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EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
INTERPELAÇÃO PARA PAGAMENTO
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS A FILHOS MENORES
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da relatora): 1 – A obrigação de alimentos a filhos menores distingue-se das obrigações de pagamento de quantia certa em geral, porquanto encerra a característica de pessoalidade - os alimentos são fixados à luz da necessidade concreta e em função da pessoa dos filhos -, cujo incumprimento tem consequências vexatórias e, se verificados os pressupostos, mesmo penais (artigo 250.º, do Código Penal). 2 – Nessa medida, a ação de execução para pagamento de quantia certa baseada no incumprimento da obrigação de alimentos só pode ser intentada após verificada a situação de incumprimento. 3 – Tendo as partes acordado que as despesas de educação dos filhos seriam pagas na proporção de 50%, mediante a apresentação dos respetivos comprovativos, a interpelação para pagamento apenas se verifica com essa apresentação. Consequentemente, só está incumprida a obrigação se, após o envio dos comprovativos, não forem pagos os montantes devidos. 4 - Deve ser rejeitado o requerimento executivo que tem por título o acordo referido no ponto anterior, se até à data da interposição da ação executiva nunca tiver o executado sido interpelado para cumprir, não valendo neste caso como interpelação a citação do executado, como o seria nas outras obrigações para pagamento de quantia certa, à luz do artigo 610.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
1 Os presentes embargos foram deduzidos por apenso à execução para pagamento das quantias referentes a pensão de alimentos acordada entre a exequente e o executado relativamente aos filhos de ambos.
2 No seu requerimento executivo apresentado em 22/4/2022, a apelada, além dos montantes das prestações mensais fixadas, reclamou o pagamento das quantias correspondentes a despesas de saúde e educação adiante elencadas
(…)
3 O requerido foi citado para a ação executiva em 28/10/2022, mas arguiu e foi reconhecida a nulidade da citação, por não estar acompanhada de documentos.
4 Por requerimento apresentado em 22/11/2022 no processo executivo, a apelada juntou àqueles autos os documentos comprovativos das despesas constantes do quadro supra identificado.
5 O requerido foi citado para a ação executiva em 15/12/2022.
6 O executado, ora apelante, deduziu oposição à execução movida pela exequente, ora apelada, visando a redução da quantia exequenda, de 18.746,99 €, para o montante das prestações mensais de alimentos em dívida, que à data da entrada da Execução era de 8.274,66 €
7 O tribunal de primeira instância proferiu decisão final julgando parcialmente os embargos, o que fez nos seguintes termos: “Face ao que precede e com os fundamentos expostos julgo os embargos de executado propostos por P contra M parcialmente procedentes. Em consequência, decide-se: Excluir da quantia exequenda o valor relativo à renovação do cartão de cidadã de FI; e Excluir ainda os juros de mora até à propositura da ação executiva atinentes às despesas de saúde daquela e do irmão FT que não tenham sido comunicadas ao executado em data prévia àquela (22/07/2022). No demais, os embargos são improcedentes.
8 Após a prolação da sentença, a embargada requereu a sua reforma nos seguintes termos: Nestes termos deve ser verificada a inexistência de pedido de juros de mora até à proposição da ação e atinentes a despesas de saúde e nesses termos ser retificado e excluído o dispositivo que declara procedente os embargos, com consequência na reforma da sentença em termos da responsabilidade tributária pelas custas, designadamente no que respeita às custas de parte, ex vi art. 614º nº 1 e 616º nº 1 e 2 b) do CPC.
9 Tendo o tribunal de primeira instância proferido o seguinte despacho: “(…) Assim sendo, nos termos do disposto nos arts. 614º e 615º, ambos do CPC, procedo à reforma da sentença, com a consequente exclusão do segmento B) do Dispositivo da sentença proferida nestes autos e consequente reformulação do valor das custas da responsabilidade de cada uma das partes, atento o diferente decaimento de cada uma. Notifique e, após trânsito, introduza a correcção agora determinado no local próprio (fazendo constar no Dispositivo à exclusão do segmento B) daquele).”
10 O apelante, inconformado com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma:
CONCLUSÕES DO APELANTE
I. - Pela douta Sentença recorrida só foi julgada procedente nos embargos de executado propostos pelo Embargante/Executado P, a parte em que se deve excluir o valor relativo à renovação do Cartão de Cidadão de FI, e
II. - Ainda nos juros de mora até à propositura da ação executiva atinentes às despesas de saúde daquela e do irmão FT que não tenham sido comunicadas ao executado em data prévia àquela (22/07/2022).
III. - Ora, os montantes da Execução excedem manifestamente os limites do título executivo.
IV. - O título executivo que fundamenta a Execução é o acordo de regulação das responsabilidades parentais homologado pela senhora conservadora do Registo Civil de Lisboa no passado dia 23 de Junho de 2016.
V. - Com relevo para os presentes autos, nesse título executivo dispõe- se o seguinte: O pai entregará à mãe, até ao dia 8 de cada mês, a título de pensão de alimentos, a quantia de 150 euros por cada filho, num total de 300 euros mensais, atualizável anualmente de acordo com os índices de inflação fixados pelo I.N.E. (ou segundo o aumento do ordenado do pai), tendo essa actualização início em janeiro de cada ano. ” As despesas de saúde, vestuário e educação serão suportadas conjuntamente, mediante apresentação do respectivo comprovativo. ”
VI. - Todas as execuções tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva - veja-se o art.° 10, n.° 5 do C.P.C..
VII. - O título executivo - acordo de regulação das Responsabilidades Parentais homologado e transitado em julgado - é um documento cuja interpretação obedece ao disposto nos Art.° 236 e 238, ambos do Código Civil.
VIII. - Não há nada no título executivo que aponte no sentido das despesas de saúde e de educação abranjam os estabelecimentos e entidades particulares e privadas.
IX. - E muito menos que as atividades extracurriculares - ATL - sejam suportadas por ambos os progenitores, já que quanto a estas não existe qualquer referência.
X. - E estas despesas como o ATL não existiam sequer antes da celebração do acordo de Regulação da Responsabilidades Parentais
XI. - Quanto às refeições reclamadas estas estão claramente abrangidas na pensão de alimentos, não havendo também qualquer referência, mesmo que implícita, às mesmas no título executivo.
XII. - Em resumo, do referido acordo - título executivo - não se retira, nem de forma expressa, nem implícita, a existência de várias obrigações reclamadas pela exequente/embargada, para além da pensão de alimentos e das despesas de saúde, vestuário e de educação, desde que tivessem sido comunicadas previamente ao Executado/Embargante.
XIII. - E sempre que as partes neste tipo de acordos falam só em despesas de educação e de saúde, só se estarão a referir às despesas em estabelecimentos públicos.
XIV. - Sempre que as partes pretendam abranger e alargar às despesas com o ensino privado e com os estabelecimentos de saúde e médicos privados, referem-no expressamente no acordo.
XV. - De qualquer forma, e sem condescender, também estas despesas com educação em estabelecimentos privados teriam de ser comunicadas previamente e não o foram,
XVI. - Não tendo este facto sido dado como provado na douta sentença recorrida.
XVII. - Ora a Exequente/Embargada está a reclamar com a interposição da execução, a título de despesas com colégios privados, a quantia de € 10.244,26 euros, que não podem ser exigidos ao Executado, ora Recorrente.
XVIII. - O Recorrente entende que não lhe é exigível o pagamento de despesas com actividades extra-curriculares - vide ATL - que a Embargada promoveu sem consultar o Embargante para o efeito, ao arrepio do estabelecido no acordo de regulação de responsabilidades parentais, que aqui serve de título executivo, e que ascendem a € 1.158,41 euros.
XIX. - Ora em conclusão, não se tendo provado nestes autos que a Exequente/Embargada apresentou os respetivos comprovativos das despesas, nunca poderão os montantes reclamados a título dessas despesas ser reclamados ao abrigo da execução contra a qual se deduziu a competente oposição.
XX. - Importa ainda dizer quanto ao montante reclamado por alegadas refeições fornecidas pelos estabelecimentos onde os menores foram colocados, que estas só podem estar dentro da “pensão de alimentos” prevista na cláusula terceira do Acordo de Regulação de Responsabilidades Parentais que constitui o título executivo na execução a que se deduziu oposição.
XXI. - Falamos também nesta rúbrica já que ascende a € 2.361,63 euros.
XXII. - E o facto do Embargante, quando podia - aconteceu nos anos lectivos de 2016/17 -, ter pago esse tipo de despesas, bem como o ATL, não pode ser o fundamento para considerar que tais despesas estão abrangidas no título executivo.
XXIII. - Quando o Embargante fez tais pagamentos, fê-lo a título de mera liberalidade, e porque nessa altura tinha capacidade financeira para o fazer.
XXIV. - O Executado/Embargante pagou aquelas despesas porque podia e diziam respeito aos seus filhos, nos termos do Art.° 402 do C. Civil - neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2018.
XXV. - Assim mesmo tendo em consideração o facto dado como provado na douta sentença recorrida de o Embargante ter pago, após a celebração do Acordo de Regulação da Responsabilidades Parentais, durante algum período (ano lectivo de 2016/17), metade das despesas com o ensino privado, e mesmo o ATL, não deixa de ser uma obrigação natural.
XXVI. - Pelo que que deverá ser revogada a douta Sentença recorrida, e ser substituída por outra, que considere também procedente a parte a que se refere aos montantes das despesas de refeições servidas nos estabelecimentos de educação, de todas as despesas de educação em estabelecimentos privados, das despesas com as actividades extracurriculares, nomeadamente o ATL, e das despesas de saúde, e, ainda, por maioria de razão, todas essas despesas que não tenham sido comunicadas previamente.
XXVII. - A douta sentença recorrida violou assim as normas contidas nos Art.°s 236, 238, 402, todos do Código Civil e nos Art.°s 6, n.° 2, 10, n.° 5, 703, n.° 1, al b), 713, 726, n.° 3, 729, al. e), 732 e 734, todos do Código de Processo Civil.
XXVIII. Termos em que a Sentença Recorrida deve ser revogada, declarando-se procedente os embargos deduzidos em toda a matéria reclamada para além dos montantes das pensões de alimentos não pagas e das despesas de educação e de saúde públicas previamente comunicadas, e, na pior das hipóteses, o que só se admite por mero dever de patrocínio, em relação a estas se se entender que são devidas as despesas com educação e saúde privadas, e sem condescender, todas as que comprovadamente foram comunicadas previamente ao Executado/Embargante, devendo os autos de execução seguir os seus trâmites até final com respeito pelo título executivo, com o que será feita.
11 Recebido o recurso, foram as partes notificadas pela relatora para, querendo, se pronunciarem sobre poder verificar-se a circunstância da dívida exequenda não estar vencida aquando da interposição da ação executiva, por falta de interpelação prévia para pagamento das despesas.
12 Ambas as partes vieram pronunciar-se, o apelante no sentido de que o pagamento das despesas não era exigível por a apelada nunca ter remetido ao apelante o comprovativo do pagamento das mesmas; a apelada, no sentido de que a interpelação para pagamento das despesas de educação se realizou com a citação do executado ex vi art. 805º nº 1 Código Civil.
OBJETO DO RECURSO
13 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
14 À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento quanto aos montantes que considera devidos.
FUNDAMENTOS DE FACTO
15 Com interesse para a decisão importa considerar o que resulta descrito no relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos, conforme julgados pelo tribunal de primeira instância.
FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO
1. Embargante e embargada são os progenitores de FI e FT, ambos menores de idade.
2. O exercício das responsabilidades parentais quanto às duas crianças está regulado por acordo celebrado entre ambos os progenitores, homologado em conferência em conservatória do registo civil em 23 de Junho de 2016, servindo o mesmo de suporte à execução.
3. No ano letivo de 2016/2017 a FI frequentou colégio particular, tendo o executado pago metade do mesmo e do ATL.
4. O executado aqui embargante não procedeu ao pagamento dos valores em execução.
5. O executado reconhece dever pagar as pensões de alimentos reclamadas e também as despesas de saúde relativas às duas crianças.
6. A embargada deixou de enviar ao embargante os valores das despesas médicas.
OUTROS FACTOS
16 É relevante considerar ainda, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que resulta dos autos (em concreto do teor dos documentos juntos com a contestação que não foram impugnados e com referência aos anos de 2019 até à data de interposição da ação), o seguinte:
a) Em 26/6/2016, o embargante e a embargada acordaram quanto ao exercício das responsabilidades parentais, além dos mais, o seguinte: “3ª O pai entregará à mãe, até ao dia 8 de cada mês, a título de pensão de alimentos, a quantia de 150 euros por cada filho, num total de 300 euros mensais, atualizável anualmente de acordo com os índices de inflação fixados pelo INE (ou segundo o aumento do ordenado do pai) tendo essa atualização início em janeiro de cada ano. 5ª As despesas de saúde, vestuário e educação serão suportadas conjuntamente, mediante a apresentação do respetivo comprovativo.”
b) Em 24/9/2020 a apelada comunicou ao apelante estar em dívida o valor de despesas de material escolar e livros para este novo ano letivo no valor total material e livros : 341,12€ ÷ 2 = 170,56€.
c) Em 11/9/2019, a apelada enviou ao apelante, faturas nos valores de 26,10 euros, de 50,38 euros, 24.99 euros e 12,00 euros, respeitantes à aquisição de material escolar.
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO Nota prévia
17 Na análise das questões objeto de recurso, todas as referências jurisprudenciais respeitam a acórdãos publicados em www.dgsi.pt, exceto quando expressamente mencionada publicação diferente.
Enquadramento legal
18 O enquadramento legal relevante a considerar na análise e solução deste caso é o seguinte:
Artigo 711.º, do Código de Processo Civil
1 - Enquanto uma execução não for extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não se verifique qualquer das circunstâncias que impedem a cumulação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Artigo 713.º, do Código de Processo Civil
A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo. Artigo 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
1 - Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efetuou ou ofereceu a prestação. Artigo 726.º - Despacho liminar e citação do executado
1 - O processo é concluso ao juiz para despacho liminar.
2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:
a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;
c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso;
d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação.
3 - É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.
4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º.
5 - Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo. Artigo 729.º, al. e), do CPC
Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução. Artigo 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. Artigo 933.º, n.º 1, e 5 do Código de Processo Civil
1 - Na execução por prestação de alimentos, o exequente pode requerer a adjudicação de parte das quantias, vencimentos ou pensões que o executado esteja percebendo, ou a consignação de rendimentos pertencentes a este, para pagamento das prestações vencidas e vincendas, fazendo-se a adjudicação ou a consignação independentemente de penhora.
5 – O executado é sempre citado depois de efetuada a penhora e a sua oposição à execução ou à penhora não suspende a execução. Artigo 250.º do Código Penal
1 - Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento, é punido com pena de multa até 120 dias.
2 - A prática reiterada do crime referido no número anterior é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
3 - Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
4 - Quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo previsto no número anterior, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
5 - O procedimento criminal depende de queixa. 6 - Se a obrigação vier a ser cumprida, pode o tribunal dispensar de pena ou declarar extinta, no todo ou em parte, a pena ainda não cumprida.
* Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil
A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
1. Obrigação de pagar as despesas de saúde
19 O apelante questiona a obrigação de pagar as despesas de saúde.
20 Mas não lhe assiste razão quanto a estas despesas.
21 No seu requerimento de embargos, concretamente no artigo 45.º, o apelante disse: “No entanto mesmo não lhe tenham sido comunicadas essas despesas com saúde, o Opoente está disponível a proceder ao pagamento da sua quota parte.”
22 Ao manifestar a sua disponibilidade para pagar a quota parte das despesas de saúde, o apelante reconheceu ser devedor das mesmas no que deve configurar-se como uma verdadeira confissão, à luz do artigo 357.º e ss. do Código Civil. Além disso. Declarou-o expressamente por escrito, sem prejuízo do facto de que as despesas não lhe foram comunicadas.
23 Esta confissão judicial, que o apelante não pôs em causa no seu recurso, tem força probatória plena contra si – artigo 358.º, do Código Civil.
24 Além disso, e com base na declaração do apelante, o tribunal de primeira instância fez constar a seguinte proposição (5) na matéria de facto provada: O executado reconhece dever pagar as pensões de alimentos reclamadas e também as despesas de saúde relativas às duas crianças.
25 Tal proposição não foi posta em causa pelo apelante em sede de recurso.
26 Nessa medida, à luz do que ficou exposto, a confissão de reconhecimento da dívida quanto às despesas de saúde deve prevalecer e determinar a rejeição dos fundamentos de recurso que visam a revogação da decisão do tribunal de primeira instância quanto á condenação em relação ao pagamento das despesas de saúde.
2. Obrigação de pagar as despesas de educação
27 O apelante invoca que as despesas de educação não são devidas.
28 A argumentação do apelante é estruturada essencialmente com base em dois fundamentos.
29 Argumenta, por um lado, que as despesas de educação não lhe foram previamente comunicadas pela apelada até à interposição da execução. Argumenta ainda, por outro, que parte das despesas de educação reclamadas não resultam do título executivo – em concreto, as despesas respeitantes a instituições particulares, ATL e despesas de alimentação na escola.
Exigibilidade da obrigação
30 É verdade que, nos termos do acordo celebrado entre as partes, as despesas de educação seriam pagas mediante a apresentação do respetivo comprovativo. É igualmente verdade que à exceção das despesas referidas nos factos provados (sob o título Outros Factos), as restantes despesas de educação nunca foram comunicadas ao apelante previamente à interposição da ação.
31 Sobre esta questão, o tribunal de primeira instância considerou que a comunicação das despesas só releva para a contagem dos juros. Disse o tribunal de primeira instância: Importa ter em atenção o art. 5° do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais devidamente homologado que se encontra ínsito na execução apensa. Nele pode ler-se: “As despesas de saúde, vestuário e educação serão suportadas conjuntamente por ambos os progenitores, mediante apresentação do respectivo comprovativo.” Importa salientar que a apresentação ou não do comprovativo das despesas nesta sede face ao teor do acordo, apenas releva para efeito de determinação da data a partir da qual são devidos juros de mora. Com efeito, apenas se demonstrando que as despesas foram comunicadas ao executado em momento prévio à instauração da execução, é possível pedir juros de mora quanto a esses montantes em momento anterior à sua cobrança em juízo”.
32 Discordamos deste juízo, com todo o respeito.
33 Em regra, o título executivo deve ser autossuficiente, mas a lei admite limites a essa autossuficiência, como nas situações em que a obrigação não seja certa, exigível ou líquida.
34 Como ensina Lebre de Freitas em “A Ação Executiva”, Coimbra Editora, 1993, p. 29, “[o] acertamento é o ponto de partida da ação executiva, pois a realização coativa da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjetivos e objetivos) da relação jurídica de que ela é objeto. O título executivo contém esse acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da ação executiva» (…) isto é o tipo de ação (…) e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para ela (…) e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (…), em face dele se verificando se a obrigação é certa, líquida e exigível”.
35 Segundo o mesmo autor e obra, p. 65, “[a] ação executiva pressupõe o incumprimento da obrigação. Ora, o incumprimento não resulta do próprio título quando a prestação é, perante este, incerta ou inexigível. Há então que a tornar certa ou exigível, sem o que a execução não se pode promover”.
36 De acordo com o Código de Processo Civil anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, 3ª ed. Almedina, vol II, p. 42, verifica-se a exigibilidade da obrigação exequenda, quando:
· A obrigação está vencida;
· O vencimento da obrigação depende de simples interpelação do devedor (artigo 777.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e este foi interpelado extrajudicialmente;
· O vencimento da obrigação depende de simples interpelação do devedor (artigo 777.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e este não foi interpelado extrajudicialmente, sendo-o pela citação para a ação executiva (artigos 551.º, n.º 1 e 610.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).
37 A entrega dos comprovativos do pagamento das despesas acordada entre as partes constitui a interpelação para pagamento. No entanto, notamos que ela extravasa o âmbito da mera comunicação formal de exigência de pagamento que caracteriza, em regra, a interpelação (artigo 777.º, do Código Civil), na medida em que faz depender a obrigação do pagamento das despesas escolares, da remessa dos respetivos comprovativos. Consequentemente, também a situação de incumprimento depende dessa remessa. Por outras palavras, a interpelação para pagamento ocorre com a receção dos comprovativos das despesas e só esta, realizada nestes termos, permite considerar verificado o vencimento da obrigação e o seu subsequente incumprimento.
38 É que não estamos no âmbito de uma qualquer obrigação, mas de uma obrigação de alimentos a filhos menores, com características de pessoalidade - os alimentos são fixados à luz da necessidade concreta e em função da pessoa dos filhos -, cujo incumprimento tem consequências vexatórias e, se verificados os pressupostos, mesmo penais (artigo 250.º, do Código Penal). A obrigação de alimentos está ligada ao vínculo familiar existente entre pais e filhos, sendo uma demonstração do cuidado e responsabilidade dos pais pela vida do menor. Nessa medida apresenta traços idiossincráticos, distintivos das demais obrigações em geral.
39 E é por esse motivo, e contrariamente ao que é geralmente admitido (artigo 610.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil), que não se pode aceitar a interpelação realizada através da citação para a ação executiva. Acresce mesmo que, neste caso, aquando da 1ª citação (que veio a ser declarada nula), nem sequer foram enviados ao executado os comprovativos das despesas porque não haviam ainda sido juntos aos autos.
40 Trata-se, como vimos, de uma situação particular de obrigação e de incumprimento, com contornos e consequências especiais, que não pode deixar de ser tomada em consideração na ponderação do reconhecimento do requisito de exigibilidade. Não vale por isso aceitar-se que possa, pela mera citação, verificar-se a interpelação e, com isso, o vencimento e incumprimento da dívida. Sem prejuízo, admite-se, poderá equacionar-se, no futuro, verificados que estejam os pressupostos, uma cumulação de execuções.
41 Neste caso, exceto quanto a algumas despesas, a apelada não enviou ao apelante, antes da interposição da ação executiva, os comprovativos das despesas de educação. O reconhecimento do vencimento da obrigação e incumprimento está limitado a essas despesas comunicadas.
42 O cumprimento dos requisitos com vista à exigibilidade da obrigação constitui pressuposto processual cuja falta o tribunal deve conhecer logo no despacho liminar, determinando a rejeição do requerimento executivo, caso não seja sanada - Artigo 726.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil. É, portanto, de conhecimento oficioso. Não havendo lugar a despacho liminar como é o caso dos autos (artigo 933.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), pode o juiz conhecer até nos termos do artigo 734.º, do Código de Processo Civil. Sem prejuízo, a inexigibilidade da obrigação pode ser fundamento de oposição à execução (artigo 729.º, al. e) do Código de Processo Civil), como neste caso.
43 Em conclusão, são parcialmente procedentes os embargos, não podendo esta execução prosseguir quanto às despesas de educação reclamadas, exceto quanto aos valores 341,12 euros; 26,10 euros; 50,38 euros; 24.99 euros e 12,00 euros, relativamente aos quais o apelante é responsável na proporção de 50% e que respeitam a despesas de material escolar.
Insuficiência do título
44 À luz da decisão relativa à (in)exigibilidade da obrigação, o conhecimento do segundo fundamento de argumentação do apelante quanto às despesas educação – saber se as despesas de educação abrangem os estabelecimentos particulares e ATL ou as despesas de alimentação na escola mostra-se prejudicado.
45 As despesas escolares reconhecidas não se inserem em qualquer daquelas categorias, por se referirem a material escolar.
3. Custas
46 Nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil, ambas as partes devem suportar as custas, face à decisão proferida na presente apelação, cuja proporção se fixa em 9/10 para a apelada e 1/10 para o apelante.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso, revogando parcialmente a decisão recorrida e julgando procedentes os embargos, ainda quanto a todos os montantes pedidos a título de despesas de educação, exceto relativamente aos valores 341,12 euros; 26,10 euros; 50,38 euros; 24.99 euros e 12,00 euros, que o apelante é responsável na proporção de 50%.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
Custas por ambas as partes, na proporção de 9/10 para a apelada e 1/10 para o apelante.
Lisboa, 17 de junho de 2025
Rute Lopes
Carlos Oliveira
Paulo Ramos de Faria