I. A pena única do concurso, formada no sistema de cúmulo jurídico, que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
II. A atuação do arguido demonstrada nos autos revela, pelo menos num período limitado, de quatro anos, relativamente a oito crimes de furto qualificado, sendo apenas um tentado – uma atitude de completo desprezo pelos valores e bens jurídicos em causa, movida por um propósito de atentar contra o património alheio.
III. Deve integrar o cúmulo jurídico em presença uma pena suspensa cujo período de suspensão não tinha ainda sido atingido aquando da realização do cúmulo, pelo acórdão recorrido.
IV. A circunstância, aleatória, de, na fase do recurso, ter sido atingido o limite do período de suspensão, não implica que tal pena seja eliminada do cúmulo jurídico que se realizou de forma regular na data do acórdão recorrido, pois tal corresponderia a uma decisão pelo STJ perante circunstâncias que não foram ponderáveis na decisão recorrida.
V. O facto de ter confessado parcialmente alguns dos factos, foi tomado em devida conta, evidenciando alguma autocrítica, mas com escasso significado atenuativo, considerando haver outras provas dos mesmos.
VI. Sendo indiscutível a necessidade da pena, não pode deixar de ser ponderada a integração e proximidade ao agregado familiar por parte do arguido, a sua adequação às regras de funcionamento prisional, exercendo atividade laboral no sector da cozinha do estabelecimento prisional desde 09-11-2022, bem como a sua confissão integral e sem reservas quanto aos factos em causa em dois processos que integram a relação de concurso de crimes.
VII. Embora mais distante do limite máximo do que do mínimo da moldura do cúmulo, a verdade é que a medida da pena única aplicada não é reclamada pelas exigências de proteção dos bens jurídicos e de prevenção geral e especial, podendo até perigar a dessocialização do agente, podendo justificar, assim a fixação em quantum algo inferior.
VIII. Permanecendo inalteradas todas as penas parcelares aplicadas no acórdão recorrido, importa reconhecer, no contexto da apreciação das consequências jurídicas dos seis crimes provados, numa moldura (de concurso efetivo) que oscila entre 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 20 (vinte) anos e 1 (um) mês de prisão, não se mostrar excessiva a pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão, que ainda assegura as exigências de prevenção geral e especial, bem como a tendencial igualdade na aplicação das penas.
I. Relatório
1. O tribunal coletivo do Juízo Central Criminal .../Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, procedeu a audiência de reformulação de cúmulo jurídico, relativamente ao arguido AA, melhor identificado nos autos, tendo proferido acórdão nos presentes autos, em 10 de dezembro de 2024 (Ref.ª Citius .......46), deliberando, entre outras determinações, o seguinte:
«- Operar o cúmulo jurídico das penas principais aplicadas ao arguido AA neste processo (137/21.2...)) e nos processos nºs 401/18.8..., 4815/20.5..., 89/22.1..., 283/22.5... e 589/20.8..., condenando-o na pena principal única de 9 (nove) anos e 3 (três) de prisão.
- Manter o mais decidido naqueles autos (nomeadamente no que se refere a condenações pagamento de quantias devidas a título de indemnização civil e perda de vantagens).
- Nos termos do disposto nos art. 2º, n.º 1 (à contrário) da Lei nº 38-A/2023 de 02.08, a pena única imposta não beneficia do perdão.»
2. Desta decisão, recorre(u) o arguido AA (para o Tribunal da Relação do Porto), em 24-01-2025 (Ref.ª Citius ......18), apresentando as conclusões seguintes (transcrição):
«1. O Tribunal a quo condenou o arguido, ora recorrente, em audiência realizada nos termos do art.º 471º do Código de Processo Penal (CPP), na pena única de 9 anos e 3 meses de prisão, a qual engloba as penas parcelares aplicadas nos seguintes processos:
- Processo nº 137/21.2..., do Juízo Central Criminal ... – Juiz ...;
- Processo nº 401/18.8..., do Juízo Local criminal de ... – Juiz...;
- Processo n.º 4815/20.5..., do Juízo Local criminal de ... – Juiz...;
- Processo 89/22.1..., do Juízo Central Criminal de ... – Juiz...;
- Processo n.º 283/22.5..., do Juízo Local criminal de ... – Juiz ...;
- Processo n.º 589/20.8..., do Juízo Local criminal da ... – Juiz ...;
2. Sem desprimor do mui douto e soberano critério da livre apreciação das provas pelo Tribunal a quo, certo é que, o recorrente não se conforma com a referida decisão, por considerar que a pena única aplicada, é excessiva, desequilibrada e desajustada.
3. Atendendo a que, a natureza da medida concreta da pena é determinada nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1 do Código Penal, em função da culpa do agente, tomando-se em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e as demais do n.º 2 daquele preceito legal que deponham a favor ou contra o arguido.
4. A pena, além da sua necessidade terá de ter em conta as exigências individuais e concretas da socialização do agente, sendo certo que, na sua determinação ter-se-á necessariamente que ter em linha de conta, que se deve evitar a dessocialização do agente.
5. Contudo, o Tribunal a quo ponderou de forma gravosa as várias condenações que o recorrente sofreu, não tendo em consideração as datas da prática desses factos em cada uma das condenações, e o tipo de crime praticado, concluindo que o recorrente tem “tendência para incidir em comportamentos ilícitos, associados às sucessivas condenações e persistência de uma carreira criminal desde 2006
6. Ao invés, não ponderou devidamente as condições sociais e pessoais do recorrente,
nomeadamente o apoio que passou a existir por parte da sua companheira, a conduta do arguido em meio prisional, onde assume uma postura de adequação às regras de funcionamento prisional, onde desde logo passou a exercer atividade laboral no sector da cozinha, como forma de se preparar para a vida em sociedade.
7. Por outro lado, e sem quebra do respeito devido por opinião diversa, consideramos ainda a
pena exagerada porque, aquando da avaliação global da culpa e da ilicitude do arguido, necessárias para a realização do cúmulo jurídico, não se pode deixar de levar em conta a circunstância de todos os crimes contra o património, terem sido praticados num curto período de tempo, isto é, em 23-7-2018,30-08-2020, 03-09-2020, 14-03-2021, 04-07-2021,25-01-2021 e 17-05-2022.
8. E, se é verdade, como refere o Douto Acórdão que o recorrente apresenta “tendência para incidir em comportamentos ilícitos, associados às sucessivas condenações e persistência de uma carreira criminal desde 2006,” também é verdade, que essa “tendência” se reporta a outra tipologia de crimes, crimes de menor gravidade, sendo na sua maioria, crimes de condução sem habilitação legal.
9. Como supra referido, a tendência de crimes contra o património, está circunscrita ao período
de tempo descrito, e sem justificar ou branquear a sua conduta criminal, a verdade é que o arguido foi justificando ao longo de todos os processos, que, à sua conduta estava subjacente o facto de ter ficado sem trabalho, por força da pandemia do COVID, e com a necessidade que sentia em alimentar a sua família.
10.Por outro lado, em audiência de julgamento o arguido, ora recorrente, sempre confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe eram imputados, mostrando sério arrependimentos e contribuindo dessa forma para a descoberta da verdade e para a celeridade processual.
11.Conforme referido no preambulo do Código Penal: “O Código traça um sistema punitivo que
arranca do pensamento fundamental que as penas devem se sempre executadas com um
sentido pedagógico e ressocializador.”, esse sentido pedagógico, o desvalor da sua conduta, esteve sempre presente no recorrente, em cada julgamento a que foi submetido.
12.Motivo pelo qual, em nossa modesta opinião, a pena aplicada ao recorrente, afigura-se ser
mais motor de dessocialização do que de integração do arguido.
13.Por outro lado, e sempre com o respeito devido, se levarmos em conta o produto ou valor que o arguido obteve dos objetos furtados na maioria dos crimes praticados, facilmente concluiremos que não estamos perante um “criminoso”, frio, calculista, que preparava os furtos de forma pensada no sentido de obter o maior lucro possível, mas sim alguém que segundo as suas palavras atuava por necessidade e por falta de trabalho.
14.Pelo que, existe necessariamente uma menor densidade quanto à medida da culpa do arguido na prática dos mesmos, o que por sua vez, se refletirá necessariamente na medida da pena a aplicar, ou seja, o grau de ilicitude determina a culpa e esta por sua vez fundamenta a pena, conforme os artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 alínea a) do Código Penal.
15.Por tudo isto, consideramos que a pena em que o arguido acabou condenado é exagerada
porque excedeu em muito a medida da culpa, e nesse sentido, consideramos que o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 do Código Penal, o que desde já aqui referimos para os termos e efeitos do disposto no artigo 412.º número 2 alíneas a) e b) do Código Processo Penal.
16.Consideramos ainda a pena desequilibrada levando em consideração crimes contra as
pessoas ou criminalidade organizada, isto é, sem por em causa o alarme social provocado pelos crimes que o recorrente praticou, o certo é, que os crimes contra o património praticados, não merecem, salvo melhor opinião, uma pena de prisão tão longa, devendo essas penas de prisão ser reservada para situações de maior gravidade, nomeadamente crimes violentos, contra as pessoas ou criminalidade organizada, e que mais alarme social provocam.
17. Até porque, depois de ponderada a culpa, o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, as exigências de prevenção, os factos, a conduta do arguido e a sua personalidade, em relação a cada um dos crimes, a decisão dos julgadores foi sempre a de se punir o arguido com uma pena, que nunca andou muito longe dos mínimos legais da moldura penal máxima abstratamente possível de aplicar.
18.Razão pela qual, não entendemos que, quando se apreciou a globalidade dos factos e a
personalidade do arguido, se optou por condenar o mesmo numa pena, apenas ligeiramente inferior, a metade do limite máximo do somatório de todas as penas parcelares apreciadas.
19.Ou seja, se os critérios do artigo 71.º números 1 e 2 do Código Penal, que presidiram à medida de cada pena do somatório, são os mesmos que presidem à medida da pena única, visto os factos em apreço, a sua forma de comissão, a intensidade do dolo, e o grau de ilicitude, seriam os mesmos (ainda que agora sejam apreciadas no seu conjunto), pois são contemporâneos da prática dos factos, e como tal, não são passiveis de ser modificados, só poderá existir diferenças quanto à atual personalidade do arguido.
20.E, salvo o respeito devido tais diferenças até deveriam ser positivas e a seu favor, uma vez que, o arguido se encontra em processo de ressocialização efetivo, em virtude de após ser detido ter começado logo a trabalhar na cozinha do estabelecimento prisional, do cumprimento adequado das regras de conduta e funcionamento prisional e do tempo passado em reclusão, que fazem que este possa interiorizar melhor os seus crimes, bem como o desvalor das suas condutas, o que revela como fator de atenuação das necessidades de prevenção.
21.Por tudo isso, consideramos que a pena aplicada na decisão recorrida é desequilibrada porque não é proporcional à gravidade e ao tipo de crime cometidos pelo arguido, mesmo quando apreciada na sua globalidade, já que coloca essas infrações no “mesmo patamar” daquelas que mais alarme social provocam, nomeadamente criminalidade organizada ou crimes contra pessoas, causando assim o descrédito social pela Justiça e pela finalidade dessas punições.
22.Razão pela qual, na escolha da medida da pena aplicada ao arguido, o Tribunal deveria ter tido em conta as exigências de prevenção proporcionais e adequadas à prática dos crimes da natureza e dimensão dos que foram cometido pelo arguido (conforme artigo 71.º número 1 e 2 do Código Penal e artigo 1.º do Código Processo Penal) das penas pelas quais foi condenado, e nessa escolha deveria ter optado por uma pena única de medida proporcional ao valor global dos factos e dos crimes praticados, nos termos do artigo 77.º números 1 e 2 do Código Penal, o que não ocorreu.
23.Pelo exposto consideramos que o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 71.º número 1 e 2, e 77.º números 1 e 2 do Código Penal.
24.Assim, e salvo o respeito devido, a pena aplicada ao arguido é ainda desajustada, porque não
é adequada às finalidades que se impõem nos termos do disposto no artigo 40.º número 1 do Código Penal, uma vez que, a finalidade das penas de prisão, visa a proteção dos bens jurídicos, mas também a reintegração do agente na sociedade
25.A pena única de 9 (nove) anos e 3 (três) meses aplicada ao arguido, muito próxima da metade do somatório de todas as penas parcelares, não contribui para a sua reintegração em sociedade, afastando-o inevitavelmente da sua companheira, dos seus filhos, e causa em nossa modesta opinião um desequilíbrio, entre a medida da punição e as expectativas da sociedade em geral, e dos ofendidos em particular, quando aos objetivos e finalidades dessa mesma punição.
26.Razão pela qual, o Douto Acórdão ora recorrido viola assim o disposto nos artigos 70.º e 71.º, do Código Penal.
Nestes termos, e sempre com mui douto suprimento de Vs. Exas., dando provimento ao presente recurso, revogando o douto acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal Coletivo, em audiência realizada nos termos do art.º 471º do Código de Processo Penal (CPP), na pena única de 9 anos e 3 meses de prisão, e substituindo-a por uma pena de prisão nunca superior a7 (sete) anos, farãocertamentea acostumadaJUSTIÇA.»
3. Admitido o recurso do arguido, respondeu a Senhora magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido em 26-02-2025 (Ref.ª Citius ......37), pugnando, no essencial, pela manutenção do acórdão recorrido, transcrevendo-se as respetivas conclusões:
« I - O arguido, AA foi condenado, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de prisão de 9 anos e 3 meses de prisão.
II - Para a determinação da medida concreta da pena e atento o disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 40º do Código Penal, a “aplicação das penas e das medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendoem caso algum a penaultrapassar a medida da culpa”.
III - A medida da pena determina-se em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção no caso concreto (artigo 71º, n.º 1, do Código Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2, do artigo 71º, do Código Penal).
IV - OTribunaltem que ponderar todos os fatores quedevem estarpresentes na determinação concreta da pena, como sejam, por um lado, a intensidade do dolo (direto) do agente, a ilicitude dos factos, a prevenção geral positiva (uma vez que o tribunal tem que ter em consideração o alarme que os crimes provocam na sociedade),ou a circunstância das condenações já sofridas pelo arguido,e por outro lado, as condições de vida presentes do arguido e a sua situação pessoal, familiar e económica.
V - Da fundamentação do acórdão recorrido, no que tange à escolha e determinação da medida da pena, consta uma exaustiva apreciação dos factos e da personalidade do arguido, bem como de outras circunstâncias a atender na determinação das penas parcelares, a que se segue a fixação destas.
VI - Cremos que esta fórmula, que remete para a apreciação dos factos e da personalidade do arguido (já efetuada em acórdãos a propósito da determinação da medida das penas parcelares), satisfaz suficientemente a exigência imposta pelas normas constantes dos artigos 77.º, n.º 1 do Código Penal e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pois permite uma compreensão cabal do porquê da medida da pena única aplicada e do processo lógico-mental que a ela levou, não se justificando que a propósito da determinação da pena única de novo se vertessem no acórdão condenatório todas as considerações sobreos factos ea personalidade do arguidojá efetuadas a propósito da determinação da medida das penas parcelares.
VII - Atentas as circunstâncias apontadas, e vistas as exigências de prevenção acimaaludidas,pensamosqueapenaconcretade9anose3mesesdeprisão aplicada ao arguido se mostra adequada, pois uma pena inferior não satisfaria sequer o limiar mínimo imposto pelas necessidades de prevenção geral deintegração e ficaria muito longe do limite atinente à culpa que com aquele desenha a submoldura na qual deve a pena ser fixada.
VIII - A não se entender assim, pôr-se-ia em crise a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurançados cidadãos nas instituições jurídico-penais, e violar-se-ia, então sim,o disposto nos artigos 40.º, n. 1 e 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
IX - O arguido afirma que conta com o apoio da sua companheira e que cinco meses depois de dar entrada em meio prisional, começou a trabalhar na cozinha, o que faz até aos dias de hoje, argumentos estes que não têm qualquer mérito, no que tangeàmedidadapena,poisnãoreduzemograudeilicitudedosfactos,nemaculpa do arguido.
X-Oarguidoalegaquetodososcrimesdefurtopraticados,oforamnumcurto período de tempo, entre 23 de julho de 2018 e 17 de maio de 2022, e se deveram à pandemia de COVID 19, esquecendo que é um período de cinco anos, e que igualmente praticou crimes de condução sem habilitação legal, de tráfico de estupefacientes, de falsidade de testemunho e de ofensa à integridade física, desde o ano de 2006, muito antes do início da pandemia.
XI - O arguido já se encontra a cumprir pena de prisão efetiva, no âmbito de outrosautos,oquenãopoderácontribuirparaareduçãodapenaquelhefoi imposta, pois que foi condenado, preteritamente, pela prática de diversos crimes de furto qualificado, sempre em penas de prisão.
XII - Nestes autos foi de novo condenado pela prática de um crime de furto qualificado, o que manifestamente não milita a favor do arguido.
XIII - O recorrente é incapaz de reconhecer que o tribunal a quo, na escolha desta concreta pena parcelar, foi condescendente, e só por isso se compreende que peça o impossível.
XIV - Em circunstância alguma, face aos seus antecedentes criminais, poderia ser condenado pelo mínimo legal.
XV - Deve, em suma, manter-se a decisão recorrida, que efetuou uma correta análise dos factos e uma adequada aplicação do Direito, não merecendo qualquer censura.
V. Exas. decidindo, farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA»
4. O processo foi remetido para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por decisão sumária de 24-03-2025 (Ref.ª Citius ......05) do Senhor Desembargador relator, foi ordenada, nos termos do art. 432.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do CPP, a sua remessa a este Supremo Tribunal de Justiça (doravante, também “STJ”), por ser o competente para conhecer do presente recurso “per saltum”, dado que se trata de recurso de acórdão de um tribunal coletivo (de 1.ª Instância) e aplica pena superior a cinco anos de prisão.
5. Uma vez neste Supremo Tribunal, o Senhor magistrado do Ministério Público aqui em funções emitiu judicioso parecer, ao abrigo do art. 416.º do CPP, em 29-04-2025 (Ref.ª Citius ......58), do qual se destacam os seguintes excertos:
«(…)
[VI] Lido o acórdão recorrido verifica-se que o mesmo padece de lapsos, revelados no seu contexto, que importa retificar (artigo 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Penal).
Assim, na parte final do primeiro parágrafo da página 17 do respetivo ficheiro pdf, onde consta:
«afigura-se-nos que o crime pelo qual o arguido foi condenado neste Processo (praticado em 18.09.2022), estão em relação de concurso com os crimes pelos quais foi sancionado nos Processos nºs 926/22.0..., 901/22.5... E 49/22.2...».
Deve passar a constar que:
«afigura-se-nos que o crime pelo qual o arguido foi condenado neste processo (praticado entre as 23h00 do dia 14 de março de 2021 e as 06h00 do dia 15 de março de 2021), está em relação de concurso com os crimes pelos quais foi sancionado nos processos 589/20.8..., 283/22.5..., 89/22.1..., 4815/20.5... e 401/18.8...».
Na página 18, onde consta:
«No que tange aos factos é relevante a circunstância de se tratarem de vários crimes de furto (simples e qualificado) …»
Deve passar a constar:
«No que tange aos factos é relevante a circunstância de se tratarem de vários crimes de furto (qualificado) …»
[VII] De acordo com a factualidade provada, que aqui damos por integralmente reproduzida, o arguido AA sofreu as seguintes condenações:
Processo | Trânsito | Data dos factos | Crimes | Penas de prisão |
137/21.2... | 13/06/2024 | 14-15/03/2021 | Furto qualificado (204/2/e CP) | 2 anos e 6 meses |
589/20.8... | 21/09/2023 | 30/08/2020 | Furto qualificado (204/2/e CP) | 2 anos e 3 meses |
283/22.5... | 12/09/2023 | 17/05/2022 | Furto qualificado tentado (204/2/e CP) | 1 ano e 2 meses |
89/22.1... | 25/05/2023 | 04/07/2021 25/01/2022 25/01/2022 | Furto qualificado (204/2/e CP) Furto qualificado (204/2/a/e CP) Furto qualificado (204/1/a/2/e CP) | 2 anos e 6 meses 3 anos e 6 meses 3 anos |
4815/20.5... | 24/02/2023 | 03-04/09/2020 | Furto qualificado (204/2/e CP) | 2 anos e 6 meses |
401/18.8... | 01/07/2022 | 23/07/2018 | Furto qualificado (204/2/e CP) | 2 anos e 8 meses (suspensa na execução por igual período com regime de prova) |
(…)
Na ponderação do exposto, evidenciando-se já nos factos alguma predisposição para a prática reiterada de crimes por parte do arguido, não cremos que a pena de 9 anos e 3 meses de prisão fixada pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ..., situada ligeiramente acima do primeiro terço da moldura penal do concurso que tem como limites mínimo e máximo 3 anos e 6 meses de prisão e 20 anos e 1 mês de prisão, respetivamente, pecasse por excesso.
Importa, no entanto, referir o seguinte.
Entre os processos incluídos no cúmulo conta-se o processo 401/18.8... no qual o arguido, por sentença transitada em 1 de julho de 2022, foi condenado pela prática, em 23 de julho de 2018, de um crime de furto qualificado previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na execução, com regime de prova, por igual período de tempo.
E na verdade, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de que as penas de prisão suspensas que estejam em execução entram na formação da pena única nos concursos supervenientes (v. o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2025, processo 116/12.0GAVNF.1.G1.S1, relatado pelo conselheiro José Carre-to, não publicado, que seja do nosso conhecimento, em qualquer base de dados, com referência a jurisprudência sobre o tema).
À data em que o acórdão recorrido foi proferido o prazo de suspensão de execução da pena do processo 401/18.8... ainda se encontrava em curso (embora a menos de três meses do seu termo final) e o tribunal coletivo, compreensivelmente, apenas abordou a questão do respetivo desconto:
(…)
Ocorre que, entretanto, em 1 de março de 2025, esgotou-se o prazo da suspensão, sendo certo que, segundo os elementos de facto disponíveis, o arguido não cometeu qualquer crime após 1 de julho de 2022.
Ora, diante dessa nova realidade, muito embora a questão não tivesse de ser ponderada no acórdão recorrido nem seja objeto do recurso, entendemos que, para já, a pena do processo 401/18.8... deve ser excluída do cúmulo enquanto não for proferido despacho a revogá-la ou a prorrogar o respetivo prazo (nesse sentido apontam os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2010, processo 16/06.3GANZR.C1.S1, e de 29 de março de 2012, processo 117/08.3PEFUN-C.S1, ambos relatados pelo conselheiro Santos Carvalho, www.dgsi.pt).
Em resultado do que vem de ser exposto, face à consequente compressão da extensão temporal do ilícito global e da moldura abstrata do concurso, cujo máximo passa a ser de 17 anos e 5 meses de prisão, estamos convictos de que uma pena conjunta de 8 anos de prisão revela-se ajustada aos critérios legais dos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.ºs 1 e 2, e 77.º, n.º 1, todos do Código Penal e ao princípio da proporcionalidade que deve presidir à determinação da pena.
São termos em que, embora por motivos distintos dos invocados pelo recorrente, se emite parecer no sentido da procedência do recurso.»
6. Notificado tal parecer ao arguido, para, querendo, se pronunciar, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o mesmo nada veio dizer ou requerer.
7. Não tendo sido requerida audiência, colhidos os vistos, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
8. Encontram-se provados, no acórdão recorrido do tribunal de 1.ª Instância, os seguintes factos (transcrição):
«1. O arguido, nos presentes autos nº 137/21.2..., por decisão proferida em 14.05.2024 transitada em 13.06.2024, foi condenado em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º 2, alínea e), com referência ao artigo 203.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva., bem como no pagamento ao Estado do valor de €402,00 (quatrocentos e dois euros), pela prática dos seguintes factos:
- No período compreendido entre as 23 horas do dia 14-03-2021 e as 6 horas do dia 15-03-2021, o arguido dirigiu-se à habitação sita na Rua ..., na freguesia de ..., no concelho de ..., na área desta Comarca do Porto, pertencente a BB, tendo em vista apropriar-se dos objectos que aí se encontrassem.
- Ali chegado, o arguido deslocou-se ao terraço existente na parte de trás da habitação e, fazendo uso das mãos, retirou dois vidros das janelas que compunham a marquise instalada na varanda da habitação e colocou-os em cima do telhado da habitação. Após, entrou na habitação e dirigiu-se a um quarto de dormir e daí retirou e fez seus os seguintes objectos, de que se apoderou:
- Trezentos euros em notas e moedas do Banco Central Europeu que se encontravam no interior de um mealheiro;
- Dois telemóveis de marca Apple, modelo Iphone 5s, um de cor branca e outro de cor preta, de valor global não concretamente apurado, mas não inferior a 102,00€.
- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de fazer seus, como fez, todos os objectos supra-referidos, que retirou, nas circunstâncias descritas, do interior da habitação mencionada em 1., bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.
- Ao subir ao terraço que se localiza na parte de trás da habitação e ao retirar, como descrito, os dois vidros das janelas que compunham a marquise da habitação, o arguido fê-lo com o propósito
de facilitar a sua entrada no interior da mencionada habitação e de, também assim mais facilmente, daí retirar os objectos de que se apoderou, como quis e conseguiu, efectivamente, fazer.
- O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se abstendo, porém, de assim actuar.
- Em consequência directa e necessária da descrita conduta do arguido, obteve este uma vantagem patrimonial de €402,00 (quatrocentos e dois euros), a que sabia não ter direito, equivalente ao valor subtraído do dito mealheiro e ao valor dos telemóveis subtraídos.
- O dinheiro e os telemóveis não foram recuperados.
- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.
2. No processo nº 589/20.8..., por sentença proferida em 06.07.2023, transitada em julgado em 21.09.2023, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 202.º, alínea e), 203.º e 204.º, n.º2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática dos seguintes factos:
- No dia 30-08-2020, em hora não concretamente apurada, mas entre as 01h10 e as 8h00, o arguido, através do escalamento da varanda e da quebra da fechadura das portas da varanda, introduziu-se no interior da residência sita na rua ..., em ..., na ..., propriedade dos ofendidos CC e DD.
- Já no respectivo interior da residência retirou os seguintes objectos, que fez seus:
i. um tablet da marca “Samsung” no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros);
ii. um telemóvel de marca “Xiaomi” modelo “Redmi Note 7” no valor de €220,00 (duzentos e vinte euros);
iii. um tablet de marca “Ntech Alexis” no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros);
iv. um telemóvel da marca “Samsung” modelo “S7” de cor preta no valor de €750,00 (setecentos e cinquenta euros);
v. duas máquinas de fumar “IQOS” no valor de €40,00 (quarenta euros);
vi. um telemóvel de marca “Samsung” modelo “S7” de cor dourada no valor de €750,00 (setecentos e cinquenta euros);
vii. um computador portátil de marca “Toshiba” no valor de €400,00 (quatrocentos euros);
viii. uma mochila com uma carteira no interior contendo vários cartões bancários titulados por CC.
- Os descritos objectos perfazem no total o valor global de €2.860,00 (dois mil, oitocentos e sessenta euros)
- Na posse de tais bens, o arguido abandonou o local integrando-os no seu património.
- O arguido agiu, através da conduta descrita, com o propósito concretizado de fazer seus os objectos supra descritos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade dos seus legítimos proprietários.
- O arguido agiu, ainda, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, manifestando arrependimento.
3. O arguido foi condenado pela prática em autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelo(s) artigo(s) 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 202.º, al. e), e 22.º, n.ºs 1, e 2, al. c), e 23.º, 73.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, no âmbito do processo nº 283/22.5..., por decisão proferida em 27.06.2023, transitada em julgado em 12.09.2023, pela prática dos seguintes factos:
- No dia 17 de maio de 2022, pelas 04h30, o arguido AA deslocou-se à residência de EE e FF, sita na 2.ª Travessa, com o intuito de aceder ao interior da mesma e de se apropriar dos bens que ali se encontrassem.
- Assim, uma vez ali chegado, o arguido transpôs o muro que separa, na zona das traseiras, a residência de EE e FF da residência contígua a esta e sita na 3.ª Travessa, tendo acedido ao patamar/placa existente na residência dos ofendidos e que serve de cobertura desta.
- Em ato contínuo, o arguido percorreu o patamar/placa, tendo acedido a uma escadaria aí existente e que permite o acesso a um pátio interior/jardim de inverno, situado no meio da residência mencionada em 1.
- O arguido desceu a escadaria, e deambulou pelo pátio interior, tendo aberto uma das portas aí existentes e que permite o acesso a uma sala de arrumos.
- O arguido entrou na referida sala, e mexeu nos bens que se encontravam nessas divisões.
- De seguida, e já no pátio interior da residência, o arguido acabou por ser surpreendido pelo FF e de imediato colocou-se em fuga, tendo percorrido o muro lateral da residência, saltado o portão da entrada, e ausentando-se para parte incerta.
- Na mencionada residência, casa de morada de família dos ofendidos, e em concreto, na zona do pátio interior, encontravam-se, à data, bens móveis de montante não concretamente apurado, mas de valor pelo menos superior a €102,00.
- Na aludida divisão, encontravam-se, pelo menos, duas máquinas a motor utilizadas por FF na construção civil, fáceis de transportar pela mão e com valor aproximado de €150,00 (cento e cinquenta euros).
- O arguido agiu com o propósito de se introduzir em local que sabia lhe estava vedado e fazer seus os bens que se encontrassem no interior da residência, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que agia sem o consentimento e contra a vontade dos seus proprietários, só não logrando atingir os seus intentos por motivos alheios à sua vontade.
- O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
4. O arguido, no processo nº 89/22.1..., por decisão proferida em 12.01.2023, transitada em julgado em 25.05.2023, foi condenado pela prática, em autoria material e concurso real, de:
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art.º 202.º, al. e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos de 4 de julho de 2021);
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, alíneas a) e e), por referência ao art.º 202.º, al. b) e al. e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos de 25/1/22, relativos à ofendida GG);
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, nº 2, al. e) e n.º 1, al. a), por referência ao art.º 202.º, al. a) e al. e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos de 25/1/22, relativos aos ofendidos HH e II).
- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática dos seguintes factos:
Apenso B – Proc. nº 607/21.2...
- No dia 4 de Julho de 2021, o arguido dirigiu-se à habitação sita na Travessa ...., em ..., propriedade de JJ e, após proceder à abertura da janela da lavandaria e do gradeamento interior, nela se introduziu, retirando e levando consigo os seguintes artigos:
i. uma mala de mão de senhora no valor de € 30,00 (trinta euros);
ii. A quantia de € 200,00 (duzentos euros);
iii. Um envelope que continha a quantia monetária de, pelo menos, € 800 (oitocentos euros);
iv. um telemóvel de marca Xiaomi, modelo Redmi 9, de cor carbon grey, de valor em
concreto não apurado;
v. um computador de marca e valor não concretamente apurados; vi. um monitor de marca e valor não concretamente apurados;
vii. um fio em ouro e um par de brincos em ouro, de valor não concretamente apurado.
- A mala referida no ponto i) foi recuperada.
Apenso A – Proc. nº 64/22.6...
- Entre as 4h00 e as 5h00 do dia 25 de Janeiro de 2022, o arguido dirigiu-se à residência de GG, localizada na Rua ... em ..., na ..., e, após ter aberto a janela da cozinha, com o auxílio de um pau e de um arame, retirou do interior da habitação uma mala de senhora, no valor de, pelo menos, € 125 (cento e vinte e cinco euros), que continha no seu interior:
i.Dez cheques emitidos no valor total de € 2.800 (dois mil e oitocentos euros), os quais foram cancelados pela ofendida;
ii. A quantia monetária de € 200 (duzentos euros);
iii. Um par de AirPods no valor de € 120 (cento e vinte euros);
iv. Uma pulseira em prata de valor não concretamente apurado;
v. Dois carregadores de telemóvel de valor em concreto não apurado;
vi. Um par de óculos de sol da marca Ray Ban, no valor de € 180 (cento e oitenta euros);
vii. Um relógio de marca Calvin Klein, de cor prateada, de valor, em concreto, não apurado; e
viii.As chaves do veículo de marca Peugeot, modelo 2008, com a matrícula ..-68-...
- O arguido retirou do interior da mencionada mala todos estes objectos e valores e levou-os consigo, fazendo deles coisa sua.
- E deixou a mala na rua, local onde a ofendida a veio a recuperar.
- De seguida, na posse das chaves do veículo de matrícula ..-68-.., valorado em € 32.000 (trinta e dois mil euros), que se encontrava estacionado na mesma rua, o arguido abriu-o e introduziu-se no seu interior, após o que o levou consigo, fazendo dele coisa sua.
- Esse veículo veio a ser localizado no dia 25/1/22, pelas 22:00 horas, e entregue à ofendida.
Processo principal
- No mesmo dia 25 de Janeiro de 2022, no período compreendido entre as 05h:30 e as 7h00, o arguido, conduzindo o veículo com a matrícula ..-68-.., dirigiu se à residência sita na Rua de ..., em ..., propriedade de HH e II, e, após transpor o muro de vedação e de forçar a abertura da janela da marquise, acedeu ao respectivo interior, de onde retirou e levou consigo:
i. Uma mala de senhora de valor não concretamente apurado;
ii. Um relógio de marca Breitling Chronomat, no valor de € 7.900 (sete mil e novecentos euros);
iii. Um relógio de marca Cásio, no valor de € 70 (setenta euros);
iv. Um relógio de marca Montblanc Star, no valor de € 2.800 (dois mil e oitocentos euros);
v. Um relógio de marca Longines HydroConquest, no valor de € 1.190 (mil cento e noventa euros);
vi. Um relógio de marca Longines Conquest, no valor de € 1.400 (mil e quatrocentos euros);
vii. Um relógio de marca One, no valor de € 100 (cem euros);
viii.Um relógio de marca Tissot Sea Star, no valor de € 585 (quinhentos e oitenta e cinco euros);
ix. Um relógio de marca Ferrari Scuderia, no valor de € 485 (quatrocentos e oitenta e cinco euros);
x. Dois relógios de marca Calvin Klein Bold, um masculino com o nome “II” e outro feminino com o nome “HH”, cada um no valor de € 250;
xi. Um Smart Wach de marca Apple Serie III, no valor de € 500 (quinhentos euros);
xii. Um relógio de marca Michael Kors, de cor dourada, no valor de € 400 (quatrocentos euros);
xiii.Um relógio de marca Tissot, PRS 100, no valor de € 500 (quinhentos euros);
xiv.Um relógio de marca Calvin Klein de senhora, com pulseira em pele branca, no valor de € 270,00 (duzentos e setenta euros).
-Desses objectos foram recuperados os seguintes: a mala de senhora; relógio de marca Breitling Chronomat; relógio de marca Longines Hydroconquest; relógio de marca Longines Conquest; relógio de marca Tissot Sea Star; relógio de marca Tissot, PRS 100; relógio de senhora da marca Calvin Klein; relógio de marca Ferrari Scuderia.
- Ao agir da forma supra descrita, o arguido actuou de modo livre e consciente, com o propósito de se introduzir nas habitações dos ofendidos e de fazer seus os objectos e o dinheiro que dali retirou, bem como o veículo de matrícula ..-68-.., não obstante saber que tais objectos, dinheiro e veículo não lhe pertenciam e que não lhe era permitido aceder àquelas habitações, sabendo que ao assim proceder agia contra a vontade dos respectivos proprietários.
- O arguido sabia que todas essas suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
5- No processo nº 4815/20.5..., por sentença proferida em 25.01.2023, transitada em julgado em 24.02.2023, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, p.e p. pelo artigo 203.º, n.º1, e 204.º, n.º2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, pelos seguintes factos:
- Entre as 22h00 do dia 03.09.2020 e as 9h00 do dia 04.09.2020, o arguido dirigiu-se à residência sita na Travessa ..., em ..., pertencente a KK e, aí chegado, saltou pelo muro que dá acesso ao terraço forçou a porta da lavandaria com recurso a meio não concretamente apurado e por ela introduziu-se no interior da residência.
- Ato contínuo, o arguido apoderou-se e levou consigo os seguintes bens, que aí se encontravam:
- uma máquina de tabaco, da marca “IQOS”, com o número de série
..........9K, de valor desconhecido;
- uma coluna de som da marca “Sony”, com o número de série P-.......52-G, de valor desconhecido; e
- um computador portátil da marca “HP”, no valor não concretamente, apurado,
mas entre os €700 e os €800.
- O arguido actuou com a intenção de se apoderar dos bens que subtraiu, integrando-os no seu património, o que conseguiu.
-O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
- Sabia que os bens de que se assenhoreou, com o propósito de fazer seus, não lhe pertenciam e que agia sem autorização e contra a vontade da sua legítima dona, não lhe assistindo qualquer direito.
- Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6. No processo nº 401/18.8..., por sentença proferida em 13.07.2021, transitada em julgado em 01.07.2022, foi o arguido condenado pela prática, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, pela prática dos seguintes factos:
- No dia 23 de julho de 2018, o arguido decidiu entrar na habitação pertencente a LL, situada na Rua ..., em ..., sem autorização da dona e apropriar-se dos objetos que ali encontrasse.
- Assim, em execução da sua decisão, entre as 00h30m e as 09h do dia 23 de julho de 2018, o arguido acedeu ao pátio da referida residência e, uma vez, aí, aproximou-se de uma janela, situada no rés-do-chão da casa, a qual estava ligeiramente aberta, mas protegida com grade em ferro.
- O arguido, apoiando-se numa cadeira e num jarro em cerâmica, colocados por de baixo da janela, dobrou, com as suas mãos, as grades da janela e dessa forma conseguiu passar as grades e abriu a janela que não estava fechada.
-De seguida, o arguido entrou na residência, tendo-se deslocado para a cozinha e de onde subtraiu a quantia monetária de € 90,00, 4 maços de tabaco, no valor de € 17,20 e as chaves da viatura automóvel de matricula ..-..-PO, marca WV Polo, no valor aproximado de € 50,00.
-Após, o arguido saiu da casa da mesma forma como entrou, levando consigo a quantia monetária de € 90,00, os maços de tabaco a chave do automóvel e, ainda, o referido veículo, que se se encontrava estacionado na via pública, fazendo-os seus.
-Na data, o veículo automóvel tinha o valor aproximado de € 3.000 (três mil euros), tendo o mesmo sido encontrado no dia 24 de janeiro de 2019 na Rua ..., em mau estado de conservação, o qual foi entregue à ofendida.
-Os demais objetos não foram recuperados pela ofendida.
-Ao atuar da forma descrita, o arguido sabia que entrava numa habitação que não era sua, através de uma janela que não é destinada á entrada de pessoas e que dava acesso ao seu nterior.
-Mais sabia o arguido que a sua entrada na casa não era consentida pela dona da mesma, bem sabendo que se apropriava de objetos, dinheiro e veiculo automóvel que não lhe pertenciam, fazendo-os seus e que atuava contra a vontade do legitimo dono, o que quis e concretizou.
-O arguido atuou de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
7. Do percurso de vida do arguido:
No período anterior à reclusão, AA vivia uma situação socio-habitacional instável, devido ao exercício das suas funções laborais, em montagem e desmontagem de diversões, decorridas em diferentes localidades e conforme o calendário dos eventos e romarias festivas.
Actualmente ao seu agregado foi atribuída uma habitação social, sita na Rua ..., aí reside a companheira com os 3 descendentes, sendo que o mais velho é fruto de um relacionamento anterior dela. Trata-se de um apartamento de tipologia 3 pelo qual a companheira paga 4,80€ de renda.
A companheira de AA encontra-se desempregada, aufere o RSI em valor global de 520€ e em paralelo realiza vendas de produtos recorrendo às redes sociais. Acrescem os abonos dos três filhos, num valor global de 490€. MM refere contar com o apoio da família alargada.
O processo de socialização de AA apresenta vulnerabilidades relevantes, como a ausência de laços familiares, instabilidade socio habitacional e tendência para incidir em comportamentos ilícitos, associados às sucessivas condenações e persistência de uma carreira criminal desde 2006
A rede informal de suporte de AA circunscreve-se à companheira e aos descendentes, estando a companheira, ultrapassados problemas conjugais, a apoiá-lo por acreditar na sua capacidade de mudança.
AA cumpre no EP... desde 03-06-2022 a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão à ordem do Processo 89/22.1..., decisão transitada em julgado em 25-05-2023, pela prática do crime de furto qualificado.
Em meio prisional, o arguido assume uma conduta de adequação às regras de funcionamento prisional exercendo actividade laboral no sector da cozinha desde 09-11-2022.
A proximidade relacional tem sido mantida tanto por contactos telefónicos como por um regime regular de visitas, efectuadas pela companheira, pelo enteado e pelos dois filhos do casal.
8. Além das condenações supra referidas, o arguido sofreu ainda as seguintes condenações:
O arguido já sofreu as seguintes condenações:
- Proc. nº 914/06.4..., por sentença proferida em 12.12.2006, transitada em julgado em 09.01.2007, pela prática em 12.12.2006 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 45 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, perfazendo o total de 225,00 euros, já declarada extinta pelo cumprimento em 11.02.2008;
- Proc. nº 430/11.2..., por sentença proferida em 16.06.2011, transitada em julgado em 12.07.2011, pela prática em 15.06.2011 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros, perfazendo o total de 540,00 euros, já declarada extinta pelo cumprimento em 10.05.2013;
- Proc. nº 9/11.9..., por sentença proferida em 09.07.2012, transitada em julgado em 02.10.2012, pela prática em 28.01.2011 de um crime tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade e de um crime de desobediência, na pena de 15 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, perfazendo o total de 500, euros, já declaradas extintas pelo cumprimento em 02.01.2014 e 16.05.2013, respetivamente;
- Proc. nº 3535/12.9..., por sentença proferida em 20.09.2013, transitada em julgado em 29.09.2014, pela prática em 26.09.2012 de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução agravado, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, perfazendo o total de 1.100,00 euros, posteriormente substituída pela pena de 146 dias de prisão subsidiária, já declarada extinta pelo cumprimento em 10.05.2016;
- Proc. nº 1478/14.0..., por sentença proferida em 07.07.2016, transitada em julgado em 22.09.2016, pela prática em 10.10.2014 de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, perfazendo o total de 500,00 euros, já declarada extinta pelo cumprimento em 12.04.2021.
- Proc. nº 577/14.3..., por sentença proferida em 30.03.2017, transitada em julgado em 07.10.2021, pela prática em 11.04.2014 de dois crimes de ofensa à integridade física simples, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros, perfazendo o total de 840,00 euros, posteriormente substituída pela pena de 93 dias de prisão subsidiária, já declarada extinta pelo cumprimento em 31.03.2023;
- Proc. nº 246/21.8..., por sentença proferida em 12.04.2021, transitada em julgado em 12.05.2021, pela prática em 10.04.2021 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e com sujeição a regime de prova, prorrogada na suspensão por 1 ano, já declarada extinta pelo cumprimento em 04.01.2024;
- Proc. nº 1344/15.2..., por acórdão proferido em 14.06.2017, transitado em julgado em 24.05.2021, pela prática em 06.08.2015 de um crime de furto qualificado; e pela prática em 28.08.2015 de um crime de furto simples, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, já declarada extinta pelo cumprimento em 14.06.2017.»
Impõe-se apreciar os fundamentos do recurso do arguido.
II.2. Mérito do recurso
9. O âmbito dos poderes de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21-02).
Tendo-se analisado o acórdão recorrido, não se pode dizer que enferme de nulidade por falta de fundamentação, ou de qualquer outra das previstas no artigo 379.º, n.º 1, do CPP, sendo certo que o recorrente as não suscita, bem como qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
10. Da motivação e das conclusões do recurso interposto pelo arguido AA, podemos inferir que o mesmo pretende sindicar o acórdão recorrido, relativamente à decisão de matéria de direito, exclusivamente quanto à medida da pena única aplicada ao cúmulo jurídico das penas parcelares dos crimes pelos quais foi condenado.
Pugna para que lhe seja aplicada uma pena (conjunta) não superior a 7 (sete) anos de prisão.
Em suma, faz incidir a essência da sua argumentação no sentido em que a pena única aplicada é desproporcional à gravidade dos crimes.
Teria o arguido praticado todos os crimes de furto «(…) num curto período de tempo, isto é, em 23-7-2018,30-08-2020, 03-09-2020, 14-03-2021, 04-07-2021,25-01-2021 e 17-05-2022», sempre tendo confessado e mostrado arrependimento.
Expõe o arguido a ideia de que a «(…) pena em que o arguido acabou condenado é exagerada porque excedeu em muito a medida da culpa, e nesse sentido, consideramos que o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 do Código Penal, o que desde já aqui referimos para os termos e efeitos do disposto no artigo 412.º número 2 alíneas a) e b) do Código Processo Penal.»
Por outro lado, destaca a circunstância do quadro de carência económico-social do seu agregado familiar o ter “atirado” para a prática de crimes, referindo existir «(…) uma menor densidade quanto à medida da culpa do arguido na prática dos mesmos, o que por sua vez, se refletirá necessariamente na medida da pena a aplicar, ou seja, o grau de ilicitude determina a culpa e esta por sua vez fundamenta a pena, conforme os artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 alínea a) do Código Penal.»
Por fim, pretende sublinhar as reduzidas exigências de prevenção especial, dado estar integrado ocupacionalmente no estabelecimento prisional, desempenhando tarefas na cozinha, porquanto a interiorização das regras de conduta e funcionamento prisional e do tempo passado em reclusão, que fazem que possa interiorizar melhor os seus crimes, bem como o desvalor das suas condutas.
O arguido sente uma discrepância entre os critérios de aplicação da pena única e os que nortearam a aplicação das penas parcelares, nas quais, «(…) depois de ponderada a culpa, o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, as exigências de prevenção, os factos, a conduta do arguido e a sua personalidade, em relação a cada um dos crimes, a decisão dos julgadores foi sempre a de se punir o arguido com uma pena, que nunca andou muito longe dos mínimos legais da moldura penal máxima abstratamente possível de aplicar.»
Entende, assim, que deve ser condenado numa pena, apenas ligeiramente inferior, a metade do limite máximo do somatório de todas as penas parcelares apreciadas.
Pretende que se reconheça que o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 71.º números 1 e 2, e 77.º, números 1 e 2 do Código Penal.
O Ministério Público junto da instância recorrida e neste Supremo Tribunal opõe-se à redução da pena aplicada, que consideram ter sido fixada em medida justa e adequada.
Todavia, o Senhor Procurador-geral-adjunto junto deste STJ vem suscitar a questão de a pena suspensa aplicada no processo n.º 401/18.8... – de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, mediante regime de prova – dever ser excluída da operação de cúmulo jurídico, uma vez que embora ainda em cumprimento na data do acórdão cumulatório recorrido, viu esgotar-se o período de suspensão em 1 de março de 2025, reportando-se como fundamento a jurisprudência de dois acórdãos deste STJ, de 29 de abril de 2010, processo 16/06.3GANZR.C1.S1, e de 29 de março de 2012, processo 117/08.3PEFUN-C.S1, ambos relatados pelo Conselheiro Santos Carvalho, www.dgsi.pt).
Nessa medida, «(…) face à consequente compressão da extensão temporal do ilícito global e da moldura abstrata do concurso, cujo máximo passa a ser de 17 anos e 5 meses de prisão, estamos convictos de que uma pena conjunta de 8 anos de prisão revela-se ajustada aos critérios legais dos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.ºs 1 e 2, e 77.º, n.º 1, todos do Código Penal e ao princípio da proporcionalidade que deve presidir à determinação da pena.»
Importa tomar posição quanto a esta objeção, que consubstancia uma “quase questão prévia”, sendo certo que o arguido nada disse a tal respeito.
Nos autos, foi efetuado um cúmulo jurídico superveniente que englobou uma pena de prisão de 2 anos e 8 meses, suspensa na sua execução (mediante regime de prova), concretamente, no processo n.º 401/18.8..., a qual não tinha, na data do acórdão cumulatório, atingido o termo do período de suspensão.
Esta pena, recorde-se, é a pena cuja decisão condenatória transitou em julgado em primeiro lugar (01-07-2022), relativamente às demais penas que integram a relação de cúmulo jurídico.
Diversamente de um setor minoritário da jurisprudência do STJ – que entendia que sendo a suspensão de execução da pena e a pena de prisão de espécies diferentes, pelo que não podem ser cumuladas, ao menos sem previamente o tribunal competente ter determinado a revogação da suspensão nos termos do artigo 56.º do Código Penal (cfr. Acórdãos de 02-06-2004, Proc. n.º 1391-04, da 3.ª Secção, CJACSSTJ, Ano XII, t. 2.º 2004, p. 217 e de 20-04-2005, Proc. 04P4742, este disponível em www.dgsi.pt) –, a corrente amplamente maioritária na defesa da orientação tradicional, sustenta o entendimento de que as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão, só no final se decidindo se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução (cfr. acórdãos de 02-03-2006, Proc. n.º 186/06, da 5.ª Secção; de 05-04-2006, Proc. n.º 101/06, da 3.ª Secção; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06, da 5.ª Secção, todos disponíveis nos Sumários dos Acórdãos; de 04-12-2008, Proc. n.º 08P3628, da 5.ª Secção; de 14-01-2009, Proc. n.º 08P3975, da 5.ª Secção e de 16-11-2011, Proc. n.º 150/08.5JBLSB.L1.S1, da 3.ª Secção; de 21-03-2013, processo 153/10.0PBVCT.S1; de 25-09.2013, processo 1751/05.9JAPRT.S1; de 12-06-2014, processo 300/08.1GBSLV.S2). Como é sublinhado no Acórdão do STJ de 23-11-2010, Proc. n.º 93/10.2TCPRT.S1, “de acordo com posição dominante, a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles”, posição mantida no Acórdão do mesmo Tribunal de 11-05-2011, Proc. n.º 1040/06.1PSLSB.S1, ambos relatados pelo Conselheiro Raúl Borges.
Ressalvam-se, porém, as situações em que as penas suspensas já tenham sido anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, pois nesses casos o englobamento dessas penas no cúmulo jurídico afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que as declarou extintas (cfr. Acórdão do STJ, de 12-06-2014, Proc. n.º 300/08.1GBSLV.S2).
Esta é também a doutrina de Figueiredo Dias, segundo o qual, num concurso de crimes as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se devendo ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, atualmente de cinco anos) e o pressuposto material: prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva» [cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Lisboa, Aequitas-Ed. Notícias, 1993, pp. 285 (§ 409), 290 (§ 419) e 295 (§ 430)].
A referida jurisprudência maioritária assenta na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já decidiu não ser inconstitucional (cfr. o Acórdão n.º 3/2006, de 03-01-2006, in www.tribunalconstitucional.pt).
Este tem sido o entendimento jurisprudencial maioritário (Cfr., também, Acs. do STJ de 17-10-2012, proc. n.º 1236/09.4PBVFX.S1; rel. Cons. Raúl Borges e de 11-10-2017; Proc. n.º 2678/16.4T8CSC.L1.S1; rel. Cons. Manuel Matos).
Em situações como as do caso vertente nos autos, tem sido entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, quando não decorreu ainda o período de suspensão da execução da pena, deve realizar-se o cúmulo jurídico de penas. Convoca-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-10-2012, proc. n.º 1236/09.4PBVFX.S1 – Rel. Cons. Raúl Borges, onde se indica abundante jurisprudência em abono da posição maioritária, nos termos seguintes:
«Como é sabido, não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso, crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração de tais penas no cúmulo jurídico pressupõe ou não a anterior revogação da suspensão.(...)
A posição predominante é no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.
De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles».
Na doutrina, é este o entendimento maioritário.
Assim, considera FIGUEIREDO DIAS que, quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, “torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída” e que “de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político - criminalmente ser substituída por pena não detentiva” e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, “a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial” [(9) Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª reimpressão, Coimbra Editora, Setembro 2013, pp. 285, 290 e 295.]
PAULO DÁ MESQUITA concorda com a orientação dominante na jurisprudência maioritária que sustenta a efectivação do cúmulo jurídico de penas de prisão cuja execução foi suspensa.
Segundo este autor, “A suspensão da execução da pena de prisão deve ser qualificada como uma pena de substituição, que, como Anabela Rodrigues esclarece [Critério de Escolha das penas de Substituição, Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, vol. I, Coimbra, 1984, p. 33, nota 29], dogmaticamente são “penas aplicadas na sentença condenatória, substituindo a execução das penas de prisão e multa, enquanto penas principais, concretamente determinadas”, daí que só razões de prevenção especial e geral estejam na base da escolha das penas de substituição.
Sublinhe-se por outro lado que o caso julgado que não pode ser atingido circunscreve-se à medida da pena parcelar concretamente aplicada e não abrange a forma da sua execução.
Ou seja, a suspensão da execução da pena não é uma pena de natureza diferente da pena de prisão efectiva. Pelo que não existe nenhum fundamento para excepcionar o art. 78º em casos em que uma das penas a cumular tem a sua execução suspensa, pois não se trata de cúmulo jurídico de penas compósitas”.
No caso do instituto da suspensão da execução da pena (artigos 50.º e segs. do Código Penal), “a pena aplicada é uma pena de prisão (cuja execução fica suspensa), pelo que, conclui o autor que se vem citando, não existe obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão, cuja execução foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão”. Trata-se de uma solução «que melhor se adequa à avaliação global da personalidade do arguido no momento da escolha da pena, e a dogmaticamente correcta, pois […] o cúmulo jurídico não é “a forma de execução das penas parcelares (-), mas um caso especial de determinação da pena” [(10 O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, pp. 95-98].
Neste sentido, igualmente se pronunciou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE quando refere não se colocar qualquer questão de violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução. «Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena conjunta a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações, bem como num concurso de crimes de conhecimento superveniente, pode proceder-se à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva» [(11) Comentário do Código Penal, 3.ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pp. 381-382]
No mesmo sentido se pronuncia ANDRÉ LAMAS LEITE, referindo que o caso julgado em tais circunstâncias não se encontra recoberto por um carácter de absoluta intangibilidade, mas sim por uma cláusula rebus sic stantibus [(12) “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, pp. 608-610].
Também TIAGO CAIADO MILHEIRO considera que «[q]uando se verifica uma situação de conhecimento superveniente [de crimes] significa que os julgamentos parcelares que conduziram às penas parcelares foram necessariamente incompletos já que ao não atenderem a todos os crimes perpetrados (…), o juízo de prevenção realizado poderá estar incorrecto» [(13) Cúmulo Jurídico Superveniente – Noções Fundamentais, Almedina, p.106], acrescentando:
«Justamente, porque o conhecimento superveniente de penas permite aplicar uma pena única, que responda às efectivas necessidades de prevenção, e não se formando caso julgado no que concerne às penas parcelares, todas as operações de substituição realizadas nos julgamentos parcelares são “anuladas”, devendo atender-se às penas principais, quer de prisão, quer de multa». Pelo que, prossegue o mesmo autor, «as penas de prisão parcelares suspensas na execução, substituídas por trabalho a favor da comunidade, por multa, por proibição de exercício de funções ou actividade ou executadas em regime de permanência na habitação, dias livres ou em regime de semi-detenção, readquirem a sua autonomia e passam a ser consideradas per si no cúmulo jurídico superveniente».
Deverá, pois, atender-se no cúmulo jurídico superveniente à medida das penas principais. Para o autor que se vem acompanhando, «só aquando da determinação da pena única é o que o tribunal equacionará a possibilidade e conveniência da substituição» [(14) Idem, p.107.].
Cumprirá ainda sublinhar que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 3/2006, de 3 de Janeiro de 2006, decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações.
Em suma, a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, pelo tribunal que procede à realização do cúmulo.»
No caso vertente nos autos, aquando da realização do cúmulo jurídico, pelo acórdão recorrido (10-12-2024), o período de suspensão da execução da pena aplicada no processo n.º 401/18PBVLG, ainda não decorrera, pelo que, obviamente, não poderia ter sido declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, prorrogada ou prescrita.
Tal pena deveria, assim, integrar, como integrou, o cúmulo jurídico, como corretamente se fez no acórdão recorrido, solução da qual o Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ não discorda.
Considerar, agora, perante a circunstância de ter sido atingido o limite do período de suspensão de tal pena, que a mesma deveria ser eliminada da operação de cúmulo jurídico realizada, como sugerido pelo Ministério Público, parece-nos que não corresponderia a um exercício de reapreciação da decisão recorrida, mas, antes, significaria, um novo juízo perante um facto superveniente à decisão recorrida.
De resto, a jurisprudência invocada pelo Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ no seu parecer, aborda a questão da (não) inclusão de penas suspensas em cúmulos jurídicos, mas no pressuposto de as mesmas já terem atingido o termo do período de suspensão aquando da realização do cúmulo jurídico em 1.ª instância, o que não tem aplicação ao caso dos autos.
Ao invés, o STJ tem-se pronunciado, de forma praticamente unânime, no sentido da inclusão no cúmulo das penas de prisão suspensas na sua execução cujo prazo de suspensão se mantenha em curso (cfr., entre muitos outros, Acs. do STJ de 16-06-2016, proc. n.º 670/09.4JACBR-B.S1, de 04-01-2017, proc. n.º 519/10.5JDLSB.S1, de 18-05-2017, proc. n.º 17699/16.9T8PRT.S1, de 06-09-2017, proc. n.º 85/13.0PJLRS-B.S1, de 28-09-2017, proc. n.º 302/10.8TAPBL.S1, de 11-10-2017, proc. n.º 72/11.2GCGMR.1.S1, e de 12-12-2018, proc. n.º 734/14.2PCLRS.S1, este último indicando outra jurisprudência do STJ, de 20-03-2025, proc. n.º 851/18.0T9BRG.S1), colocando-se a questão da manutenção desta suspensão em relação à pena única e «nada obstando a que no julgamento conjunto determinante da pena única, se conclua pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão efectiva, isto é, seja precludida a suspensão» (cfr., assim, entre outros, Acs. do STJ de 11-10-2017, proc. n.º 72/11.2GCGMR.1.S1, de 17-05-2017, proc. n.º 1262/11.3GAVNG.P1.S1, e de 26-06-2019, proc. n.º 206/16.0PALGS.S2), interpretação esta não julgada inconstitucional pelos Acs. do Tribunal Constitucional n.ºs 3/2006 e 341/2013.
A circunstância, aleatória, de, na fase do recurso, ter sido atingido o limite do período de suspensão, não implica que tal pena seja eliminada do cúmulo jurídico que se realizou de forma regular na data do acórdão recorrido, pois tal corresponderia a uma decisão do STJ perante novos elementos não passíveis de ponderação pela decisão recorrida.
Assim, considerando que a intervenção deste STJ apenas contende com a apreciação da decisão recorrida, tomada num momento em que tal pena suspensa ainda deveria, de acordo com a doutrina e jurisprudência maioritárias, ser incluída na relação de cúmulo jurídico, e devendo reportar-se a tal momento – não podendo conhecer de factos supervenientes à mesma, como foi o de se ter, entretanto, atingido o termo do período de suspensão de execução da pena aplicada no processo n.º 401/18.8..., o que implicaria discricionariedade na apreciação do recurso –, impõe-se concluir que não se poderá atender à objeção do Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ, no sentido de excluir da relação de concurso a referida pena (suspensa), com o efeito apontado no seu parecer.
Passaremos a apreciar a questão (originária) do recurso apresentado pelo arguido, ou seja, a medida concreta da pena única aplicada.
O escrutínio, em sede de recurso, da adequação ou correção da medida concreta da pena impor-se-á apenas em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da sã racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de determinação e medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção do tribunal de recurso que altere a escolha e a determinação da espécie e da medida concreta da pena. Esta é uma asserção que é válida não só no tocante à determinação da medida das penas parcelares, como também na fixação da pena única ou conjunta.
No caso vertente, acham-se exclusivamente em causa crimes contra o património, concretamente contra a propriedade, que se materializam em oito (8) crimes de furto qualificado.
Relembrando a sua respetiva tipificação e penas parcelares aplicadas ao arguido, resulta que:
- nos presentes autos n.º 137/21.2..., por decisão proferida em 14.05.2024 transitada em 13.06.2024, foi condenado em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º 2, alínea e), com referência ao artigo 203.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva;
- no processo n.º 589/20.8..., por sentença proferida em 06.07.2023, transitada em julgado em 21.09.2023, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea e), 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
- no processo n.º 283/22.5..., por decisão proferida em 27.06.2023, transitada em julgado em 12.09.2023, foi condenado pela prática em autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelo(s) artigo(s) 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 202.º, al. e), e 22.º, n.ºs 1, e 2, al. c), e 23.º, 73.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- no processo n.º 89/22.1..., por decisão proferida em 12.01.2023, transitada em julgado em 25.05.2023, foi condenado pela prática, em autoria material e concurso real, de:
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art.º 202.º, al. e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos de 4 de julho de 2021);
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, alíneas a) e e), por referência ao art.º 202.º, al. b) e al. e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos de 25/1/22, relativos à ofendida GG);
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, nº 2, al. e) e n.º 1, al. a), por referência ao art.º 202.º, al. a) e al. e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos de 25/1/22, relativos aos ofendidos HH e II) (e em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão);
- no processo n.º 4815/20.5..., por sentença proferida em 25.01.2023, transitada em julgado em 24.02.2023, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, p.e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e
- no processo n.º 401/18.8..., por sentença proferida em 13.07.2021, transitada em julgado em 01.07.2022, foi condenado pela prática, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
Oscilando, assim, a moldura do cúmulo (jurídico) entre 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (pena parcelar mais elevada, aplicada no processo n.º 89/22.1...) e 20 (vinte) anos e 1 (um) mês de prisão (soma de todas as penas parcelares), a pena única foi fixada em 9 (nove) anos e 3 (três) meses de prisão.
Há que atentar, ainda, na fundamentação jurídica da determinação da medida da pena única aplicada ao arguido, de acordo com a decisão condenatória de 1.ª Instância:
«(…)
O cúmulo [por concurso superveniente de crimes] visa colmatar a falta de correspondência da contemporaneidade factual à contemporaneidade processual, assim debelando “o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido e a atitude do próprio agente em termos de condenação pela prática do crime, tendo em vista não prejudicar o arguido por esse desconhecimento ao estabelecer limites à duração das penas a fixar” (cf. Ac. do STJ, de 12.06.2008, supra citado).
Seguindo o entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça de que o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes, para o efeito de aplicação de uma pena de concurso, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente, afigura-se-nos que o crime pelo qual o arguido foi condenado neste Processo (praticado em 18.09.2022), estão em relação de concurso com os crimes pelos quais foi sancionado nos Processos nºs 926/22.0..., 901/22.5... E 49/22.2...
Na operação de realização do cúmulo jurídico entre as penas parcelares importa considerar, por um lado, o disposto no artigo 77.º do Código Penal, cujo nº1, na parte final, preceitua: “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Por outro lado, o artigo 77.º, nº2, do Código Penal estabelece: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Nos termos do nº3 do artigo 77.º, “se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.
A razão de ser desta norma reside no facto de que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário.
Importa pois, determinar uma única pena concreta a aplicar ao agente, pela prática dos vários crimes em concurso, que responda às finalidades da punição: tutela dos bens jurídicos e reintegração do delinquente na sociedade, no que é necessário atender à gravidade dos factos ilícitos e ao grau de culpa, na perspectiva da tutela dos bens jurídicos, e à culpa e personalidade do agente, na perspectiva da sua reintegração.
Escreve Figueiredo Dias (Direito Penal 2 - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 1988, página 378): «Tudo deve passar-se ( ..) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência ( ... ) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».
No caso concreto, são de ponderar nomeadamente os factos constantes das sentenças/acórdãos, cujas certidões se encontram nos autos e aqui se dão por reproduzidos, quanto ao modo da prática dos crimes e seu enquadramento histórico.
No que tange aos factos é relevante a circunstância de se tratarem de vários crimes de furto (simples e qualificado), pelo que se denota uma forte tendência criminosa por parte do arguido, com uma incidência preponderante nos crimes contra a propriedade, sendo as exigências de prevenção geral elevadíssimas, pela insegurança que incutem os factos.
O processo de socialização do arguido apresenta vulnerabilidades relevantes, como a ausência de laços familiares, instabilidade socio habitacional e tendência para incidir em comportamentos ilícitos, associados às sucessivas condenações e persistência de uma carreira criminal desde 2006.
Concluímos assim estar na presença de um criminoso por tendência, demonstrando um longo historial de crimes praticados contra a propriedade.
Ora, a pena de concurso tem como limite mínimo a pena mais elevada das parcelares e a máxima, sem exceder 25 anos, a soma aritmética de todas elas - art. 77.° n.° 2, do CP - tanto pode resultar de uma mera acumulação material, em exacerbação dela, pelas circunstâncias do caso, como de uma sua redução, quedando-se na parcelar mais elevada ou num distanciamento desta, mas sempre, sobretudo na pequena e média criminalidade, evitando-se que se atinja aquele limite máximo, de 25 anos.
Baixando ao caso, considerando as penas parcelares aplicadas nos processos citados, a pena única de prisão a aplicar ao arguido deverá situar-se entre 3 anos e 6 meses de prisão, como limite mínimo (pena parcelar mais elevada) e 20 anos e 1 mês (soma de todas as penas parcelares).
Como ponto de partida, há que ponderar os critérios gerais de determinação da medida da pena.
Recorde-se que a pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - arts. 1.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 25.º, n.º 11 da Constituição e o art.º 40.º do Código Penal.
E recorde-se ainda, à luz do art.º 71.º do Código Penal, que devem ser consideradas todas as circunstâncias do caso, favoráveis ou desfavoráveis ao arguido, que não façam parte dos tipos legais de crime, nesta sede aderindo nós à conceção doutrinária que propugna que em sede de determinação da medida da pena o tribunal deve encontrar o quantum correspondente à culpa do agente, o qual funcionará como ponto absolutamente inultrapassável; e que fixado esse limite o tribunal deve buscar o ponto mínimo aquém do qual nenhuma pena satisfaria as exigências de proteção do bem jurídico violado, interpretadas tais exigências através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida; e que como último passo o tribunal deve procurar, entre o mínimo e o máximo que se avançaram, a medida ótima de pena, tendo em atenção os princípios da prevenção especial positiva (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pgs. 227 e ss.).
Acresce, agora especificamente em matéria de concurso de crimes, que o que se revela decisivo é uma visão de conjunto de todos os factos, no âmbito da qual haverá que ponderar nomeadamente o seguinte: (a) a relação dos crimes entre si e no seu contexto, designadamente tendo em vista apurar se estamos diante alguém que revela uma inclinação criminosa ou antes de alguém que apenas perpetrou delitos ocasionais; (b) a forma de comissão dos crimes; (c) a natureza dos bens jurídicos atingidos e a sua maior ou menor diversidade; (d) e o efeito da pena no comportamento ulterior do arguido (Ac. do STJ de 9.01.2008, in CJSTJ 2008, t. I, pgs. 182-3).
Em concreto e no que tange às penas parcelares, estão, globalmente, longe do seu limite máximo, a natureza dos factos é em qualquer dos casos de origem patrimonial reiterada. O arguido em meio prisional exerce actividade laboral no sector da cozinha desde 09.11.2022. A personalidade do arguido, tendo presentes os factos perpetrados e a respectiva conjuntura permite considerar a existência de uma tendência criminosa. Já quanto à existência de uma relação entre os crimes e os factos apurados relativamente aos tipos de ilícito em causa, estão estes claramente conexionados.
Afigura-se-nos com algum relevo a circunstância dos crimes terem ocorrido no período temporal de cerca de quatro anos.
Os assinalados elementos sugerem, pois, uma elevada necessidade de pena, quer do ponto de vista do necessário reforço da confiança da Comunidade na validade e vigência das normas atingidas (exigências de prevenção geral positiva), quer do ponto de vista de quem pretende que o arguido interiorize verdadeiramente o desvalor das suas condutas, em ordem a não as repetir (exigências de prevenção especial positiva).
Pelo que considerada a enunciada moldura abstractamente aplicável, as penas parcelares aplicadas, o conjunto de factos provados quanto às circunstâncias que envolveram a actuação subjacente aos crimes e a personalidade do arguido, o tribunal julga justo e adequado impor-lhe a pena única de 9 (nove) anos e 3 (três) meses de prisão.»
Relembremos que está apenas em causa a apreciação da (adequação da) medida da pena única aplicada.
No artigo 40.º do Código Penal, que encerra sincreticamente o programa político-criminal das finalidades das penas pelo qual optou o legislador autorizado, é mencionado que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Estabelece, por seu turno, o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.
Como vem sendo consistentemente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». Dito por outras palavras, a legitimidade constitucional para se privar alguém da liberdade radica na violação por essa pessoa de outros direitos constitucionalmente protegidos. A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (assim, J.J. Gomes Canotilho - Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra: Coimbra Ed., 2007, notas aos artigos 18.º e 27.º).
Para aferir da medida da gravidade da culpa importa, por seu turno, de acordo com o disposto no artigo 71.º do Código Penal, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).
As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, «por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.” (Direito Penal Português: As consequências jurídicas do crime, Lisboa, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pp. 210 e 245). Para este Autor, esses fatores podem dividir-se em “fatores relativos à execução do facto”, “fatores relativos à personalidade do agente” e “fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.
Por seu turno, Maria João Antunes entende que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do artigo 71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da FDUC, Coimbra, 2010-2011).
Por respeito à eminente dignidade da pessoa humana a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 2 do CP), designadamente por razões de prevenção.
Por seu turno, na determinação da pena única ou conjunta – única dimensão que importa ser apreciado na presente decisão, dado que na dimensão penal só ela foi questionada no recurso do arguido –, impõe-se, igualmente, atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso” (Ac. STJ de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014), impregnados da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta – dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu – se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)» (assim, Ac. STJ de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1).
Como este Supremo Tribunal de Justiça vem considerando de forma reiterada e preponderante, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão do STJ de 06-02-2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1- 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário».
Aos critérios gerais de determinação da medida da pena estabelecidos no artigo 71.º do CP, acresce, para a pena única, o critério peculiar ou específico previsto no artigo 77.º, n.º 1, do mesmo CP, segundo o qual “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, de modo a poder concluir-se se a ilicitude dos factos considerados em conjunto e na sua unidade relacional e em conjugação com a personalidade do arguido neles refletida e por eles evidenciada, aponta para uma “certa tendência ou mesmo carreira delinquente”, ou antes para uma atuação isolada ou episódica ou “(pluri)ocasional”, acentuando ou desvanecendo as necessidades de prevenção especial e, em função disso, fixar a medida da pena em função delas dentro da moldura da prevenção geral, com o limite inultrapassável da culpa.
O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
Sobre a pena única, e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera Maria João Antunes que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico» (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Ed., 2.ª ed., 2015, p. 56).
A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Ainda no mesmo acórdão, pode ler-se que «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».
Conforme também refere José de Faria Costa, «Seria redundante dizer-se que se prefere o sistema do cúmulo jurídico ao do material porque este último se revela de difícil exequibilidade, pois obrigaria o condenado ao cumprimento sucessivo das diferentes penas a que se chegou em cada uma das condenações. No entanto, embora esta razão seja inteiramente válida, aqueloutra pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respetivas penas, ganhem uma gravidade exponencial porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros. Gravidade essa que, obviamente, se refletirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa. Isto é, a culpa reportada a cada facto ganha (...) um efeito multiplicador. Como consequência do que se acabou de dizer, sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa (...) podemos concluir que só o sistema do cúmulo jurídico é suscetível de ser dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global. Apenas efetuando (...) um exame dos factos em conjunto podemos perscrutar a ligação que os factos ilícitos isolados mantêm uns com os outros. Só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em fatores exógenos. (...) através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada e, em consequência, a pena encontrada é, inquestionavelmente, mais justa» («Penas acessórias – Cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136.º, N.º 3945, pp. 326-327).
Estabilizadas as medidas das penas parcelares aplicadas, não questionadas no recurso do arguido – e não se mostrando, decisivamente, representarem grandezas desproporcionais e excessivas –, cumprirá apreciar a adequação da medida da pena única encontrada pelo tribunal recorrido.
No que respeita aos factos que concretamente relevam para a culpabilidade, no processo estão em causa oito crimes contra o património, praticados com dolo direto, de grau mediano, de alguma duração temporal – entre 23 de julho de 2018 e 17 de maio de 2022 –, empreendidos com uma certa energia, persistência e reiteração cuja ressonância ética e social implica um juízo de censurabilidade reforçado.
A atuação do arguido demonstrada nos autos revela, pelo menos num período limitado – cerca de quatro anos –, uma atitude de completo desprezo pelos valores e bens jurídicos acima referidos, movida por um propósito de atentar contra o património alheio, não se inibindo de furtar duas residências no mesmo dia, em 25 de janeiro de 2022.
O facto de ter confessado parcialmente alguns dos factos, foi tomado em devida conta, evidenciando alguma autocrítica, mas com escasso significado atenuativo, considerando haver provas mais irrefutáveis dos mesmos.
A circunstância de ter antecedentes criminais, não pode deixar de assumir um especial relevo.
Por outro lado, ainda, as finalidades de reprovação e de prevenção geral dos crimes de furto qualificado, consumados ou tentados, em apreço, são elevadas, porquanto a frequente prática deste tipo de crimes, individualmente portadores de uma inequívoca gravidade objetiva, gera sentimentos de intranquilidade pública.
Afigura-se-nos, pois, que, no essencial, não existem razões para dissentir dos critérios enunciados pelo tribunal recorrido no tocante à escolha e determinação da medida da pena única, já que não se cura, aqui, de reponderar a medida das penas parcelares.
O grau de culpa, enquanto limite da pena reportada ao facto, é acentuado, pelo desempenho manifestado e querido no quadro da ação desvaliosa do concurso de crimes.
A personalidade do arguido, documentada nos factos provados, traduz uma atuação indiferente aos bens jurídicos protegidos pelos crimes cometidos – o património alheio – cuja gravidade é proporcional ao tempo em que perduraram as suas atuações, durante cerca de quatro anos.
A prevenção geral, como prevenção positiva ou de integração, no respeito e confiança na reposição contrafáctica das norma violadas, faz-se sentir com bastante intensidade nos crimes de furto, tipologias em que, pela sua frequência e pelas potenciais consequências que podem implicar, são infrações que causam um sentimento comunitário de insegurança, como tem vindo a referir vasta e consolidada jurisprudência do STJ e dos tribunais superiores. Em tais crimes manifesta-se uma personalidade do agente, disposta a contrariar o direito e a desprezar aquele bem jurídico, o património de terceiros, cuja violação é, porventura, sentida com mais acuidade por certas comunidades, com a da região onde ocorreram os crimes.
Considerando este enquadramento, e, por outro lado, a personalidade do arguido e as suas condições pessoais e socioeconómicas, resultantes do relatório social, o grau de culpa, a imagem global dos factos e as exigências de prevenção, a decisão a que o tribunal recorrido chegou, no tocante à aplicação da pena única, não se distancia dos critérios gerais de determinação do quantum da pena conjunta.
Tendo em conta o limite legal máximo da moldura do concurso (20 anos e 1 mês de prisão), face à ausência de circunstâncias com especial significado atenuante, a determinação de uma pena única concreta abaixo da metade do limite máximo aplicável, bem mais distante deste do que do limite mínimo, não surge, assim, como desproporcionada ou injusta.
Pode, contudo, surpreender-se alguma exasperação na determinação da medida concreta da pena única em 9 (nove) anos e 3 (três) meses de prisão, parecendo-nos poder interceder um fator de compressão mais intenso relativamente à soma das penas parcelares remanescentes, o que reconduziria, a nosso ver, a operação de determinação da pena único ao resultado da sua fixação em menos um ano de prisão.
Na verdade, embora mais distante do limite máximo do que do mínimo da moldura do cúmulo, a verdade é que a pena única aplicada traduz uma relativa exasperação da sanção, já não reclamada pelas exigências de proteção dos bens jurídicos em causa bem como de prevenção especial e geral, e, porventura, já fazendo perigar a dessocialização do agente. Justificar-se-á, assim, a sua fixação em quantum algo inferior.
Por outro lado, sendo indiscutível a necessidade da pena, não pode deixar de ser ponderada a integração e proximidade ao agregado familiar por parte do arguido, a sua adequação às regras de funcionamento prisional, exercendo atividade laboral no sector da cozinha do estabelecimento prisional desde 09-11-2022, bem como a sua confissão integral e sem reservas quanto aos factos em causa nos processos n.ºs 137/21.2... e 589/20.8...
Permanecendo inalteradas todas as penas parcelares aplicadas no acórdão recorrido, importa reconhecer, no contexto da apreciação das consequências jurídicas dos oito crimes provados, numa moldura (de concurso efetivo) que oscila entre 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 20 (vinte) anos e 1 (um) mês de prisão, mostrar-se mais adequada a aplicação de uma pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão, a qual ainda assegura as exigências de prevenção geral e especial, bem como a tendencial igualdade na aplicação das penas.
Porque assim, procede parcialmente o recurso do arguido.
Resta, por fim, atender ao pedido formulado pelo Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ, no sentido de se proceder à retificação do acórdão recorrido, nos termos apontados no seu douto parecer de 29-04-2025, o que se determinará em seguida, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP.
III. Decisão
Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:
I) - ordenar a oportuna retificação do acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP, nos seguintes termos:
- na parte final do primeiro parágrafo da página 17 do texto do ficheiro pdf. do acórdão recorrido, onde consta: «afigura-se-nos que o crime pelo qual o arguido foi condenado neste Processo (praticado em 18.09.2022), estão em relação de concurso com os crimes pelos quais foi sancionado nos Processos nºs 926/22.0..., 901/22.5... E 49/22.2...»,
passará a constar:
«afigura-se-nos que o crime pelo qual o arguido foi condenado neste processo (praticado entre as 23h00 do dia 14 de março de 2021 e as 06h00 do dia 15 de março de 2021), está em relação de concurso com os crimes pelos quais foi sancionado nos processos 589/20.8..., 283/22.5..., 89/22.1..., 4815/20.5... e 401/18.8...»
e
- na página 18 do texto do ficheiro pdf. do acórdão, onde consta:
«No que tange aos factos é relevante a circunstância de se tratarem de vários crimes de furto (simples e qualificado) …»
passará a constar:
«No que tange aos factos é relevante a circunstância de se tratarem de vários crimes de furto (qualificado) …»,
e, no mais, em
II) - julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA, reduzindo-se a pena única aplicada para 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido.
Sem tributação – artigo 513.º, n.º 1, a contr., do CPP.
*
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 12-06-2025
Texto elaborado e informaticamente editado, e integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Os juízes Conselheiros
Jorge dos Reis Bravo (relator)
Celso Manata (1.º adjunto)
Jorge Jacob (2.º adjunto)