ACÇÃO CÍVEL EMERGENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACÇÃO NÃO CONTESTADA
EFEITO COMINATÓRIO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
COLISÃO DE VEÍCULOS
FACTO ILÍCITO
CÓDIGO DA ESTRADA
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sumário: (art.º. 663 nº 7 Cod. Proc. Civil):
I - Tendo a R. sido citada regularmente, não apresentando contestação, não sendo os factos alegados na petição inicial nenhum daqueles relativamente ao qual a lei não admite confissão, nem um daqueles factos para os quais a lei impõe determinada forma para a sua validade, verifica-se uma situação de revelia, operando o efeito probatório decorrente da admissão ou confissão (ficta ou tácita) dos factos – arts. 567º n.º 1, 568º al. c), e 574º n.º 2 do Cod. Proc. Civil.
II – Nessas circunstâncias, o tribunal de julgamento deve limitar-se a declarar provados os factos alegados na petição inicial, considerando-se os mesmos como assentes por mero efeito legal da situação de revelia, não carecendo de outra valoração probatória, designadamente não tendo o tribunal de julgamento que avaliar um documento junto com a petição inicial no qual constam as declarações dos intervenientes no acidente de viação, prestadas à polícia após o acidente.
III - Pretendendo a R. que no momento anterior ao embate a condutora do veículo que precedia o veículo por si segurado, procedeu à mudança de direção sem cuidado, sem sinalizar a mudança de direção, e que travou de forma repentina, deveria ter alegado tais factos na contestação, assim cumprindo o ónus imposto pelo art.º 5º n.º 1 do Cod. Proc. Civil; não o tendo feito, não podem esses factos ser considerados para o efeito de imputar à condutora desse veículo a culpa na produção do acidente.
IV – Resultando dos factos provados que 3 veículos automóveis seguiam pela faixa esquerda de uma via pública, que o 1º desses veículos abrandou a velocidade (travou), tendo o 2º veículo, que seguia logo atrás daquele, evitado o embate, o mesmo não ocorrendo quanto ao 3º veículo que foi embater na parte traseira daquele 1º veículo, deve concluir-se que o condutor do 3º veículo (segurado pela R). não mantinha para os veículos que o precediam uma distância de segurança, nem seguia a uma velocidade moderada (especialmente exigida pelo trânsito intenso que se verificava), que lhe permitisse imobilizar em segurança o seu veículo, ainda que não se tenha apurado nem a velocidade a que seguiam os veículos, nem a distância que os separava.
V – Das circunstâncias acima descritas, resulta que o condutor do veículo segurado pela R. incorreu na prática de um facto ilícito, porque violador dos arts 11º n.º 2, 18º n.º 1, 24º n.º 1 e 25º n.º 1 al. m) do Cód. da Estrada, do qual decorre uma presunção de culpa na produção do acidente, que a R. não conseguiu contrariar.

Texto Integral

    Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
1. O A. instaurou ação declarativa de condenação contra a R. Seguradora, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia € 18.402,14, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Alegou o A. que ocorreu um embate entre vários veículos automóveis, e que o único responsável pelo mesmo foi o condutor do veículo segurado na R., tendo em consequência do mesmo acidente resultado danos patrimoniais para uma funcionária do A., a qual se dirigia para o seu local de trabalho num dos veículos intervenientes, tendo o A. despendido com a mesma funcionária o valor global de € 18.402,19, a título de vencimentos, abonos e despesas médicas.
Regularmente citada, a R. não apresentou contestação, tendo sido declarados confessados os factos alegados pela A. na petição inicial.
Foi proferida sentença, a qual julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de € 17.884,18, acrescida de jutos de mora desde a citação até pagamento.
     
2. Inconformada com a sentença, a R. apelou da mesma, concluindo:
1ª A sentença recorrida considera que a responsabilidade pelo acidente de viação, e simultaneamente de trabalho, que fundamenta o pedido de reembolso das despesas despendidas com a agente policial NV reclamado pelo Estado Português nos presentes autos, é exclusivamente imputável à Apelante, condenando-a, por isso, a pagar a quantia de 17.884,18€, acrescida de juros de mora.
2ª A Apelante discorda da decisão do tribunal de 1ª instância, entendendo que a análise das circunstâncias e dinâmica do acidente e a aplicação do Direito foram incorretas, padecendo de erro de julgamento. Em particular, a Apelante contesta a avaliação do douto Tribunal que atribuí exclusivamente ao condutor do veículo “XN” a responsabilidade pela produção do acidente, desconsiderando a conduta da condutora do veículo “TD” retratada na matéria de facto dada como provada, que teve um impacto único e decisivo no acidente e que nem sequer foi objeto de avaliação critica por parte do douto Tribunal.
3ª O tribunal não apreciou de forma adequada a prova documental, nomeadamente as declarações dos condutores envolventes no acidente de viação em discussão, que indicam que o veículo “TD” travou de forma repentina e inadequada, devendo, pois, ser aditado ao ponto 10. dos factos provados após travou a expressão “de repente”, pois tal está documentalmente provado.
4ª A decisão do tribunal de 1ª instância, ao atribuir a responsabilidade exclusiva ao condutor do veículo “XN”, ignorou a relevância das ações da condutora do veículo “TD” que executou uma manobra de mudança de via sem respeitar os deveres de cuidado legalmente estabelecidos (por duas vezes) e uma travagem repentina sem estar verificada uma situação de perigo iminente, e não sinalizou a redução significativa da velocidade do seu veículo, violando as normas de trânsito, nomeadamente as estipuladas nos artigos 12º, 13º, 24.º, n.º 2, 26º, 35.º, n.º 1 e 63.º, n.º 2 do Código da Estrada.
5ª E que tal conduta imprudente e desatenta é censurável, pois, a condutora do “TD” podia e devia ter adotado um comportamento conforme aos deveres que se lhe impunham, pois inexistia qualquer obstáculo na via que a impedisse de seguir a sua marcha, pelo que a sua conduta é a causa adequada e exclusiva do acidente em discussão nos autos.
6ª Se a condutora do “TD” se tivesse certificado, antes de iniciar a manobra, que na via central não circulava outro veículo, não seria confrontada já quando está a realizar a manobra com circulação de outro veículo na via central, donde decorre a necessidade de volver à via da esquerda e não teria ocorrido o acidente. Da mesma forma que se a condutora do “TD”, quando retoma a via da esquerda, não tivesse efetuado uma travagem repentina e sem justificação e voltado a insistir na mudança de via, também seria de prever, segundo as regras da experiência comum, que não existiria incidentes a registar, bastaria ter cumprido com o disposto nos preceitos supra citados.
7ª No ordenamento jurídico português está consagrada a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, o mesmo é dizer que “um facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.
8ª Em suma o comportamento da condutora do “TD” atuou em concreto como causa adequada do acidente e dos danos, dado que no condicionalismo concretamente ocorrido, sem estas infrações o resultado danoso (em que se traduziu o acidente) não teria sido desencadeado.
9ª Da factualidade dada como provada não resulta qualquer facto que estabeleça a distância a que circulava o “XN” relativamente ao veículo que o precedia ou a qualquer outro, nem qualquer facto donde decorra a velocidade a que circulava o “XN” ou qualquer veículo interveniente no acidente, e da análise conjugada de toda a factualidade reportada às circunstâncias e dinâmica do acidente também nada resulta donde se possa inferir tal factualidade, mas o Tribunal ao fundamentar a sua posição refere que “resulta claro que o condutor não observou as normas estradais referidas, porquanto não manteve entre o veículo que conduzia e os veículos que o precediam (designadamente, num primeiro momento, o veículo RQ e, num segundo momento e após ultrapassagem efetuada por este, o veiculo TD) uma distância de segurança, de forma a fazer parar o seu veiculo no espaço livre e visível à sua frente” ou que “deveria o condutor do veículo “XN” ter moderado especialmente a velocidade, de forma a assegurar-se que conseguia imobilizar em segurança o seu veículo”.
10ª Inexistindo nos factos dados como provados qualquer referência à distância e velocidade a que circulava o veículo “XN” não pode esse facto ser considerado na sentença através do recurso a simples presunção judicial, pelo que não o douto Tribunal concluir pela violação de qualquer norma estradal por parte do condutor do “XN”, sem prova concreta sobre a velocidade e a distância de seguimento.
11º O acidente de viação não é uma estática, mas uma dinâmica, daí que os factos adquiridos devam ser interpretados numa perspetiva critica para se apurar, selecionar, surpreender aqueles que tiveram a virtualidade de, só por si, desencadearem todo o nexo causal e necessário ao evento, não podendo, pois, dissociar-se a atuação da condutora do “TD”, consistente nas tentativas de mudança de via, travagem e falta de sinalização da redução significativa da velocidade, do desfecho que levou ao embate do “XN” na parte traseira do “TD” e embates subsequentes.
12º Caso se considere que ambos os condutores contribuíram para o acidente, no que não se concede, sempre se diga que deve haver uma repartição das responsabilidades, conforme previsto no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, atribuindo-se um maior grau de culpa da condutora do veículo TD na produção da ocorrência do evento colisão.
13ª A douta sentença violou, assim, os artigos 349.º , 483º e 563º do CC, os artigos 12º, 13º, 24º, n.º2, 35º e 63º, n.º 2 do Código da Estrada e o artigo 712.º, n.º 1, do CPC.
   
II – Questões a decidir
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Cod. Proc. Civil, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
     No caso dos autos, atento o teor das conclusões, as questões a decidir prendem-se essencialmente em saber se (i) deve ser alterada a matéria de facto, sendo aditado um facto resultante de um documento não valorado pelo tribunal, e (ii) se deve a condutora do veículo segurado na R. ser responsabilizada em alguma medida pela produção do acidente, da qual resultaram danos para o A.
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III – Fundamentação de Facto
Transcrição parcial da decisão recorrida)
(…) Factos Provados
1. No dia …  ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes os seguintes veículos automóveis:
- viatura ligeira de passageiros de matrícula TD (doravante TD);
- viatura ligeira de passageiros de matrícula RQ;
- viatura ligeira de passageiros de matrícula XN (doravante XN);
- viatura ligeira de passageiros de matrícula TN (doravante TN);
2. Ao Km 3.1, o IC caracteriza-se por ser uma via reservada a veículos automóveis e motociclos, com três vias de trânsito em cada sentido.
3. A velocidade máxima autorizada na local referido em 2 é de 100 km/h.
4. No momento do acidente referido em 1, o trânsito era intenso.
5. As viaturas referidas em 1 circulavam no IC,.
6. Na faixa de rodagem da direita seguia a viatura TN.
7. A viatura TD circulava na faixa de rodagem da esquerda.
8. Atrás da viatura TD circulava a viatura RQ e, atrás desta, a viatura XN.
9. Enquanto se encontrava a circular na faixa de rodagem da esquerda, o condutor da viatura TD aproximou-se da faixa central da via de rodagem (…)
10. sendo que, em virtude de se ter apercebido que na faixa central circulava outro veículo, retomou a circulação na faixa de rodagem da esquerda e travou.
11. De seguida, o condutor do veículo RQ, com vista a evitar o embate com a viatura TN, travou o seu veículo.
12. Ato contínuo, o condutor da viatura TD aproximou-se novamente da faixa central da via de rodagem (…)
13. Tendo, neste momento, o condutor do veículo RQ utilizado o espaço existente entre o separar central e a viatura VD para ultrapassar este veículo.
14. A viatura XN, que seguia atrás da viatura RQ antes da ultrapassagem referida em 13, veio a embater no lado direito da traseira da viatura TD.
15. Em consequência do embate referido em 14, o veículo TD rodopiou e veio a embater no veículo RQ, projetando-o contra o separador central.
16. Seguidamente após embater na viatura TD, o veículo XN invadiu a faixa de rodagem da direita, na qual circulava o veículo TN, embatendo na sua lateral esquerda.
17. À data do embate, NV, condutora do veículo TN, prestava serviço na Brigada de Sinistralidade Rodoviária da PSP,  e encontrava-se escalada no turno de serviço das 07h45m-16h30m.
18. No momento do embate, NV deslocava-se da sua habitação, sita na Rua …, para o seu local de trabalho na PSP.
19. Como consequência direta do embate referido em 16, NV sofreu um trauma torácico, cervical e no ombro esquerdo e recebeu tratamento médico no Hospital.
20. As lesões referidas em 19 demandaram para NV uma incapacidade absoluta para o trabalho de 300 dias.
21. Durante o período de tempo referido em 20, o A. ficou privado dos serviços que NV prestava, na qualidade de agente da PSP.
22. Durante o período referido em 20, o A. despendeu com NV, sem qualquer contrapartida, os seguintes montantes: (…) (o que perfaz o montante global de € 18.402,14).
(…) 
IV – Fundamentação de Direito
a) A 1º questão suscitada pela R. relaciona-se com a factualidade considerada como provada pela decisão recorrida, considerando que “o tribunal não apreciou de forma adequada a prova documental, nomeadamente as declarações dos condutores envolventes no acidente de viação em discussão, que indicam que o veículo “TD” travou de forma repentina e inadequada, devendo, pois, ser aditado ao ponto 10. dos factos provados após travou a expressão “de repente”, pois tal está documentalmente provado.
Pretende assim a R. impugnar a matéria de facto provada, aditando-se um novo facto.
Vejamos: Como resulta do relatório, citada regularmente a R., a mesma não apresentou contestação. Do silêncio da R., resultou a admissão dos factos invocados na petição inicial, os quais o tribunal, por despacho judicial, declarou como confessados; sendo a revelia operante – e a R. não o coloca em causa - atua o efeito probatório decorrente da admissão ou confissão (ficta ou tácita) dos factos – art.º 567º n.º 1 do Cod. Proc. Civil
Não sendo nenhum dos factos provados alegados na petição inicial um facto relativamente ao qual a lei não admite confissão (art. 354.º do Cód. Civil e 568º al. c) do Cod. Proc. Civil), nem um daqueles factos para os quais a lei impõe determinada forma para a sua validade (requisito ad subtantiam) ou prova (requisito ad probationem) – art.º 364º do Cod. Civil - nada obsta a que, da não contestação da R., resulte o referido efeito probatório; os factos alegados pelo A. consideram-se admitidos por acordo, ou seja, como não controvertidos  - art.º 574º n.º 2 do Cod. Proc. Civil.
Assim sendo, aquela factualidade considera-se definitivamente adquirida (provada) para o processo.
A recorrente alega que “o tribunal não apreciou de forma adequada a prova documental, nomeadamente as declarações dos condutores envolventes no acidente de viação em discussão”, mas o tribunal não tinha de fazer a avaliação dessa prova; apenas tinha que verificar os requisitos dos quais dependia a verificação de uma revelia operante relativamente aos factos alegados na petição inicial (e não a quaisquer outros, designadamente aquele que a R. não alegou, mas pretende agora aditar), avaliar se os mesmos admitiam confissão e se não exigiam especial meio de prova (nos termos acima assinalados), declarando-os posteriormente confessados. Tais factos passaram a estar assentes por mero efeito legal da situação de revelia, não carecendo de qualquer valoração probatória – cfr. Acs do S.T.J. de 22/06/2022, proc. n.º 4280/17.4T8MTS.P3.S1, e de 24-02-2020, proc. n.º 516/18.5T8CBR.C1.S1.           
    
b) Nas restantes conclusões, a recorrente coloca em causa a decisão recorrida na parte em que concluiu pela imputação, ao condutor do veículo por si segurado, da culpa na produção do acidente, pretendendo que deveria ter sido excluída a sua culpa, ou ao menos que a culpa seja dividida com a condutora do veículo TD.
Vejamos então o que resulta da factualidade considerada provada:
Dos factos provados, resulta que numa via pública, com três vias de trânsito em cada sentido, e num dia de trânsito intenso, seguiam 4 veículos: o TD, o RQ, o XN (conduzido pelo segurado da R.), e o TN (conduzido pela funcionária do A.); o TD, o RQ, e o XN seguiam - por esta ordem - na faixa mais à esquerda, enquanto o TN seguia na faixa de rodagem da direita.
Enquanto se encontrava a circular na faixa de rodagem da esquerda, o TD aproximou-se da faixa central da via de rodagem, sendo que, em virtude de se ter apercebido que na faixa central circulava outro veículo, retomou a circulação na faixa de rodagem da esquerda e travou. O condutor do veículo RQ (que seguia imediatamente atrás do TD), com vista a evitar o embate com a viatura TD (e não “VD”, como por lapso consta do facto provado 13), travou o seu veículo. De seguida, o condutor da viatura TD aproximou-se novamente da faixa central da via de rodagem, tendo neste momento, o condutor do veículo RQ utilizado o espaço existente entre o separador central e a viatura TD para ultrapassar este veículo. Já a viatura XN (segurada na R.), que seguia atrás da viatura RQ antes da ultrapassagem do RQ ao TD (acima referida), veio a embater no lado direito da traseira da viatura TD.
Em consequência deste embate (do XN na traseira do TD), o mesmo XN invadiu a faixa de rodagem da direita, na qual circulava o veículo TN (conduzido pela funcionária da A.), embatendo na sua lateral esquerda, provocando-lhe os danos patrimoniais cujo ressarcimento é peticionado pelo A.
c) Deste circunstancialismo, retirou a decisão recorrida a conclusão de que o condutor do veiculo segurado na R. (o XN) não observou o disposto nos arts 11º n.º 2, 18º n.º 1, 24º n.º 1 e 25º n.º 1 al. m) do Cód. da Estrada, por não ter mantido entre o veículo que conduzia e os veículos que o precediam (designadamente, num primeiro momento, o veículo RQ e, num segundo momento e após a ultrapassagem efetuada por este, o veículo TD) uma distância de segurança, de forma a fazer parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, num momento em que o trânsito era intenso, o que implicava a necessidade de moderar especialmente a velocidade, de forma a assegurar-se que conseguia imobilizar em segurança o seu veículo. E da violação das mesmas normas estradais, concluiu a decisão recorrida pela prática pelo condutor do XN de um facto ilícito, do qual, por sua vez, retirou uma presunção de culpa do condutor do veículo XN, responsabilizando a R. (seguradora daquele veículo) pelos danos resultantes do embate com o TN.
d) Adiante-se que se concorda com a decisão recorrida.
A R. pretende que sejam consideradas “as ações da condutora do veículo TD”, que teria executado uma manobra de mudança de via sem respeitar os deveres de cuidado legalmente estabelecidos, e que por ter travado de forma repentina, sem estar verificada uma situação de perigo iminente, e não ter sinalizado a redução significativa da velocidade do seu veículo, assim violando as normas de trânsito, nomeadamente as estipuladas nos artigos 12º, 13º, 24.º, n.º 2, 26º, 35.º, n.º 1 e 63.º, n.º 2 do Código da Estrada.
Todavia, a matéria de facto provada não fornece elementos dos quais se possa retirar a invocada violação daquelas normas pela condutora do TD, designadamente não tendo resultado provado que a mudança de direção ocorreu sem cuidado, nem que a travagem do TD tenha sido repentina, nem ainda que não tenha sido sinalizada a mudança de direção. Tais factos não foram alegados por nenhuma das partes, nem consequentemente provados. E pretendendo a R. que esses factos fossem considerados, deveria ter cumprido o ónus da sua alegação na contestação, o que - como vimos - não ocorreu – art.º 5º n.º 1 do Cod. Proc. Civil
E assim sendo, resta a factualidade acima assinalada, da qual resulta que o veículo segurado pela R., no momento imediatamente anterior ao embate, não mantinha para o veículo que o precedia uma distância suficiente para evitar o acidente (após este último ter abrandado a velocidade), e ainda que o mesmo veículo seguia a uma velocidade não especialmente moderada, a qual era exigida pelas circunstâncias (mormente pela intensidade do trânsito).
Note-se que enquanto o veículo RQ – que seguia imediatamente atrás do veículo TD – conseguiu evitar a colisão com o TD, ultrapassando-o, o condutor do veículo segurado na R. não conseguiu evitar o embate no mesmo TD (que passou a seguir à sua frente, após a ainda agora referida ultrapassagem do RQ).
A R., no seu recurso, insiste na circunstância de não existirem factos dos quais resulte a distância a que circulava o veículo por si segurado (XN) relativamente ao veículo que o precedia, nem qualquer facto donde decorra a velocidade a que circulava o mesmo XN ou qualquer veículo interveniente no acidente, defendendo que não se pode concluir pela violação de qualquer norma estradal por parte do seu segurado.
Ora, sendo certo que não se apuraram aqueles elementos, os mesmos não são essenciais para que se possa concluir que a distância para o veículo da frente não era adequada, nem que a velocidade não era moderada, tanto que, perante o abrandamento da velocidade do veículo TD, o condutor do XN não conseguiu travar o seu veículo de forma a evitar o embate na traseira deste (ao contrário – repete-se - do veículo RQ - que num primeiro momento seguia entre o XN e o TD, o qual, após o abrandamento de velocidade deste último, evitou a colisão).
e) Em suma: ainda que não tenha sido apurada a velocidade a que seguiam os veículos, nem a distância que os separava, é possível concluir que o condutor do veículo segurado na R. assumiu uma condução imprudente, com a violação do dever de cuidado imposto pelas acima referidas normas do Código da Estrada, demonstrando-se a sua culpa exclusiva na produção do acidente; ao não adotar, nas circunstâncias concretas, uma condução prudente, não evitou - como podia e devia - o evento lesivo, assumindo uma condução culposa.    
Constata-se assim que se mostram reunidos os requisitos exigidos pelo art.º 483º n.º 1 do Cod. Civil; em especial, os factos provados permitem configurar a prática de um facto ilícito por parte por parte do condutor do veículo segurado na R., e estabelecer um nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade (a culpa) do mesmo condutor, com o nascimento da obrigação de indemnizar o A., indemnização essa a cargo da R., por via da transferência da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, através de contrato de seguro.

V – Dispositivo
Face ao exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença proferida pela 1ª instância.
Custas pela recorrente, na vertente de custas de parte.

Lisboa, 17 de junho de 2025
João Novais
Edgar Taborda Lopes
Diogo Ravara