TBVIS.C1.S1 - Os pais de um filho solteiro, falecido sem descendentes, num acidente de viação, não têm direito a indemnização pela perda de capacidade de ganho futura da vítima. - Ac. STJ, de 27/11/2008, Pr. nº 08P1413;
- Ac. STJ, de 29/01/2008, Pr. nº 07B4397 – Os pais do menor falecido na sequência de um acidente de viação não têm o direito de pedir o ressarcimento dos danos patrimoniais futuros correspondentes à perda de rendimentos que previsivelmente o seu filho receberia ao longo da vida.
- Ac. TRC, de 6/9/2011, Pr. 1478/07.7TBFIG.C1 - Não existe fundamento legal para a fixação, num quadro de responsabilidade civil extracontratual e no caso de morte da vítima, de uma indemnização respeitante a danos patrimoniais futuros (lucros cessantes) da própria vítima, traduzida na projeção do que esta auferiria a título de salários pelo seu trabalho, não fora a ocorrência do evento morte.
28 Em conclusão, os apelantes apenas poderiam ser ressarcidos a título de danos patrimoniais caso tivessem alegado e demonstrado receberem ou carecerem de alimentos, o que não fizeram.
29 Nestes termos, não têm razão os apelantes quanto a este fundamento de recurso, tendo decidido acertadamente o tribunal de primeira instância.

Danos não patrimoniais
30 A título de danos não patrimoniais, o tribunal de primeira instância fixou a cada um dos autores a quantia de € 50.000,00.
31 Os apelantes discordam, pretendendo o arbitramento de € 75.000,00 para cada um.
32 O tribunal de primeira instância fez uma análise da jurisprudência do STJ entre 2018 e 2024, tendo encontrado um valor que se situa dentro dos valores médios fixados pelo STJ para situações idênticas.
33 Disse o tribunal de primeira instância:
Assim, considerando a jurisprudência do STJ entre 2018 e 2024, verificamos que danos não patrimoniais sofridos na sequência da morte de progenitores começaram por ser fixados em € 30.000,00, aumentando esse valor para € 40.000,00 em 2021 e, em Acórdão de 10 de abril de 2024, foi atribuída a compensação de € 50.000,00 a cada um dos progenitores pela morte da filha na sequência de acidente de viação (cfr. Acórdão proferido em 5 de junho de 2018 Revista n.° 370/12.8TBOFR.C1.S2; Acórdão proferido em 21 de março de 2019, Revista 20121/16.7T8PRT.P1.S1; Acórdão proferido em 25 de fevereiro de 2021, Revista 4086/18.3T8FAR.E1.S1; Acórdão proferido em 7 de outubro de 2021 Revista 14810/15.0T8LRS.L2.S1; Processo 08A183).
Ora, por maioria de razão, considerando que nunca os pais esperam ter que “viver” a morte de um filho e verificando-se a morte do filho dos Autores na sequência de atropelamento causado exclusivamente pelo condutor do veículo seguro na Ré, de 32 anos de idade, sendo fora de dúvidas o abalo psíquico e emocional que os afetou de forma permanente e irreversível, entende-se que o dano não patrimonial para cada um deve ser fixado em € 50.000,00, na linha da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
34 Concordamos em geral com a argumentação expendida pelo tribunal de primeira instância.
35 De acordo com o artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada sempre com recurso à equidade sem, no entanto, tal significar discricionariedade. A indemnização deve ter em atenção os casos similares de acordo com a jurisprudência do STJ, procurando-se assim uma harmonização tanto quanto possível efetiva, porém sem perder de vista a singularidade do caso concreto.
36 Neste caso, consideramos relevante salientar, tal como o tribunal de primeira instância, a dor de perder um filho, que, naturalmente, não podemos quantificar. Qualquer valor arbitrado por esta via servirá apenas como meio para alcançar algum sossego ou proporcionar modos de aplacar a dor. Como se diz no Ac. STJ, de 17/12/2019, Pr. 669/16.4T8BGC.S1, será um valor que “de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados”, permitindo, não obstante o sofrimento irreparável e o enquadramento de inconformismo que carregam diariamente, algum otimismo e perspetiva de futuro mais positivo.
37 Consideramos ainda importante salientar que o falecimento ocorreu, não apenas pela forma violenta descrita nos factos provados, como também os pais, pessoas já com alguma idade (o que se conclui de acordo com a idade do falecido), foram confrontados com a notícia do atropelamento do filho, ocorrida num país estrangeiro com língua e cultura diversas. Se a notícia da morte de um filho causa uma dor intensa e irreversível quando ocorra num contexto familiar linguístico, ela é necessariamente agravada se a ocorrência for em país estrangeiro, distante, com toda a perplexidade, confusão, desnorte e abalo causados pela ignorância do sucedido, de como proceder, ou o que fazer. Todo este contexto agrava sobremaneira a dor sentida, o que não pode ainda deixar de ser tido em consideração, até porque a lembrança diária da perda envolve necessariamente também a dor associada a todas essas circunstâncias
38 Além disso, na ponderação dos valores médios fixados pelo STJ, julgamos também necessário proceder-se à sua atualização em função das taxas de inflação, particularmente elevadas nos anos de 2022 e 2023 (cf. www.ine.pt).
39 Em conclusão, à luz de todos estes argumentos, e particularmente tendo em consideração as circunstâncias deste caso, é adequado fixar o montante indemnizatório, a título de danos não patrimoniais em € 70.000,00 para cada apelante.

Custas
40 Nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil, ambas as partes deverão suportar as custas (na modalidade de custas de parte), na proporção do decaimento.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso, fixando o valor da indemnização, a título de danos não patrimoniais em € 70.000,00, para cada apelante, no mais confirmando a decisão impugnada.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente.

Lisboa, 17 de junho de 2025
Rute Lopes
Mónica Pavão
Micaela Sousa