I. No recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada.
II. A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, como impõem os artigos 40.º e 71.º CPenal, havendo, porém, que atender a um critério específico - a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente, nos termos do artigo 77.º/1 parte final CPenal.
III. À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, na operação de determinação da pena única importa a visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.
IV. A natureza e a igualdade dos bens jurídicos tutelados, a dimensão e a intensidade da sua repetida na actuação global do arguido evidenciam mais que uma pluriocasioalidade e, mesmo, uma tendência, um indesmentível padrão de comportamento.
V. Caso em que as exigências de prevenção especial empurram a medida da pena para o máximo consentido pela culpa posta na execução da panóplia de crimes aqui em causa.
I. Relatório
1. Efectuado o julgamento no âmbito do processo comum colectivo 2449/23.1... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de ..., Juiz..., através de acórdão proferido a 25.2.2025, foi – no que aqui releva – o arguido AA condenado,
- pela prática de um crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal, e art.º 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março – desqualificado pelo valor (204.º, 4 do CP) – de que foi vítima BB (17 anos), em 07.12.2021 [no Parque da Cidade em ... - Apendo D] na pena de 1 Ano e 6 meses de prisão;
- pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelos art. 164º, nº 2, al. b) do C. Penal, de que foi vítima BB (17 anos), em 07.12.2021 [no Parque da Cidade em ... – Apenso D] na pena de 7 (sete) anos de prisão;
- pela prática de um crime de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 164º, nº 2, alínea b), 22º, nºs 1 e 2, al. c), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal de que foi vítima CC, (17 anos), em 12.12.2022 [nos caminhos pedonais junto ao Castelo de ... - Apenso I) na pena de 4 Anos e 6 meses de prisão;
- pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), do C. Penal, e art. 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março – de que foi vítima DD, (21 anos), em 03.01.2023, [junto a um edifício habitacional em ... - Apenso E] na pena de 4 anos de prisão;
- pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, al. b) do C. Penal , de que foi vítima DD (21 anos), (em 03.01.2023, [junto a um edifício habitacional em ... - Apenso E] na pena de 6 Anos de prisão;
- pela prática de um crime de violação, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 164º, nº 2, als. a) e b), 22º, nºs 1 e 2, al. c), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal, de que foi vítima EE, (18 anos), em 15.04.2023, [nos caminhos pedonais do Paço ... - Apenso B] na pena de 4 Anos de prisão;
- pela prática um crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), mas desqualificado pelo valor, 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal, e art. 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março desqualificado pelo valor (art.º 204º, 4 do CP), de que foi vítima FF, (22 anos), em 13.05.2023, [nos caminhos pedonais do Castelo de ... - Apenso A] - na pena de 1 Ano e 6 meses de prisão;
- pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, als. a) e b) do C. Penal, de que foi vítima FF (22 anos), em 13.05.2023, [nos caminhos pedonais do Castelo de ... - Apenso A] - na pena de 8 anos de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 145º, nº1, al. a) e nº2, ex vi do art. 132º, nº2, al. e) do C. Penal, de que foi vítima GG, (68 anos), em 15.08.2023, [na ecopista de ... - Apenso K] na pena de 18 meses de prisão;
- pela prática de um crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal, e art.º 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março, desqualificado pelo valor, de que foi vítima HH, (43 anos), em 21.08.2023, [no Parque da Cidade de ... - Apenso J] na pena de 1 Ano e 6 meses de prisão;
- pela prática de um crime de coação sexual, p. e p. pelo art.º 163º, nº 2, do C. Penal, de que foi vítima HH, (43 anos), em 21.08.2023, [no Parque da Cidade de ... - Apenso J] na pena de 3 Anos de prisão;
- pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, als. a) e b) do C. Penal de que foi vítima II, (21 anos), em 22.08.2023, [no Largo da ... - (autos principais] na pena de 6 anos e 10 meses de prisão;
- pela prática de um crime de coação agravada, p. e p. pelos arts. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al a) ambos do C. Penal, de que foi vítima JJ, (22 anos), em 22.08.2023, [no Largo da ... - (autos principais] na pena de 1 Ano e 10 meses de prisão;
- pela prática de um crime de coação sexual qualificada, agravada pela idade da vítima, p. e p. pelos arts. 163.º, n.º 2, e 177.º, n.º 7 do C. Penal, de foi vítima KK, (12 anos), em 10.11.2022, [junto ao Pavilhão Multiusos de ... – Apenso J], na pena de 6 Anos de prisão;
- pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelos art. 164º, nº 2, al. b), agravada pela idade da vítima nos termos do 177.º, nº6, ambos do C. Penal, de que foi vítima LL, (15 anos), em 03.05.2023, [no Parque da Cidade de ... – Apenso J] na pena de 7 anos e 8 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão.
2. Inconformado recorre o arguido, em requerimento dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães, pugnando pela revogação da decisão recorrida na parte em que o condenou na pena única de 20 anos de prisão, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
1. A pena única de prisão efetiva de 20 anos aplicada ao arguido AA é manifestamente excessiva e violadora das regras previstas nos artigos 40, n.º 1 e 2, 71 e 77 do Código Penal, pelo que se discorda do acórdão proferido do qual se interpõe o presente recurso nos termos do disposto no artigo 412, n.º 2, alíneas a) e b) do C. P. Penal.
2. Com efeito, determinando a punição do concurso que a pena aplicável é, no caso concreto fixada entre o mínimo de 8 anos e o máximo de 25 anos, a pena única do concurso fixada pelo Tribunal, não teve em consideração, todos os factos provados e a personalidade do agente, conforme determina o artigo 77 do C. Penal, que o Acórdão recorrido violou.
3. No que respeita às razões de prevenção especial que subjazem á aplicação de uma pena, o Tribunal considerou provados e ponderou factos referentes ao arguido relativos à inexistência de modelos parentais, exposição a disfuncionalidades familiares que envolveram o processo educativo do individuo, em contextos de violência conjugal e intrafamiliar contra o próprio arguido enquanto menor, que levaram à sua institucionalização pelo Estado entre os 6 e os 16 anos de idade, situação que o próprio individuo descreve como traumática; e ainda
4. Que o mesmo mantém uma relação estável com a companheira, e detém uma imagem positiva junto da comunidade, sendo referido pela entidade empregadora como pessoa séria, responsável, zelosa e cumpridora dos seus deveres profissionais,
5. Factos confirmados pelo relatório do exame de psicologia efetuado ao arguido, que evidencia lacunas ao nível de inexistência de modelos parentais e de supervisão adequados, que potenciaram o desenvolvimento de características pessoais desadaptativas.
6. E, sendo o sistema penal ético retributivo sustentado na chamada teoria da culpa do agente na formação da sua personalidade, sendo censurado pela omissão do seu dever de respeitar valores jurídico criminais, não foram tais fatores avaliados e relevados pelo Tribunal, quer na aplicação das penas parcelares, quer designadamente na fixação da pena única que não atenderam à culpa do agente nem à finalidade das penas, “onde se afirma a reintegração do agente na sociedade” nem aos critérios da determinação da medida da pena previstos no artigo 71 do C. penal, designadamente as condições pessoais do agente,
7. Que sempre justificariam a aplicação de uma pena privativa de liberdade fixada em medida intermedia entre o mínimo de 8 anos e o máximo de 25 anos, e nunca superior a 15 anos de prisão como seria mais correto e adequado à culpa do agente e às circunstâncias pessoais do mesmo.
3. Admitido o recurso e cumprido o disposto no artigo 411.º/6 CPPenal, a ele responderam o Magistrado do MP na 1.ª instância e as assistentes, LL e CC, todos defendendo a improcedência do recurso.
O primeiro apresentando as seguintes conclusões:
1 – Pelo acórdão proferido nos autos foi decidido, para além do mais e para o que aqui importa, condenar o ora recorrente na pena única de 20 anos de prisão;
2 – Inconformado com medida da pena única, veio recorrer, fazendo-o restrito a matéria de direito colocando em causa aquela dosimetria da pena única pugnando pela fixação de uma pena única não superior a 15 anos de prisão;
3 – Muito embora o recorrente dirija o recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães e no despacho de admissão se remeter para tal motivação, cremos que compete ao Supremo Tribunal de Justiça o julgamento do recurso em causa nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º1, alínea c) e n.º2 do Código de Processo Penal, pois que se está perante um acórdão final proferido pelo tribunal colectivo que aplicou pena de prisão superior a 5 anos e o recurso interposto pelo arguido visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
4 - Nestes termos, devem os autos ser remetidos para o Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido.
5 - Não se discutindo a matéria de facto provada, nem a qualificação jurídica desses factos que o fazem incurso naqueles crimes considerados pelo tribunal a quo, em face do todo exposto no douto acórdão sempre será de afirmar que bem andaram as Mm.ªs Juízes ao condenar o arguido nos termos em que o fizeram.
6 – Na verdade, perante a matéria de facto dada como provada, perante um arguido que não assumiu a prática de qualquer dos factos desvaliosos imputados, a pena única fixada resulta de uma irrepreensível fundamentação de direito que tem eco na mais avalizada doutrina e jurisprudência;
7 - Os argumentos que aduz o recorrente na crítica que dirige à medida da pena única não são novidade para os autos naquilo que constitui o conjunto de motivação expendida pelo tribunal no acórdão proferido nos autos e que ali surgem devidamente escalpelizados e de onde se retira o bem fundamentado que se mostra a decisão proferida nos autos sobre a medida da pena.
8 – Face aos factos dados como provados, a medida da pena única aplicada ao ora recorrente, estribada nas penas parcelares fixadas relativamente a cada um dos crimes, faz uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depõem a favor do agente e por isso se afirma justa, adequada e pondera devidamente todas as circunstâncias a que aludem os artigos 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal;
9 – O douto acórdão não violou qualquer preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito.
A segunda concluindo pela seguinte forma:
1.º Sem prejuízo, como se disse supra, admite-se como, no atual sistema legal, como minimamente justa e pena de 20 ANOS, considerando-se, apenas e só, os critérios atuais, da prevenção especial e prevenção geral (estes crimes estão a crescer de forma galopante, com taxas, este ano, de crescimento acima de 30 % - ver números oficias, mormente, CRIME CONTRA AS MULHERES, SÓ POR SEREM MULHERES): Destarte, cumpre manter na íntegra o acórdão condenatório, fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA.
2.º Antes do demais: o arguido limitou-se a apresentar alegações mas não apresentou recurso prévio, como se constata nos autos.
3.º DE facto: visitado o recurso-alegações em nenhum momento o arguido requer ao tribunal a quo a admissão do recurso, bem pelo contrário: dirige-se diretamente ao Tribunal da Relação e apresente o recurso-alegações, nada dizendo sobre a fase anterior que a lei penal impõe (o código de processo penal, nos artigos em que define com precisão o regime de recurso em matéria penal é taxativo sobre iter processual vinculativo, mormente nos seus artigos 399.º a 414.º - este artigo 414, n.º 1, in initio, é claro: “Interposto o Recurso e Junta a Motivação”…).
4.º Mais: para o requerimento de recurso, per se, implicava cumprir na íntegra o vertido nos artigos 399.º a 414.º do CPP, o que não é cumprido pelos mínimos, com a devido e justo respeito, não olvidando o efeito preclusivo da sua apresentação (nada é dito, de facto, em sede de interposição do recurso, pois, em pura verdade, o arguido saltou essa fase e pura e simplesmente avançou logo para o Tribunal da Relação e para a motivação do recurso).
5.º Ora, no nosso modesto entendimento, sem prejuízo de visão mais validada, pois o nosso olhar não esgota o real, não se trata aqui, em sede do despacho de admissão do recurso, de nulidade insanável, de nulidade dependente de arguição ou de mera irregularidade: trata-se sim de uma total e integral inexistência jurídica (A inexistência jurídica consiste num valor negativo de um ato jurídico público traduzido na total inaptidão do mesmo ato para produzir quaisquer efeitos jurídicos, pelo facto de lhe faltarem os requisitos mais elementares de identificação e de imputação à vontade de um órgão público), o que é de conhecimento oficioso, sem prejuízo de se requerer desde já que tal inexistência jurídica seja declarada e reconhecida para todos os legais efeitos.
6.º Sucede que, como in casu o Tribunal ad quem, em bom rigor, não está vinculado ao despacho de admissão, cumpre, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, alíneas a) e b) do CPP, decretar, em exame preliminar, decisão sumária que reconheça a circunstância supra como razão bastante e suficiente para obstar ao conhecimento do recurso, ou que a mesma circunstância impõe que o recurso seja liminarmente rejeitado, o que ora se peticiona para todos os legais efeitos.
ACRESCE:
7.º Depois de negar até à último segundo do julgamento a prática dos factos, dizendo que nada tinha feito, mantendo, assim, o perfil de predador mesmo no julgamento, o arguido vem agora insinuar uma confissão, que se traduz na não impugnação da matéria de facto (na pura verdade, ele simplesmente admite que seria impossível reverter a decisão sobre a matéria de facto: sim, em boa verdade, ostensivo é que, atento a prova produzida e a forma como está perfeitamente fundamentada pelo Tribunal a quo, a decisão sobre a matéria de facto é inatacável e impossível de reverter.
8.º Por tudo o vertido no doutíssimo acórdão, que se dá aqui por integralmente reproduzido, seria estragar, porquanto excessivo e redundante, dizer mais: sim, a assistente que apena máxima era a devida, mas tolera que a pena de 20 anos, atento o regime de cúmulo fixado inconstitucionalmente, diga-se, pela nossa lei penal, não deixa margem para mais aos juízes (A Justiça exige e merece é melhor Legislador).
9.º Sem prejuízo, avança-se, acusando o legislador, que deixa os juízes de amos atadas, pois, o direito é ciência jurídica e só se pode trabalhar com a Lei que o legislador faz, em separação de poderes: TANTO CRIME PARA TÃO POUCA PENA.
10.º Permita-se:
14) Estão em causa 15 crimes, sendo 7 de violação, 1 de ofensa à integridade física, 4 de roubo, 2 de coação sexual e 1 de coação: como era possível fazer justiça em Portugal num caso da prática de diversos crimes graves por um só arguido e quando o Código Penal fixa como limite máximo a pena de 25 anos de prisão (mesmo na soma de todos as penas parcelares para se chegar à pena única final);
15) Impunha-se que o legislador diligente e competente possibilita-se, como em todos os países europeus civilizados (como o documenta a Folha Informativa da Assembleia de República, - A/DIC/DILP/52, com os dados do Conselho da Europa sobre Prisão Perpétua dos Países do Conselho da Europa, apud acta) penas de prisão bem superiores a 25 anos (cúmulo material sem limites – mantendo-se o limite máximo de cada pena de 25 anos para cada crime – com exceção do homicídio qualificado, mais ainda o femicídio qualificado..), com possibilidade de revisão para efeitos da concessão de liberdade condicional nos termos legais (1/2, 2/3 e 5/6 da pena);
16) Na última década do século passado, foi notícia trágica no norte do país (AMARANTE), o homicídio qualificado, na forma consumada, de 13 pessoas e o homicídio qualificado de 22 pessoas, na forma tentada, acrescendo ainda, para além de outros crimes, um de incêndio. Ficou conhecido como o processo “Meia Culpa”;
17) Não obstante, ter ocorrido uma decisão judicial, com trânsito em julgado, a dar praticados todos esses crimes por parte de vários arguidos, a pena aplicada global unitária concreta foi de 25 anos. Repare-se: por cada crime de homicídio qualificado na forma consumada o tribunal aplicou 20 anos de prisão, e por cada um na forma tentada, 10 anos, bem como de 8 anos no de incêndio;
18) Resulta, destarte, que, em rigor, apenas um crime teve castigo e retribuição penal: os demais não tiveram, no essencial, pena concreta. A razão: a lógica de cúmulo jurídico fixado no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, o qual fixa: “2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”
19) Clarificando: cometendo o arguido vários crimes, ele vai ser condenado na pena concreta por cada crime e, por fim, todas as penas parcelares vão ser somadas para efeitos de se saber qual é a pena máxima global final (pena única). Se o arguido tiver cometido vários crimes graves, o mais certo é ter uma soma de penas de prisão superior a 25 anos (como se viu no caso acima referido).
20) O legislador penal português (Parlamento/Governo) optou por fixar que, mesmo em caso de cúmulo (soma), nunca se pode aplicar mais de 25 anos de prisão.
21) Daí no “Meia Culpa” só se ter aplicado a pena de 25 anos quando o cúmulo, para parte de alguns arguidos, gerar um total material de 488 anos de prisão.
22) Fácil é de ver que, como em casos similares (ver processo-crime de homicídios de Aguiar da Beira, por relação a MM, também condenado em 25 anos), parte significativa dos crimes não tiveram punição;
23) No nosso modesto entendimento, mas sempre com respeito por opinião mais fundada, em termos jurídico-constitucionais, tais acórdãos não fazem JUSTIÇA! E isso não é aceitável, nem proporcional, nem constitucional, atenta a grosseira violação do Princípio da Justiça, estrutural de um Estado de Direito Democrático;
24) O poder constituinte nunca autorizou, nem podia autorizar, que o Princípio da Justiça, como Direito Natural Elementar de Uma Sociedade Democrática, possa ser obliterado ou derrogado no seu núcleo essencial.
25) O regime legal não permite que os cidadãos andem armados para se defenderem, bem como não permite a legitima defesa em excesso e não permite a vindicta privada, isto é, a justiça (vingança) pelas próprias mãos.
26) Ora, tal sucede, porquanto o Estado garante que fará Justiça em cada caso concreto e, assim, o cidadão pode estar seguro de que nenhum crime fica impune. 14- Infelizmente, não se fazendo uma interpretação conforme à constituição, e, dessa forma, limitando-se a pena única dos vários crimes aos 25 anos, tal tem como consequência factual insofismável que crimes haverá que não são punidos.
16- Sim, recebem 0 dias de punição;
16 – (assim no original) Como é fácil de ver e notório constatar tal interpretação é violadora do mais básico e elementar sentido de Justiça;
17 - Parafraseando Immanuel Kant: todo o regime ou país onde não existe Justiça está em vias de extinção.;
18 - O Parlamento da República Portuguesa e o Ministério da Justiça, ao longo da história, participaram e participam num sem fim de processos legislativos que violaram e violam, de forma grosseira, a citada ideia sagrada de JUSTIÇA;
19 - Repare-se: Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito (Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi), partindo da visão do Jurisconsulto Ulpiano - sendo esta visão integrante do Corpus Iuris Civilis, como expressão da necessidade de sujeição do homem à lei;
20- Para frustração total e integral deste sentido de Justiça, o Código Penal Português, fixa, por sua vez, no artigo 40.º, (com a epigrafe: finalidades das penas e das medidas de segurança):
“1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.”
21 - Sim, O Código Penal Português diz, de forma expressa, neste artigo, que a pena não visa punir o arguido, nem fazer Justiça à Vítima do crime.
22- O legislador (e não os Juízes de Direito, nem os procuradores da República) está, apenas e só, preocupado que o arguido não cometa mais crimes no futuro e se reintegre na sociedade (prevenção especial) e que a sociedade também perceba que a lei penal é para respeitar (prevenção geral).
23- Se não fosse um assunto tão sério e grave, ria em vez de chorar.
24 - Abrindo o jogo: razões ideológicas estiveram na base de se esconder do povo soberano tais regimes totalitários, antidemocráticos e fascistas (sem esquerdas, nem direitas).
25- Não punir, em concreto, cada um dos crimes, implica, ipso facto, não existir um Estado de Direito.
26-O Prof. Dr. Figueiredo Dias (antes Eduardo Correia – que defendia a pena máxima de 10 anos), ilustríssimo penalista, tinha todo o direito de defender esta tese que está refletida no Código Penal e que fez ruir a lógica absoluta de retribuição penal.
27- Simplesmente, em termos democráticos e soberanos, a opinião dele vale tanto como a nossa: vale um voto.
28-Esta é uma questão de soberania no campo da Justiça: e não são as novas catedrais (que declararam guerra e venceram as Catedrais Católicas da, dita, longa Idade Média: transferência bélica do poder fáctico dominante de uma determinada nação e sociedade da Igreja Católica para o Poder de outras Instituições, incluindo, Universidades, com paixões mais alquímicas e laicas) académicas e de letrados que vão criar um regime legal que é da exclusiva atribuição e competência, na íntegra, da ASSEMBLEIA CONSTITUINTE SAGRADA GLOBAL, por extenso, O POVO!
29-Destarte, é chegado o tempo de dizer: PAROU!
30-Os tribunais, não obstante esta letra de lei ser, em si própria, criminosa e ilícita (legislador/Governo merecem ser arguidos e prestar constas pelo crime de DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA), têm ferramentas legais que permitem corrigir a INJUSTIÇA: basta fazer uma interpretação conforme à constituição dos artigos 40.º e 77.º, n.º 2, do Código Penal, considerando-se inconstitucional a limitação de 25 anos, no caso de cúmulo jurídico por vários crimes graves.
31- Saiba-se que, em Espanha, Itália, França, Alemanha (na Inglaterra existe e pena de prisão perpétua sem possibilidade de se fixar prazo judicial de revisão) não existe essa limitação nos cúmulos: os Tribunais destes países de perfil civilizacional de vanguarda e prestígio internacional podem condenar em prisão perpétua com obrigação de revisão em prazo judicialmente fixado (que eu defendo de 25 anos).
32-Assim, nesta espécie de casos, defendemos que os Tribunais Portugueses, para atuar em respeito pela constituição, devem rejeitar, por inconstitucional, o limite de 25 anos, em caso de cúmulo jurídico, por diversos crimes graves, podendo aplicar o número de anos que resulta de soma de todas as penas parciais como limite máximo da pena única.
33- Tendo, destarte, legitimidade para aplicar pena superior a 25 anos (que se pode traduzir, por referência à esperança média de vida do arguido, em prisão perpétua).
24-Ora, como a lei penal, em sede de execução de penas, permite a saída em condicional, a 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena única, o arguido terá sempre a possibilidade de sair em condicional, pondo-se fim a uma possível prisão perpétua em termos de facto.
35- Só assim, pelo menos em sede de condenação, todos os crimes praticados terão uma pena/sanção/retribuição concreta, real e proporcional, bem como todas as VÍTIMAS (e/ou familiares) terão o conforto mínimo de sentirem que alguma JUSTIÇA foi feita.
11.º Sem prejuízo, como se disse supra, admite-se como, no atual sistema legal, como minimamente justa e pena de 20 ANOS, considerando-se, apenas e só, os critérios atuais, da prevenção especial e prevenção geral (estes crimes estão a crescer de forma galopante, com taxas, este ano, de crescimento acima de 30 % - ver números oficias, mormente, CRIME CONTRA AS MULHERES, SÓ POR SEREM MULHERES).
12.º Destarte, cumpre manter na íntegra o acórdão condenatório, fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA.
13.º Cumpre decretar a total improcedência do Recurso, nos termos supra alegados.
E, a terceira assim:
I. O Acórdão ora recorrido não incorreu, nem enferma de algum erro/vicio de julgamento ou de alguma nulidade.
II. Acórdão proferido, condenou o recorrente na pena única de 20 anos de prisão
III. Inconformado com a medida da pena única veio recorrer, fazendo restrito à matéria de direito, colocando em causa aquela dosimetria da pena única pugnando pela fixação de uma pena única não superior a 15 anos de prisão.
IV. Em face da fundamentação consignada no extenso Acórdão recorrido, na qual, no uso do princípio da livre apreciação da prova, se encontra explanado o processo de formação da convicção a que chegou o tribunal recorrido, de forma isenta, crítica, lógica e racional, a mesma decisão não merece qualquer reparo.
V. Na verdade, perante a matéria de facto dada como provada , perante um arguido que não assumiu a pratica de qualquer dos factos imputados, da sua conduta criminosa e do seu registo criminal, a pena única fixada resulta de uma irrepreensível fundamentação de direito que tem eco na mais avalizada doutrina e jurisprudência.
VI. A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal ou constitucional, mostrando-se ainda a pena aplicada bem fundamentada, justa e adequada.
VII. Como tal, deve o recurso apresentado pelo arguido AA ser declarado improcedente por infundado, mantendo-se tal acórdão e a condenação nos exatos termos que lhe foi imposta.
4. Admitidas as respostas foi ordenada a remessa dos autos a este Supremo Tribunal, por se ter entendido ser o competente para apreciação do recurso interposto, visto que versa exclusivamente sobre matéria de direito – 432.º/1 alínea a) CPPenal.
5. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta apresentada pelo MP na 1.ª instância, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
6. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, o arguido nada disse.
7. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.
II. Fundamentação
Diz a assistente LL que,
1.º Por razões de economia processual (ALIÁS, o princípio subjacente à Navalha de Ockham, leia-se escrever pouco e acertado, em lógica de o simples e direto ser preferível ao complexo e indireto), dá-se aqui por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos, tudo o vertido na aliás, doutíssima sentença, mormente, a factualidade inserta na mesma e dada como provada, bem como o recurso-alegações do arguido.
2.º Antes do demais: o arguido limitou-se a apresentar alegações mas não apresentou recurso prévio, como se constata nos autos.
3.º DE facto: visitado o recurso-alegações em nenhum momento o arguido requer ao tribunal a quo a admissão do recurso, bem pelo contrário: dirige-se diretamente ao Tribunal da Relação e apresente o recurso-alegações, nada dizendo sobre a fase anterior que a lei penal impõe (o código de processo penal, nos artigos em que define com precisão o regime de recurso em matéria penal é taxativo sobre iter processual vinculativo, mormente nos seus artigos 399.º a 414.º - este artigo 414, n.º 1, in initio, é claro: “Interposto o Recurso e Junta a Motivação”…).
4.º Mais: para o requerimento de recurso, per se, implicava cumprir na íntegra o vertido nos artigos 399.º a 414.º do CPP, o que não é cumprido pelos mínimos, com a devido e justo respeito, não olvidando o efeito preclusivo da sua apresentação (nada é dito, de facto, em sede de interposição do recurso, pois, em pura verdade, o arguido saltou essa fase e pura e simplesmente avançou logo para o Tribunal da Relação e para a motivação do recurso).
5.º Ora, no nosso modesto entendimento, sem prejuízo de visão mais validada, pois o nosso olhar não esgota o real, não se trata aqui, em sede do despacho de admissão do recurso, de nulidade insanável, de nulidade dependente de arguição ou de mera irregularidade: trata-se sim de uma total e integral inexistência jurídica (A inexistência jurídica consiste num valor negativo de um ato jurídico público traduzido na total inaptidão do mesmo ato para produzir quaisquer efeitos jurídicos, pelo facto de lhe faltarem os requisitos mais elementares de identificação e de imputação à vontade de um órgão público), o que é de conhecimento oficioso, sem prejuízo de se requerer desde já que tal inexistência jurídica seja declarada e reconhecida para todos os legais efeitos.
6.º Sucede que, como in casu o Tribunal ad quem, em bom rigor, não está vinculado ao despacho de admissão, cumpre, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, alíneas a) e b) do CPP, decretar, em exame preliminar, decisão sumária que reconheça a circunstância supra como razão bastante e suficiente para obstar ao conhecimento do recurso, ou que a mesma circunstância impõe que o recurso seja liminarmente rejeitado, o que ora se peticiona para todos os legais efeitos.
Cremos que, ao contrário do que defende a assistente, o arguido cumpriu, ainda assim, de forma suficiente e bastante o que lhe era exigido.
Com efeito, em requerimento dirigido aos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães e depois de identificar o processo - Processo 2449/23.1..., Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... – diz que, “não podendo o arguido AA conformar-se com o acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo, dele vem apresentar o seguinte recurso:
1. Âmbito do recurso
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.
E, assim, a única questão suscitada pelo recurso interposto pelo arguido é a de saber se na operação de determinação da pena única se mostra violado o artigo 77.º CPenal.
2. Os factos
Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigos 432.º/1 alínea c) e 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.
Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.
Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,
- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;
- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;
- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.
Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto julgada provada na decisão recorrida:
APENSO D [NUIPC 2866/21.1...] – Vítima BB
1. No dia 07.12.2021, cerca das 17h15, no Parque da Cidade, em ..., o arguido avistou BB, que por aí seguia a caminho da paragem de autocarro.
2. BB nasceu em ........2004, pelo que, à data dos fatos tinha 17 anos de idade.
3. Na circunstância, sorrateiramente, aproximou-se de BB, agarrou-a por trás e encostou-lhe ao pescoço a lâmina de uma faca, de características não apuradas, tendo, então, declarado, em tom sério, “não grites, senão espeto-te a faca!”.
4. Em seguida, encaminhou a ofendida para uma zona mais escondida dos percursos pedonais, por detrás de uma árvore e de um banco de pedra e exigiu-lhe dinheiro.
5. Depois de a ofendida lhe ter dito que apenas trazia consigo € 0,20 (vinte cêntimos), o arguido perguntou-lhe se tinha mais dinheiro e qual a marca e modelo do seu telemóvel,
6. Ato contínuo, perguntou-lhe o nome, a idade, de onde era e quem eram os seus pais, tendo a BB, com receio que o arguido lhes fizesse mal, dito que os pais já tinham morrido.
7. No decurso da conversa, a BB voltou a implorar ao arguido que a deixasse ir embora, que o avô estava à sua espera na paragem de autocarro e que viria procurá-la se se atrasasse.
8. De seguida, porém, o arguido colocou uma das mãos por dentro da camisola e do soutien que a mesma vestia e, à superfície da pele, apalpou-lhe as mamas, magoando-a.
9. O arguido ordenou-lhe, então, que fechasse os olhos e desapertasse as calças, ao que a mesma, receosa, anuiu, tendo, então, aquele encaixado a mão no interior das calças e das cuecas da ofendida até alcançar a sua genitália, que apertou, dizendo: “quero ver se é bom”, introduzindo, depois, um dedo no interior da vagina, fazendo movimentos de entrada e saída.
10. O arguido desabotoou e desceu, entretanto, as suas próprias calças e cuecas e, exibindo o pénis ereto à ofendida, que chorava e pedia ao arguido que parasse, ordenou-lhe, em tom grave e sério: “chupa-mo!”.
11. Em contínuo, o arguido segurou a ofendida e forçou-a a colocar-se na posição de joelhos, com a cabeça ao nível do seu pénis, que inseriu no interior da boca daquela, fazendo movimentos de vai e vem até ejacular.
12. O arguido, subiu depois as suas cuecas e as calças e, vendo que a ofendida recolocava a máscara cirúrgica que então utilizava sobre a face, baixou-lhe a máscara, e, retirando, também, a sua, deu-lhe um beijo na boca.
13. Ao aperceber-se da aproximação de terceiros, o arguido ordenou à ofendida que corresse, garantindo-lhe que a mataria se contasse a alguém o sucedido.
14. Em consequência direta e necessária dos factos descritos, BB sofreu:
- equimose no pescoço – equimose rosada na região retroauricular direita, oblíqua para baixo e para a frente, medindo cerca 1 cm;
- equimose no tórax e- equimose rosada, ténue, na região supraclavicular esquerda, medindo cerca de 2x2 cm;
- membro superior direito: escoriações na face posterior da falange média do segundo dedo da mão direita, com cerca de 0,5 cm de comprimento;
- membro superior esquerdo: escoriação na face posterior da mão esquerda, medindo cerca de 0,5 cm de comprimento;
lesões que demandaram um período de cura de 10 (dez) dias, com afetação, por 3 (três) dias, da capacidade para o trabalho geral e profissional.
13.Teve o arguido o propósito conseguido de, através do uso da força física e do incutido receio de utilização efetiva da faca, intimidar a ofendida, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, assim a impossibilitando de resistir à prática, contra a sua vontade, de ato sexual de introdução oral e vaginal do pénis e dos dedos,
14. Sabendo, como sabia, que, desse modo, atentava contra a sua liberdade sexual.
15. Valendo-se das mesmas circunstâncias, o arguido agiu com o propósito de retirar e integrar na sua esfera patrimonial bens da ofendida, apesar de estar ciente de que os mesmos não lhe pertenciam e de que atuava contra a vontade dela, o que só não concretizou porque a vítima dos seus atos nada de valor apreciável trazia consigo.
APENSO I [NUIPC 3581/22.4...] – Vítima CC
16. No dia 12.12.2022, pelas 23h00, nos caminhos pedonais existentes junto ao Castelo de ..., o arguido, que seguia em passo de corrida, deu pela presença de CC, que caminhava em sentido oposto ao seu.
17. CC nasceu em ........2004, pelo que, à data dos fatos tinha 17 anos de idade.
18. Nesse momento, o arguido abrandou a marcha e começou a caminhar, tendo apertado o fecho do casaco e colocado um capuz na cabeça.
19. Alguns metros depois, seguiu atrás daquela que, apercebendo-se das movimentações do arguido, assustada, alertou uma amiga, com quem estava ao telefone.
20. Sentindo que o arguido se mantinha em sua perseguição, começou a correr, acabando, poucos metros à frente, por escorregar e cair, sobre as costas, no chão.
21. O arguido, aproveitando-se da circunstância de a ofendida se encontrar tombada no solo, debruçou-se sobre a mesma, tapou-lhe a boca com uma das mãos e, com a outra, tentou baixar-lhe as calças, com o propósito de alcançar a sua genitália e introduzir dedos na vagina,
21. O que não conseguiu, porque a vítima dos seus atos, em manobra de resistência, atingiu-o com vários pontapés (no tronco e sobretudo rosto do arguido que sobre ela estava debruçado).
22. O arguido desferiu, então, vários socos, em número não concretizado, mas não inferior a quatro, na face da ofendida
23. E, ao ouvir os gritos de uma amiga desta, em aproximação ao local, iniciou fuga, em passo de corrida.
24. Em consequência direta e necessária dos factos descritos, CC sofreu:
- escoriação na região malar esquerda e na metade direita da região nasolabial, lesões que lhe determinaram 5 dias de doença, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
25. Ao atuar como descrito, teve o arguido o propósito de, com o recurso à força física, manter contactos de natureza sexual com a ofendida, designadamente, a introdução de dedos na vagina, contra a vontade desta, de modo a satisfazer os seus próprios instintos libidinosos, representando e querendo atentar contra a liberdade sexual da mesma,
26. Não tendo concretizado os seus intentos porque a vítima dos seus atos ofereceu capaz resistência física às suas investidas e devido à aproximação de terceiros (a amiga NN).
APENSO E [NUIPC 22/23.3...] – Vítima DD
27. No dia 03.01.2023, pelas 00h25, o arguido abordou DD, junto à entrada do edifício habitacional correspondente ao nº... do Largo ..., em ....
28. DD nasceu em ........2001, pelo que, à data dos fatos, tinha 21 anos.
29. Entabulou conversa com a mesma, perguntando-lhe as horas e questionando-a sobre se no prédio residia um determinado indivíduo, sob o falso pretexto de que havia marcado encontro com o mesmo àquela hora e naquele local.
30. Aproveitando a circunstância de a ofendida lhe ter voltado as costas, para verificar o número de polícia do prédio, o arguido, munido de uma faca de características e dimensões não concretamente apuradas, encostou a respetiva lâmina ao pescoço daquela e, com a outra mão, tapou-lhe a boca e disse, com foros de seriedade: “não fales, não grites, senão eu vou espetar a faca”.
31. Após, o arguido comunicou à ofendida: “vais comigo quieta, a gente só vai ali, que eu vou-te dizer o que quero”, manietando-a em direção a uma passagem pedonal.
32. Durante o trajeto, o arguido empurrou a ofendida de encontro a um muro e, em tom sério, ordenou-lhe que, sem movimentos bruscos, tirasse a carteira e lhe desse todo o dinheiro que trazia consigo,
33. Ao que a mesma, receosa, acedeu, entregando-lhe a quantia global de, pelo menos € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), que o arguido guardou e fez sua.
34. Mais lhe ordenou o arguido que lhe desse o telemóvel e lhe facilitasse o código de acesso e a senha do iCloud,
35. Tendo a ofendida sacado o telemóvel do bolso das calças e arremessado o mesmo para um jardim próximo.
36. Perante esta atitude, o arguido disse à ofendida que lhe ia espetar a faca e, sempre com a lâmina apontada ao pescoço da sua vítima, encaminhou-a para a Rua ... onde, junto de um local ajardinado, a projetou de encontro ao chão.
37. Já com a ofendida no solo, e sempre com a sua mão direita sobre a boca daquela, o arguido apalpou-lhe e apertou-lhe as mamas, por cima da roupa,
38. E, em seguida, desapertou as calças que a ofendida trajava, enquanto, em simultâneo, tentava desabotoar as suas próprias calças.
39. Depois, o arguido colocou a mão dentro das calças e das cuecas que a ofendida vestia e introduziu-lhe os dedos na vagina.
40. Nesse momento, ao ser informado pela ofendida de que a mesma pertencia à família OO, conhecida na cidade de ..., o arguido interrompeu os seus atos e empreendeu fuga.
41. Teve o arguido o propósito conseguido de, através do uso da força física e do suscitado receio de utilização efetiva da faca que empunhava, intimidar a ofendida, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, assim a impossibilitando de resistir à prática, contra a sua vontade, de ato sexual de introdução vaginal dos dedos,
42. Sabendo, como sabia, que, desse modo, atentava contra a sua liberdade sexual.
43. Valendo-se do mesmo contexto, o arguido agiu com o propósito, também conseguido, de retirar e integrar na sua esfera patrimonial bens da ofendida, apesar de estar ciente de que não lhe pertenciam e de que atuava contra a vontade da mesma.
APENSO B [NUIPC 1122/23.5...] – Vítima EE
44. No dia 15.04.2023, entre as 22h30 e as 23h00, nos caminhos pedonais junto ao Paço ..., em ..., o arguido avistou EE, que aí permanecia sozinha, sentada num muro.
45. EE nasceu em ........2004, pelo que, à data dos fatos, tinha 18 anos de idade.
46. Aproveitando-se do facto de a ofendida ter olhado na sua direção, o arguido pediu-lhe que se aproximasse, ao que a mesma acedeu, julgando tratar-se de um elemento da segurança daquele espaço turístico.
47. Quando a ofendida se acercou do arguido, este perguntou-lhe se gostava de sexo, e pediu-lhe que o deixasse tocá-la.
48. A ofendida reagiu encetando fuga em passo de corrida, tendo o arguido seguido atrás daquela e conseguido alcançá-la.
49. Como a ofendida realizasse movimentos bruscos com os braços, numa tentativa de o afastar e libertar-se, o arguido desferiu-lhe um violento empurrão,
50. Pegando, depois, numa pedra, com a qual a atingiu na região do ouvido e face esquerda, após o que abandonou o local.
51. Em consequência direta e necessária dos factos descritos, EE sofreu alteração do estado de sensibilidade na zona do corpo atingida.
51. Ao assim atuar, teve o arguido o propósito de, com o recurso à força física e contra a vontade da mesma, manter com a ofendida atos sexuais de introdução oral e/ou vaginal do pénis e/ou dos dedos, sabendo, como sabia, que, desse modo, atentava contra a sua liberdade sexual, não tendo concretizado os seus intentos porque a vítima dos seus atos opôs-se, com êxito, às suas investidas.
APENSO A [NUIPC 1377/23.5...] – Vitima FF
52. No dia 13.05.2023, pelas 14h30, nos caminhos pedonais junto ao Castelo de ..., o arguido viu FF e seguiu no seu encalço.
53. FF nasceu em ........2000, pelo que, à data dos fatos tinha 22 anos de idade.
54. FF reside nos Estados Unidos e chegara a Guimarães no dia anterior à noite, para visitar uma prima.
55. Por tal razão, não conhecia a cidade, pelo que decidira visitar o espaço turístico do Castelo de ....
56. Quando o arguido se encontrava já na retaguarda da ofendida FF, aproveitando a distração da mesma que olhava para o telemóvel para se orientar na aplicação GPS, empunhou uma faca, de características e dimensões não concretamente apuradas, encostou a lâmina ao pescoço daquela e, com a mão direita, tapou-lhe a boca, ordenando-lhe, em contínuo, que lhe desse a carteira, ao que esta, receosa, acedeu.
57. Depois de ter verificado que a ofendida não possuía qualquer quantia monetária, o arguido devolveu-lhe a carteira e perguntou-lhe, enquanto mantinha a lâmina da faca encostada ao seu pescoço: “gostas de fazer sexo?”, ao que a ofendida, transida de medo, respondeu que sim.
58. De imediato, o arguido fez rodar a ofendida, que ficou de frente para si, guardou a navalha e colocou ambas as mãos debaixo do top que a mesma vestia, pousando-as diretamente sobre as mamas, que apertou.
59. Em seguida, o arguido desceu uma das mãos em direção aos genitais da ofendida, colocou-a dentro das calças e das cuecas que a mesma trajava e fez deslizar os seus dedos até à vagina, onde os introduziu.
60. Após, o arguido questionou a ofendida sobre se gostava de fazer sexo oral, ao que a mesma respondeu negativamente, tendo, então, descido as próprias calças e, segurando na cabeça da ofendida, pressionou-a, com força, até esta ficar de joelhos, com a cabeça ao nível do seu pénis ereto, que lhe colocou na boca, fazendo movimentos de vai e vem.
61. O arguido pegou, depois, a ofendida pela cintura e conduziu-a até junto de uma árvore, local onde puxou as suas calças e as calças da ofendida para baixo, tendo pegado na mesma ao colo e encostado a uma parede.
62. Perguntou à ofendida se tinha consigo algum preservativo, ao que esta retorquiu que não, oferecendo-se, contudo, numa tentativa de empreender fuga, para ir comprá-los à farmácia.
63. O arguido perguntou-lhe, então, se não queria “fazer mesmo assim?”, tendo a ofendida, tomada pelo medo, anuído.
64. De imediato, o arguido introduziu o seu pénis ereto na vagina da ofendida, friccionando-o.
65. Volvidos alguns instantes, o arguido largou a ofendida, voltando ambos a vestir as calças, após o que colocou as mãos sobre a cintura daquela, conduzindo-a para junto de uma árvore, para aí lhe dar um beijo na boca.
66. De seguida, o arguido puxou novamente a ofendida para junto da parede, retirou um preservativo do bolso, colocou-o no seu pénis ereto, desceu as suas calças e as calças da ofendida, pegou na mesma ao colo e introduziu, novamente, o seu pénis ereto na vagina da ofendida, friccionando-o até ejacular.
67. Após, o arguido subiu as suas calças e afastou-se alguns metros, para avaliar sobre se alguém havia presenciado o ocorrido, circunstância que a ofendida aproveitou para pegar nos seus pertences e abandonar o local.
68. Teve o arguido o propósito conseguido de, através do uso da força física e do incutido receio de utilização efetiva da faca, intimidar a ofendida, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, assim anulando a sua capacidade de resistir à prática, contra vontade, de ato sexual de introdução oral e vaginal do pénis e dos dedos, sabendo, como sabia, que, por essa via, atentava contra a sua liberdade sexual.
69. Valendo-se das mesmas circunstâncias, o arguido agiu com o propósito de retirar e integrar na sua esfera patrimonial bens da ofendida, apesar de estar ciente de que os mesmos não lhe pertenciam e de que atuava contra a vontade dela, o que só não concretizou porque a vítima dos seus atos nada de valor apreciável trazia consigo.
APENSO K [NUIPC 728/23.7...] – Vítima GG
70. No dia 15.08.2023, pelas 06h35, na Ecopista de ..., nas imediações da Av ..., o arguido, discretamente, abeirou-se de GG, pelas costas, e, com uma das mãos, tapou-lhe a boca.
71. GG nasceu em ........1955, pelo que à data dos fatos tinha 68 Anos de idade.
72. GG ainda conseguiu, em desespero, esboçar um grito, tendo-lhe o arguido ordenado que permanecesse em silêncio.
73. Com a mão livre, o arguido segurou a sua vítima pela nuca e desferiu-lhe um violento empurrão, fazendo-a tombar, desamparada, no piso, de asfalto, da ecopista, colocando-se, depois, em fuga.
74. Em consequência direta e necessária dos factos descritos, GG sofreu:
- traumatismo do crânio, na transição parieto-occipital, com cerca de 4 cm de comprimento, tendo sido suturada com 6 pontos,
lesão que lhe determinou 10 dias de doença, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
75. Como consequência permanente resultou para a ofendida uma cicatriz, não desfigurante e sem repercussão funcional, na região do corpo atingida.
76. O arguido agiu com intenção concretizada de molestar fisicamente a ofendida e de lhe causar lesões da natureza da verificada.
77. Atingiu GG de forma gratuita, não motivada, despropositada e excessivamente violenta, com total indiferença perante os potenciais efeitos da sua atuação.
APENSO J [NUIPC 750/23.3...] – Vítima HH
78. No dia 21.08.2023, cerca das 15h00, quando, pelo topo Norte, saía do Parque da Cidade, em..., de regresso à sua residência, HH cruzou-se com o arguido,
79. HH nasceu em ........1980, pelo que, à data dos fatos tinha 43 anos de idade.
80. Foi, nessas circunstâncias, abordada pelo arguido que, com o braço esquerdo, lhe envolveu o rosto e lhe tapou a boca, e, empunhando uma faca, colocou a lâmina respetiva junto ao pescoço, do lado direito, ao mesmo tempo que a lançava ao solo, onde tombou, de costas.
81. O arguido ordenou, então, que lhe desse todo o dinheiro que tinha.
82. HH disse ao arguido que apenas trazia consigo um telemóvel.
83. O arguido, enquanto mantinha a lâmina da faca encostada ao pescoço de HH, dificultando a livre respiração, disse, repetidas vezes: “cala-te, que eu mato-te!”.
84. Enquanto a ofendida se encontrava tombada no chão, o arguido, por cima da roupa, apalpou-lhe ambos os seios, bem como a zona genital.
85. O arguido só não prosseguiu na sua ação porque, quando apalpou os genitais da ofendida, apercebeu-se de que esta estava menstruada.
86. Ao atuar como descrito, teve o arguido o desígnio conseguido de, com o recurso a ameaça com faca e à força física e contra a vontade da mesma, manter com a ofendida contactos sexuais sabendo, como sabia, que, desse modo, atentava contra a sua liberdade sexual.
AUTOS PRINCIPAIS [NUIPC 2449/23.1...] – Vítimas II e JJ
69. No dia 22.08.2023, cerca das 03h00, o arguido acercou-se de II e de JJ, quando estes se encontravam sentados num banco existente no Largo da ..., em ....
70. II nasceu em ........2002, pelo que, à data dos fatos tinha 21 anos de idade.
71. Por sua vez, JJ nasceu, pelo que, à data dos fatos tinha
72. O arguido acercou-se de ambos e, dirigindo-se-lhes, perguntou: “Não são horas de ir dormir?”.
73. JJ, surpreendido, perguntou de volta: “O quê? Como? ”, tendo, então, o arguido retorquido: “Tu queres é comê-la”,
74. Neste momento, o casal aprestou-se a abandonar o local, tendo o ofendido dito ao arguido: “Desculpe amigo, não estamos a incomodar ninguém, estamos na nossa vida”.
75. De imediato, o arguido empunhou uma faca, que apontou na direção de JJ e, em tom sério, disse: “Tu não falas assim para mim”, “espeto-te a faca”, “corto-te todo” e “não sabes com quem é que te metes”.
76. JJ, receoso de ser atingido de forma a sofrer ferimentos graves e, até, a morte, recuou, afastando-se daquele sítio.
77. Foi então que o arguido, aproveitando o facto de JJ se ter ausentado, colocou o braço direito em torno do pescoço de II, apertando-o com força e, munido da sobredita faca, encostou-a ao pescoço da ofendida,
78. Ao mesmo tempo que, com a mão esquerda, lhe tapou a boca, dizendo: “está calada, senão espeto-te a faca”.
79. De seguida, o arguido encaminhou a ofendida pela Rua ..., mantendo sempre a faca junto do pescoço da mesma, assim a direcionando para a rua pedonal existente junto à Avenida ....
80. Uma vez aí chegados, o arguido encostou a ofendida a um muro e, mantendo a faca junto ao pescoço e a mão a tapar-lhe a boca, ordenou que o beijasse na boca.
81. Perante a recusa, o arguido aproximou os seus lábios dos lábios da ofendida, forçando, sem sucesso, a sua língua para o interior da boca desta, o que não logrou concretizar, pois que a ofendida cerrou os lábios.
82. Perante tal resistência, o arguido passou a língua pelo rosto e pescoço da ofendida e, enquanto esta tentava soltar-se, fê-la tombar no solo.
83. Já com a ofendida sentada no solo, o arguido colocou a sua mão sobre as mamas daquela, por cima da camisola, e apertou-as, de modo insistente.
84. Depois, segurando, com a mão direita, a já referida faca, colocou essa mesma mão dentro dos calções que a ofendida usava, ocasião em que esta juntou as pernas, fazendo com que o arguido deixasse aquele objeto cair ao chão.
85. Nesse momento, e vendo que a ofendida estava a tentar levantar-se para abandonar o local, o arguido apanhou a faca e encostou a lâmina à coxa esquerda daquela, puxando-a, simultaneamente, pela perna esquerda, para junto de si.
86. Seguidamente, o arguido colocou uma das mãos dentro dos calções da ofendida, afastou as cuecas e introduziu um número indeterminado de dedos na sua vagina.
87. Quando se aprestava a desabotoar os calções que a ofendida trajava, o arguido olhou fixamente em direção ao início da rua onde se encontravam e libertou a ofendida, dizendo-lhe “corre, corre”, tendo esta abandonado o local, em passo de corrida.
88. Teve o arguido o propósito conseguido de, através do uso da força física e do infundido receio de utilização efetiva da faca empunhada, intimidar a ofendida, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, assim a impedindo de resistir à prática, contra a sua vontade, de ato sexual de introdução vaginal dos dedos, sabendo, como sabia, que, ao assim proceder, atentava contra a sua liberdade sexual.
89. Ao dirigir a JJ as expressões em referência, acompanhadas da exibição da faca, agiu o arguido com o concretizado desígnio de o amedrontar, fazendo-o temer pela sua vida e integridade física, assim o constrangendo a afastar-se do local, não ignorando que a sua atuação, porque idónea, iria produzir o pretendido efeito.
90. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, não ignorando que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
3.1.2 – Quanto à acusação do processo apenso (ex-1283/23.3...) – APENSO J):
91. No dia 10.11.2022, pelas 18h00, quando seguia, a pé, pela ciclovia, nas proximidades da zona de interceção da Rua ... com o parque de estacionamento do Pavilhão Multiusos, em ..., o arguido avistou KK, que passava, também apeada, por esse local.
92. A KK nasceu em ........2010, pelo que, à data dos fatos, tinha 12 anos de idade.
93. O arguido posicionou-se, então, a caminhar, alguns metros atrás de KK, até esta interromper a marcha, momento em que a ultrapassou, pelo seu lado esquerdo, parando cerca de dois metros à frente, de costas voltadas para a mesma.
94. Apercebendo-se de que KK retomara a marcha na sua direção, o arguido voltou-se para trás, ficando de frente para a ofendida, colocou o seu braço esquerdo à volta das costas desta, a mão esquerda sobre a boca e a mão direita sobre a mama esquerda, por cima da roupa, apertando-a.
95. De seguida, o arguido contornou a ofendida, posicionando-se à sua retaguarda, envolveu-a com o seu braço esquerdo, e colocou a mão direita sobre a boca da mesma.
96. O arguido sentiu, então, os dentes da ofendida cravarem-se, com força, na zona entre os dedos polegar e indicador da sua mão direita, tendo, reactivamente, pressionado ainda mais essa mão sobre a boca da ofendida,
97. Enquanto, com a sua mão esquerda, apertava a mama esquerda da mesma, com força, por cima da t-shirt que trajava.
98. O arguido segurou, depois, KK pelos cabelos, empurrando-a em direção ao solo e, aproveitando o facto de a mesma ter ficado de cócoras, colocou-lhe uma das mãos sobre a zona genital, por cima das calças que trazia vestidas, e, com a parte lateral externa da mão, efetuou, sobre essa zona, movimentos ritmados, para a frente e para trás,
99. Enquanto, em simultâneo, a puxava, com força, em direção a uma zona de mato aí existente.
100. Ao mesmo tempo que assim atuava, o arguido dizia, repetidas vezes, a KK: “Vais ser minha! Vou levar-te comigo!”.
101. Ao ouvir um ruido, que associou à aproximação de pessoas, o arguido projetou a ofendida ao solo, desferiu-lhe uma bofetada, com a palma da mão, na zona dos lábios, e encetou fuga apeada do local.
102. Em consequência direta e necessária dos factos descritos, KK sofreu:
- crepitação bilateral das articulações temporo-mandibulares,
- dores no ângulo direito da mandíbula,
- escoriação no dorso da mão direita,
- escoriação imediatamente acima do maléolo lateral do membro inferior direito e
- escoriação na face anterior do tornozelo direito,
lesões que demandaram um período de cura de 9 dias, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
103. O arguido, cedendo aos seus impulsos libidinosos e de satisfação de desejos lascivos, teve o propósito conseguido de, através do uso da força física, compelir a menor, que sabia não ter, então, mais de 12 anos de idade, a suportar as descritas ações, não ignorando que atentava, como atentou, contra a sua liberdade e autodeterminação sexual, assim comprometendo o livre e regular desenvolvimento da personalidade da mesma na esfera sexual.
104. No dia 03.05.2023, pelas 12h45, quando passeava pelo Parque da Cidade, em ..., nas proximidades da Escola ..., o arguido cruzou-se com LL.
105. LL nasceu em ........2007, pelo que, à data dos fatos tinha 15 anos de idade.
106. Ao cruzar-se com a menor, o arguido abordou-a, perguntando-lhe se estava tudo bem e, perante o silêncio da ofendida, continuou o seu caminho.
107. Volvidos cerca de cinco minutos, o arguido dirigiu-se, de novo, a LL, que permanecia, ainda, no mesmo lugar, e disse-lhe: “és muito linda”, ao que esta retorquiu: “’tá bem, xau”.
108. Apercebendo-se de que a ofendida se aprestava a abandonar o local, o arguido aproximou-se da mesma, pelas costas, prendeu-lhe os braços com uma das mãos e, com a outra, tapou-lhe a boca e o nariz.
109. Ato contínuo, em virtude de a ofendida ter gritado por socorro, o arguido, munido de uma faca de características e dimensões não concretamente apuradas, encostou a respetiva lâmina ao pescoço daquela e disse-lhe, em tom grave e amedrontador: “se voltas a gritar, mato-te e esfaqueio-te”.
110. Em simultâneo, o arguido empurrou a ofendida para uma zona de arbustos, sempre com a mão sobre a boca da mesma, e, uma vez aí chegados, projetou-a em direção ao solo.
111. Nesse momento, o arguido agarrou o cabelo da ofendida, forçando-a erguer-se e a caminhar em frente, para uma zona com mais vegetação, local onde se posicionou da parte de trás da mesma e, enquanto com uma mão lhe tapava a boca, com a outra, por debaixo do top que trajava, apertou-lhe diretamente o seio esquerdo.
112. De seguida, como LL tivesse tentado gritar, o arguido empunhou, de novo, a faca e passou a respetiva lâmina junto da boca da ofendida, repetindo, em tom sério: “cala-te, senão mato-te”.
113. Ainda com uma das mãos a tapar a boca de LL, o arguido desceu a outra mão em direção à genitália daquela, colocou-a dentro das calças e cuecas que esta trajava e fê-la deslizar até à vagina, onde introduziu, pelo menos, dois dedos, efetuando vários movimentos ascendentes e descendentes, ao mesmo tempo que perguntava à ofendida: “estás a gostar?”.
114. Após, o arguido retirou a mão do interior das cuecas da ofendida e desapertou o botão das calças desta, tentando descê-las, enquanto a ofendida, com as suas mãos, as subia, tendo, então, o arguido, por se ter apercebido da aproximação de terceiros, abandonado o local.
115. Em consequência direta e necessária dos factos descritos, LL sofreu:
- escoriação linear na face posterior do ombro esquerdo e
- múltiplas escoriações dispersas pela face anterior do cotovelo esquerdo e face anterior do antebraço esquerdo,
lesões que demandaram um período de cura de 5 dias, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
116. Teve o arguido o propósito conseguido de, através do uso da força física e do incutido receio de utilização efetiva da faca, intimidar LL, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, assim a impossibilitando de resistir à prática, contra a sua vontade, dos descritos atos, sabendo, como sabia, que, desse modo, atentava contra a sua liberdade sexual.
117. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, não ignorando que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei
118. O arguido tem os seguintes antecedentes averbados no seu CRC:
- no âmbito do processo n.º 45/10.2..., que correu termos no Tribunal Judicial de ...(... Vara Mista), pela prática, em 17.01.2010 de um crime de roubo e de um crime de violação, na pena de 3 Anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por acórdão de 30.11.2010, que transitou em julgado em 20.12.2010, que veio a ser revogada, tendo o arguido cumprido pena de prisão efetiva.
- no âmbito do processo 354/14.1...-a, que correu termos no ....º juízo do tep do ..., foram declaradas cumpridas e extintas, com efeitos reportados a 18/01/2018, as penas de prisão aplicadas nos processos 45/10.2... de ... - Inst. Central - ...sec. criminal - J... e 978/11.9... da comarca de ... -... juízo, assim se convertendo em liberdade definitiva a liberdade condicional anteriormente concedida.
3.1.3 - Quanto à situação pessoal do arguido, com base no relatório social da DGRSP:
119. No período a que reportam os factos (dezembro/2021 a agosto/2023), AA integrava o agregado familiar da sua companheira, PP, 33 anos de idade, relação afetiva que mantinha desde que regressou de França,
120. Esteve emigrado em França durante cerca de 3 anos, no período compreendido entre 2019 e 2021.
121. Este núcleo familiar, domiciliado na Rua ... ..., era composto pelos pais da companheira, ambos sexagenários, pela companheira e filho desta, fruto de anterior relacionamento e à data com cerca de 10 anos.
122. Residiam num imóvel que é propriedade dos pais da companheira, uma casa térrea, de tipologia 3, e com adequadas condições de habitabilidade.
123. A dinâmica familiar é avaliada pelos pais da companheira como ajustada e normativa, nada sendo de relevar negativamente no que toca ao arguido e ao seu relacionamento interpessoal.
124. Caracterizam-no como pessoa com hábitos de trabalho e solícita.
125. Em fevereiro/2023 o casal optou por se autonomizar, passando a residir numa morada correspondente a um apartamento arrendado, de tipologia 3.
126. Deste agregado familiar fazia parte também o filho da companheira, enteado de AA, com quem sempre estabeleceu relacionamento positivo.
127. Entre o casal é relatada uma dinâmica familiar harmoniosa e gratificante.
128. A subsistência do agregado familiar era assegurada pelas atividades laborais do casal.
129. AA trabalhava no setor da construção civil, para a empresa JAF Construções, sita em ..., exercendo funções de servente da construção civil,
130. Auferindo um rendimento médio mensal na ordem dos 1000,00 €.
131. Por seu lado, a companheira trabalhava, tal como atualmente, como operária fabril em empresa de calçado, auferindo o salário mínimo nacional.
132. O casal faz alusão a uma situação económica equilibrada, sendo as principais despesas mensais a renda da habitação no valor de 500,00 €, a amortização do crédito pessoal contratualizado para a compra de um automóvel, no montante de 210,00 €, e os consumos domésticos de energia elétrica, água e comunicações, que totalizavam cerca de 120,00 €.
133. AA regista um processo de desenvolvimento psicossocial marcado por dinâmicas familiares disfuncionais, quer pelo alcoolismo do progenitor, com quem coabitou até aos 3 anos de idade,
134. Quer com o posterior companheiro da progenitora, que assumia conduta severa e violenta para com ele, adotando a progenitora, neste campo, uma atitude passiva.
135. Neste contexto, passou a sua infância e adolescência (dos 7 aos 16 anos de idade) no Centro Juvenil de..., com idas ao domicilio de origem aos fins-de-semana e durante as interrupções letivas.
136. O arguido avalia este período como difícil e traumático, tendo sido em contexto institucional que teve contacto com pares de influência transgressiva e junto dos quais diz ter sido incitado/coagido a praticar pequenos furtos.
137. Fez também alusão ao facto de ter sido vitima de abusos sexuais por parte de pares.
138. A irmã uterina mais velha, QQ, que foi criada com os avós maternos, constituiu-se como principal elemento de vinculação afetiva.
139. O arguido teve o primeiro contacto com o Sistema de Administração da Justiça Penal aos 19 anos de idade, tendo sido condenado numa medida de execução na comunidade com a duração de 3 anos e 4 meses (suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova) pela autoria dos crimes de roubo e violação.
140. Neste âmbito, AA apresentou uma postura de global adesão aos objetivos propostos, incluindo o acompanhamento em consultas de psicologia/psiquiatria no Centro Hospitalar do..., contudo, a mesma foi revogada por cometimento de novo crime contra o património (Proc. nº 978/11.9... do Tribunal Judicial de ... –...Juízo), tendo nestes autos sido condenado na pena de 1 ano de prisão efetiva.
141. Deu, então, entrada no EP1 a 08/04/2014, tendo cumprido de forma sucessiva as penas referidas.
142. Durante a sua execução, investiu na vertente formativa, tendo-se habilitado com o 9º ano de escolaridade através de curso de formação profissional e beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
143. A 07.08.2016 foi-lhe concedida a liberdade condicional, atingidos os 2/3 da pena, e cujo termo ocorreu a 18/01/2018.
144. AA tem experiência profissional na área da mecânica auto, como cortador de carnes verdes e na construção civil, sendo esta a última atividade que desenvolveu antes da aplicação da medida de coação em vigor.
145. Nas freguesias de S. Lourenço de Selho e Penselo, locais onde o arguido residiu à data dos alegados factos, o mesmo detém uma imagem positiva, associada a hábitos de trabalho, participação em atividades comunitárias e ajuste relacional.
146. AA tem um filho de outro relacionamento afetivo que perdurou entre 2013 e 2016, que conta atualmente 11 anos de idade e é portador de anomalia cromossomática (trissomia 21).
147. Após a rutura desta união, pai e filho mantiveram contactos regulares, relatando a ex-companheira sentimentos de espanto/choque após ter tido conhecimento dos factos subjacentes à presente acusação.
148. O projeto de vida de AA passa por regressar à vida familiar com a sua atual companheira, de quem tem um filho de 10 meses de idade.
149. Após a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido, a companheira entregou o imóvel que ambos tinham arrendado, por não conseguir cumprir com o pagamento da respetiva renda, e regressou ao seu agregado familiar de origem.
150. Aquela refere manter o seu apoio ao arguido e aguardar pela resolução do processo,
151. Postura que não é partilhada pelos seus pais, que afirmam não o aceitar de novo no seio familiar, em qualquer circunstância.
152. AA deu entrada no EP2 em 01.08.2024, transferido do EP3 onde deu entrada a 30.08.2023, à ordem dos presentes autos.
153. Assume a prática do crime de violação subjacente ao processo nº 45/10.2..., do qual se diz envergonhado, embora tenda a atribuir parte da responsabilidade à vitima.
154. A família de origem e constituída denota sentimentos de choque e surpresa relativamente aos factos acusatórios.
155. A progenitora expressa algum distanciamento afetivo, situação transversal a todo o percurso vivencial do arguido,
156. Enquanto a irmã mais velha, QQ, assume que toda a situação está a causar-lhe sofrimento pela ligação afetiva que sempre manteve com o arguido, embora reconheça que a responsabilidade dos factos deverá ser devidamente apurada.
157. Esta irmã reside há cerca de 7 anos na Suíça, mas tem mantido contactos regulares com o arguido, essencialmente via telefone.
158. A companheira efetua também visitas ao E.P....., assim como o filho desta, enteado do arguido.
159. O percurso prisional de AA tem sido pautado pelo ajuste do comportamento e ausência de registo disciplinar.
160. Aquando da sua entrada no EPB apresentava alguma instabilidade emocional, o que levou a que fosse acompanhado em consultas de psicologia e psiquiatria.
161. Esteve laboralmente ocupado em brigada de calçado.
162. No EP2 ainda não conseguiu colocação laboral, embora já tenha mostrado motivação para esse efeito.
163. Foi igualmente observado em consulta de psiquiatria.
3.1.4 - Quanto ao exame pericial de psicologia:
Com relevo, consignou-se quanto aos antecedentes pessoais e com base em declarações do próprio arguido:
164. É natural de ..., ...;
165. Descreve infância e adolescência marcadas por disfuncionalidade familiar.
166. Relata que o pai biológico, com quem não se lembra de ter convivido, era “bastante alcoólico” e inclusive “enquanto ainda era bebé, dava-me vinho para dormir”.
167. Aos três anos de idade, a mãe iniciou um relacionamento com a pessoa que considera ser “o único pai que conheço”, um padrasto com quem passou a coabitar.
168. Entre os três e os seis anos de idade, refere não se lembrar de muitas coisas, exceto de episódios de agressões físicas recorrentes por parte do padrasto, especialmente quando se atrasava a regressar da escola.
169. Alega que “era obrigado a trabalhar numa empresa que eles tinham de sucata, era uma empresa, mas não estava coletada, mas eles trabalhavam por eles”.
170. Embora não tenha presenciado episódios de violência física entre a mãe e o padrasto, observava frequentes discussões (“ele berrava muito com ela e eu muitas vezes via-a a chorar, mas eu não queria muito saber”); porém, refere “eu não ligava muito, não queria saber, era novo”.
171. Apesar de inconsistente com as suas demais narrativas (e.g., “nunca tive um apoio da mãe, não sei praticamente nada sobre ela”; “ele [padrasto] batia-me... uma vez, espetou-me aqui um ferro da sucata neste braço, ainda tenho a marca”), descreve as dinâmicas familiares como “normais” alegando que se “relacionavam bem”.
172. Percebe-se apenas alguma proximidade com a irmã mais velha ao longo do seu desenvolvimento.
173. A relação com os demais familiares parece ter sido limitada, não sabendo caracterizar e/ou identificar situações relativas a cada um desses elementos.
174. Cresceu num ambiente familiar complexo e fragmentado.
175. Dos demais relacionamentos dos progenitores, AA tem 3 irmãs uterinas (duas mais velhas e uma mais nova) e dois irmãos mais velhos consanguíneos.
176. A irmã mais velha foi criada pelos avós, enquanto a irmã do meio foi acolhida pelos padrinhos.
177. Apenas a irmã mais nova terá coabitado durante algum tempo consigo.
178. Em relação aos irmãos consanguíneos, AA teve contato com eles apenas na idade adulta.
179. Atualmente só mantem contacto com a irmã uterina mais velha que reside na Suíça.
180. Terá tomado conhecimento pelo irmão consanguíneo de que o seu progenitor biológico já faleceu (“ele [irmão consanguíneo] disse-me: o pai apareceu decapitado por se ter metido lá com os traficantes”).
181. Não tem qualquer contacto com a mãe há cerca de dois anos, embora não detalhe exatamente situações motivaram este afastamento (“Sobre a minha mãe nem tenho nada para dizer... Quando vim de França, tivemos contacto... a minha companheira dizia ‘é tua mãe e pronto’, mas depois houve lá umas chatices porque ela dizia à minha irmã que ia buscar dinheiro e não sei o quê e acabou’.
Depois fui detido e ela pediu para me ver, fui fazer o cartão e no dia ela não apareceu. Depois disse que não podia e assim e fiz novamente o pedido e não apareceu. A partir daí disse ‘acabou’”).
182. Aos seis anos, AA foi institucionalizado nas Oficinas de ..., onde permaneceu até os 16 anos.
183. Embora desconheça as razões exatas da sua institucionalização, diz que recentemente um dos irmãos consanguíneos lhe terá contado que foi “porque tentei atropelar a minha irmã mais nova, metê-la no meio da estrada ou não sei quê”.
184. Refere que a progenitora justificava a sua institucionalização pela falta de condições económicas.
185. Descreve o ambiente institucional como “uma prisão” e relata ter sido incitado por outros internos a praticar furtos em supermercados para conseguir comida.
186. Afirmou ser vítima de abusos sexuais reiterados por parte de colegas mais velhos, que o ameaçavam física e sexualmente caso ele não trouxesse o que era pedido (“começaram-me a fazer coisas que não deviam quando era apanhado e não trazia nada para eles comerem à noite”).
187. Questionado sobre as práticas abusivas, AA refere apenas que “muitas vezes queria ir à casa de banho e sentar-me e não conseguia”.
188. Menciona ainda que, apesar de ter relatado essas experiências à equipe técnica da instituição, nunca obteve apoio.
189. Justifica que chegou a fugir diversas vezes para a casa da irmã mais velha, que desconhecendo os episódios de abuso, o obrigava a regressar à instituição.
190. Entrou para escola com seis anos.
191. Durante a trajetória escolar, relata dificuldades significativas no ajustamento comportamental e académico, mencionando que repetiu o 5.º ano por cinco vezes.
192. Admite que faltava frequentemente às aulas e envolvia-se em comportamentos perturbadores, na sua narrativa incitados pelos colegas mais velhos, com quem se associava.
193. Admite, por exemplo, ter incendiado o cabelo de uma colega (e.g., “uma vez, estávamos a sair da educação física e ele disse:’ ‘vai ali e chega lume ao cabelo daquela rapariga’, e eu fui e pronto”).
194. Associa o comportamento disruptivo a uma tentativa de adaptação ao grupo de pares, o que reflete uma tendência para a conformidade com comportamentos desviantes.
195. A associação a pares desviantes identifica-se na sua narrativa ao longo de todo o seu desenvolvimento (“aos fins de semana passava muito tempo aqui nos jagunços e nos planetas, era a nossa vida”).
196. Questionado sobre o relacionamento de pares refere que “eram os amigos, eram amigos para ir roubar”.
197. Após deixar a instituição, aos 16 anos, AA foi morar com a mãe e o padrasto, onde relata ter sido novamente vítima de violência física.
198. Durante esse período, mencionou não ter recebido o suporte adequado da mãe, nem nas questões afetivas nem na prestação de cuidados na sequência das agressões físicas (e.g., “A minha mãe não quis muito saber o que ele me fazia”; “uma altura, o meu padrasto espetou-me um ferro aqui no braço, tenho aqui a cicatriz, e eu disse à minha mãe para me levar ao hospital e ela disse isso cura-se em casa”).
199. Refere que a progenitora se terá separado do companheiro quando tinha aproximadamente 17 anos, ainda que inicialmente numa dinâmica de separação e reconciliação constantes e de vários episódios de agressão física com alguma gravidade (e.g., “uma vez chamou-me a dizer que tinha a cara cheia de vidros, que lhe tinha partido garrafas na cara”).
200. Quanto ao percurso profissional, AA refere ter começado a trabalhar desde muito cedo na sucata, atividade desenvolvida pelo agregado de origem.
201. Aos 16 anos, começou a trabalhar na empresa do filho do padrasto, onde desempenhou diferentes atividades e onde se encontrava a trabalhar à data da detenção, pelo que tem cerca de 16 anos de descontos naquela empresa, ainda que com interrupções.
202. Aos 16/17 anos e durante 4/5 meses, começou a trabalhar nos jardins do aeroporto Sá Carneiro.
203. Posteriormente, ainda dentro da mesma empresa, mudou para o trabalho nas estradas, onde permaneceu pouco tempo segundo refere porque “eles [grupo de pares ao qual se associou no bairro conhecido por ‘jagunços’] começaram a dizer andas para trolha, pareces um boneco, isso não era trabalho digno, anda para as oficinas que ganhas mais dinheiro”.
204. Incitado pelos pares, despediu-se e foi trabalhar numa oficina em Fafe, onde trabalhou durante cerca de 7 meses.
205. Segundo conta, “o patrão começou a dizer que estava mal e começou a dizer que tinham uns negócios a fazer e começámos a roubar gasóleo, martelar os carros [trocar números de série]”.
206. Em 2012, mudou-se para Famalicão, onde passou a coabitar com a progenitora do seu primeiro filho e onde trabalhou durante cerca de dois anos numa central de carnes.
207. Posteriormente, foi detido para cumprir pena de prisão efetiva.
208. Após cumprir metade da pena de prisão efetiva, saiu em liberdade condicional com um contrato de trabalho na empresa do filho do seu padrasto e foi trabalhar para o aeroporto de Lisboa, durante cerca de 2 anos.
209. Terminado o período de liberdade condicional foi trabalhar, na mesma empresa, para França como ajudante de construção civil.
210. Já em França, mudou para uma empresa de instalação de piscinas.
211. Em 2021, regressou definitivamente a Portugal, segundo refere “porque comecei a namorar e afeiçoei-me muito ao menino [enteado]”.
212. Integrou a empresa onde trabalhava desde os seus 17 anos, e começou a trabalhar na instalação de painéis solares, onde se mantinha à data da detenção.
213. Sobre o desenvolvimento psicossexual, AA relatou que sua primeira experiência afetiva significativa ocorreu aos 17 anos com sua atual companheira.
214. Não identifica razões para o término, porém refere que aos 18/19 anos, iniciou uma relação de namoro com uma menor de idade, que durou cerca de 1 ano e pouco.
215. Posteriormente, encetou relação com uma mulher casada que refere “ter engravidado e fugido para França para o marido”.
216. Não obstante não reconhecer formalmente o filho, refere que coabitou com a namorada e o menor durante alguns meses em casa da progenitora em ....
217. Mais tarde, com cerca de 21 anos, conheceu a mãe do seu primeiro filho numa discoteca e manteve com ela uma relação durante 6 anos.
218. Desta relação resultou um filho, atualmente com 12 anos, portador de Síndrome de Down.
219. Refere que durante a sua primeira reclusão, a companheira sempre o apoiou e visitou.
220. Porém, quando saiu em liberdade condicional, a companheira mantinha uma relação extraconjugal que terá motivado a rutura definitiva da relação.
221. Por volta dos 28 anos, retomou contacto com a sua primeira namorada, a sua atual companheira com quem mantém uma relação até à data.
222. Refere sofrer de bronquite asmática.
223. Relativamente aos antecedentes criminais, e quanto à condenação anterior pela prática de um crime de roubo e de violação, alegou que a prática do crime foi incitada pelo grupo de pares ao qual pretendia pertencer (“queres pertencer? Eu queria. Então, estas a ver aquela rapariga que vai ali, é dos planetas. Vais-lhe roubar o telefone e vais- lhe fazer algo que mais tarde te venhas a lembrar porque é que entraste no grupo”).
224. Desresponsabiliza-se do seu papel na prática deste crime, alegando que lhe roubou o telefone e que “tivemos relações os dois”, apesar de admitir que “não foi consentido”,
225. Minimiza a gravidade das suas ações dizendo “eu comecei a beijá-la e tudo mais e… ela não disse que não nem disse que sim. Deixou-se levar. Só que… depois é que foi o problema.” Questionado sobre as razões de ter decidido violar a vítima, AA refere que foi “simplesmente o facto de eles dizerem que tinha de ser alguma coisa que me lembrasse porque é que entrei no grupo”.
226. A prática foi premeditada, tendo seguido a vítima ao longo do seu percurso até conseguir impossibilitar a sua fuga.
227. Nega o consumo de drogas leves e/ou pesadas.
228. Refere consumo de tabaco desde muito cedo (não sabe precisar a idade) e álcool quando estava em liberdade, que alega ser um consumo controlado e ocasional.
229. A avaliação instrumental realizada teve por base o Inventário de Personalidade 16-PF, a Escala de Crenças sobre a Violação (ECV), a Escala de Crenças de Abuso Sexual (ECAS), o Brief Symptom Inventory (BSI), a Psychopathy Checklist Revised (PCL-R) e “Sexual Violence Risk – 20” (SVR-20).
230. No 16-PF, as escalas de estilo de resposta evidenciam que o examinando não tentou deliberadamente manipular a sua imagem de forma positiva (fingindo ser melhor do que é) ou negativa.
231. Porém, apresenta um padrão de resposta inconsistente e uma forte tendência à aquiescência, ou seja, tende a concordar com os itens do teste independentemente do conteúdo.
Essa característica pode refletir sugestionabilidade, conformismo ou uma tentativa de parecer cooperativo. Além disso, pode indicar que o examinando não analisou cuidadosamente as questões antes de responder. A elevada demora na conclusão do teste e a manifestação recorrente de dificuldades em compreender os itens reforçam essa hipótese.
232. Nas dimensões globais, o examinando apresenta um moderado nível de sociabilidade, podendo significar que consegue interagir socialmente quando necessário, mas não procura ativamente relações sociais.
Considerando outros fatores do perfil (alta privacidade e vigilância e baixa afabilidade) e a informação recolhida na entrevista, é provável que sua sociabilidade seja predominantemente instrumental, voltada para benefícios próprios, e não baseada em vínculos afetivos genuínos.
233. A ansiedade e o stresse elevados indicam dificuldades em lidar com pressão, podendo contribuir para impulsividade emocional e reações exageradas diante de frustrações ou ameaças. Esse nível de ansiedade pode estar relacionado com o medo das consequências dos próprios atos, dificultando uma autoavaliação clara e comprometendo sua perceção dos outros.
234. Isso é reforçado pela sua relação negativa com escalas associadas à empatia, socialização, responsabilidade e autocontrolo.
235. O perfil sugere um indivíduo emocionalmente frio e pouco empático, mais orientado para os próprios interesses do que para as necessidades alheias.
236. A combinação entre baixa sensibilidade emocional e alta vigilância aponta para uma personalidade reservada e calculista. Esse padrão está alinhado com as observações das entrevistas clínico-forense e é coerente com a escala de autocontrolo, que indica que as suas ações tendem a ser planeadas e estratégicas, em vez de meramente impulsivas.
237. Contudo, a elevada tensão e instabilidade emocional podem comprometer esse controlo em situações de stresse intenso, podendo resultar em reações desajustadas ou explosivas.
238. O examinando demonstra também uma tendência para a dependência e o conformismo diante de figuras de autoridade. No entanto, essa característica não se traduz em submissão passiva, uma vez que sua alta dominância sugere uma necessidade de exercer controlo sobre os outros.
239. Essa combinação de traços indica que pode alternar entre comportamentos de adaptação estratégica e manipulação, ajustando a sua conduta de acordo com o contexto e as relações de poder que estabelece.
240. Na ECAS não se apuraram a existência de atitudes e crenças disfuncionais em relação ao abuso sexual, à exceção da elevada concordância com o item “As pessoas que abusam sexualmente de crianças/adolescentes são quase sempre desconhecidos”.
241. No ECV, ainda que não pontue de forma elevada, pode encontrar-se a existência de atitudes e crenças associadas à legitimação da violação quer pela banalização da violência associada, quer pela sua atribuição à conduta da mulher ou a causas externas, ou seja, há uma conceção normativa e banal da violência, cuja origem tende a ser atribuída a fatores externos à conduta do sujeito, visando a desculpabilização. Como exemplos temos o facto de o sujeito concordar com afirmações como “há um certo ponto a partir do qual «nenhum homem é de ferro»”, “as mulheres inventam queixas de violação quando se arrependem do que fizeram”.
242. Ao longo do seu discurso apresenta distorções cognitivas legitimadoras de violência como sejam a negação parcial (“ela não disse que não nem que sim, comecei a beijá-la e ela deixou-se levar”) e completa (“Não cometi esses crimes todos, só cometi dois [...] Sei que estou com a consciência limpa e a minha companheira”; “Dizem que fui eu, mas como é que me podiam conhecer se eu era mais gordo”), minimização da ofensa e da responsabilidade (“eu só a agarrei pela coxa, só queria saber se ela tinha dinheiro ou não e apalpei-lhe os bolsos e passei-lhe a mão por baixo dos peitos, foi o que eu fiz, mais nada e ela foi dizer que eu passei a mão lá na e não sei o quê”; “O rapaz fugiu e a rapariga ficou ali ao meu lado; “Tivemos relações um com o outro mas nem acabamos porque apareceu um grupo de turistas”), e negação ou minimização do planeamento e/ou fantasias (“as coisas aconteceram, assim”; “ela “Estávamos no castelo e ela teve a tentação de me começar a passar a mão na perna e eu pronto, quando dei por ela já estávamos aos beijos"; “eu não tenho fantasias, para mim a relação sexual não me diz nada”).
243. Na PCL-R considera-se, mediante os elementos recolhidos, quer através das entrevistas, quer dos dados processuais disponibilizados, a aplicação na sua totalidade ou quase totalidade (cotação 2) dos itens: ausência de remorsos ou sentimentos de culpa, insensibilidade/ausência de empatia, não-acatamento de responsabilidades pelas suas ações, comportamento problemático precoce, ausência de objetivos realistas a longo prazo, irresponsabilidade, revogação de medidas alternativas à pena de prisão ou e medidas flexibilizadoras da pena de prisão, relacionamentos conjugais numerosos e de curta duração.
Aplica-se apenas parcialmente ao sujeito os itens (cotação 1): superficialidade afetiva, impulsividade, delinquência juvenil, e versatilidade criminal. Da análise dos critérios descritos apurou-se um resultado que vai ao encontro da existência de características em grau moderado de psicopatia. Importa salvaguardar que o examinando se situa no limiar inferior dessa categoria.
244. No SVR-20, apurámos como estando claramente presentes os seguintes fatores de risco: psicopatia em grau moderado, ofensas físicas e sexuais com uso de arma ou ameaça de morte, extrema minimização ou negação das ofensas sexuais, e atitudes de desvalorização das ofensas sexuais. Como fatores de risco possivelmente ou parcialmente presentes encontram-se: vítima de abuso na infância (negligência que terá resultado em dano psicológico, violência física e abusos sexuais), pensamentos e impulsos acerca de causar – ou tentar causar – sério dano ou morte a outros (“quis botar o lume no carro onde ela [ex-companheira] estava com ele [pessoa com quem alegadamente mantinha uma relação extraconjugal]. O pai dela é que não me deixou.], passado de ofensas violentas e atitudes negativas face à intervenção, passado de fracasso em medidas alternativas ou de flexibilização. Face à avaliação realizada, considera-se existir um grau de risco de violência sexual moderado.
245. No BSI, o examinando pontua acima da média considerando a população clínica (não normativa) no índice geral de sintomas (que considera o número de sintomas psicopatológicos e a sua intensidade), no índice de sintomas positivos (que representa uma medida de combinação da intensidade da sintomatologia com o número de sintomas presentes) e no total de sintomas positivos (49, que reflete o número de sintomas assinalados). Esse padrão sugere que o examinando experimenta múltiplos sintomas, vivenciando-os com intensidade considerável.
A análise dos fatores clínicos revela elevações expressivas em dimensões especificas como sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade fóbica, ideação paranóide e psicoticismo.
246. O padrão identificado sugere instabilidade emocional significativa, com impacto na perceção da realidade e no funcionamento interpessoal. O conjunto de elevações observadas pode estar associado a dificuldades em lidar com emoções, desconfiança nas relações interpessoais e possível vulnerabilidade para estados dissociativos ou alterações no pensamento.
247. Ao longo das entrevistas, o examinando procurou enfatizar um percurso de vida marcado por dificuldades, adotando uma postura de vitimização, consistente com o seu perfil de atribuição externa da responsabilidade.
248. No geral, apresenta baixa ressonância afetiva e afetos moderadamente superficiais, demonstrando frieza emocional e dificuldades em expressar empatia genuína.
249. Embora tenha mantido uma atitude aparentemente colaborante, mostrou-se evasivo em questões que o poderiam comprometer, descrevendo os factos com defensividade e minimização.
250. O discurso é circunstanciado e a colaboração percebe-se diminuída na realização de testes.
251. De destacar a instabilidade emocional significativa, desconfiança interpessoal e um funcionamento psicológico orientado para a minimização da responsabilidade pelos seus atos.
252. No domínio da personalidade, evidencia traços de frieza emocional, baixa empatia e uma sociabilidade instrumental, pautada pela manipulação e ajustamento estratégico ao contexto.
253. A instabilidade emocional e a elevada tensão podem, no entanto, comprometer o seu autocontrolo em situações de stresse intenso, resultando em reações desajustadas ou explosivas.
254. A análise da sua história de vida revela um padrão de funcionamento familiar e afetivo disfuncional, marcado por negligência ou abuso, bem como a influência de pares desviantes, fatores que podem ter desempenhado um papel significativo no desenvolvimento de traços de personalidade que sustentam o perfil identificado, com impacto direto na sua conduta e no modo como estabelece relações interpessoais.
255. Como fatores de risco é de salientar (de acordo com a SVR-20, PCL-R, entrevistas e dados processuais) a existência de uma dinâmica familiar disfuncional na infância, com situações de possível negligência e agressão física, responsáveis pela presença de sentimentos de abandono e carência afetiva; experiências sexualmente abusivas na infância/adolescência, antecedentes criminais relacionados com violência sexual; baixo suporte familiar e social; existência de crenças e atitudes de apoio das ofensas sexuais, a par da desvalorização, minimização ou negação dessas ofensas (o sujeito reconhece ter mantido contactos sexuais com a vítima, mas não reconhece o seu carácter delituoso, uma vez que afirma durante as entrevistas que foi a vítima quem o aliciou e, portanto, consentiu).
256. Apesar de verbalizar que “pensa todos os dias nas vítimas”, não reconhece a gravidade do comportamento, nem os danos que possa ter provocado na vítima – minimiza, portanto, o planeamento, a sua responsabilidade e as consequências para a vítima; a par das características de personalidade anteriormente referidas, nomeadamente, a baixa estabilidade e sensibilidade, a frieza emocional e baixa empatia.
257. Como fatores de proteção poderemos identificar a existência de um vínculo afetivo com a irmã mais velha e com a atual companheira.
258. Em suma, o conjunto de indicadores sugere um funcionamento psicológico caracterizado por frieza emocional, distorções cognitivas em relação à violência sexual e dificuldades na regulação emocional, fatores que, combinados, podem influenciar o risco de reincidência e dificultar a adesão a intervenções corretivas.
259. A presença de crenças que minimizam e legitimam a violência, associada à ausência de empatia e à resistência em reconhecer a responsabilidade pelos atos, aponta para desafios significativos na modificação do comportamento e na integração de estratégias que promovam um funcionamento mais adaptativo.
(…).
3. A pena única.
3. 1. Vejamos primeiramente a fundamentação da decisão recorrida.
Depois de se ter fixado as penas parcelares, como vimos,
- crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal, e art.º 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março – desqualificado pelo valor (204.º, 4 do CP) – pena de 1 Ano e 6 meses de prisão;
- crime de violação agravada, p. e p. pelos art. 164º, nº 2, al. b) do C. Penal - pena de 7 (sete) anos de prisão;
- crime de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 164º, nº 2, alínea b), 22º, nºs 1 e 2, al. c), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal - pena de 4 Anos e 6 meses de prisão;
- um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), do C. Penal, e art. 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março – pena de 4 anos de prisão;
- crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, al. b) do C. Penal - pena de 6 Anos de prisão;
- crime de violação, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 164º, nº 2, als. a) e b), 22º, nºs 1 e 2, al. c), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal - pena de 4 Anos de prisão;
- crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), mas desqualificado pelo valor, 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal, e art. 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março desqualificado pelo valor (art.º 204º, 4 do CP) - pena de 1 Ano e 6 meses de prisão;
- crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, als. a) e b) do C. Penal - pena de 8 anos de prisão;
- crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 145º, nº1, al. a) e nº2, ex vi do art. 132º, nº2, al. e) do C. Penal - pena de 18 meses de prisão;
- crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f), 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nºs 1 e 2 e 73º, todos do C. Penal, e art.º 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março, desqualificado pelo valor - pena de 1 Ano e 6 meses de prisão;
- crime de coação sexual, p. e p. pelo art.º 163º, nº 2, do C. Penal - pena de 3 Anos de prisão;
- crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, als. a) e b) do C. Penal - pena de 6 anos e 10 meses de prisão;
- crime de coação agravada, p. e p. pelos arts. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al a) ambos do C. Penal - pena de 1 Ano e 10 meses de prisão;
- crime de coação sexual qualificada, agravada pela idade da vítima, p. e p. pelos arts. 163.º, n.º 2, e 177.º, n.º 7 do C. Penal - pena de 6 Anos de prisão;
- crime de violação agravada, p. e p. pelos art. 164º, nº 2, al. b), agravada pela idade da vítima nos termos do 177.º, nº6, ambos do C. Penal - pena de 7 ANOS E 8 MESES de prisão;
justificou-se a aplicação da pena única de 20 (vinte) anos de prisão, da seguinte forma:
“Do cúmulo jurídico das penas principais
Determinadas as penas concretas de multa que cabem a cada crime praticado pelo arguido, proceder-se-á à determinação da pena única do concurso de acordo com o artigo 77.º do CP.
Tal pena deverá ser determinada dentro de uma moldura calculada nos termos do art.º 77.º, n.º 2: o máximo correspondendo à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o mínimo fixando-se na mais alta das penas concretamente aplicadas. No caso sub judice, essa moldura será então de um mínimo de 8 (anos) anos de prisão a um máximo de 25 (vinte e cinco) anos de prisão (sendo que a soma das penas parcelares atingiria 73 Anos e 2 meses de prisão).
Dentro das molduras assim determinadas, a pena única fixar-se-á tendo em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – art.º 77.º, n.º 1, in fine.
Esta avaliação deve centrar-se na ideia de “gravidade do ilícito global” que os factos analisados no seu conjunto nos ofereçam, bem como na resposta que os mesmos deem “à questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade” – FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português..., cit., pág. 291, §421.
Não se trata aqui de valorar novamente os elementos já tidos em conta na determinação de cada pena concreta, mas antes extrair consequências de uma “visão de conjunto” de toda a factualidade.
No caso concreto dos autos, ponderando o modus operandi, o número de crimes, os antecedentes criminais (por crimes da mesma natureza) afigura-se que os factos no seu conjunto indiciam uma marcada “tendência criminosa”, em concreto para a prática de agressões de natureza sexual, sendo exponencial, em face dos fatos e personalidade do arguido, o risco de reincidência.
Na verdade, é gravíssima a ilicitude global da conduta do arguido e mesmo tendo presente que os bens jurídicos afetados não atingem o bem supremo da vida, os crimes são muito graves (violação agravada, coação sexual, roubos, violação tentada), e mostram uma conduta reiterada ao longo de muito tempo, que produziu muito alarme social na população.
Assim, ponderando o conjunto dos factos e o tempo por que decorreram, é inevitável concluir que evidenciam uma tendência criminosa – sem esquecer os antecedentes por crimes da mesma natureza – que apontam para uma carreira criminosa, que o arguido foi preparando, estudando as vítimas e os locais onde podia operar com relativo êxito.
Pelo que, são muito elevadas as exigências de prevenção geral e especial, quer ao nível da socialização, quer ao nível da necessidade de intimidação, quer ao nível do grau da culpa, também muito elevado. É certo que o arguido está integrado, do ponto de vista familiar, social e laboral e ainda tem o apoio da irmã mais velha e da companheira. No entanto, a extrema gravidade dos fatos, conciliada com a falta de empatia evidenciada, a ausência de demonstração de arrependimento e a persistência em negar fatos, ainda que objetivamente evidentes (como sucede nos casos em que deixou vestígios de ADN nas vítimas), leva a concluir que as atenuantes verificadas são de irrisória importância.
Em face do exposto, perante a moldura de um mínimo de 8 anos e um máximo de 25 anos (quando a soma aritmética atingiria 73 anos e 2 meses de prisão), afigura-se-nos adequado fixar a pena única do concurso em 20 (vinte) anos de prisão”.
3. 2. A isto que contrapõe o arguido?
Invocando a violação do artigo 77.º CPenal, diz o arguido que a punição do concurso que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas – e tendo esta sido aplicada em 8 anos de prisão por violação agravada – a pena única de 20 anos é manifestamente exagerada e excessiva e, não teve em consideração todos os factos e a personalidade do agente, terminando por defender a sua redução para um patamar máximo de 15 anos de prisão.
Estrutura esta sua pretensão alegando que do quadro de facto apurado resulta que o seu processo de desenvolvimento psicossocial está na génese da disfuncionalidade do seu comportamento, o que não foi devido e corretamente avaliado na decisão recorrida, não se tendo avaliado corretamente que,
- a finalidade das penas, nos termos do artigo 40.º CPenal visa, além da proteção dos bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade;
- os critérios de determinação da medida da pena, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, se não são suficientes para justificar uma atenuação especial da pena, possuem relevância para justificar a aplicação de uma pena fixada em medida intermédia entre o mínimo de 8 anos e o máximo de 25, não superior a 15 anos de prisão.
E, assim, conclui que desta forma se faria justiça na proteção dos bens jurídicos violados, mas dando-se um sinal ao arguido para a sua reintegração na sociedade, levando-se em conta todo o circunstancialismo em que – também com a responsabilidade tutelar do Estado – o arguido teve de formatar a sua personalidade.
Isto depois de considerar que o nosso sistema penal ético-retributivo se acha sustentado na chamada teoria da culpa do agente na formação da sua personalidade, em que a sua conduta criminal lhe é censurada pela omissão do dever de cada um orientar, formar e preparar a sua personalidade de modo a torná-la apta e a respeitar os valores jurídico-criminais vigentes, cuja violação constitui o agente em culpa pela não formação ou preparação convenientes da sua personalidade.
3. 3. Vejamos.
Dispõe o artigo 77.º/1 CPenal, a propósito da punição do concurso de crimes, que, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E o n.º 2, dispõe que, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Assim sendo, no caso, a moldura penal do concurso situa-se entre os 8 e os 25 anos de prisão.
No recurso em apreciação, não se discute a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstrata do concurso de crimes. Nem das penas parcelares. Nem o patamar destas. Questiona-se o quantum da pena única.
Será de referir, desde já, contudo, a este propósito que “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada”, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada”, cfr. acórdão de 14.5.2009, processo 19/08.3PSPRT.S1-3.ª, consultado no site da dgsi – tal como todos os demais sem diversa menção de origem.
A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, como impõem os artigos 40.º e 71.º CPenal, havendo, porém, que atender a um critério específico - a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente, nos termos do artigo 77.º/1 parte final CPenal).
“À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, na operação de determinação da pena única importa a visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente”, como se entendeu no acórdão deste Supremo Tribunal, citado pelo Sr. PGA, de 21.10.2021, processo 64/15.2PBBJA-5.ª.
Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles, tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.
A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.
Como refere o professor Figueiredo Dias, in Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 183/5, “(…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto e, portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.
E, o mesmo autor, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, 290/1, “estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72.º/1 (actual 71.º/1), um critério especial: o do artigo 78.º/1 segunda parte (actual 77.º), segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso2.
E, ainda, no § 421, 291/2, acentua “que na busca da pena do concurso, “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
À luz das regras da experiência, a violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade em delinquir, ou mesmo uma carreira criminosa.
Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.
A determinação da pena do cúmulo exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global.
A autoria em série será factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não terá esse efeito agravante.
Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de 20.2.2008, processo 4733/07 e de 8.10.2008, processo 2858/08-3.ª, na elaboração do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude e, a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.
Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor, o conjunto dos factos e a interacção destes com aquela.
E nesta apreciação, avaliação e ponderação assume especial importância a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente - exigências de prevenção especial de socialização – tendo presente as mais variadas circunstâncias, vg. o arco temporal por que se prolongou a atividade criminosa; a natureza, diversidade e gravidades dos vários crimes; o número de vítimas, a motivação do agente; a intensidade da actuação criminosa; o grau de adesão ao crime como modo de vida e as expetativas quanto ao seu futuro comportamento.
Por outro lado, na pena única há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, levando, sempre em consideração os critérios gerais da determinação da medida da pena contidos no artigo 71.º – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º - a necessidade de tutela dos bens jurídicos violados e as finalidades das penas.
“E, aqui as finalidades exclusivamente preventivas da protecção de bens jurídicos – prevenção geral positiva ou de integração – e da reintegração do agente na sociedade – prevenção especial positiva ou de socialização – devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possível, na pena única, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.
Finalidades, estas, que a par da culpa, tendo já intervindo, no momento anterior de determinação da medida das penas parcelares, operam aqui por referência ao conjunto dos factos e à apreciação geral da personalidade, o que não se confunde com a ponderação das circunstâncias efetuada relativamente a cada crime, que é necessariamente parcelar - e não envolve, por isso, violação do princípio da dupla valoração”, cfr, citado acórdão deste Supremo Tribunal de 21.10.2021.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 10.9.2009, processo 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas”.
“Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 23.9.2009, processo 210/05.4GEPNF.S2-5.ª.
É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
Como se menciona no acórdão deste Supremo Tribunal de 21.6.2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.
Regressando ao caso concreto
Como se referiu, a moldura penal do concurso relativa ao recorrente situa-se entre 8 anos e os 25 anos de prisão.
A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por uma pluralidade de crimes.
Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, em todas as suas facetas.
A imagem global evidencia a prática de 15 crimes: 7 de violação, 1 de ofensa à integridade física, 4 de roubo, 2 de coação sexual e 1 de coação, em que a primeira ocorrência é em 7.12.2021 e a última em 22.8.2023.
O arguido manteve a prática criminosa, com grande e crescente intensidade, durante cerca de 20 meses - que só interrompeu quando foi detido e preventivamente preso.
Dos factos provados ressalta a ousadia do arguido no cometimento dos crimes.
O cometimento de uma tão elevada série de crimes de natureza sexual, crimes contra a propriedade e contra a integridade física - depois de ter sido condenado, por acórdão de 30.11.2010, transitado a 20.12.2010, por factos ocorridos a 17.1.2010, pelos crimes de roubo e de violação, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, que veio a ser revogada, tendo o arguido cumprido pena de prisão efectiva - transmite na comunidade sentimentos de ineficácia da justiça penal, causando alarme, compreensível insegurança, naturalmente, sentimento de desproteção e alguma revolta com os sistemas formais de controlo.
Tanto mais que, no caso, a reclusão e a suposta preparação para a reintegração social não surtiram qualquer efeito, particularmente de modo a prevenir a reiteração do arguido em tão intensa atividade criminosa.
Na determinação da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade, nos factos, revelada.
Aqui relevando o facto de o arguido não ter ainda interiorizado, percepcionado o real valor da ilicitude da sua conduta, tão pouco assumir, que os factos estando de forma próxima relacionados entre si, no tempo e no contexto, terão origem numa característica da sua personalidade, onde se evidencia a falta de auto-crítica ou auto-censura, não assumindo a sua responsabilidade, procurando enfocar a origem da disfuncionalidade do seu comportamento no seu processo de desenvolvimento psicossocial - o que não foi devido e corretamente avaliado na decisão recorrida.
E, mais, que será necessário dar-lhe um sinal para a sua reintegração, ponderando-se o circunstancialismo em que teve de formatar a sua personalidade, também, com a responsabilidade tutelar do Estado.
Isto é, depois de invocar a sua culpa na formação da personalidade, reparte-a com, ou imputa-a ao falhanço do Estado Social.
Como bem refere o arguido – apesar de defender que tal não foi, também, correctamente, avaliado – nos termos do artigo 40.º/1 CPenal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
E, se assim é, como é, de facto, carece em absoluto de razoabilidade e de fundamento o entendimento que as suas condições pessoais e a sua situação económica assumam relevância para justificar a redução da pena única a um valor não superior a 15 anos de prisão.
Mas que condições pessoais? Mas que situação económica?
Como é óbvio a sua - mais aparente que real - inserção social, profissional e familiar não foi, minimamente nem apta nem capaz de o afastar daquela sua vivência e prática criminosa.
Se o arguido tinha em mente o facto de vir provado que está integrado, do ponto de vista familiar, social e laboral e que tem o apoio da irmã mais velha e da companheira, tal, como parece, medianamente evidente, constitui um equívoco.
Com efeito, nenhuma dessas circunstâncias serviu de suficiente elemento dissuasor de bloqueio e de inibição em relação à sua repetida, reiterada conduta criminosa.
Prevalece aqui, sem margem para dúvida a sua apetência, a sua tendência para crimes da natureza dos aqui em causa, como há 10 anos, bem evidenciando a sua falta de empatia, para com as mulheres, desde logo.
Estamos na presença daquilo que é vulgar designar-se como um predador sexual.
Olvidando, ele próprio, arguido que já teve contacto com o sistema prisional, por factos da mesma natureza daqueles que ao fim de mais de 10 anos voltou a praticar.
Altura em que poderia ter aproveitado, para ganhar competências para voltar a enfrentar a sociedade sem recair na mesma errância criminosa.
A deixar transparecer, uma absoluta indiferença, insensibilidade e desinteresse em viver de acordo com os valores e princípios que regulam a vida em sociedade.
Não fora a sua detenção, obviamente que o desígnio criminoso seguiria impune e imparável.
Importa ter em conta a natureza e a igualdade dos bens jurídicos tutelados, ou seja, aqui, a dimensão e a intensidade da repetida lesão do mesmo bem jurídico na actuação global do arguido.
A evidenciar mais que uma tendência, um indesmentível padrão de comportamento.
Se o arguido não perceber isto, então não percebeu nada.
A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”. Dentro da moldura penal do concurso, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 242.
As exigências de prevenção geral podem variar em função do tipo de crime e variam as necessidades de prevenção especial de socialização em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade que revela no cometimento dos factos.
A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de se aproximar de um dos limites.
E, não é, não tem sido, na vida do arguido, um bom caminho, por um lado não assumir a responsabilidade na prática dos factos, deles se não demarcar, sem qualquer demonstração de consciência crítica, de juízo de auto-censura e, por outro, o interiorizar que a culpa não é sua, em exclusivo, mas que deve ser repartida pela sociedade.
O que bem ilustra as falhas de personalidade, a nível psicológico, atinentes com a questão da falta de empatia, de socialização, de sentido de responsabilidade e de autocontrolo.
O que aliado ao evidente sentimento de desculpabilização, à atribuição da sua carreira criminosa a fatores externos, visando a sua desculpabilização, ilustra de forma cabal e definitiva, uma absoluta necessidade de se assegurar as muito elevadas exigências de prevenção geral e especial, quer ao nível da socialização, quer ao nível da necessidade de intimidação.
Se as necessidades de prevenção geral são elevadas, as necessidades de prevenção especial revelam-se particularmente prementes.
Resulta bem evidenciado que as exigências de prevenção especial empurram a medida da pena para o máximo consentido pela culpa posta na execução da panóplia de crimes aqui em causa.
A personalidade do arguido demonstra, por um lado, uma forte pulsão e arreigada tendência para cometer crimes de natureza sexual e, por outro, uma fraca sensibilidade à condenação em pena de prisão e, mesmo, à reclusão.
Não tivesse sido preso e é praticamente certo - extrai-se da ponderação dos factos provados à luz das regras da experiência e da racionalidade lógica - que prosseguiria, imparavelmente, intensificando a sua linha de atividade criminosa.
O caso dos autos é absolutamente paradigmático de uma imagem do “comportamento global” a demandar gravidade acrescida. Uma série de crimes como a que aqui está em apreço, em si mesma, mas também com referenciação ao passado criminal do recorrente, demanda um factor de compressão mais elevado e a individualização da pena conjunta a um nível superior que a metodologia utilizada para a quantificação das penas parcelares englobadas.
Em suma, o conjunto dos factos, mas sobretudo a personalidade neles revelada, bem como as necessidades de proteção dos bens jurídicos, grave e persistentemente violados, confirmam que a pena única aplicada não peca por excessiva nem por exagerada.
Por todo o exposto, conclui-se não merecer intervenção corretiva a pena única de 20 anos de prisão imposta ao arguido, que se mostra equilibrada, justa e adequada.
III. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC,s, artigos 513.º/1 e 514.º/1 CPPenal e 8.º/9 e Tabela III do RCProcessuais.
Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.
Supremo Tribunal de Justiça, 12JUN2025
Ernesto Nascimento - Relator
Jorge Jacob - 1.º Adjunto
Jorge Gonçalves – 2.º Adjunto