RECURSO PER SALTUM
ROUBO
HOMICÍDIO
TENTATIVA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PENA PARCELAR
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
PERDÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REGIME DE PROVA
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
INADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO PARCIAL
Sumário


I. A atenuação especial da pena resultante da aplicação do regime penal especial para jovens deve ser aplicada sempre que não existam circunstâncias especiais que o desaconselhem por o jovem revelar uma personalidade de difícil conformação com a ressocialização, ou quando a essa aplicação se não oponham inalienáveis exigências de prevenção geral.
II. A pena de prisão em medida não superior a cinco anos deve, em princípio, ser suspensa na execução a não ser que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, e a suspensão da execução for desaconselhada por prementes exigências de prevenção geral.
III. Se os deveres impostos, à suspensão da execução da pena, não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, tal deixa aberta a possibilidade de se fixar como dever o pagamento apenas parcial do valor da indemnização, para os casos em que o Tribunal concluir que só este é concretamente exigível.
IV. É absolutamente estranho qualquer juízo de possibilidade de cumprimento na interpretação e aplicação do perdão concedido pela Lei 38-A/2023, quando o artigo 8.º/1 e 2 prevê que o perdão seja condicionado resolutivamente ao pagamento de indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado.
V. A caracterização e conteúdo da reparação, de natureza pecuniária, prevista no artigo 82.º-A CPPenal, sem se confundir com a indemnização civil, remete para conceitos que lhe são próprios, nomeadamente quanto ao “dano” ou “prejuízos”, mas já não quanto à “quantia” a fixar, a qual não tem que coincidir com o montante da indemnização.
VI. Em caso de julgamento segundo a equidade devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Efectuado o julgamento no âmbito do processo comum colectivo 239/23.0... do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de ..., Juiz..., através de acórdão proferido a 6.2.2025 - no que aqui releva – foi o arguido AA condenado,

- parte criminal:

- pela prática,

- em coautoria material e concurso efectivo, de dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CPenal, cada um, na pena de um ano e seis meses de prisão;

- de um crime de homicídio simples na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º/1, 22.º, 23.º e 26.º CPenal, na pena de cinco anos de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão, tendo-se declarado perdoado um ano de prisão, sob condição resolutiva de não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023 (01 de Setembro de 2023), e de comprovar, no prazo de noventa dias a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, o pagamento das indemnizações infra fixadas a favor dos lesados;

- parte civil:

- solidariamente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º. l), 67º-A/3, 82º-A CPPenal e 16.º/2 da Lei 130/2015, de 4 de Setembro, e 497.º CCivil, no pagamento a cada uma das vítimas BB e CC da quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal contados desde a presente data até integral pagamento;

- nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.º. l), 67.º-A/3, 82.º-A CPPenal e 16.º/2 da Lei 130/2015, de 4 de Setembro, no pagamento à vítima BB da quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal contados desde a presente data até integral pagamento.

2. Inconformado recorreu o arguido, para o Tribunal da Relação de Évora, pugnando pela revogação parcial da decisão, aplicando-se ao recorrente o Regime Especial para Jovens consagrado no Decreto Lei 401/82 de 23 de Setembro e, por via deste, uma especial atenuação nas penas em que foi condenado e em cúmulo sendo-lhe aplicada pena única não superior a três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; mais sendo revisto o quantum indemnizatório, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

a) i. O recorrente foi condenado pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo, de 2 crimes de roubo simples, cada um nas penas de um ano e seis meses de prisão e de 1 crime de homicídio simples na forma tentada na pena de cinco anos de prisão; Em cúmulo jurídico de penas na pena única de seis anos e seis meses de prisão.

ii. Foi-lhe aplicado perdão de um ano de prisão sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente á entrada em vigor da Lei 38-A/2023 (1 de setembro de 2023) e de comprovar no prazo de noventa dias a contar do trânsito em julgado do acórdão o pagamento das indemnizações fixadas a favor do lesados.

iii. Foi condenado civilmente a pagar á ULSBA a quantia de € 125,91 (cento e vinte e cinco euros e noventa e um cêntimos) , acrescida de juros de mora á taxa legal, contados desde a notificação do demandado para contestar até integral pagamento; a pagar a cada uma das vítimas, BB e CC a quantia de € 1.000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora á taxa legal contados desde a presente data até integral pagamento; a pagar á vitima BB a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora á taxa legal contados desde a presente data até integral pagamento.

b) Visa o recurso seja doutamente determinada a aplicação do regime especial para jovens previsto no artigo 4º do decreto-lei 401/82 de 23 de setembro e por via deste o reexame do quantum das penas aplicadas; determinada a suspensão da execução da pena de prisão e revisto o quantum da indemnização civil arbitrada.

c) A pena aplicada é manifestamente desproporcional, severa e exagerada face ao circunstancialismo, modo e ausência de consequências graves que envolveram a conduta criminosa do Recorrente.

d) O Recorrente está familiarmente inserido, e pese embora não exerça atualmente atividade laboral a família dá-lhe o suporte financeiro para o suprimento das suas necessidades, conforme o atesta o relatório social, junto aos autos.

e) Não tem antecedentes criminais, importando sublinhar que no processo que contra si corre termos sob o nº 285/22.1... no Juízo Local Criminal de ...– referido no ponto 2 do relatório social - foi absolvido por Douta sentença, ainda não transitada, de 12 de fevereiro de 2025.

f) Sobreleva que á data da prática dos factos tinha 18 anos de idade; uma personalidade em formação e, por conseguinte, reduzida maturidade para avaliar as consequências dos seus atos;

g) A Organização Mundial da Saúde circunscreve a adolescência à segunda década da vida (de 10 a 19 anos) e considera que a juventude se estende dos 15 aos 24 anos; o que equivale por dizer que não sendo o recorrente adulto, não deveria ter sido avaliado pelo Tribunal como adulto que não era e continua a não ser.

h) Razões por que deveria o Tribunal a quo ter concedido ao Recorrente “uma oportunidade” que ficou desde logo prejudicada quando decidiu pela aplicação da pena de prisão efetiva, que se nos afigura excessiva, desproporcional e injusta.

i) Para tal decisão foi determinante a recusa da aplicação do regime especial para jovens delinquentes do artigo 4º do Decreto Lei 401/82 de 23 de setembro.

j) Sublinha-se sobre esta temática o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.11.2007, proferido no processo 07P3214, em que foi Relator o Conselheiro Henriques Gaspar e que pode ser consultado em www.dgsi.pt onde se defende que o juízo de prognose deve ser positivo quando não existam fortes razões para duvidar da possibilidade de reinserção, a qual se afigura absolutamente possível na situação sub judice.

k) E se tivesse optado o Tribunal a quo pela aplicação do regime especial para jovens, tal teria permitido, também, a suspensão da execução da pena de prisão – ainda que sujeita a eventual e apertado regime de prova.

l) A jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, evitando os riscos de fratura familiar, social, laboral e comportamental como fatores de exclusão.

m) O tribunal recorrido fez depender o perdão de pena a que o arguido tem direito, por se enquadrar nos pressupostos da Lei 38-A/2023 de 02 de agosto, do pagamento de uma quantia também ela desproporcional e excessiva.

n) Desproporcional quando vai para além dos danos que se pretendem ressarcir, posto que da atuação criminosa não resultaram danos graves ou permanentes para a saúde dos ofendidos; quando não resultou provado que os ofendidos tivessem ficado traumatizados ou com consequências a nível psicológico/ emocional permanentes ou quaisquer outros danos não patrimoniais.

o) Foi dado como provado – e só - que : “ Como resultado das agressões infligidas , o ofendido BB sofreu traumatismo abdominal, apresentando uma cicatriz de ferida cortante com 0,6 centímetros, lesão que lhe determinou 8 dias para cura, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional por 8 dias” cfr ponto 13 dos factos provados.

p) Excessiva a quantia fixada quando se deu como provado que recorrente não tem rendimentos próprios; tão pouco, adiantamos nós, fortuna pessoal.

q) Ora o perdão, nos termos do artigo 8º da já citada Lei 38-A/2023, pode fazer-se depender do cumprimento de condições resolutivas; que, porém, devem ser passíveis de cumprimento pelo condenado e não de tal forma onerosas face aos factos apurados pelo tribunal que se possa desde logo fazer um juízo de prognose desfavorável; sendo aplicável por analogia a interpretação do artigo 51.º/2 do Código Penal.

r) Tanto basta para se concluir que condenar o Recorrente no pagamento de indemnizações às vítimas num total de € 5.000 (cinco mil euros) e constituindo o mesmo condição resolutiva do perdão de pena, é votar este perdão ao fracasso, á impossibilidade.

s) A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial e deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente. Ora foi precisamente o que o Tribunal a quo não fez, violando desta feita o artigo 71.º/1 e 2 do Código Penal.

t) Destarte deve ser aplicado ao ora Recorrente o Regime Especial para Jovens consagrado no Decreto Lei 401/82 de 23 de Setembro e dentro da moldura penal abstrata aplicável, encontrada na moldura da atenuação especial – artigo 73.º/1 alíneas a) e b), do CPenal e tendo em conta todos os demais elementos e, em particular, o nível da culpa, a idade e as condições pessoais e sociais do recorrente, cremos será adequada pela prática de cada um dos crimes de roubo simples, a pena de um ano de prisão e pela prática do crime de homicídio na forma tentada de dois anos de prisão.

u) E, atendendo aos factos no seu conjunto, ao ilícito global e às condições pessoais do Recorrente e por aplicação do artigo. 77.º/1 e 2 CPenal, a pena única deverá fixar-se em três anos e seis meses de prisão.

v) Mais se determinando a suspensão na sua execução pelo mesmo período nos termos do disposto no artigo 50.º/1 CPenal - ainda que sujeita a apertado regime de prova - dado que a ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

w) Deverá ainda ser revisto o quantum indemnizatório por danos não patrimoniais adequando-o aos efetivos danos não patrimoniais sofridos pelas vítimas e às condições financeiras/ de vida do recorrente e nessa medida fixar-se a indemnização pelo roubo em quantia não superior a € 700 (setecentos euros) e pela tentativa de homicídio em quantia não superior a € 2.000 (dois mil euros)

x) Em suma, visa o Recorrente a revogação parcial do acórdão:

i) Aplicando-se-lhe o Regime Especial para Jovens consagrado no Decreto Lei 401/82 de 23 de Setembro;

ii) Em consequência do sobredito ser condenado pela prática de cada um dos crimes de roubo simples em pena não superior a um ano de prisão e pela prática do crime de homicídio na forma tentada em pena não superior a dois anos de prisão.

iii) Em cúmulo ser-lhe aplicada a pena única de 3 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

iv) Ser revisto o quantum indemnizatório fixando-se o mesmo em quantia não superior a € 700 (setecentos euros) pelos roubos e em quantia não superior a € 2.000 (dois mil euros) pela tentativa de homicídio.

3. Admitido o recurso, per saltum, para este Supremo Tribunal, e cumprido o disposto no artigo 411.º/6 CPPenal, a ele respondeu a Magistrada do MP na 1.ª instância defendendo a sua improcedência, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1 - O arguido AA ora recorrente foi condenado pela prática, em coautoria material e concurso efetivo, de dois crimes de roubo simples, previstos e puníveis pelo artigo 210º/1 do Código Penal, cada um na pena de 01 ano e 06 meses de prisão; e, pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 131º/1 e artigos 22º, 23º e 26º do Código Penal, na pena de 05 anos de prisão; tendo sido decretada ao recorrente, em cumulo jurídico a pena única de 06 anos e 06 meses de prisão.

Mais se lhe perdoou 01 ano de prisão sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023 (01 de Setembro de 2023), e de comprovar, no prazo de noventa dias a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, o pagamento das indemnizações infra fixadas a favor dos lesados.

2 - Inconformado com a decisão final condenatória, dela interpôs recurso o arguido, pugnando que devia ter beneficiado do Regime Especial para Jovens, estatuído pelo Decreto-Lei 401/82 de 23 de setembro, e, por vi deste, serem reexaminados o quantum das penas aplicadas, permitindo-se assim a suspensão da pena de prisão, bem como o quantum da indemnização arbitrada.

3 - Cremos, salvo o devido respeito, que não assiste razão ao recorrente, não merecendo censura o Douto Acórdão e, consequentemente, o recurso está condenado à improcedência.

4 - A única questão a analisar, in casu, consubstancia-se na aplicabilidade do Regime Especial para Jovens estatuído pelo Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro.

5 – Considerando a ausência de antecedentes criminais do recorrente, o facto de ao tempo dos factos, o recorrente ter 18 anos, sem qualquer atividade laboral – situação que se mantém na atualidade, com escolaridade baixa, não demonstrando qualquer interesse pelos vários cursos de formação frequentados que não concluiu, abandonando-os, residindo com o progenitor, reformado mas que continua a trabalhar na construção civil como estucador, e dois irmãos que também trabalham, o facto das despesas inerentes ao agregado familiar - alimentação, habitação e saúde - , suportadas pelos rendimentos do progenitor e dos irmãos, o facto do recorrente ter iniciado a sua atividade laboral, no campo, só por meses, abandonando-a por não ser do seu agrado, o facto de o recorrente ocupar o seu tempo em convívio com amigos e a jogar videojogos, dependendo economicamente do progenitor, desconhecendo-se a visão do recorrente quanto aos factos apreciados nos autos, porque o mesmo se remeteu ao silencio – silêncio que não o pode prejudicar mas também não o pode favorecer, atendendo aos bens jurídicos “violados” pelo recorrente – património, integridade física e vida – que é o bem mais precioso, é impossível formular um juízo favorável ao recorrente.

6 – Pelo que bem andou o Coletivo de Juízes a quo em afastar o Regime Especial para Jovens.

7 – Quantos às penas decretadas, bem andou o Coletivo de Juizes a quo, que apreciou as exigências de prevenção geral – sentidas em Portugal e sobretudo, na cidade de Beja, o dolo, o grau de ilicitude, as condições socioeconómicas do recorrente e a sua personalidade – bem como a ausência de antecedentes criminais, as vitimas, e o baixo valor dos bens subtraídos, tendo assim fixado, a pena de 01 ano e 06 meses para cada crime de roubo, e de 05 anos para o crime de homicídio tentado.

8 - Em estrito cumprimento das normas e princípios que norteiam a determinação da pena, o Coletivo de Juízes a quo ponderou criteriosamente, as circunstâncias que, no caso, e na justa medida, agravam e atenuam a responsabilidade do recorrente, bem como as exigências de prevenção geral e especial.

9 – O que fez igualmente ao determinar a pena única em 06 anos e 06 meses de prisão.

10 - Pelo que não merece quaisquer reparos deverá, pois, ser mantido, nos seus precisos termos, o acórdão ora recorrido.

Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o Douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos.

4. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando o sentido da resposta apresentada em 1.ª instância, no sentido da improcedência do recurso, na parte criminal, quer, quanto à aplicação do regime especial para jovens, quer, quanto à pretensão do arguido em ver a condição sob a qual lhe foi aplicado o perdão, relativa ao pagamento de indemnização ou reparação a que tenha sido condenado, por aplicação analógica do artigo 51.º/2 CPenal, ser fixada em valor passível de cumprimento razoável.

5. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

II. Fundamentação

1. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.

E, assim sendo, então, as questões suscitadas no presente prendem-se com,

- a aplicação do regime especial para jovens.

- a redução das penas parcelares e da pena única;

- a suspensão da execução desta última;

- a revisão do quantum indemnizatório;

- o valor da condição para o benefício do perdão.

A propósito da questão relativa ao valor da indemnização arbitrada importa, contudo, deixar enunciado o seguinte.

Tem entendido este Supremo Tribunal que a definição oficiosa de reparação, nos termos do artigo 82.º-A CPPenal se inclui nas consequências de natureza penal, como efeito penal da condenação, distinguindo-se “das consequências de natureza civil que geram o dever de indemnizar pela prática de facto ilícito, nos termos das disposições aplicáveis do Código Civil e do artigo 129.º do Código Penal, dependente de pedido do lesado”, cfr. acórdão 2.5.2018, processo. 156/16.0PALSB.L1.S1, consultado no site da dgsi.

“A caracterização e conteúdo desta “reparação”, de natureza pecuniária, sem se confundir com a indemnização civil, remete para conceitos que lhe são próprios, nomeadamente quanto ao “dano” ou “prejuízos”, mas já não quanto à “quantia” a fixar, a qual não tem que coincidir com o montante da indemnização. Natureza em tudo idêntica à que assumia a indemnização de perdas e danos emergentes de crime, antes do CPenal de 1982”, cfr. AFJ 1/2013, DR 1.ª série, de 7 de janeiro de 2013.

O arbitramento oficioso da indemnização constituía, então, uma consequência jurídica do crime “que não se identificava com a indemnização civil, quer nos fins, quer nos fundamentos, nem tinha que coincidir com o seu montante, sendo aquele determinado de acordo com o prudente arbítrio do julgador”.

O actual artigo 129.º CPenal dispõe que, "a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.

Daqui resulta que a indemnização de perdas e danos - ainda que emergente de crime - não é um efeito penal da condenação (como sucedia no artigo 76.º parágrafo 3.º CPenal/1886, para passar a ser regulada pela lei civil, “assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, nos termos do artigo 397.º CCivil, com o seu regime específico”, cfr o citado. AFJ 1/2013.

“Embora de modo mais limitado, a norma retoma a solução de arbitramento oficioso de reparação à vítima em processo penal, que constava no anterior regime do processo penal – artigo 34.º do CPPenal/29 e artigo 13.º do Decreto Lei 605/75, de 3 de Novembro”, diz o Conselheiro Henriques Gaspar in Código de Processo Penal Comentado, com outros Conselheiros, 4.ª edição revista, 241.

E será essa natureza de ação civil, no processo penal, que justifica que, ainda que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, possa ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil e que encontra critérios de admissibilidade idênticos aos definidos pelo CPCivil.

Com efeito, verificado o condicionalismo do n.º 2 do artigo 400.º CPPenal pode-se recorrer da parte da sentença relativa à indemnização civil quando não é admissível recurso penal à luz do n.º 1 da mesma norma. Contudo, uma vez que a ação cível se autonomiza dos destinos da causa penal e se pretende uma igualação com o regime de recursos da ação cível, serão, em tal caso, aplicáveis as causas de inadmissibilidade do recurso, previstas no artigo 671.º CPCivil, por força do artigo 4.º CPPenal.

O artigo 400.º/2 CPPenal estabelece dois requisitos, de verificação cumulativa, de admissibilidade de recurso:

- que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e,

- que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Afigura-se-nos não ser permitida, pela letra da lei, uma interpretação da norma que atenda, apenas, a um dos critérios (no caso o 2.º), em razão da impossibilidade de se verificar o 1.º, dada a inexistência de pedido.

“Os requisitos de admissibilidade de recurso, no caso de reparação arbitrada ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A CPPenal não estarão no plano do recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, decidida em ação civil no processo penal; situar-se-ão, antes, no domínio das regras de admissibilidade do recurso penal a que se refere a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º CPPenal”, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 13.3.2024, processo 145/21.3GAALJ.G1.S1-3.ª consultado no site da dgsi e, que seguimos de perto, mesmo com transcrição.

De todo o modo, vista a recorribilidade do segmento da sentença reportado ao arbitramento oficioso de indemnização, com base no entendimento de que se lhe aplicarão as regras de admissibilidade do processo penal, vejamos, ainda assim, o que nos dizem as regras do processo civil.

Também no processo civil existe a figura de recurso per saltum para este Supremo Tribunal.

Dispõe o artigo 678.º CPCivil que as partes podem requerer, nas conclusões da alegação, que o recurso interposto das decisões referidas no n.º 1 do artigo 644.º - decisões que ponham termo à causa ou despacho saneador que, sem pôr terno à causa, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos – suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que, cumulativamente,

- o valor da causa seja superior à alçada da Relação;

- o valor da sucumbência seja superior a metade da alçada da Relação,

- as partes suscitem apenas questões de direito,

- as partes não impugnem quaisquer decisões interlocutórias.

Isto é, só é admissível recurso para este Supremo Tribunal, a parte da decisão recorrida relativa à indemnização civil, se o valor do pedido for superior à alçada do tribunal recorrido e se a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Como vimos não há pedido, em caso de arbitramento oficioso, o que desde logo, além do que já foi dito, sempre implicaria a impossibilidade de ser aplicado este regime legal.

Com efeito, como se entendeu no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 13.3.2024, “o artigo 400.º/2 estabelece dois requisitos, de verificação cumulativa, de admissibilidade de recurso (…) afigura-se-nos não ser permitida, pela letra da lei, uma interpretação da norma que atenda, apenas, a um dos critérios (no caso o 2.º), em razão da impossibilidade de se verificar o 1.º, dada a inexistência de pedido”.

E, assim, independentemente do facto de o valor da quantia arbitrada a título de indemnização ser superior ou inferior à alçada da Relação – actualmente, € 30.000,00, cfr. artigo 44.º/1 da Lei 62/2013, sempre o recurso, por aplicação das regras do processo civil, não seria admissível, cfr. artigo 400.º/2 CPPenal.

2. Os factos

Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigos 432.º/1 alínea c) e 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.

Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.

Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,

- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;

- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;

- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto julgada provada na decisão recorrida:

1. Pelas 3H00m da noite de 7 de Abril de 2023, os arguidos AA e DD, acompanhados de outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, avistaram a caminhar pelo Largo da ..., em..., os ofendidos CC e BB, tendo, em comunhão de esforços e intentos, decidido apoderar-se de bens ou dinheiro que os mesmos tivessem, se necessário com recurso à força.

2. Em execução do plano traçado, os arguidos e o indivíduo não identificado seguiram os ofendidos e abordaram-nos junto a uma bica de água existente no Largo da ..., onde começaram por lhes perguntar se tinham tabaco e se tinham isqueiro.

3. Quando o ofendido CC respondeu que não tinha tabaco, o arguido DD agarrou-o pelos colarinhos da camisa e ordenou-lhe que entregasse o telemóvel e a carteira.

4. Simultaneamente, o terceiro indivíduo “revistou-o” e retirou-lhe dos bolsos:

i. A carteira, que continha no interior o seu cartão de cidadão, um cartão da Multicare e um cartão de débito emitido pela Caixa Geral de Depósitos;

ii. Um telemóvel da marca Huawei, Redmi Pro 10, com capa de cor preta, com duas cartas Pokemon;

iii. Um porta moedas.

5. Por sua vez, o ofendido BB exibiu ao arguido AA um isqueiro, de cor azul claro da marca Criket, mas não lho entregou, momento em que este arguido lho tentou tirar à força.

6. Perante a reacção de BB, ao arguido AA juntou-se o terceiro indivíduo, e juntos tentaram lançar o ofendido ao chão, assim logrando apoderar-se do isqueiro.

7. Continuando a ser alvo das investidas do terceiro indivíduo, o BB empurrou-o e advertiu-os para se manterem afastados.

8. Nesse momento, o arguido AA disse-lhe “eu mato-te” e retirou do bolso uma navalha de cabo preto, com 7 cm de lâmina.

9. Em acto contínuo, caminhou na direcção de BB com a lâmina da faca apontada, enquanto dizia “agora trato eu dele” e, quando o alcançou, desferiu-lhe um golpe na zona abdominal do lado esquerdo, tendo a ponta da lâmina trespassado a sweatshirt e a camisola que o ofendido trajava e efectuado uma perfuração com cerca de 5 milímetros ao nível da fossa ilíaca esquerda.

10. Após, o terceiro indivíduo ordenou aos ofendidos que abandonassem o local e disse-lhes que se contassem a alguém o que se havia passado, os matavam.

11. Pelas 4H30 dessa noite, o arguido AA foi abordado e revistado por agentes da PSP junto ao Bar ..., sito em ..., tendo sido encontrado em seu poder um isqueiro de cor azul claro da marca Criket e uma faca de caça de cor preta com 7 cm de lâmina, cuja posse o mesmo não justificou.

12. No dia 8 de Abril de 2023, o telemóvel Huawei, Redmi Pro 10, com capa de cor preta e duas cartas do Pokemon, pertencente ao ofendido CC, foi apreendido ao arguido DD, que o guardava no interior do local onde residia, na Rua ..., em....

13. Como resultado das agressões infligidas, o ofendido BB sofreu traumatismo abdominal, apresentando uma cicatriz de ferida cortante com 0,6 centímetros, lesão que lhe determinou 8 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional por 8 dias.

14. Os arguidos AA e DD, mediante um plano conjunto e união de esforços com um indivíduo não identificado, agiram com o propósito, concretizado, de se apoderarem pela força dos bens dos ofendidos CC e BB, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a sua vontade, querendo colocá-los na impossibilidade de resistir mediante recurso à força e violência física.

15. O arguido AA sabia que o meio utilizado (faca com 7 cm de lâmina) e a zona do corpo que atingia era uma região onde se encontravam alojados órgãos vitais e, disso ciente, quis actuar com o propósito de golpear o ofendido BB na zona do abdómen, bem sabendo que lhe podia tirar a vida, resultado com o qual se conformou e que apenas não alcançou porque a perfuração realizada não atingiu nenhum órgão vital.

16. Mais sabia o arguido AA que o objecto que utilizava – faca - reveste características que, quando usado da forma supra descrita, nomeadamente para atingir a zona do abdómen, é apto a causar lesões graves e, não obstante, não se coibiu de o utilizar.

17. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

18. A assistência médica prestada a BB pelo Hospital de ... (...) na sequência da descrita acção do Arguido AA gerou para a referida Unidade uma despesa que ascende a € 125,91 (cento e vinte e cinco euros e noventa e um cêntimos), que ainda se encontra por liquidar,

Quanto ao arguido AA

19. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

20. À data dos factos, tal como no presente, AA mantinha residência na morada constante dos autos e integrava-se no agregado monoparental paterno, o qual é igualmente composto pelos dois irmãos mais velhos, EE e FF, de 33 e 26 anos de idade, respectivamente. Esta situação remonta à data da separação ocorrida entre os progenitores, há cerca de 8 anos, altura em que a mãe abandonou a localidade de ... e se estabeleceu na localidade de .... O agregado partilha habitação camarária, integrada num dos bairros de habitação social de .... O espaço habitacional é adequado. O relacionamento intrafamiliar revela-se funcional. AA frequentou o ensino escolar, com conclusão do 6 º ano de escolaridade, após algumas retenções. Esteve inscrito, ano lectivo 2010/2021 em curso CEF – Curso de Educação e Formação, Serviço de Mesa e Bar, de dupla certificação ao 9.º ano de escolaridade, o qual veio a abandonar. Posteriormente, através do IEFP, Centro de Formação Profissional, de ..., integrou Curso de Máquinas Agrícolas a que igualmente não deu continuidade, desistindo após 3 meses. O arguido não se ocupa laboralmente. Teve incipiente ocupação laboral na agricultura, por dois meses, na apanha da amêndoa, poda e mangueiras, experiência que não considera repetir por não ser uma área de trabalho do seu agrado. Ocupa o tempo a conviver com amigos, a jogar videojogos - playstation. Gosta de praticar desporto. AA depende economicamente do progenitor, que lhe faculta algum dinheiro de bolso para pequenos gastos pessoais. A situação económica do respectivo agregado apresenta suficiência face às necessidades dos seus membros e assenta, em parte, nos proventos dos irmãos, que comparticipam nas despesas domésticas, e do progenitor, o qual, pese embora já se encontre reformado, ainda exerce o respectivo ofício de estucador. AA, pese embora a sua juventude, apresenta uma imagem social negativizada em face dos incidentes de natureza criminal em que figura como visado.

(…)”.

3. Entrando na apreciação do recurso.

3. 1. A aplicação do regime especial para jovens.

3. 1. 1. A fundamentação da decisão recorrida.

“Dos factos resulta que o arguido AA tinha (e ainda tem) idade inferior a 21 anos. Todavia, é entendimento deste tribunal não dever o arguido beneficiar da atenuação especial prevista no artigo 4º do Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro.

Como se refere no Acórdão TRL de 24-10-2006, Proc. 7217/2006-5, disponível in www.dgsi.pt, «Para o juízo sobre a situação concorre o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos, não devendo esquecer-se que as penas cumprem também finalidades de prevenção geral positiva que não podem ser postergadas para um nível comunitariamente intolerável pelo simples facto de se estar na presença de jovens condenados.

Daí que a atenuação especial em referência se justifique quando, no juízo global sobre os factos, se puder concluir que é vantajosa para o jovem, sem constituir desvantagem para a defesa do ordenamento jurídico.»

Acresce que, quanto ao crime cometido «(…)a natureza e modo de execução deste e seus motivos determinantes, são circunstâncias que não podem ficar alheias àquele juízo de prognose favorável à ressocialização, podendo condicioná-lo.» (idem)

Não ignorando a ausência de antecedentes criminais, a postura do arguido em audiência, não revelando qualquer arrependimento ou juízo de autocensura, conjugada com o teor do relatório social, donde se conclui que o arguido não tem qualquer projecto de vida, sequer vontade de se integrar profissionalmente, limitando-se a passar o tempo a fazer o que lhe apetece a expensas dos seus familiares, não permitem concluir que seria benéfica, em termos de reinserção social, a atenuação especial das penas”.

3. 1. 2. A isto que contrapõe o arguido?

Em vista da aplicação de penas parcelares e de pena única inferiores às aplicadas, por forma a que esta seja suspensa na sua execução, coloca o arguido aqui em causa a não aplicação do regime especial para jovens.

Isto porque, entende, que terá sido em razão da recusa de tal aplicação que resultou a impossibilidade de suspensão da execução da pena única.

Defende, assim, que por via da aplicação do Regime Especial para Jovens consagrado no Decreto Lei 401/82 de 23 de Setembro, dentro da moldura penal abstrata aplicável, encontrada na moldura da atenuação especial – artigo 73.º/1 alíneas a) e b), do CPenal e tendo em conta todos os demais elementos e, em particular, o nível da culpa, a idade e as condições pessoais e sociais do recorrente, ser adequada pela prática de cada um dos crimes de roubo simples, a pena de 1 ano de prisão e pela prática do crime de homicídio na forma tentada de 2 anos de prisão, num determinado passo e de 3, em outro e, a pena única fixada em 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período nos termos do disposto no artigo 50.º/1 CPenal - ainda que sujeita a apertado regime de prova - dado que a ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Apesar de a dado passo invocar a violação do artigo 71.º e invocar o artigo 77.º CPenal, não merece qualquer dúvida que a via pela qual o arguido pretende obter a redução das penas parcelares e da pena única é através da atenuação especial decorrente da aplicação do regime especial para jovens e, não através da via da reponderação das ditas penas, sem a aplicação daquele regime legal.

Para o que alinha o seguinte raciocínio:

- deveria o Tribunal a quo ter-lhe concedido “uma oportunidade” que ficou desde logo prejudicada quando decidiu pela aplicação da pena de prisão efetiva, que se afigura excessiva, desproporcional, severa, exagerada e injusta face ao circunstancialismo, modo e ausência de consequências graves que envolveram a sua conduta - para o que foi determinante a recusa da aplicação do regime especial para jovens delinquentes;

- se se tivesse optado pela aplicação do regime especial para jovens, tal teria permitido, também, a suspensão da execução da pena de prisão – ainda que sujeita a eventual e apertado regime de prova;

- está familiarmente inserido, e pese embora não exerça atualmente atividade laboral a família dá-lhe o suporte financeiro para o suprimento das suas necessidades, conforme o atesta o relatório social, junto aos autos;

- não tem antecedentes criminais – sublinhando que no processo que contra si corre termos sob o nº 285/22.1... no Juízo Local Criminal de ... – referido no ponto 2 do relatório social - foi absolvido por sentença, ainda não transitada, de 12.2.2025;

- à data da prática dos factos tinha 18 anos de idade; uma personalidade em formação e, por conseguinte, reduzida maturidade para avaliar as consequências dos seus atos;

- razões pelas quais deveria ter-lhe sido concedido “uma oportunidade” contribuindo para a interiorização dos seus comportamentos e ressocialização, ao invés de o atirar para o sistema prisional aos 20 anos de idade;

- a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial e deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente – o que não foi feito assim se violando o artigo 71.º/1 e 2 CPenal;

- tendo exercido o direito ao silêncio que a Lei lhe confere não deveria por tal ter sido prejudicado – embora também não beneficiado - o que parece evidente quando o Tribunal a quo, para efeito de determinação da medida das penas a aplicar e , mais concretamente da atenuação especial nos termos do artigo 4º do Decreto Lei 401/82 de 23 de setembro, aponta “a postura do arguido em audiência, não revelando qualquer arrependimento ou juízo de autocensura …” para concluir que a aplicação daquela não seria benéfica em termos de reinserção social - se escolheu não falar não poderia ter relevado qualquer sentimento, o que não pode equivaler à conclusão retirada pelo Tribunal de que não está arrependido da sua conduta nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os factos;

- o juízo de prognose para a aplicação do regime especial para jovens delinquentes deve ser positivo quando não existam fortes razões para duvidar da possibilidade de reinserção, a qual se afigura absolutamente possível na situação sub judice.

3. 1. 3. Vejamos.

Dispõe o artigo 9.º CPenal, sob a epígrafe de “Disposições especiais para jovens”, que “aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”.

E aqui se insere o Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro que, estatui o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.

No Preâmbulo deste Diploma legal refere-se,

“4. O princípio geral imanente em todo o texto legal é o da maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão-só uma medida correctiva. Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se se facilitará aquela reinserção.

(…).

7. As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”.

Por sua vez, o seu artigo 1.º, sob a epígrafe de “âmbito de aplicação”, dispõe que,

“1 – O presente diploma aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime.

2 – É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido 21 anos.

3 – O disposto no presente diploma não é aplicável a jovens penalmente inimputáveis em virtude de anomalia psíquica”.

E, o artigo 4.º, sob a epígrafe de “da atenuação especial relativa a jovens” que, “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Esta remissão refere-se à redacção originária do CPenal, devendo considerar-se feita, hoje, para os artigos 72.º e 73.º na sua actual versão.

O regime especial para jovens nas palavras do Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, 600, consagra um regime específico, ao nível das consequências jurídicas do crime, que tem em conta as especiais necessidades de (re)socialização suscitadas pelos jovens delinquentes

O regime penal especial para jovens tem, assim, por fundamento a aceitação da especificidade da delinquência dos jovens pré-adultos e adultos e seu reflexo na aplicação de penas de prisão.

O regime penal especial para jovens deve ter aplicação sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos – agente com mais de 16 anos e sem ter completado 21 anos na data da prática dos factos e existência de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a sua reinserção social – deve a atenuação especial da pena – em que se objectiva tal regime especial – ser decretada se se concluir existirem razões sérias para, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, a personalidade do agente e as perspectivas da sua evolução, acreditar que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a ressocialização do jovem condenado, sem prejuízo de à aplicação da atenuação se oporem as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico.

Considerações doutrinárias coincidentes com a jurisprudência uniforme e constante deste Supremo Tribunal e, que também aqui se têm por corretas e, por isso, se acolhem.

Com efeito, no mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 7.11.2007, processo 07P33214, 31.03.2016, processo 499/14.8PWLSB.L1.S1-5.ª, 25.10.2023, processos 271/21.9JALRA.C1.S1 e 691/22.1JAPRT.S1, 26.10.2023, processo 911/21.0JALRA.L1.S1-5.ª, 6.12.2023, processo 710/22.1PEAMD.L1.S1, 31.01.2024, processo 2540/22.1JAPRT:P1.S1-5.ª e, o mais recente, de 3.4.2025, processo 339/23.7PQLSB-5.ª, todos consultados no site da dgsi.

Como se refere neste último “não se duvida, cremos, que o juízo de censura a exercer sobre um jovem que pratica um crime, deve ser menos exigente do que o exercido sobre um agente não jovem do mesmo crime, pois aquele terá, em regra, uma personalidade ainda em formação, tendencialmente mais impulsiva, irreflectida e susceptível a influência de terceiros, do que a personalidade já plenamente formada de um adulto.

Também não suscitará reservas a afirmação de que a capacidade de um jovem delinquente se ressocializar será superior à de um delinquente adulto”.

E é precisamente esta a ideia que ressuma da letra do art. 4º do Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, quando estabelece como condição da atenuação especial nele prevista, que da sua aplicação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, colocando o acento tónico, inequivocamente, na prevenção especial de ressocialização.

Em suma, a atenuação especial da pena é de aplicar, sempre que ocorram razões sérias para crer que dela resultam vantagens para a ressocialização do jovem condenado, e não existam nem devam sobrepor-se importantes razões de prevenção geral. Ou, dito de outro modo, a atenuação especial da pena será aplicada sempre que não existam circunstâncias especiais que o desaconselhem por o jovem revelar uma personalidade de difícil conformação com a ressocialização, ou quando a essa aplicação se não oponham inalienáveis exigências de prevenção geral”.

3. 1. 4. Baixando ao caso concreto.

Atentemos agora nos pressupostos de cuja verificação depende a aplicação do regime previsto no artigo 4.º do Decreto Lei 401/82 – de que depende, afinal, a atenuação especial da pena.

O primeiro pressuposto previsto no artigo 1.º/2 é o de o agente, à data da prática do crime, ter completado 16 anos e não ter ainda atingido os 21 anos.

Manifestamente verificado este pressuposto de ordem formal.

A verificação deste pressuposto não suscita qualquer dificuldade de comprovação, por se tratar de um dado de facto objectivo, a sua idade, de facto,

Já não assim, relativamente ao segundo pressuposto, que requer algum esforço de densificação.

O segundo pressuposto, de natureza material e substantiva, é o de que, existindo razões sérias para acreditar que da atenuação especial da pena de prisão resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, ela deve ter lugar.

E, é, aqui, naturalmente, que surge a discordância do arguido, para com a decisão recorrida.

A existência de um regime penal especial para jovens não significa que o mesmo tenha de ser aplicado, sempre que o agente do crime é um jovem.

Nem de forma necessária, nem de forma obrigatória, nem de forma automática.

Significa apenas que, o tribunal, perante um crime punível com prisão, cometido por jovem com idade entre 16 e 21 anos, tem a obrigação de ponderar, à luz dos critérios enunciados, se deverá ou não atenuar especialmente a pena.

Estamos, pois, perante um verdadeiro poder-dever.

No caso de arguido com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam “as sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

E se for cado de se concluir pela sua verificação não pode deixar de se atenuar especialmente a pena.

Este regime assenta na ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, não só porque a sua capacidade de ressocialização é mais fácil – por se encontrar no limiar da maturidade – como ainda porque se deve evitar, em princípio, um tratamento estigmatizante.

São critérios de prevenção especial de socialização que devem presidir à sua aplicação.

Tudo dependerá do juízo que se formular quanto às vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem.

Imprescindível será sempre um juízo de prognose favorável objectivamente fundado no carácter evolutivo e na capacidade de ressocialização do jovem.

Regime cuja aplicação terá sido pensada tendo em vista uma determinada realidade e com um campo de aplicação privilegiado, em que o crime constitui um episódio isolado na vida do jovem.

Donde, apenas será caso de aplicação, quando o Tribunal ficar convencido de que traz reais vantagens para a reintegração social do jovem delinquente.

Juízo que, naturalmente, não radica em qualquer mero subjectivismo, antes devendo assentar em factos concretos que permitam concluir que a moldura penal abstracta correspondente ao crime praticado, por excessiva, não cumpre os fins da socialização do arguido jovem.

É evidente que em abstracto, desde que a pena seja menor, em qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização.

Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o jovem delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de actos da mesma natureza dos praticados.

E, por absolutamente paradigmático e indesmentivelmente pertinente para a apreciação desta matéria, não resistimos a citar, aqui e agora, o acórdão, invocado pelo arguido a sustentar a sua tese, o primeiro dos acima mencionados, deste Supremo Tribunal, de 7.11.2007, onde se entendeu que, “a aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena quando seja aplicável pena de prisão (superior a 2 anos – artigo 5.º do DL 401/82), depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção.

As reacções penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade.

A plasticidade do modelo deve permitir logo uma leitura e interpretação dos pressupostos de aplicação, moldadas pela consideração individualizada do caso e do indivíduo na singularidade das condições do percurso de vida, que moldam as vivências que, muitas vezes, não procurou, mas que se lhe impuseram e das quais não tem meios para encontrar uma saída, nem acompanhamento ou apoio de reversão de situações problemáticas.

Na complexidade das sociedades modernas, urbanas, massificadas e com factores acrescidos de desestruturação e de desenraizamento nos meios da imigração, as dificuldades económicas, escolares e de formação, e as consequentes fracturas sociais, induzem fenómenos de isolamento, de afastamento ou mesmo de rejeição, com a assunção de comportamentos desviantes; o consumo e os tráficos de estupefacientes de pequena escala e a criminalidade conexa contra a propriedade como maior ou menor violência associada, são campos onde o fenómeno apresenta manifestações que confrontam a sociedade a um tempo com os sentimentos ambivalentes de insegurança e com as sua próprias responsabilidades.

É neste confronto extremo que, por vezes, casos singulares se apresentam paradigmáticos”.

A decisão recorrida entendeu não ser permitida a conclusão que seria benéfica, em termos de reinserção social, a atenuação especial das penas,

- não ignorando a ausência de antecedentes criminais,

- a postura do arguido em audiência, não revelando qualquer arrependimento ou juízo de autocensura,

- conjugada com o teor do relatório social, donde se conclui que o arguido não tem qualquer projecto de vida, sequer vontade de se integrar profissionalmente, limitando-se a passar o tempo a fazer o que lhe apetece a expensas dos seus familiares.

Curiosamente, ou não, não se invocou o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos.

“E, bem, dizemos nós, já que natureza e a gravidade do ilícito não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo. O que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para o juízo de prognose no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projecção de personalidade especialmente desvaliosa.

Os factos, porém, não revelam por si, nem neles se manifesta, ostensiva e claramente, uma personalidade, ou tendências de personalidade desvaliosas. As circunstâncias revelam, antes, um comportamento próprio das pequenas violências urbanas, comum em zonas físicas e sociais de pequena delinquência juvenil, muitas vezes de primeiro grau, e que impõe o combate por meio da utilização de instrumentos de recomposição, evitando, na maior medida possível, as reacções institucionais e o contacto com o sistema prisional”, como, expressivamente, se entendeu no referido acórdão deste Tribunal de 7.11.2007.

A gravidade do ilícito típico praticado não pode, por si, constituir fundamento para arredar a aplicação do regime penal especial para jovens, sob pena de o mesmo só poder ser aplicado à pequena e média criminalidade quando, segundo cremos, é nas penas de prisão de maior dimensão que a sua atenuação especial, verificados que sejam os respectivos pressupostos, pode alcançar melhores efeitos ressocializadores.

Sendo, certo, contudo, que, por outro lado, não pode deixar de ser ponderada essa gravidade para, conjuntamente com outros factores, se decidir, ou não, pela atenuação especial.

Na decisão recorrida, apenas, se invocou, como vimos, a inserção do arguido na sociedade, a sua estabilidade familiar e profissional, as suas condições pessoais e económicas bem como a conduta anterior e o facto de não ter praticado declarações em julgamento.

Às razões invocadas,

- não ignorando a ausência de antecedentes criminais,

- a postura do arguido em audiência, não revelando qualquer arrependimento ou juízo de autocensura,

- conjugada com o teor do relatório social, donde se conclui que o arguido não tem qualquer projecto de vida, sequer vontade de se integrar profissionalmente, limitando-se a passar o tempo a fazer o que lhe apetece a expensas dos seus familiares,

contrapõe o arguido que,

- foi absolvido, por decisão ainda não transitada, no processo identificado no relatório social;

- não pode ser prejudicado - nem beneficiado, é certo - pelo facto de não ter prestado declarações em julgamento;

- está familiarmente inserido, e pese embora não exerça atualmente atividade laboral a família dá-lhe o suporte financeiro para o suprimento das suas necessidades, conforme o atesta o relatório social, junto aos autos.

Como vimos já, na decisão recorrida não se fez apelo ao próprio facto criminoso, apenas se invocou a questão da postura processual do arguido em julgamento, vertida no facto de não ter prestado declarações, a questão da sua inserção na sociedade, estabilidade familiar e profissional e condições de vida, pessoais e económicas, bem como a conduta anterior, traduzida na ausência de antecedentes criminais.

Poderia, desde logo, questionar-se se o excerto transcrito, em que é tratada e decidida a questão da aplicação ao arguido do regime penal estabelecido no Decreto Lei 401/82, traduz, ou não, uma efectiva e suficiente ponderação e fundamentação para a decisão da sua não aplicação.

Cremos, contudo, que, apesar da forma breve e sucinta, como está fundamentada, a decisão recorrida ponderou a aplicação de tal regime, assim cumprindo o “poder-dever” que a lei lhe impunha, face à idade do arguido à data da prática dos factos e ao princípio de que ele constitui o “regime regra” a equacionar necessariamente perante crimes cometidos por jovens com idades entre os 16 e os 21 anos, embora não seja de aplicação automática nem obrigatória, antes reclamando uma apreciação casuística e à luz de todas as circunstâncias apuradas no processo que permitam ao juiz “ter sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

E, apesar da sua concisão, a decisão recorrida acaba por deixar evidenciadas as concretas razões e os fundamentos em que assentou o juízo de inviabilidade de, neste caso, se poder extrair dos factos provados a conclusão da existência de sérias razões para acreditar que da atenuação especial resultassem vantagens para a reinserção social do arguido.

Isto dito.

A conclusão sobre a existência, ou não, das ditas razões sérias para acreditar que da aplicação da atenuação especial resultam vantagens para a ressocialização do arguido, terá de resultar da análise conjunta do circunstancialismo de facto provado relativo à prática do crime, das condições pessoais do agente, do seu percurso de vida e da sua personalidade.

E, se assim é, então, o arguido não tem – absolutamente - antecedentes criminais.

Não podendo valer como tal a pendência de um processo, para mais, sem que conste do registo criminal - por alguma razão o legislador deixou de impor o registo de decisões que não as finais).

Muito menos, transitada em julgado.

Ainda que absolutória a já proferida.

É certo, por outro lado, que se aos 20 anos o arguido já tivesse antecedentes criminais tal teria um significado e um necessário efeito negativo na ponderação da aqui exigida prevenção espacial.

Mas, o certo é que não tem, o que nada adianta e menos ainda, impressiona, uma vez que o arguido é imputável criminalmente há apenas quatro anos.

Realidade, assim, com significado e relevância diminutas no caso.

E, mesmo o facto, que no contexto de tempo seria apenas um facto ainda sem consequências de maior imperatividade, da condenação alguns dias antes, por outro crime, não alteraria, só por si, decisivamente os pressupostos que não impõem um juízo desfavorável.

Tal situação apontaria, sim, antes para uma conexão de circunstâncias envolvidas numa conjunção em que se manifestam os mesmos problemas próprios de uma situação de latência social a exigir um tratamento e uma abordagem conjunta.

Quanto à postura do arguido em audiência, que foi entendida como não revelando qualquer arrependimento ou juízo de autocensura.

Tem entendido este Supremo Tribunal que o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios.

Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.

É claro que no caso o arguido remetendo-se ao silêncio, quanto aos factos que lhe eram imputados, teria sempre ainda assim, o direito de ser ouvido sobre as suas condições de vida e de sobre tal matéria se pronunciar.

E, nas últimas declarações, ainda, assim poderia ter verbalizado o que lhe ia na alma.

O que de alguma forma poderia ser entendido como contraditório com o que quer que fosse, atinente com o facto de ter exercido o direito de não prestar declarações, ou como assunção de responsabilidade e de culpa.

Não se pode é perante o absoluto silêncio do arguido invocar o facto de não ter revelado qualquer arrependimento ou juízo de autocensura.

Com efeito nem revelou nem deixou de revelar.

E, como se sabe da não prova de um facto positivo não se pode afirmar o seu contrário – o facto negativo.

Se não foi produzida prova sobre determinado facto, não se pode afirmar nem o facto positivo nem o seu contrário

Nada se pode ter como assente ou não assente.

E, daí, o arguido não pode ser prejudicado pelo facto de não ter prestado declarações. Perdeu foi a oportunidade de trazer ao processo factos que o poderiam beneficiar.

O que não significa que se haja provado que não demonstrou nem arrependimento nem auto-censura.

Ademais, avançando mais um pouco, pode-se dizer, sem rebuço, que se quem confessa, quem demonstra arrependimento e auto-censura pode ser beneficiado desses factos – e, deve, de resto, ser advertido, logo no início do julgamento, para esse facto - já, carece de fundamento ser prejudicado pelo facto de o não fazer.

Com efeito aquela omissão apenas tem o condão, a virtualidade o efeito de não poder beneficiar das ditas circunstâncias atenuantes. E, já não, passar a ver serem-lhe aplicadas, ao jeito de contraponto, como agravantes.

Resta a questão de se ter entendido que do relatório social resulta que o arguido não tem qualquer projecto de vida, sequer vontade de se integrar profissionalmente, limitando-se a passar o tempo a fazer o que lhe apetece a expensas dos seus familiares.

Conclusão extraída do que consta do ponto 20:

- à data dos factos, tal como no presente, o arguido mantinha residência na morada constante dos autos e integrava-se no agregado monoparental paterno, o qual é igualmente composto pelos dois irmãos mais velhos, EE e FF, de 33 e 26 anos de idade, respectivamente;

- esta situação remonta à data da separação ocorrida entre os progenitores, há cerca de 8 anos, altura em que a mãe abandonou a localidade de ... e se estabeleceu na localidade de ...;

- o agregado partilha habitação camarária, integrada num dos bairros de habitação social de Beja;

- o espaço habitacional é adequado;

- o relacionamento intrafamiliar revela-se funcional;

- o arguido frequentou o ensino escolar, com conclusão do 6 º ano de escolaridade, após algumas retenções;

-esteve inscrito no ano lectivo 2010/2021 em curso CEF – Curso de Educação e Formação, Serviço de Mesa e Bar, de dupla certificação ao 9.º ano de escolaridade, o qual veio a abandonar;

- posteriormente, através do IEFP, Centro de Formação Profissional, de..., integrou Curso de Máquinas Agrícolas a que igualmente não deu continuidade, desistindo após 3 meses;

- não se ocupa laboralmente;

- teve incipiente ocupação laboral na agricultura, por dois meses, na apanha da amêndoa, poda e mangueiras, experiência que não considera repetir por não ser uma área de trabalho do seu agrado;

- ocupa o tempo a conviver com amigos, a jogar videojogos – playstation;

- gosta de praticar desporto;

- depende economicamente do progenitor, que lhe faculta algum dinheiro de bolso para pequenos gastos pessoais;

- a situação económica do respectivo agregado apresenta suficiência face às necessidades dos seus membros e assenta, em parte, nos proventos dos irmãos, que comparticipam nas despesas domésticas, e do progenitor, o qual, pese embora já se encontre reformado, ainda exerce o respectivo ofício de estucador;

- pese embora a sua juventude, apresenta uma imagem social negativizada em face dos incidentes de natureza criminal em que figura como visado.

O que, inequivocamente, resulta do quadro de facto apurado, como se refere no acórdão citado deste Supremo Tribunal de 7.11.2007, “traduz uma singularidade que necessariamente interpela a sociedade, os seus poderes e instituições, os limites das respostas normativas e institucionais hão-se ser equacionados certamente até ao máximo das possibilidades que permitem, na concordância prática entre as exigências dos pressupostos, o sentido dos institutos e a plasticidade das reacções.

Nesta perspectiva, o regime com primeira vocação de aplicabilidade será, como vem sustentado na motivação de recurso, o regime penal de jovens, tomada a especificidade do caso, desde logo, no nível de consideração da exigência dos pressupostos.

Por outro lado, as dificuldades que resultam da inexistência de amparos sociais e familiares não devem no plano dos pressupostos do regime de jovens ter a leitura negativa que parece resultar da decisão recorrida: Com efeito, as condições difíceis em que tem vivido existem antes e à margem do recorrente, e por isso não deverão impedir um juízo favorável, ou melhor, constituir-se em juízo desfavorável: só perante a criação de algumas condições possíveis no encaminhamento na direcção dos valores se poderá testar o modo de reacção e o desempenho futuro da personalidade do recorrente.

Numa situação de paradigma como a que vem descrita, o fundamento da prognose deve ser enquadrado pelo lado da ponderação negativa: o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção.

A este propósito, o relatório social contém indicações que permitem contribuir para uma prognose positiva, desde que o recorrente seja devidamente acompanhado pelas instituições competentes.

Os elementos disponíveis possibilitam, na dúvida, um juízo que lhe não deve ser desfavorável ao recorrente.

(…)

Os factos, considerados no seu conjunto, fazem emergir a prevalência das finalidades político criminais que estão no fundamento do regime de jovens: assegurar, na maior extensão possível e compatível com as exigências de prevenção geral, as finalidades de ressocialização e de integração do jovem condenado nos valores da comunidade.

As condições precárias em que o recorrente viveu – no passado e que hoje persistem - não permitem um juízo categórico sobre as características da sua personalidade, não podem ser negativamente valoradas contra si, uma vez que também se não provaram factos que decisivamente apontem para a conformação de uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica”.

Dizer, da forma simplista, definitiva, pessimista e catastrófica que o arguido não tem qualquer projecto de vida, sequer vontade de se integrar profissionalmente, limitando-se a passar o tempo a fazer o que lhe apetece a expensas dos seus familiares, traduz uma visão redutora, limitada, desalentadora e sem qualquer laivo de perspectiva de melhorar a realidade da vida actual do arguido, caracterizada por alguma ausência de retaguarda familiar e de suporte económico, associada a hábitos de ociosidade.

Passado que se tornou presente mas que não tem que ser uma fatalidade no futuro – a começar pela reclusão aos 20 anos de idade, por factos praticados aos 18.

Realidade que interpela toda a sociedade.

Olvidando que o homem é ele próprio e a sua circunstância. Que a realidade é dinâmica e que a forma eficaz, prospectiva, de futuro e pedagógica de combater o crime, mormente a delinquência juvenil nos meios urbanos, se terá que fazer não, simplisticamente, pela via mais fácil, através da reclusão, mas, enfrentando e combatendo as causas próximas e remotas.

Numa abordagem sistémica que incida, desde logo, sobre a prevenção, Através da educação, do apoio das instituições sociais públicas de acompanhamento, de orientação, daqueles que, por uma razão ou por outra, não revelam apetência nem aproveitamento escolar.

De forma a que todos tenham iguais oportunidades no sistema de educação, em vista do desenvolvimento de capacidades numa perspectiva de promoção da inclusão e participação na vida comunitária, da prevenção de comportamentos de risco e de preparação, habilitação para o ingresso na vida profissional.

E, depois, fazer uma abordagem em que se coloque o acento tónico na reintegração do agente, que, não obstante, delinquiu.

O contexto familiar, com pai e irmãos, a natureza dos crimes aqui em causa, aliado ao facto de se tratar de um delinquente primário, apresentam, ainda assim, um não desprezível indício positivo no sentido da reintegração do jovem delinquente.

Os factos provados não evidenciam, apesar de tudo, um prognóstico completamente negativo relativamente à possibilidade da integração do arguido num mundo afastado do crime e externamente condizente com o cumprimento das regras que regulam a vida em sociedade.

As exigências de prevenção especial serão mais fortemente asseguradas se, respeitando as exigências de prevenção geral, puder ser assegurado o contexto necessário para que esta reintegração, de facto, tenha lugar.

Cremos assim, que a leitura integrada do complexo das condições pessoais do arguido aconselham uma interpretação mais plástica dos pressupostos de que depende a aplicação do regime penal de jovens previsto no Decreto Lei 401/82, com a atenuação prevista no artigo 4.º, porquanto a sua idade e as suas condições e contexto de vida fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reintegração.

Procede, assim, este segmento do recurso.

3. 2. Consequências.

3. 2. 1. Medida das penas.

O arguido vem condenado pela prática,

- em coautoria material e concurso efectivo, de dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CPenal e,

- de um crime de homicídio simples na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º/1, 22.º, 23.º e 26.º CPenal.

Por via da atenuação especial, nos termos do artigo 73.º/1 alíneas a) e b) CPenal, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo é reduzido ao mínimo legal.

Assim, aos crimes de roubo corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 30 dias a 5 anos e 4 meses de prisão.

E ao crime de homicídio, por via da dupla atenuação, resultante, primeiro da forma tentada, primeiro é de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses e, depois, resultante da dita atenuação especial, para finalmente se situar entre os 30 dias e 6 anos 3 meses e 10 dias.

Nestas molduras, e tendo em consideração – como se entendeu na decisão recorrida – que,

“- ambos os crimes demandam fortíssimas exigências em termos de prevenção geral pelo alarme e insegurança que geram nas vítimas e na sociedade em geral; de realçar, no caso do homicídio tentado, nos tempos presentes vimos a assistir no país em geral, e em Beja em particular, a um fenómeno de violência entre jovens, com contornos extremamente graves, em que impera uma absoluta alienação emocional pelo sofrimento infligido ao outro, sendo esse sofrimento até usado em contexto de exibicionismo e glorificação do agressor, o que demanda uma resposta dura dos tribunais;

- o dolo directo;

- a violência empregue na consumação dos roubos assume um grau de ilicitude diminuto, mas sem desconsiderar a vantagem decorrente da superioridade numérica;

- no homicídio tentado, o facto de a vítima não ter corrido perigo de vida, ficando apenas com um ferimento superficial, mas sem desconsiderar o dano psicológico necessariamente sofrido, o que aponta para um grau de ilicitude médio baixo;

- o baixo valor dos bens subtraídos e a recuperação parcial;

- as condições socioeconómicas e personalidade dos arguidos, reflectidas nos relatórios sociais donde foram extraídos os factos a propósito dados como provados;

- a ausência de antecedentes criminais”,

julgamos adequada pela prática de cada um dos crimes de roubo a pena de 1 ano de prisão e de 3 anos de prisão pelo crime de homicídio.

Atendendo aos factos no seu conjunto e ao ilícito global que pela proximidade executiva não vai muito além da unidade da acção, e às condições pessoais do recorrente, fixa-se, nos termos do artigo 77.º/1 CPenal, a pena única de 4 anos de prisão.

3. 2. 2. A suspensão da execução da pena.

Nos termos do artigo 50.º/1 CPenal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A suspensão da execução da pena traduz um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade.

Não são considerações de culpa que devem aqui ser ponderadas, mas prognósticos sobre o desempenho futuro da personalidade do arguido, perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.

Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes, cfr. Professor Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As consequências do Crimes, 337 e ss.

Todavia, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição, artigos 40.º/1 e 50.º/1 CPenal, nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que “só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto”, cfr. obra citada, 344.

A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

A pena de prisão em medida não superior a cinco anos deve, em princípio, ser suspensa na execução.

A não ser que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, e a suspensão da execução for desaconselhada por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.

A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido em cuja base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.

O que não significa, contudo, discricionário nem arbitrário.

Há que ponderar, de forma articulada e conjugada, sobre a personalidade do arguido, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta anterior e posterior e sobre o circunstancialismo envolvente à prática do crime.

No caso concreto, cremos que a natureza do instituto, as finalidades de política criminal que prossegue e as condições e pressupostos de aplicação, permitem concluir que a suspensão da pena será adequada à apurada situação e ao contexto envolvente do arguido.

O prognóstico sobre o seu desempenho futuro não é desfavorável. Tudo aponta que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da pena serão suficientes para satisfazer as apontadas necessidades de prevenção da reincidência.

Afinal, a oportunidade que o arguido aqui peticiona.

3. 2. 3. Condições da suspensão da execução da pena.

A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou subordinada ao cumprimento de deveres, ou à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, cfr. artigo 50.º/2 e 3 CPenal.

A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de irremediável e definitiva fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

Naturalmente, que no quadro apurado se justifica, no sentido de melhor promover a sua inserção, a sua reintegração na sociedade, que a suspensão da execução da pena seja acompanhada de regime de prova, imposta, de resto, no caso de arguido com menos de 21 anos, ao tempo do crime, obrigatoriamente, nos termos do artigo 53.º/3 CPenal.

Regime de prova que, nos termos do artigo 53.º/2 CPenal, assenta num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão.

Por outro lado.

Dispõe o artigo 51.º/1 alínea a) CPenal que “a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea”.

Este dever de reparar o mal do crime, através da obrigação do pagamento da indemnização, como condição da suspensão da execução da pena tem uma função adjuvante da realização da finalidade da punição, fazendo sentir à comunidade e ao arguido os efeitos da condenação.

A imposição desta condição representa um esforço e implica um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas do crime, funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 13.10.1999, processo 665/99, sumariado por Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 1.º, Rei dos Livros, 2002, 681.

A imposição desta condição deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da proporcionalidade que são ideias básicas do Estado de Direito.

E, assim, dispõe o artigo 51.º/2 CPenal que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir” – que o arguido invoca a propósito da condição para a concessão do perdão.

O que deixa aberta a possibilidade de se fixar como dever o pagamento apenas parcial do valor da indemnização, para os casos em que o Tribunal concluir que só este é concretamente exigível.

A traduzir a ideia de que o arguido deve apenas pagar aquilo que puder, no limite das suas forças, cfr. Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, 48.

Para que o tribunal fixe o dever, total ou parcial, de indemnizar não é necessário que o lesado tenha deduzido essa pretensão, como, da mesma forma, não é impeditivo da sua fixação que o lesado tenha deduzido e tenha logrado obter essa pretensão.

Nesta última situação a condição reportar-se-á ao pagamento da totalidade ou de parte da indemnização civil arbitrada.

Do que vem de ser dito e, obviamente e sem antecipar o que se dirá em sede de ponderação do valor da indemnização, que oficiosamente foi fixada, cremos resultar absolutamente justificada, no caso concreto, a imposição de uma condição desta natureza à decretada suspensão da execução da pena.

Tendo presente as reais e potenciais capacidades de pagamento por parte do arguido e o período de 4 anos em que vigorará o período da suspensão da execução da pena e ponderando todos os critérios supra enunciados, afigura-se-nos ajustado fixar como condição o pagamento de € 500,00, anualmente.

Com vencimento ao fim do 1.º, do 2.º, do 3.º e do 4.º ano do período da suspensão da execução da pena, a ser documentada nos autos, em 30 dias.

Uma vez que são dois os ofendidos, com direito a valores diversos e, que são dois os responsáveis aqui, apenas por parte da indemnização, aquela obrigação, repartir-se-á pelos dois ofendidos, BB e CC, na proporção de € 400,00 e € 100,00, respectivamente, em cada prestação.

3. 3. O valor da indemnização fixado ao abrigo do artigo 82.º-A CPPenal.

3. 3. 1. A fundamentação da decisão recorrida.

“Parte Cível:

Pedido de reembolso:

À semelhança do que ocorre relativamente ao ilícito penal, não há dúvidas que a conduta do arguido AA e suas consequências preenchem os pressupostos gerais do dever de indemnizar (art. 483º do Cód.Civil): acto ilícito culposo, o dano e nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano.

Dano este que, com respeito à ..., é exclusivamente de natureza patrimonial.

Quanto aos danos patrimoniais, importa levar em conta que aqui rege o princípio geral de que a indemnização “deve reconstituir a situação que existiria na esfera do lesado se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562.º, do Código Civil).

Para além disso, nos termos do artigo 566.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil, a indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, devendo ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que teria se não existissem danos (teoria da diferença).

Por fim, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, «o tribunal pode atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis».

A este propósito resultou demonstrado que a ... (Hospital de ...), prestou assistência médica hospitalar a BB na sequência da descrita acção do arguido AA, o que gerou para a referida Unidade uma despesa que ascende a € 125,91 (cento e vinte e cinco euros e noventa e um cêntimos), que ainda se encontra por liquidar.

O ressarcimento de tais danos mostra-se enquadrado no nº.2 do art. 495º do Cód.Civil, pelo que será aquele arguido condenado no respectivo pagamento.

Sobre estas quantia incidem juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do demandado para contestar até integral pagamento – arts. 804º, 805º nº.3 e 806º nº.1 do Cód.Civil.

O arguido DD não teve qualquer intervenção na acção que justificou a assistência prestada pela ... à vítima. Donde, será absolvido.

Arbitramento de indemnização às vítimas:

Da conjugação do disposto nos arts. 1º. l), 67º-A nº.3, 82º-A do CPP e 16º nº.2 da Lei 130/2015, de 04 de Setembro resulta que o tribunal tem de fixar indemnização a favor das vítimas BB e CC.

No caso concreto o dano a reparar é meramente de natureza não patrimonial, já que não se quantificaram danos patrimoniais.

A este respeito dispõe o art. 496º do Código Civil:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

4. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (…).”

«Danos não patrimoniais - são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização»(A.Varela, “Das Obrigações, 6ª ed., l.°-571).

Como refere o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444: «(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização», «aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc».

Nos termos do disposto no art. 494º do Cód.Civil, na fixação da indemnização deverá o Tribunal atender à extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso.

Assim, considerando a idade das vítimas, a violência exercida e o temor necessariamente experienciados, que naturalmente terão repercussões no plano psicológico, considerando ainda a condição económica dos arguidos, afigura-se equitativo fixar as indemnizações a título de danos não patrimoniais em:

- € 1.000.00 (mil euros) para cada uma das vítimas relativamente ao roubo de que cada uma foi alvo, sendo a condenação dos arguidos solidária – art. 497º do Cód. Civil;

- € 4.000.00 (quatro euros) para a vítima BB relativamente à tentativa de homicídio.

Valores estes que se têm por actualizados, vencendo assim juros à taxa legal com a prolação da presente decisão”

3. 3. 2. As razões do arguido.

Coloca o arguido em causa o quantum da indemnização civil arbitrada, por danos não patrimoniais, que deve ser revisto e adequado aos efectivos danos sofridos pelas vítimas e às suas condições financeiras/de vida e, ser fixada, pelo roubo em quantia não superior a € 700,00 e pela tentativa de homicídio em quantia não superior a € 2.000,00.

Até porque a decisão recorrida fez depender o perdão de pena a que o arguido tem direito, por se enquadrar nos pressupostos da Lei 38-A/2023 de 2 de agosto, do pagamento de uma quantia também ela desproporcional e excessiva:

- desproporcional quando vai para além dos danos que se pretendem ressarcir, posto que da atuação criminosa não resultaram danos graves ou permanentes para a saúde dos ofendidos; quando não resultou provado que os ofendidos tivessem ficado traumatizados ou com consequências a nível psicológico/ emocional permanentes ou quaisquer outros danos não patrimoniais;

- quando vem provado – e só - que: “como resultado das agressões infligidas, o ofendido BB sofreu traumatismo abdominal, apresentando uma cicatriz de ferida cortante com 0,6 centímetros, lesão que lhe determinou 8 dias para cura, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional por 8 dias” cfr ponto 13 dos factos provados;

- excessiva a quantia fixada quando se deu como provado que recorrente não tem rendimentos próprios; tão pouco, adiantamos nós, fortuna pessoal;

- o perdão, nos termos do artigo 8.º da já citada Lei 38-A/2023, pode fazer-se depender do cumprimento de condições resolutivas; que, porém, devem ser passíveis de cumprimento pelo condenado e não de tal forma onerosas face aos factos apurados pelo tribunal que se possa desde logo fazer um juízo de prognose desfavorável; sendo aplicável por analogia a interpretação do artigo 51.º/2 do Código Penal;

- o que basta para se concluir que condenar o arguido no pagamento de indemnizações às vitimas num total de € 5.000,00 e constituindo o mesmo condição resolutiva do perdão de pena, é votar este perdão ao fracasso, à impossibilidade.

3. 3. 3. Vejamos.

Depois de os arguidos terem sido notificados para se pronunciar quanto a um eventual arbitramento oficioso de indemnização às vítimas, nos termos do disposto nos arts. 67º-A e 82º-A do CPP e 16º nº.2 da Lei 130/2015, de 04 de Setembro e de nada terem dito, na decisão recorrida, decidiu-se, como vimos já, ao abrigo do disposto nos artigos 1º. l), 67º-A nº.3, 82º-A CPPenal e 16.º/2 da Lei 130/2015, de 4 de Setembro, arbitrar, com base na equidade, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, € 1.000.00, para cada uma das vítimas relativamente ao roubo de que cada uma foi alvo, sendo a condenação dos arguidos solidária e € 4.000.00 para a vítima BB relativamente à tentativa de homicídio.

Defende o arguido a revisão do quantum indemnizatório, pugnando pela fixação em quantia não superior a € 700,00, pelos roubos e em quantia não superior a € 2.000,00, pela tentativa de homicídio.

O artigo 82.º-A CPPenal dispõe que,

“1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Esta indemnização será arbitrada oficiosamente pelo Tribunal, apenas em caso de condenação, segundo o prudente critério do julgador, sem pedido, relacionando-se com os prejuízos sofridos - “uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos” - mas não, necessariamente, coincidente com o seu valor.

Não se trata de uma indemnização por perdas e danos, objeto de pedido, relativa, direta e exclusivamente, aos danos quantificados, mas de uma indemnização oficiosamente atribuída, a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

“A quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, prevista no artigo 82.º-A CPPenal, é atribuída oficiosamente a vítimas particularmente carecidas de protecção e, porque não se confunde com a indemnização civil pelos danos, é fixada a critério do julgador.

O obrigado ao pagamento da quantia arbitrada a título de reparação é o responsável penal pelo crime e não o responsável civil, embora, em caso de posterior acção que venha a conhecer do pedido civil de indemnização essa quantia deva ser tida em conta, sendo o obrigado civil, se diverso do agente do crime, obrigado a compensar este pelo pagamento feito, desde que deduzido no valor da indemnização dos danos emergentes do crime”, diz o Professor Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das penas e das medidas de segurança, Verbo, 1999, 189/190.

Representando um assumido desvio relativamente ao princípio da adesão, consagrado no artigo 71.º CPPenal, carece o atual regime especial, previsto no artigo 82.º-A CPPenal, de definição própria de critérios de fixação.

À sua natureza híbrida, simultaneamente de efeito penal da condenação e de aproximação reparatória aos prejuízos sofridos, corresponde um regime adjetivo próprio, desligado do processo civil, cujas normas apenas se aplicarão, por efeito da cláusula geral de subsidiariedade do artigo 4.º CPPenal - como acontecerá com os critérios de fixação.

Como vimos já, esta indemnização será arbitrada oficiosamente pelo Tribunal, em caso de condenação, atribuída oficiosamente a vítimas particularmente carecidas de protecção e, segundo o prudente critério do julgador, reportada aos prejuízos sofridos, mas não, necessariamente, coincidente com o seu valor.

Não se trata de uma indemnização por perdas e danos, objeto de pedido, relativa, direta e exclusivamente, aos danos quantificados, mas de uma indemnização oficiosamente atribuída, a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

O obrigado ao pagamento da quantia arbitrada a título de reparação é o responsável penal pelo crime e não o responsável civil.

Porque não se confunde com a indemnização civil pelos danos, é fixada segundo o critério do julgador.

A caracterização e conteúdo desta “reparação”, de natureza pecuniária, sem se confundir com a indemnização civil, remete para conceitos que lhe são próprios, nomeadamente quanto ao “dano” ou “prejuízos”, mas já não quanto à “quantia” a fixar, a qual não tem que coincidir com o montante da indemnização.

No caso em apreço, não sendo questionada a verificação, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - aliás demonstrados por forma inequívoca – importa apenas sindicar do montante arbitrado pelo tribunal de primeira instância a título de danos não patrimoniais.

Os danos que resultaram provados revestem a natureza de danos não patrimoniais e consistem essencialmente nas consequências decorrentes da violação de direitos fundamentais da pessoa humana, mais precisamente o direito à integridade física e psicológica das vítimas, cfr. artigos 25.º da CRP e 70.º CCivil.

Esta indemnização assume, por um lado natureza compensatória e, por outro, simultaneamente uma função punitiva.

Se, visa compensar as dores e os sofrimentos do lesado através do proporcionar de um dado número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer, por outro lado, obriga o lesante a enfrentar as consequências do crime.

O montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, como se refere na decisão recorrida, as circunstâncias referidas no artigo 494.º CCivil, por remissão do artigo 496.º/3 CCivil.

O montante da indemnização por danos não patrimoniais, de harmonia com o disposto no artigo 496.º/1 CCivil, deve ser fixado equitativamente, isto é, tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, cfr. Professor Antunes Varela, Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, I, anotação ao artigo 496.º.

Tem sido entendimento deste Supremo Tribunal, cfr. entre muitos outros, acórdãos de 17.6.2004, processo 04P2364 e de 15.2.2012, processo 476/09.0PBBGC.P1.S1, ambos, consultados no site da dgsi, que em caso de julgamento segundo a equidade devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Os montantes fixados na decisão recorrida não evidenciam tal afronta e têm a virtualidade de traduzir, da mesma forma, o aqui compreendido carácter sancionatório desta indemnização.

Assim, num juízo concreto de equidade, ponderando a gravidade da ilicitude, a culpa exclusiva do lesante, com dolo direto, a natureza e gravidade da sua actuação, sem esquecer a sua capacidade económica, actualmente, sem expressão, é certo, julgamos ajustados e adequados os valores arbitrados, que nenhum censura e juízo de correcção merecem.

Improcede, pois, este segmento do recurso.

3. 4. O valor da condição para a concessão do perdão.

Como vimos já, na decisão recorrida foi declarado perdoado 1 ano de prisão na pena aplicada sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 2.8.2023 e de comprovar no prazo de noventa dias a contar do trânsito em julgado do acórdão o pagamento das indemnizações fixadas a favor do lesados.

Diz o arguido que,

- que se fez depender o perdão do pagamento de uma quantia desproporcional e excessiva;

- desproporcional quando vai para além dos danos que se pretendem ressarcir, posto que da atuação criminosa não resultaram danos graves ou permanentes para a saúde dos ofendidos; quando não resultou provado que os ofendidos tivessem ficado traumatizados ou com consequências a nível psicológico/emocional permanentes ou quaisquer outros danos não patrimoniais;

- excessiva quando se deu como provado que não tem rendimentos próprios; tão pouco, fortuna pessoal;

- tal constitui uma forma de dificultar senão mesmo tornar impossível o beneficio do perdão de pena;

- nos termos do artigo 8.º da Lei 38-A/2023 pode fazer-se depender do cumprimento de condições resolutivas, porém, passíveis de cumprimento pelo condenado e não de tal forma onerosas face aos factos apurados pelo tribunal que se possa desde logo fazer um juízo de prognose desfavorável;

- por analogia, será aqui aplicável a interpretação do artigo 51.º/2 CPenal quanto aos deveres a que pode ficar subordinada a suspensão da execução da pena - os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir;

- condenar o arguido no pagamento do valor das indemnizações às vitimas num total de € 5.000,00 e o pagamento do mesmo valor constituir condição resolutiva do perdão de pena, é votar este perdão ao fracasso, à impossibilidade.

Esta pretensão do arguido carece, manifestamente, de fundamento.

Se como vimos já – e desse entendimento acaba o arguido por beneficiar – no âmbito dos deveres impostos à suspensão da execução da pena de prisão, o Tribunal pode reduzir o valor da condição, a um valor parcial da indemnização arbitrada, o mesmo não acontece, naturalmente - dizemos nós - no âmbito da condição para a concessão de amnistia ou de perdão.

O artigo 8.º/1 e 2 da Lei 38-A/2023 de 2.8 prevê que o perdão seja condicionado resolutivamente ao pagamento de indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado.

Como lei de excepção, que é, não admite nem interpretação analógica, nem extensiva, nem restritiva. Tem de ser interpretada nos seus precisos termos.

Donde, carece, em absoluto de fundamento que aqui se aplique o mesmo regime previsto par a condição da suspensão da execução da pena – redução do valor a um patamar de proporcionalidade, exigibilidade e razoabilidade.

Nesta sede é absolutamente estranho qualquer juízo de possibilidade de cumprimento.

Improcede, assim, também, este segmento do recurso.

III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, em função do que,

- atenuadas especialmente as penas por aplicação do disposto nos artigos 4.º do Decreto Lei 401/82 e 73.º/1 alíneas a) e b) CPenal, condena-se o arguido, pela prática,

- em coautoria material e concurso efectivo, de dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CPenal, cada um, na pena de um ano de prisão;

- de um crime de homicídio simples na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º/1, 22.º, 23.º e 26.º CPenal, na pena de três anos de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos de prisão;

- suspensa na sua execução por igual período de tempo,

- com sujeição a regime de prova e,

- com a obrigação de durante esse período de tempo, pagar aos ofendidos a quantia de € 2.000,00, em 4 prestações anuais de € 500,00, traduzidas na entrega a cada um dos ofendidos, BB e CC, respectivamente, das quantias de € 400,00 e € 100,00, vencendo-se, cada prestação, ao fim do 1.º, do 2.º, do 3.º e do 4.º ano do período da suspensão da execução da pena, com o pagamento a ser documentado nos autos, em 30 dias,

- mantendo-se o mais que foi decidido.

Sem custas, dado o parcial provimento do recurso, cfr. artigo 513.º/1 CPPenal.

Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.

Supremo Tribunal de Justiça, 5JUN2025

Ernesto Nascimento - Relator

José Piedade - 1.º Adjunto – junta declaração de voto

Jorge Gonçalves – 2.º Adjunto

Proc. n.º 239/23.0...

Declaração de voto

O AA foi condenado, em 1ª Instância, pela prática de dois crimes de roubo simples, na pena de um ano e seis meses de prisão por cada um deles.

Pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada, na pena de cinco anos de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão (tendo se declarado perdoado um ano de prisão, sob condição resolutiva de não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023).

Recorreu, “per saltum”, para este Supremo Tribunal.

Vota-se a decisão nos segmentos em que mantém os valores da indemnização arbitrada às vítimas, e a condição resolutiva (de verificação automática) da concessão do perdão.

Não se pode votar a decisão que atenua especialmente a moldura das penas parcelares — por aplicação do disposto no art.º 4 do DL 401/82 —, reduz essas penas parcelares e a pena única, e substitui a pena principal pela suspensão da sua execução, dessa forma condenando o AA pela prática, em co-autoria material e concurso real, de dois crimes de roubo simples, na pena de um ano de prisão, por cada um deles, e de um crime de homicídio, na forma tentada, na pena de três anos de prisão; na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova e obrigação de pagamento (em prestações) às vítimas, das indemnizações fixadas.

As razões são, em síntese, as seguintes:

Na aplicação do Regime Penal aplicável a Jovens Delinquentes, criado pelo DL 401/82, de 23/09/1982 — e que na prática Judiciária se resume ao aplicado art.º 4 — tem de se ter em conta a sua razão de ser e a sua necessidade de conjugação com o interesse Colectivo na protecção da vida, integridade física, segurança, tranquilidade, património dos cidadãos, e na prevenção da criminalidade.

Isso mesmo decorre da sua interpretação histórica e teleológica, como se alcança com clareza, do seu Preâmbulo: «Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da Comunidade (…)»; «As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos» (é este o caso).

Isso mesmo decorre de uma sua interpretação actualista (dado que se trata de uma lei bastante datada, e numa conjuntura que já não subsiste).

E a esse respeito tem de se ponderar a urgente necessidade do Direito Penal Judiciário se deixar de focar exclusivamente no delinquente, descurando as vítimas e a Comunidade em geral.

Veja-se a esse respeito Antoine Garapon, Frédéric Gros e Thierry Pech Punir em Democracia (Instituto Piaget, 2001):

«(…) à força de insistir no reconhecimento do estatuto de vítima dado ao criminoso, acabamos por perguntar se este reconhecimento não se baseia no desconhecimento da primeira vítima, a vítima do crime ou do delito. O próprio exagero do paradigma psicológico leva a fazer levantar vozes que desde o início da nossa exposição não tínhamos querido ouvir: as vozes da vítima que querem ser conhecidas no seu sofrimento, que exigem que se faça girar o sentido da pena à volta deste sofrimento».

E onde se chama atenção para a — em conjugação com as restantes — feição restaurativa da pena: «punir é restaurar os elos colectivos e individuais feridos pelo crime, apaziguando o sofrimento da vítima e regenerando a sociedade».

No caso, considerando a gravidade dos factos, a personalidade demonstrada na sua execução, as exigências de prevenção da criminalidade e de restauração da segurança e tranquilidade da Comunidade, não existem razões sérias — tal como decidido na 1ª Instância — para aplicação da atenuação especial da moldura abstracta das penas parcelares, recorrendo-se ao art.º 4, do Regime Penal para Jovens Delinquentes, DL 401/82, de 23/09/1982.

Quanto à pena única concreta, o grau global de ilicitude dos factos, integrantes da prática dos 2 crimes de roubo e do crime de homicídio tentado, é consideravelmente elevado: os actos de execução dos roubos e do homicídio tentado foram levados a cabo com grande potencial intimidatório e violência sobre as vítimas (também eles jovens); em superioridade de número; o aqui recorrente AA ameaçando uma das vítimas de morte, empunhando uma faca com 7cm de lâmina, esfaqueou-a na zona abdominal, atingindo um local do corpo onde situavam órgãos vitais;

As consequências são graves, sofrendo a vítima esfaqueada um ferimento de que resultou uma “cicatriz de ferida cortante com 0,6 centímetros, lesão que lhe determinou 8 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional por 8 dias”.

É grande a censurabilidade da conduta na sua globalidade e a culpa na formação da personalidade nelas manifestada;

Vincadas se mostram também, as exigências preventivas especiais, como decorre de se ter considerado provado que “, pese embora a sua juventude, apresenta uma imagem social negativizada em face dos incidentes de natureza criminal em que figura como visado”;

De grau elevado se mostram as exigências preventivas gerais: é com natural e compreensível alarme que a Comunidade (em particular a Bejense, e estas vítimas e respectivos familiares) vivencia estas condutas que colocam em causa a vida, a integridade física, a segurança e tranquilidade da população, exigindo-se o restabelecimento da confiança na eficácia das normas que protegem estes bens, fundamentais num Estado de Direito.

Considerados estes factores, adequada se mostra, também, a pena única aplicada (se as penas parcelares não tivessem sido diminuídas, na sequência da aplicação da atenuação especial).

Vota-se a improcedência total do recurso, e a manutenção na íntegra do Acórdão proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Beja.

Lisboa, 12/06/2025

José Piedade