AÇÃO DE CONDENAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
SEGURADORA
ADMISSIBILIDADE
REVOGAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
FORÇA MAIOR
DESCONHECIMENTO
IDENTIDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL
SOCIEDADE ESTRANGEIRA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Sumário


I.- Não há dupla conforme quando o acórdão recorrido, mantém a sentença recorrida, com argumentos diferentes, e, quando tal é referido no acórdão recorrido.
II.- Há lugar à suspensão da prescrição nos termos do n.º 1, do art.º 321.º, do C.Civil, quando a A. prove não ter culpa no não conhecimento da responsável pela indemnização.

Texto Integral


Proc.º n.º 1374/16.7T8PVZ.P3.S1

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I.- Relatório

Recorrente: Helvetia Compañía Suiza de Seguros Y Reaseguros S.A.

Recorrida: AA.

1.- AA, residente na Rua ..., ..., ..., intentou a presente acção declarativa comum contra Cicor International SL, com sede na Carrer ..., ..., ..., Espanha, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

- A quantia de 8.495,64 euros a título de diferenças salariais entre 08/11/2011 e 21/08/2012;

- A quantia de 1.309,74 euros a título de diferenças salariais entre 22/08/2012 e 11/12/2012;

- A quantia de 75.000,00 euros a título de dano biológico;

- A quantia de 100.000,00 euros a título de compensação por danos não patrimoniais;

- A indemnização a liquidar em execução de sentença por todas as despesas com consultas, tratamentos, intervenções cirúrgicas, a realizar no futuro em consequência das sequelas do acidente.

- Juros de mora calculados sobre as quantias líquidas peticionadas, desde a citação da ré.

2.- A ré foi citada, não tendo apresentado contestação.

3.- Após o decurso do prazo de contestação, veio arguir a sua ilegitimidade, alegando que o contrato de seguro não foi celebrado consigo, identificando a companhia de seguros que interveio nessa celebração.

4.- Perante esta alegação, a autora requereu a intervenção principal provocada da National Suiza – Companhia de Seguros y Reseguros, S.A., a qual foi admitida à luz do disposto no artigo 39.º do Código de Processo Civil (existência de dúvida fundada sobre o titular da relação material controvertida).

5.- Seguimos de perto o relatório do acórdão recorrido.

A referida National Suiza – Companhia de Seguros y Reseguros, S.A. foi incorporada, por fusão, na companhia de seguros Helvetia Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A., com efeitos em 16.03.2016.

Esta interveniente apresentou contestação, arguindo a prescrição do direito da autora e impugnando, quanto ao mais, as circunstâncias do alegado acidente e dos danos sofridos.

6.- Foi realizada audiência prévia em 22.11.2017, tendo as partes sido ouvidas sobre a circunstância de se encontrarem confessados os factos alegados pela autora, em relação à primitiva ré.

7.-Foi proferido despacho saneador em 19.01.2018, julgando-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade invocada pela ré Cicor International SL e procedente a excepção de prescrição invocada pela interveniente, absolvendo-se a mesma do pedido formulado pela autora.

8.- De seguida, foram julgados confessados os factos alegados pela autora, por falta de impugnação por parte da ré primitiva.

9.- Posteriormente, em 05.03.2018, foi a ação julgada parcialmente procedente, tendo sido proferida sentença que condenou a ré primitiva no pagamento de determinadas quantias à autora.

10.- Foram interpostos recursos tendo por objeto as decisões proferidas no despacho saneador, quanto à legitimidade e à prescrição, e na sentença.

11.- Foram admitidos os recursos interpostos da decisão da exceção de ilegitimidade e da sentença, tendo sido rejeitado o recurso da decisão da exceção de prescrição, por se entender que o mesmo não era tempestivo.

12.- O Tribunal da Relação do Porto, ao apreciar o recurso interposto quanto à exceção dilatória de ilegitimidade, entendeu que o Tribunal a quo não podia afirmar a legitimidade da ré Cicor sem que tivesse averiguado e apurado da existência de um contrato de seguro válido e da Apelações em processo comum e especial (2013) qualidade da intervenção da ré no mesmo, o que, estando dependente de prova face à factualidade controvertida, impunha a produção dessa prova.

13.- Mais determinou a anulação da decisão relativa à exceção da legitimidade e dos ulteriores termos processuais.

14.- Em cumprimento desta decisão, foi produzida prova e proferida decisão em 11.05.2020, que apreciou da legitimidade substantiva da ré Cicor, absolvendo-a do pedido, em virtude de não ter sido celebrado consigo o contrato de seguro.

15.- Foi ainda proferida nova decisão sobre as questões que subsistiam em face desta absolvição do pedido da ré primitiva, que se reportavam apenas à interveniente Helvetia, tendo então sido julgada procedente a exceção de prescrição invocada pela referida interveniente, absolvendo-se a mesma do pedido formulado pela autora.

16.- Na sequência do recurso interposto pela autora, o Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão no que tange à apreciação da exceção de prescrição, remetendo para final a sua apreciação.

Transitada em julgado a decisão proferida relativamente à ré Cicor, os autos prosseguiram os seus termos apenas contra a ré Helvetia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova por despacho de 09.3.2022.

17.- Realizada perícia pelo INML, veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

A - condena a R. “Helvetia Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A.”, a pagar à A. AA as seguintes quantias:

I – 50.000,00 euros (cinquenta mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais;

II – 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico;

III – 7.281,93 euros (sete mil, duzentos e oitenta e um euros e noventa e três cêntimos) a título de danos patrimoniais;

IV – que se vier a liquidar em incidente ulterior relativamente a cirurgias que venham a ser necessárias por causa das lesões sofridas por via do acidente dos autos, incluindo consultas e tratamentos;

V - juros de mora, sobre as quantias referidas, desde a data desta decisão relativamente às quantias referidas em I e II e desde a data da citação relativamente às demais, à taxa de 4%, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro até àquela data.

B - absolve a R. do restante pedido formulado.

Custas por autora e ré na proporção quantitativa do respetivo decaimento (art.º 527º, nº1 e nº2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora.

Registe e notifique».

18 – Inconformada com tal sentença dela apelou - HELVETIA COMPAÑÍA SUIZA DE SEGUROS Y REASEGUROS S.A.

19.- Em 28/1/2025 foi proferido acórdão no Tribunal da Relação do Porto terminando com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam improcedente a apelação e, consequentemente, mantêm a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique

20.- Inconformada com tal acórdão dele interpôs recurso, agora, de revista, rematando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“– A decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

II - Da decisão proferida pelo Tribunal a quo cabe recurso de revista, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 1 do Cód. Proc. Civil, pois trata-se de acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conhece do mérito da causa e que põe termo ao processo, que deve ser conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

III - Pese embora o Tribunal da Relação tenha confirmado a decisão proferida na Primeira Instância, verdade é que o fez mediante fundamentação essencialmente diferente, motivo pelo qual é admissível o recurso, ao abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 3 a contrario sensu do Cód. Proc. Civil.

IV - O Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente a exceção de prescrição, por considerar que, ao abrigo do disposto nos artigos 323º. e 258º. do Cód. Civil, os efeitos da interrupção da prescrição da Ré primitiva Cicor se estendem à Interveniente Helvetia, em virtude de ter sido “demonstrada que está a existência de um contrato de colaboração entre as duas empresas, e a especial relação existente entre as mesmas, ré primitiva e ré atual, conforme afirmado, por via de tal acordo de colaboração que vincula ambas, a citação da ré primitiva Cicor e o efeito interruptivo da prescrição que dela resulta estende-se necessariamente à Ré Helvetia.”

V - Ao passo que, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a exceção de prescrição, por considerar que, ao abrigo do disposto nos artigos 321º. e 498º. do Cód. Civil, “se considere suspenso o prazo de prescrição durante o tempo em que o lesado esteve impedido de fazer valer o seu direito contra o verdadeiro responsável, no decurso dos últimos três meses do prazo, nos termos previstos no artigo 321.º do CC, por desconhecer, sem culpa, a identidade deste.”

VI - Se o Tribunal de 1ª. Instância fundou a sua decisão na interrupção da prescrição, na data em que a mediadora Cicor foi citada, estendendo os efeitos da interrupção da prescrição operada pela citação desta à Helvetia, já o Tribunal da Relação fundou a sua decisão na suspensão da prescrição, nos últimos três meses do prazo, por entender que o lesado desconhecia, sem culpa, a identidade do responsável.

VII - Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que se concede por cautela de patrocínio, a Recorrente considera que cabe, ainda, recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito destes autos, porquanto o mesmo está em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 15/01/2019, proferido no processo nº. 796/16.8T8LRA-A, que correu seus termos no Juiz 1 do Juízo Local Cível de Leiria do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, transitada em julgado em 11/02/2019, conforme certidão junta a fls. dos autos, em 04/03/2021, Ref. Citius 313501 e que ora se junta para facilidade de exposição sob o Doc. nº. 1, o que dita a admissibilidade do recurso de revista, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 2 a), ex vi artigo 629º. nº. 2 d) do Cód. Proc. Civil.

VIII - Aspetos de identidade que determinam a contradição do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no âmbito destes autos com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 15/01/2019, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito:

i) em ambos os processos, está em causa a aplicação do regime previsto nos artigos 498.º e 321º. nº. 1 do Código Civil, no que concerne à suspensão da prescrição;

ii) em ambos os processos, as Autoras reclamam uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos;

iii) em ambos os processos, os responsáveis são de outro país, que não o das Autoras;

iv) em ambos os processos, as Autoras intentaram a ação contra terceira pessoa que não a pessoa do responsável, tendo sido, posteriormente ao decurso do prazo prescricional, chamados a intervir os responsáveis;

v) em ambos os processos, os Intervenientes invocaram a prescrição, alegando que, aquando da sua citação já havia decorrido o referido prazo;

vi) em ambos os processos, as Autoras invocaram desconhecer a pessoa do responsável;

vii) em ambos os processos, as instâncias pronunciaram-se sobre a culpa do lesado quanto ao desconhecimento do responsável, vindo a concluir em sentidos diametralmente opostos.

IX - O Tribunal da Relação de Coimbra averiguou a presunção de culpa do lesado no desconhecimento da pessoa do responsável, e perante a factualidade de a lesada ser cidadã francesa, que não domina a língua portuguesa, sem estar na posse de qualquer documento de onde resultasse o nome do dono do cão, considerou que sobre esta impendia um dever de diligência na identificação da pessoa do responsável, que havia o dever desta indagar na Junta de Freguesia quem aí figurava como detentor do mesmo, apelando ao regime instituído Portaria n.º 421/2004 de 24 de Abril que aprovou o Regulamento de Registo, Classificação e Licenciamento de Cães e Gatos.

X - O Tribunal Recorrido julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pela Interveniente Helvetia, considerando que o facto de a mandatária da Autora estar na posse dos recibos de seguro dos quais constava o nome da seguradora; da firma da Ré primitiva Cicor conter a designação “curredoria de seguros” (corretor de seguros, em espanhol) e de poder fazer uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet – https://dgsfp.mineco.gob.es – para confirmar que a Cicor não era uma companhia de seguros, mas antes a Helvetia, não concorrem para a formação da culpa da Autora no desconhecimento da pessoa responsável, baseando-se nos entraves linguísticos, na medida em que os documentos e a firma estão redigidos em espanhol, socorrendo-se da figura do advogado médio, concluindo que “não será exigível ao advogado médio que exerce a sua actividade em Portugal o conhecimento do significado e alcance desses termos, ou seja, o domínio do direito espanhol, designadamente do objecto social correspondente a uma sociedade com a firma ou denominação “Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.”.”

XI - É patente a oposição de decisões, pelo que deve ter-se por verificado o pressuposto enunciado na alínea 671º. nº. 2 a), ex vi artigo 629º. nº. 2 d) e 673º. nº. 1 a) do Cód. Proc. Civil.

XII - “Para efeitos de contagem do início do prazo da prescrição estabelecida no artigo 498º. nº. 1 do Cód. Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.” – vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2019, publicado in www.dgsi.pt.

XIII - Nesta conformidade, os pressupostos da responsabilidade civil em que a lesada, aqui Recorrida, funda o seu pedido de indemnização tornaram-se do seu conhecimento na data do sinistro, ou seja, no dia 7/11/2011, pelo que o prazo prescricional aplicável ao caso vertente começou a correr no dia 7 de Novembro de 2011.

XIV - A Recorrida não conseguiu afastar a presunção de culpa que sobre si impende nos termos do artigo 498º. nº. 1 do Cód. Civil, pois é a própria que confessa estar na posse de documentos que identificam cabalmente a seguradora, como sendo a Helvetia, desde 1/07/2015,

XV - Ou seja, os recibos de pagamento do prémio do seguro, documentos juntos pela Recorrida, sob os nº.s 3 e 4, com a petição inicial, a fls. dos autos, nos quais se constata o nº. da apólice de seguro, o prazo de vigência da mesma, a identificação da companhia de seguros (Nacional Suiza), a identificação da mediadora, a matrícula da empilhadora.

XVI - Ora, estando a lesada devidamente representada por advogada, a quem foram remetidos os recibos do seguro, recaíam sobre esta especiais deveres de indagação e investigação, os quais não se podiam esgotar no questionamento a um funcionário da fábrica de conservas, sobre a identificação da seguradora!

XVII - Na realidade, bastaria uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet - https://dgsfp.mineco.gob.es - para confirmar que a Cicor não era uma companhia de seguros, mas antes a Helvetia.

XVIII - Isto, caso a Ilustre Mandatária ainda não se tivesse apercebido pela evidência decorrente da firma da Cicor, na qual consta expressamente a designação corretora - Cicor Internacional Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.”, cujo nome a lesada, representada por Advogada, preencheu na íntegra, aquando da elaboração e apresentação da petição inicial que deu origem a estes autos.

XIX - O entendimento do Tribunal a quo esbarra com o documento junto com a petição inicial sob o Doc. nº. 5, a fls. dos autos e que constitui carta redigida e assinada pela Ilustre Mandatária na língua espanhola, remetida à Cicor!

XX - “Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade.”

XXI - A decisão proferida pelo Tribunal a quo esbarra contra este entendimento, ao não interpretar a norma do nº. 1 do art. 498º. do CC como contemplando uma presunção de culpa da lesada, pois não resultou provado que esta tenha justificado o não exercício do direito, mostrando concludentemente que esteve impossibilitada de o exercer, designadamente, por de todo lhe ter sido anteriormente possível conhecer o “responsável”, ou “a identidade do responsável”.

XXII - Não podia, pois, o Tribunal recorrido considerar suspenso o prazo de prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 321º. nº. 1 do Cód. Civil, por não existir caso de força maior.

XXIII - A circunstância de a Recorrente Helvetia só ter sido citada decorridos cinco anos e seis meses do evento danoso é um facto totalmente imputável à Autora, uma vez que tal decorre da errada determinação da seguradora, que deveria ter sido a única e primitiva Ré na presente acção, tendo em conta a pretensão da Autora.

XXIV - A decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes dos artigos 321º. nº.s 1 e 498º. nº. 1 do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, julgando-se improcedente a presente acção e absolvendo-se a Recorrente do pedido, com todas as consequências legais.

Assim se fará, inteira,

J U S T I Ç A”

21.- Respondeu a A. - AA -, rematando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1. Veio a Interveniente Helvetia Compania Suiza de Seguros Y Reaseguros SA recorrer do acórdão proferido pela 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em 28.01.2025, que julgou improcedente a apelação e, consequentemente, mantém a decisão recorrida, assentando o seu recurso de revista na alegação de inexistência de dupla conforme, e subsidiariamente por entender que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, proferido nos presentes autos, se encontra em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, como o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 15(01/2019, proferido no processo 796/16.8T8LRA-A, que correu termos no Juiz 1 do Juízo Local Cível de Leiria do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, transitado em julgado em 11/02/2019, o que legitimaria a interposição de Revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 2, a), ex vi artigo 629.º, n.º 2, al. d) do CPC.

2. Entende a Interveniente Helvetia inexistir dupla conforme, alegando, em síntese, que o Tribunal da Relação embora tenha confirmado a decisão proferida na primeira instância fê-lo mediante fundamentação essencialmente diferente, motivo pelo qual, no seu entendimento é admissível o recurso ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 3 a contrário sensu do CPC.

3. Alegando para o efeito que “[s]e o Tribunal de 1.ª instância fundou a sua decisão na interrupção da prescrição, na data em que a mediadora Cicor foi citada, estendendo os efeitos da interrupção da prescrição operada pela citação desta à Helvetia, já o tribunal da Relação fundou a sua decisão na suspensão da prescrição, nos últimos três meses do prazo, por entender que o lesado desconhecia,sem culpa, a identidade do responsável.”

4. O conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, obriga o intérprete e aplicador do direito a – analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respetivos segmentos decisórios – distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente.

5. Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em Primeira Instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada.

6. No caso concreto, o Tribunal da Primeira Instância decidiu-se pela condenação da interveniente Helvetia por entender não verificada a exceção de prescrição por esta invocada do direito da Autora, entendendo que a “Cicor tem poderes não só para atuar genericamente em nome da Ré seguradora, mas para celebrar contratos de seguro em nome desta e receber participações de sinistros e inclusive liquidar indemnizações, ou seja, para a representar, pelo que não pode deixar de os ter também para efeitos de interrupção da prescrição do exercício do direito de um sinistrado. Demonstrada que está a existência de um contrato de colaboração entre as duas empresas, e a especial relação existente entre as mesmas, ré primitiva e ré atual, conforme afirmado, por via do tal acordo de colaboração que vincula ambas, a citação da ré primitiva Cicor e o efeito interruptivo da prescrição que dela resulte estende-se necessariamente à Ré Helvetia. Facto que aquela não poderia desconhecer, pois não era uma mera mediadora.”

7. Por sua vez o Tribunal da Relação do Porto concordando com o tribunal a quo, manteve a condenação da interveniente Helvetia nos termos proferidos pela Primeira Instância, fundando também ele a condenação da ré Helvetia na improcedência da exceção da prescrição, por esta invocada, por entender que o prazo de prescrição se suspendeu a 07.08.2016, suspensão que cessou em 07.04.2017, pelo que o prazo de prescrição terminaria apenas em 07.07.2017, ou seja, já depois da citação da interveniente Helvetia ocorrida em 30.05.2017.

8. Conforme se extrai de tais decisões, ambas julgam improcedente a exceção da prescrição invocada pela Interveniente Helvetia, com a consequente condenação da Recorrente; portanto o enquadramento jurídico tido em consideração por cada uma das referidas instâncias judiciais é o mesmo, a saber: o instituto jurídico da prescrição(!), e não qualquer outro diferente instituto, diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em primeira Instância.

9. É certo que o Tribunal da Relação do Porto apresenta outros argumentos (# fundamentação essencialmente diversa) para sustentação da improcedência da exceção da prescrição, mas tal não nos permite concluir pela existência de uma fundamentação essencialmente diferente, pois que o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de Primeira Instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa, o que não sucede in casu pois que a improcedência da pretensão da recorrente assenta em ambas as situações nas mesmas normas e institutos jurídicos – no caso nas normas atinentes ao instituto da prescrição – e já não em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos – no caso o instituto é o mesmo: o da prescrição.

10. Neste sentido veja-se o acórdão proferido pelo STJ no processo 1320/11.4TVLSB.L1.S1, em 16.06.2016, disponível em www.dgsi.pt, que embora se refira a instituto normativo diferente ao que se discute nos presentes autos, se debruça acerca do conceito de “fundamentação essencialmente diferente”, sumariando-se: “[n]ão constitui “fundamentação essencialmente diferente”, para efeitos de admissibilidade de recurso de Revista, se a 1.ª instância concluiu pela impossibilidade de resolução dos contratos por alteração das circunstâncias em virtude do não preenchimento dos “pressupostos positivos” desse instituto (artigo 437.º do CC) e o acórdão recorrido alcançou o mesmo resultado mas pela constatação da verificação do “pressuposto negativo” da existência de mora da parte lesada (artigo 438.º do CC).

V - O conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença da 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.”

11. Ou o acórdão proferido pelo STJ no Processo 302913/11.6YIPRT.E1.S1, em 19.02.2015, disponível em www.dgsi.pt em que se sumaria que “[t]al situação tem-se por verificada quando a condenação da ré na sentença apelada radicou na invocação de uma violação culposa do princípio da boa fé contratual, quer na fase pré-contratual, quer na fase pós contratual, ulterior à consumação da compra e venda do imóvel, apelando a Relação, não ao plano de qualquer responsabilidade situada no perímetro dos contratos celebrados, mas antes à violação culposa pela ré de um dever de conservação das partes comuns do imóvel, decorrente da sua qualidade, legalmente imposta, de administrador provisório do edifício em regime de propriedade horizontal – deslocando, assim, a base normativa da condenação do âmbito da violação do princípio da boa fé contratual para o plano das consequências do incumprimento culposo dos deveres que recaem sobre o administrador, como órgão da propriedade horizontal.

Na verdade, temos entendido que só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância”.

12. Em face do supra exposto deverá entender-se ocorrer dupla conforme entre a sentença proferida pelo Juiz ... do Juízo Central Cível da ... em 19.06.2024 e o acórdão proferido pela 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto proferido em 28.01.2025 e, consequentemente, julgar-se inadmissível o Recurso De Revista interposto pela Interveniente Helvetia com o fundamento de inexistência de dupla conforme, nos termos do artigo 671.º, n.º 3 do CPC.

13. Subsidiariamente a Interveniente Helvetia entende caber recurso de Revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto porquanto, no seu entendimento, o mesmo está em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 15.01.2019 proferido no processo 796/16.8T8LRA – A que correu termos no Juiz ... do Juízo Local Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, transitado em julgado em 11.02.2019, declarando para o efeito que interpõe tal recurso de Revista nos termos do artigo 671.º, n.º 2, al. a) ex vi artigo 629.º, n.º 2 al. d) do CPC.

14. Ora, o disposto no artigo 671.º, n.º 2, al. a) ex vi artigo 629.º, n.º 2, al. d) do CPC está pensado para as decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal da Relação, e decisões interlocutórias são aquelas que são tomadas, ao longo do processo, e que não põem termo à instância e em relação às quais constitui regra geral, em matéria de recursos, a da impugnação diferida e concentrada com o recurso interposto da decisão final. Cfr. Ac. STJ de 09.03.2021, processo 2616/17.7T8PDL.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

15. Sucede que a decisão proferida pela 2.ª Secção do Tribunal da Relação em 28.01.2025 não consubstancia uma decisão interlocutória, mas antes uma decisão final que põe termo ao processo, não se tratando de uma decisão proferida ao longo da instância e que visa a resolução de uma qualquer e diversa questão suscitada até ser proferida a decisão final.

16. Assim, verificando-se dupla conformidade entre as decisões das instâncias, e não tendo a recorrente lançado mão da Revista excecional, ao abrigo do art 672º do CPC, embora a Revista seja admitida em termos gerais, não é permitida por efeito da conformidade de julgados, como decorre do artigo 671° n° 3 do CPC (neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de abril de 2021 (Revista 1994/06.8TB YNG.PI.SI), de 24 de novembro de 2020 (processo n.° 2549/15.1 T8AVR.P2.51, e de 30 de abril de 2020, processo n° 7459116.2T8LSB-A.L I.S1).

17. E ainda que se aventasse que a recorrente se equivocou na invocação das normas jurídicas pretendendo antes interpor recurso de Revista, nos termos e para os efeitos do artigo 671.º, n.º 3 e artigo 672.º, n.º 1, ambos do CPC - na medida em que o regime da Revista Excecional consente que o obstáculo derivado da confirmação pela 2.a instância da decisão da l.a instância, sem voto de vencido e com fundamentação semelhante, seja ultrapassado - ainda assim seria de improceder a pretensão da recorrente.

18. Com efeito muito embora se admita caber recurso de Revista do acórdão da Relação quando este esteja em contradição com outro, transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

19. Exige-se (de acordo com a esquematização feita por Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 74): - Que o acesso esteja vedado por razões não ligadas à alçada; - Que se verifique «uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e no outro aresto (acórdão da Relação ou do Supremo que sirva de contraponto), não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico; tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é que, a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória»; - Que haja “uma efetiva contradição de acórdãos, oposição que deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta; não bastando para o efeito uma qualquer contradição relativamente a questões laterais ou secundárias, a questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambos os acórdãos, sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou em torno de meros obiter dicta”; - Que a divergência se verifique “num quadro normativo substancialmente idêntico”. (negrito e sublinhado nosso).

20. Nas suas alegações recursivas a recorrente indica como acórdão fundamento, isto é, como acórdão com o qual o recorrido se encontra em contradição o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 15.01.2019, transitado em 11.02.2019, proferido no processo 796/16.8T8LRA-A. É certo que em ambos os acórdãos se suscita a questão da suspensão do prazo de prescrição nos termos e para os efeitos do artigo 321.º, n.º 1 do CC em que se preceitua que a prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses de prazo. Outrossim ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação.

21. Sucede que, apesar de se debruçarem acerca da mesma questão fundamental de direito, existe entre ambos os acórdãos questões factuais provadas e distintas que importam que as decisões proferidas em cada um deles fosse diametralmente diferente, concretamente:

22. Nos presentes autos, a pessoa contra a qual foi primeiramente intentada a ação (Cicor) detinha poderes de representação da pessoa responsável (Helvetia), tanto assim que foi dado como provado no ponto 83 dos Factos Provados “De acordo com a clausula 6.ª do acordo de colaboração da Helvetia com a corretora de Seguros, Cicor, com efeitos desde 25.06.2014, a “corretora (Cicor) poderá receber em nome da EA (Helvetia) as comunicações de sinistros dirigidas à corretora, assistindo e assegurando nesse caso os segurados, assegurados e beneficiários das apólices intermediadas pela mesma, garantindo a veracidade das referidas comunicações e o correto preenchimento de todos os requisitos estabelecidos para o efeito pela EA, devendo enviar as mesmas sem qualquer atraso (6.1); e a EA autoriza à corretora a liquidação e pagamento de sinistros por conta da EA sempre que o seu valor seja aprovado previamente e escrito pela EA (6.2)”

23. Na verdade, em face do acordo de colaboração celebrado entre a Cicor e a Helvetia não temos dúvidas que aquela podia receber em nome desta as comunicações de sinistros que lhe fossem dirigidas, cabendo-lhe assistir e assegurar os segurados, ou seja, tinha a Cicor autorização para processar sinistros, como o que está em causa nos autos (cláusula 6ª); pelo que com a entrada em juízo da presente ação foi levado ao conhecimento da ré primitiva Cicor a ocorrência do sinistro relativo à A, estando a mesma autorizada a processá-lo e consequentemente obrigada a comunica-lo à Helvetia. Na verdade, a Cicor tem poderes não só para atuar genericamente em nome da Helvetia, mas para celebrar contratos de seguro em nome desta e receber participações de sinistros e inclusive liquidar indemnizações, ou seja, para a representar.

24. O que já não ocorre no recorte de vida factual subjacente ao acórdão fundamento onde a pessoa contra a qual foi primeiramente intentada a ação não dispunha de quaisquer poderes de representação ou outros que lhe permitisse receber quaisquer comunicações de sinistros, processá-los, comunicá-los sem qualquer atraso e sequer poderes de liquidação e pagamento de indemnizações.

25. Ademais, no processo do acórdão fundamento desde data anterior à interposição da ação que a aí autora sabia que a pessoa contra a qual iria interpor a ação não era a dona do cão que lhe causou o dano, ie, que não era a pessoa responsável pela indemnização do sinistro. Tanto assim que foi aí dado como provado que: “a – O R. BB recebeu da InterEurope, carta, correspondente ao escrito a fls. 60, tendo por assunto, “Interpelação para efeito de Responsabilidade Civil”, na qual se dizia, entre o mais:

Dirigimo-nos a V. exas na qualidade de regularizador de sinistros da companhia francesa de proteção jurídica L`Équité, onde a Sra. CC possui uma apólice PJ (…)» Respondeu o R. a essa carta, por correio registado, junto a fls. 60V/61, que estará datada de 21/05/2014 . referindo, entre o mais: «Acabo de receber (em mão) vossa informação relacionada com a ocorrência entre dois cães, o ano passado (…) a Sra. CC sabe tão bem como eu, que 1.º, ela foi avisada várias vezes para ter quidado com o cão, e não ligou, 2.º ela também sabe perfeitamente que o tal cão não é meu, e também sabe quem é o dono!(…)»”

26. Com efeito pode ler-se na fundamentação do acórdão fundamento que: “na verdade, se, em abstrato, e em função do que alegou, lhe é minimamente possível sustentar que o relacionamento que teve com o R. lhe permitiu o convencimento de que nele convergia a pessoa do dono e do vigilante do animal – perspectiva essa que o chamado J... impugna, invocando, repetidamente, que a mesma, tendo estado instalada por doze dias no prédio que comportava as três moradias, não pode ter deixado de saber quem era o verdadeiro proprietário do cão lesante - essa sustentação deixa de ser possível a partir do momento em que a “ I (...) ”, sua seguradora, lhe terá dado conhecimento da resposta do R. acima referida, em que o mesmo afirma que não é dono do cão, embora não identifique a pessoa deste. Desde esse momento – que, aliás, em concreto se desconhece, mas que a A também não concretizou, mas que não andará muito longe da data do registo da carta do R., que parece ser a de 21/5/2014, data essa consentânea com a da própria carta a que se refere - avisada como necessariamente ficou de que o R. bem poderia não ser, afinal, o dono do cão, querendo efetivamente fazer valer o seu direito indemnizatório também contra este, e não podendo deixar de equacionar que tal cão pertencesse à filha ou genro do R. – é ela própria quem no art 3º e 4º da p i referencia a circunstância de no mesmo prédio estar também implantada a casa «onde reside a filha do R» e a circunstância de as três moradias não terem qualquer vedação entre si, partilhando os mesmos espaços comuns - podia e devia ter-se certificado junto da Junta de Freguesia da residência do R. se era ele ou não quem aí figurava como detentor do mesmo.

27. Sucede que nos presentes autos não foi dado como provado que a autora em data anterior ao da interposição da ação soubesse que a Ré Cicor não fosse a terceira responsável pela indemnização do sinistro e/ou quaisquer outros factos que permitam inferir tal conclusão factual e nem sequer que atento os concretos factos dados como provados lhe fosse exigível saber e conhecer quem era o obrigado a indemnizar.

28. Pelo que atento o recorte factual dado como provado no acórdão fundamento é legitimo concluir-se pela culpa da autora (lesada) quanto ao desconhecimento do responsável, pois que em data anterior ao da interposição da ação havia sido informada por carta enviada pelo primitivo réu, que este não seria o dono do cão que lhe causou danos; já nos presentes autos a autora não foi informada de que a primitiva ré não fosse a responsável pela indemnização, outrossim foi informada pela sua entidade patronal que a seguradora responsável era a primitiva ré (Cicor), o que permite concluir que desconhecia sem culpa a identidade do responsável.

29. Portanto, o tribunal da Relação de Coimbra concluiu pela culpa da lesada pelo facto de entender que no caso concreto se impunha que a mesma indagasse na junta de freguesia quem aí figurava como detentor do canídeo porquanto ter sido levado ao seu conhecimento em momento prévio ao da instauração dos presentes autos que o canídeo não pertenceria à pessoa primeiramente demandada (!), circunstancia factual relevante que a aqui recorrente Helvetia deliberadamente omite nas suas alegações recursivas e que é determinante e justificativa no diferente desfecho dos presentes autos, quando comparados com o do acórdão fundamento.

30. As suprarreferidas duas circunstâncias factuais (poderes de representação e conhecimento de que a pessoa contra a qual se intenta a ação não é o obrigado a indemnizar) legitima que em ambas as situações tenham sido proferidas decisões diferentes, isto é, não obstante em ambos os acórdãos se tenha abordado o mesmo instituto jurídico (o da prescrição e sua suspensão) os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica não são coincidentes, isto é, a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões não operou sobre o mesmo núcleo factual na medida em que nos presentes autos a Ré Cicor tinha poderes de representação da Interveniente Helvetia e a autora à data da interposição da ação não sabia que a Cicor não era a seguradora responsável por indemnizar o sinistro; já no caso do acórdão fundamento a ré inicialmente demandada não dispunha de poderes de representação do obrigado a indemnizar; além de que em data anterior ao da interposição da ação a autora já havia sio informada que a pessoa contra a qual interpôs a ação não seria a dona do cão.

31. Nos presentes autos está assente que o prazo de prescrição é de 5 anos, e muito embora o que releva para início de contagem do prazo seja o conhecimento dos factos constitutivos do direito, ie, o conhecimento que o ato foi praticado e que dessa prática resultaram danos para si, defende-se que no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 321.º do CC, isto é, que se considere suspenso o prazo de prescrição durante o tempo em que o lesado esteve impedido de fazer valer o seu direito contra o verdadeiro responsável, no decurso dos últimos três meses do prazo, por desconhecer, sem culpa, a identidade deste.

32. Nesse pressuposto, defende-se no acórdão recorrido que considerando que “o lesado que desconheça sem culpa a pessoa do responsável está impedido de agir judicialmente contra esta (e de, por essa via, interromper o prazo de prescrição em curso), não vemos como recusar, nessa situação, a aplicação da suspensão do prazo de prescrição prevista no referido artigo 321.º do CC. De resto, a não suspensão desse prazo redundaria uma clara violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. A prova deste desconhecimento sem culpa da identidade do responsável cabe, por força daquele artigo 321.º, ao lesado.”

33. Ora, como bem se decidiu no acórdão recorrido “os elementos constantes dos autos evidenciam que, quando propôs esta ação e requereu a citação urgente da primitiva ré Cicor International, SL, a autora desconhecia a identidade da seguradora do empilhador interveniente no acidente que deu causa aos danos que sofreu”.

34. Tanto assim que não se deu como provado, apesar de alegado pela interveniente Helvetia que a “autora sempre teve conhecimento da identidade da companhia de seguros que havia celebrado o contrato de seguro com a proprietária da empilhadora”

35. No caso em apreço, não pode imputar-se sequer a título de negligência o facto de não ter sido capaz de identificar corretamente a Seguradora para a qual havia sido transferida a responsabilidade civil decorrente dos danos ocasionados pela circulação do empilhador e, consequentemente, o atraso na sua citação para a presente demanda.

36. Com efeito, a autora é totalmente estranha à relação contratual estabelecida entre o proprietário do empilhador atropelante e a seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade civil, sendo certo que desconhecia, até 01/07/2015, que os empilhadores não pertenciam à sua entidade patronal e estavam abrangidos por contrato de seguro.

37. A autora desconhecia ― e, dado que era uma mera trabalhadora assalariada da Conservas..., Lda., não estava em condições de conhecer ― quem era o proprietário do empilhador, se a sua utilização estava coberta por seguro válido, qual a companhia seguradora, qual o n.º e condições da apólice correspondente, etc.

38. A esse propósito consta da fundamentação da sentença de primeira Instância que a autora “no que concerne às questões do seguro do empilhador, referiu nada saber, e a Cicor nada lhe ter comunicado, aliás, referiu nem saber que empresa é essa, esclareceu não ter recebido em casa nenhuma comunicação de ninguém, que nunca ninguém entrou diretamente em contacto com ela ou com a filha”

39. Foi a entidade patronal da autora que, somente em 01/07/2015, lhe deu a conhecer que o empilhador não lhe pertencia, mas antes a uma sua cliente, G... SL, encontrando-se cedido no âmbito de um acordo de venda de subprodutos de peixe, de modo a facilitar o carregamento dos mesmos subprodutos. Cfr. ponto 13 dos Factos Provados.

40. E foi igualmente a entidade patronal da autora, através do seu funcionário DD, que a informou de que a Companhia de Seguros para a qual havia sido transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela atividade da máquina aqui em causa era a ré “Cicor Internacional SL”, sendo o n.º da apólice o ...70 e ...68. Cf. documento n.º 2 da petição inicial e fundamentação da sentença proferida pela Primeira Instância onde a propósito do depoimento de DD se escreve que o mesmo declarou ter informado que a seguradora era a Cicor e já não a Helvetia.

41. Portanto, foi precisamente a informação escrita dada pela entidade patronal, que, por sua vez, retransmitiu a informação recebida da sua cliente “G... SL” que induziu a autora em erro, porque dela consta expressamente que a Companhia de Seguros é a “Cicor Internacional SL”, sendo a identificação desta empresa a que figura no documento (comprovativo do pagamento do prémio de seguro) remetido em anexo ao e-mail. Cf. documento n.º 2 da PI.

42. Portanto, perante esta informação a autora apenas podia concluir que a seguradora responsável era a primitiva ré, como sufragado no acórdão recorrido.

43. Nunca foi facultada à autora o acesso às condições particulares e gerais da apólice ou a qualquer outro documento comprovativo do contrato de seguro, o que a ter sucedido poderia ter desvanecido quaisquer dúvidas acerca da identidade da seguradora contratante, sendo que apenas lhe foi concedido fotocópia do recibo do premio de seguro, o qual de resto está redigido em língua estrangeira. Cfr. documento n.º 3 junto com a PI

44. Em todo o caso, nesses documentos faz-se referência a contratos de seguro (“Seguro: Autos V.E”), a apólices (“Poliza”, uma com o n.º ...70 e outra com o n.º ...68), a matrículas (...98 e ...59, sendo certo que apenas o primeiro número corresponde ao número de série do empilhador referido no ponto 3 dos factos provados) e a prémios líquidos e respetivos impostos (“Prima neta” e “Impuestos”), permitindo concluir que os pagamentos em causa se referiam a prémios de seguro.

45. Desses documentos consta ainda como titular da conta debitada, ou seja, como entidade pagadora, G..., S.L. e como entidade emissora, ou seja, entidade beneficiária do pagamento, Cicor International S.L., o que parece corroborar a convicção de que estas seriam as outorgantes daqueles contratos de seguro.

46. É certo que nos documentos em causa, para além das referências antes analisadas, consta também a seguinte menção: “Compaçia: Nacional Suiza, Compaçòa de”. Mas tal como se conclui no acórdão recorrido esta referência não impunha que fosse entendida pela autora como uma menção à seguradora com quem foram celebrados os contratos de seguro em aí mencionados, em especial no contexto em que surge, ou seja, depois de a entidade patronal da autora lhe ter comunicado que essa seguradora era Cicor Internacional S.L., mencionada nos documentos em causa como beneficiária do pagamento dos prémios.

47. Note-se que naqueles documentos não é feita qualquer referência que revele tratar-se de uma seguradora, constando apenas os termos Compaçia e Compaçòa, que parecem ser erros de escrita ou de digitalização, desde logo porque a letra “ç” não é usa na ortografia espanhola, podendo admitir-se que se pretendeu aludir ali ao termo compañia (companhia), mas não necessariamente companhia de seguros.

48. Se agora, depois da informação e documentação carreada para os autos pela primitiva ré e pela interveniente principal, pode parecer óbvio que aquela era uma referência à seguradora, na altura essa evidência não existia, não sendo exigível que a autora ou a sua mandatária soubessem que Nacional Suiza era uma companhia de seguros ou, muito menos, que conseguissem compreender e interpretar corretamente um documento bancário redigido em língua espanhola.

49. Portanto, a posse de tais documentos pela autora desde 01.07.2015 não permite que se infira que a autora estivesse em condições de saber a identidade do responsável e consequentemente não desconhecesse sem culpa a identidade do responsável, inexistindo qualquer presunção de culpa preceituado no art. 498.º, n.º 1 do CC como inexplicavelmente defende a recorrente nas suas alegações recursivas.

50. De tais documentos não se extrai sem margens para dúvidas que a Helvetia (anterior National Suiza ) fosse a Seguradora; aliás constando desses documentos como titular da conta debitada, a G..., S.L. e como entidade emissora, ou seja, entidade beneficiária do pagamento, a Cicor International S.L., tal parece corroborar a convicção da autora de que estas seriam as outorgantes daqueles contratos de seguro e, portanto, a Cicor fosse a Seguradora.

51. Afirma, porém, a recorrente que bastaria uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet – https://dgsfp.mineco.gob.es – para confirmar que a Cicor não era uma companhia de seguros, mas antes a Helvetia.

52. Mas, pelas razões já expostas, a autora tivesse razões objectivas para questionar a informação que lhe foi prestada pela sua entidade patronal e utilizadora do empilhador em causa, nem lhe era exigível conhecer a existência e o sítio electrónico da Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, por não se tratarem de factos púbicos e notórios ou de conhecimento geral.

53. Alega ainda a recorrente a evidência decorrente da firma da Cicor, na qual consta expressamente a designação corretora – Cicor Internacional Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L., mas perante a informação e a documentação antes analisada, não cremos que fosse exigível a uma pessoa média, colocada na posição da autora, concluir que a ré primitivamente demandada não podia ser parte no contrato de seguro em causa, por constar da sua denominação social o termo, de natureza técnico-jurídica, “correctora de seguros”, tanto mais que nem sequer é este o termo que integra a referida denominação social, mas sim o termo espanhol “correduria de seguros y reaseguros”, cuja tradução não será do conhecimento da generalidade das pessoas que não têm o espanhol como língua materna.

54. Ademais, foi dado como provado (Facto 80 dos Factos Provados) que a Ré Cicor interveio no contrato de seguro aqui em causa enquanto mediadora de seguros, e não apenas enquanto corretora, como a própria reconheceu no seu articulado e resulta das condições especificas da apólice juntas aos autos.

55. Mais foi dado como provado que a Cicor poderia receber em nome da Helvetia as comunicações de sinistros que lhe sejam dirigidos, assistindo e assegurando nesse caso os segurados, asseguradores e beneficiários das apólices intermediadas pela mesma, garantindo a veracidade das referidas comunicações e o correto preenchimento de todos os requisitos estabelecidos para o efeito pela Helvetia, devendo enviar os mesmos sem qualquer atraso; que a Cicor estava autorizada a liquidar e pagar os sinistros por conta da Helvetia sempre que o seu valor fosse aprovado previamente e escrito pela Helvetia. Cfr. facto 83 dos Factos Provados e Acordo de fls. 825 a 830 dos autos.

56. A propósito note-se que na fundamentação da sentença proferida em Primeira Instância a propósito do depoimento da testemunha EE, pessoa que trabalhou para a empresa G..., Lda., a mesma referiu que em caso de acidente com os empilhadores, como o dos presentes autos, falavam com as corretoras e já não com a seguradora.

57. Pelo que atento o concreto acordo existente entre a Ré Cicor e a Interveniente Helvetia é licito concluir que a Cicor, enquanto mediadora e/ou corretora de seguros ao serviço da Helvetia, gozava de verdadeiros poderes de representação, competindo-lhe nomeadamente receber em nome da Helvetia, as comunicações dos sinistros que lhe fossem dirigidas, cabendo-lhe assistir e assegurar os segurados, ou seja, tem a corretora/mediadora Cicor autorização para processar sinistros, como o que está em causa nos autos, assim como poderes para cobrança de prémios (neste sentido ver clausula 5 e clausula 6 do Acordo junto aos autos a fls 825 a 83.0. Em sentido semelhante veja-se Acórdão do TRP de 10/02/2016, disponível em www.dgsi.pt..

58. Por conseguinte, a Cicor não é uma entidade completamente estranha à Nacional Suiza (agora Helvetica), mas uma empresa que gere um certo n.º de apólices e clientes, representando a empresa de seguros em todos os aspetos da relação estabelecida com o tomador de seguro, desde a celebração do contrato, a gestão de sinistros, até ao pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro, passando pelo recebimento dos prémios de cada apólice. Cfr. clausulas 2.1ª; 5.ª, 6.ª do Acordo junto a fls. 825 a 830 dos autos).

59. Portanto, o que se constata é que a identificação errada da seguradora em causa foi induzida por entraves linguísticos, pela errada informação prestada pela sua entidade patronal ― pois não se olvide que a autora não é parte no contrato de seguro ― e pela conduta omissiva da ré “Cicor” que tinha conhecimento direto e pessoal acerca da apólice aqui em causa e, apesar disso, contribuiu de forma deliberada, desde o início, para que a autora permanecesse em erro, prevalecendo-se agora a sua representada (Helvetia, que de resto é representada pelo mesmo escritório de advogados que a sal representante) de tal situação e dessa forma permitir que qualquer uma delas se furtem ao ressarcimento dos danos que lhes competia indemnizar na sequência do acidente ocorrido nos presentes autos.

60. E se é certo que a carta de interpelação enviada à “Cicor” se encontra redigida em língua espanhola, daí não decorre que a autora ou a sua mandatária tenham conhecimentos de língua espanhola. A interpelação dirigida à “Cicor” foi redigida em português, tendo sido vertida para espanhol por tradutor contratado para o efeito, pelo que é falaciosa a argumentação expandida pela recorrente quanto à inexistência de entraves linguísticos.

61. A propósito escreve-se no acórdão recorrido que “não será exigível ao advogado médio que exerce a sua atividade em Portugal o conhecimento do significado e alcance desses termos, ou seja, o domínio do direito espanhol, designadamente do objeto social correspondente a uma sociedade com firma ou denominação “Curredoria de seguros y Reaseguros, SL”.

62. Assim, tal erro quanto à identidade da seguradora necessariamente terá de ser havido como um erro desculpável não imputável sequer a título de negligência à autora ― até porque uma das partes interessadas no presente pleito (a ré “Cicor”) em muito contribuiu para este estado de erro da autora ― e, consequentemente, ter-se-á de entender que no momento em que findou o prazo de prescrição (07.11.2016) a autora desconhecia sem culpa a identidade da seguradora responsável pelo pagamento da indemnização que lhe era devida.

63. Não podemos perder de vista que a justiça material, aqui como em qualquer outro processo em que ocorram cenários com o que estamos a analisar, sobrepõe-se à mera justiça formal, demandando uma atitude direcionada a conseguir a efetiva realização do direito.

64. Concretamente, não se pode de forma alguma consentir que a “Cicor” e a “Helvetia” se prevaleçam da confusão para a qual contribuíram acerca da identidade da seguradora, para a final atingir um desiderato que serve os concretos interesses de ambas, concretamente o de se furtarem ao ressarcimento dos danos que lhes competia indemnizar na sequência do acidente ocorrido nos presentes autos.

65. A não ser assim, estar-se-ia a consentir na violação dos princípios da boa-fé e da confiança, que são princípios ético-jurídicos fundamentalíssimos e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.

66. Ora, deles decorre que «toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outras expectativas quanto à futura conduta do agente» e «todo o agir comunicativo implica uma auto vinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura» (cfr. Ac. TRL de 09/02/2012, disponível em www.dgsi.pt, citando um estudo de Baptista Machado publicado na RLJ n.º 117, 233) .

67. Pelo supra exposto deverá entender-se muito bem andou o tribunal recorrido ao decidir que “no momento em que findou o prazo de prescrição – 07.11.2016 – a autora desconhecia sem culpa a identidade da seguradora responsável pelo pagamento da indemnização que lhe era devida, pelo que aquele prazo se suspendeu no dia 07.08.2016, tendo essa suspensão cessado apenas em 07.04.2017, data em que se presume notificada do requerimento apresentado pela ré primitiva e respetivos documentos, que lhe permitiam conhecer a identidade da verdadeira seguradora. Nestes termos, o prazo de prescrição terminaria apenas em 07.07.2017, ou seja, já depois da citação da interveniente principal, ocorrida em 30.05.2017, data em que esse prazo se interrompeu e começou a correr novo prazo, nos termos previstos nos artigos 323.º, n.º 1, e 326.º do CC.”.

68. Pelo que a decisão recorrida não violou as normas e princípios jurídicos dos artigos 321.º, n.º 1 e 498.º, n.º 1 do CC, nem este último consagra qualquer presunção de culpa do lesado como pretende fazer crer a recorrente Helvetia.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deverá o recurso de Revista não ser admitido, subsidiariamente deverá ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, mantido o acórdão proferido pela 2.ª Secção do Tribunal da Relação do porto em 28.01.2025, o qual manteve a decisão proferida pelo Juiz 1 do Juízo Central Cível da... proferida a 19/06/2024,

como é de JUSTIÇA!”

II- Delimitação do objecto do recurso

Nada obsta ao conhecimento da revista, porquanto embora o acórdão recorrido mantenha a sentença proferida em 1.ª instância, fá-lo por razões diferentes, como o próprio acórdão recorrido refere (cfr. art.º 671.º, n.º 3, do C.P.C.).

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir consiste em saber – Se o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que absolva a recorrente do pedido.

III- Fundamentação

1.- Factos

Factos provados

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. A 1 de Fevereiro de 1982, a A. foi admitida ao serviço da sociedade Conservas..., Lda., através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, para sob as ordens, direção e instruções desta exercer as funções de preparadora de conservas de peixe.

2. Por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ...38, a entidade empregadora da A., Conservas..., Lda., transferiu para a Companhia de Seguros Açoreana S.A., a responsabilidade infortunística pelos encargos provenientes de acidentes de trabalho, pelo salário anual de € 10.767,04.

3. No dia 7 de Novembro de 2011, cerca das 08h00m, a A., enquanto trabalhava sob as ordens, direção e instruções da Conservas..., Lda., nas instalações sitas em ..., foi embatida e colhida pelo empilhador com o n.º de série ...98, manobrado por um seu colega de trabalho, que saía em marcha atrás do frigorífico / câmara de refrigeração onde tinha estado a arrumar material nos espaços a tal destinados.

4. No momento em que foi colhida, a A. atravessava um corredor de circulação em que os trabalhadores têm forçosamente que circular quando pretendem deslocar-se entre as diversas zonas do armazém.

5. Nesse preciso instante, o condutor da mencionada máquina, distraído, iniciou repentinamente uma manobra de marcha atrás, saindo da referida câmara de refrigeração, sem se certificar de que o podia fazer em segurança, apesar de saber que invadia um local de passagem por onde circulam, apeados, outros colegas de trabalho.

6. O condutor do empilhador manobrava-o em marcha atrás numa zona de passagem do armazém habitualmente atravessada a pé outros colegas de trabalho, sem se certificar, na execução das suas manobras, que nenhum se encontrava no seu raio de ação.

7. A A. atravessava, a pé, a referida zona de passagem, como ela e os demais colegas tinham que fazer e faziam habitualmente no exercício das suas tarefas normais, nada tendo podido fazer para evitar a colisão, uma vez que foi surpreendida, quando se encontrava de costas, pela manobra repentina do empilhador saído da mencionada câmara de refrigeração.

8. A saída em marcha atrás para uma zona onde circulam habitualmente a pé os demais trabalhadores impunha ao condutor do empilhador que tomasse os cuidados adequados de modo a não colher essas pessoas.

9. A colisão referida foi qualificada como acidente de trabalho, tendo dado origem ao processo n.º 941/12.2TTMTS, que correu termos na Secção do Ministério Público do (extinto) Tribunal de Trabalho de ..., contra a Açoreana Seguros, S.A, como entidade seguradora responsável.

10. Por não ter havido conciliação entre as partes no que concerne à questão das incapacidades e à data da alta clínica, a aqui A. intentou ação declarativa de condenação contra a seguradora responsável Açoreana Seguros, S.A., a qual correu termos com o n.º941/12.2TTMTS, pela 3.ª Secção de Trabalho – J1, da Instância Central da Comarca do Porto.

11. No âmbito do referido processo a Açoreana Seguros, S.A., foi condenada a pagar à A uma pensão anual e vitalícia no valor de €2.811,27, com vencimento em 12.12.2012, dia seguinte ao da alta, atualizável nos termos da lei, cifrando-se no valor de €2.892,80 a partir de 1.01.2013, o valor de €2.904,37 a partir de 1.01.2014, e no valor de €2.915,99 a partir de 1.1.2016, crescidos de juros, à taxa legal, desde aquelas datas e até integral pagamento, conforme sentença, cujo teor se dá por reproduzido.

12. Em cumprimento do dever de indemnizar que resulta da apólice referida em 2., a Açoreana Seguros, pagou à A. diversas quantias, a título de ITA e ITP.

13. À data do acidente, o empilhador supra identificado pertencia à empresa G..., Lda., encontrando-se cedido pela respetiva proprietária, através da empresa S..., à então entidade patronal da A., Conservas..., Lda.

14. Por contrato de seguro titulado pela apólice de seguro n.º ...70, G..., Lda. transferiu para National Suiza- Companhia de seguros Y Reseguros SA, a qual foi incorporada, com efeitos em 16.3.2016, na Ré “Helvetia Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A.”, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela atividade da referida máquina.

15. No momento em que efetuava a referida manobra de marcha atrás, o empilhador embateu contra o corpo da A.com grande impacto, tendo esta perdido de imediato a consciência e sofrido uma queda desamparada com embate violento da cabeça no solo.

16. Em consequência direta e necessária do embate e da queda ao solo, a A. sofreu um TCE grave com perda de consciência e fratura de F2 do Hallux e da base de F1 de D2 e a base de F1 de D3.

17. Para tratamento das lesões sofridas, a A. teve de ser imediatamente transportada em ambulância para o Serviço de Urgência do Hospital 1.

18. À data de admissão no serviço de urgência, a A. apresentava EC Glasgow de 13.

19. Em virtude da gravidade da condição em que se encontrava e da natureza das lesões que apresentava, a A. teve de ser imediatamente transferida para o Hospital 2, tendo dado entrada na unidade intermédia de neurocríticos a 7.11, tendo sido transferida a 8.11, para a UCI, onde esteve internada, entre 07/11/2011 e 21/11/2011, e no Serviço de Neurocirurgia, entre 22/11/2011 e 15/01/2012.

20. À data da admissão no serviço de Urgência do Hospital 2, a A. apresentava: - EC Glasgow de 12, sem lateralização motora; e - TAC cerebral evidenciando hemorragia subdural (HSD) agudo frontal-temporal esquerdo com focos contusionais associados, sem desvios da linha média mas com apagamento dos sulcos da convexidade e das cisternas da base em provável contexto de edema cerebral.

21. A A. foi, conforme referido, inicialmente transferida para a UCIN – Intermédios da referida Unidade Hospitalar, onde foi internada.

22. Uma vez que se verificou deterioração do estado de consciência de 13 para 10, foi a A. sujeita a nova TAC cerebral, tendo-se constatado, comparativamente à primeira TAC, um aumento das contusões hemorrágicas frontais/fronto-basais esquerdas, com edema circundante.

23. Mais se constatou que, por causa do acidente, se formava no cérebro “corpo caloso que condicionava o efeito da massa sobre o parênquima adjacente e sobre o ventrículo lateral esquerdo com desvio das estruturas medianas para a direita de cerca de 9 mm, apagamento de sulcos corticais de predomínio esquerdo”.

24. Em 08/11/2011, a A. teve que ser submetida a intervenção cirúrgica (craniotomia frontal) com carácter de urgência para a remoção de contusão frontal esquerda expansiva e drenagem da hemorragia sub-dural agudo e FT esquerdo.

25. Nas semanas seguintes, permaneceu internada na Unidade de Cuidados Intensivos, com entubação orotraquial (ITO) e ventilação mecânica invasiva, tendo-lhe sido induzido o coma, situação que se manteve até 21/11/2011.

26. À data de 21/11/2011, a A. foi submetida a EEG onde se constatou marcada disfunção corticosubcortical em especial frontal esquerdo sem atividadeepileptiforme.

27. Em 22.11.2011 foi transferida para o Serviço de Neurocirurgia, com o estado melhorado.

28. Ainda durante o internamento, o estado da A sofreu complicações, nomeadamente a A. sofreu uma infeção nosocomial com focos na ferida cirúrgica da craniectomia e SNC (sistema nervoso central), com bacteriemia a Enterobacter Cloacae +ITU (infeção do trato urinário) e enterococcus faecalis.

29. Por esse motivo, em 02/12/2011, a A. foi submetida a cirurgia de limpeza da ferida cirúrgica, tendo-se decidido, no decurso dessa cirurgia, rejeitar retalho ósseo por apresentar sinais de osteomielite.

30. Em 05/12/2011, foi realizada nova TAC cerebral contrastado do qual resultou que a A. padecia de áreas hipodensas em planos cortico-subcorticais fronto-basais esquerdos, com esboços de “cápsulas” após administração de contraste endovenoso, sugestivas de colecções abecedadas.

31. No decurso do internamento, a A. foi submetida a ressonâncias magnéticas em 09/12/2011, 22.12.2011 e 10/01/2012, não se evidenciando áreas de restrição na difusão que indiquem a presença de material purulento residual; redução da captação paquimeníngea frontal anterior esquerda nos planos de intervenção cirúrgica, a traduzir componente inflamatório sem coleções abecedadas.

32. Foi ainda observada por ortopedia, com referência a fratura de F2 do hallux e base de F1 de D2 e base de F1 de D3.

33. Para tratamento das lesões ortopédicas diagnosticadas foi-lhe colocada tala gessada, a 10.11.2011, que manteve durante quatro semanas e foi retirada após ter sido efetuado rx de controlo.

34. Mais se refere, no relatório pericial, que aí evoluiu para ECGlasgow15, sem focalidade neurológica e para marcha autónoma.

35. Em 15/01/2012, a A. recebeu alta hospitalar, tendo passado a ser acompanhada pelos serviços clínicos da Açoreana Seguros S.A., nomeadamente nas áreas de ortopedia e neurocirurgia, tendo sido submetida a diversas consultas, tratamentos, operações cirúrgicas e outros tratamentos médicos e medicamentosos.

36. Existe registo de consulta de Neurocirurgia a 30.01.2015, refere “sem intercorrências ou queixas do foro neurológico”, passando a ser acompanhada no Hospital 3 pelo seguro.

37. Nesse período, a A. foi sujeita a novo internamento hospitalar, desta feita no Hospital 3, no ..., apresentando solução de continuidade do crânio após TCE, tendo sido submetida, em 14/05/2012, a uma terceira intervenção cirúrgica ― cranioplastia ―,destinada a colocar uma prótese de platina no local do crânio de onde fora retirado o osso infetado -“abertura do retalho, desinserção, identificação da continuidade óssea e posterior cranioplastia, com implantação de placa e parafusos bioplate”, tendo tido alta a 16.05.2012.

38. A A foi admitida novamente no serviço de urgência do Hospital 2 a 19.03.2016, em contexto de “ TCE há 1 mês com ferida do couro cabeludo, hoje constatada pequena deiscência após avivamento dos bordos”, com alta hospitalar no próprio dia, mas indicação para reavaliação em consulta hospitalar de neurocirurgia.

39. Admitida novamente no serviço de urgência do Hospital 2 a 07.04.2016, em contexto de “deiscência da cicatriz cirúrgica pós-craniotomia, não tendo sido objetivada drenagem de conteúdo purulento”, tendo tido alta no próprio dia.

40. A A teve consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva a 20.04.2016, onde está registado “novo TCE há 2 semanas com pequena ferida com exposição da rede”.

41. A A esteve internada no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva do Hospital 2 a 02.05.2016 com referência a “há 4 semanas teve novo TCE, há 2 semanas com ferida com exposição da rede, na região temporal esquerda”, sendo internada para plastia com retalho da área de perda de substância – cirurgia conjunta com neurocirurgia, tendo tido alta a 04.05.2016.

42. A A teve consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva a 18.05.2016, onde se refere “boa evolução” e a 01/06/2016 em que se refere cicatrizado.

43. A A teve nova consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva a 21.03.2018, onde se refere “cicatriz instável. Para plastia”.

44. A A foi sujeita a novo internamento no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva do Hospital 2 a 28.01.2019 com referência a “ferida instável em área de intervenção prévia”; submetida a desbridamento de área de cicatrização instável e plastia com retalho de rotação temporal no dia 28.01.2019, com alta hospitalar a 05.02.2019.

45. A A teve novas consultas de cirurgia plástica e reconstrutiva a 13.02.2019, onde se refere “remove quase a totalidade dos agrafos, mantém pontos e agrafos na área mais instável, a 20.02.2019 em que remove os restantes pontos; depois a 06.3.2019 onde se refere que apresenta defeito mais pequeno mas com cicatriz instável e a 20.3.2019 onde s refere “sobreponível. Aguarda extração da placa”.

46. Em 15.04.2019 a A é novamente consultada em Neurocirurgia, onde se deteta “nova deiscência de ferida, em agravamento” e é proposta cirurgia para remoção da placa de titânio, cranioplastia com PEEK e correção de deiscência”.

47. A A foi sujeita a novo internamento no serviço de Neurocirurgia do Hospital 2 a 12.11.2019, com referência a admissão para “remoção de placa de titânio, cranioplastia com PEEK e correção de deiscência realizada a 13.11.2019, tendo tido alta hospitalar a 18.11.2019 com indicação para reavaliação em consulta hospitalar de neurocirurgia.

48. Foi admitida no serviço de urgência do Hospital 2 a 04.12.2019 em contexto de “deiscência de ferida cirúrgica, drenagem purulenta e exposição de barra de titânio, tendo tido alta hospitalar no próprio dia.

49. Novamente admitida no serviço de urgência do Hospital 2 a 16.12.2019 em contexto de “área de descontinuidade com deiscência pericentimétrica circular na região anterior da incisão”, com alta hospitalar no próprio dia e agendamento de admissão hospitalar para o dia seguinte.

50. A A foi sujeita a novo internamento no serviço de Neurocirurgia do Hospital 2 a 17.12.2019, com referência a “ desde há duas semanas com área de deiscência na porção anterior da ferida com drenagem purulenta; encaminhada ao SU onde realizou TC cerebral, que mostra coleção liquida hiperdensa subjacente a área de craniotomia – 6 mm de maior diâmetro; à observação, área de descintinuidade com deiscência pericentimétrica circular na região anterior da incisão”, sendo internada para RM e ponderação de revisão da ferida, sendo a RM não sugestiva de conteúdo infecioso intracraniano, tendo se optado por penso de pressão negativa e zaragatoa da ferida com isolamento de Enterobacter sensível a Cotrimoxazol, com indicação para voltar a 26.12 para retirada do penso de pressão negativa e reavaliação de ferida operatória, tendo tido alta hospitalar a 23.12.2019.

51. Foi a A novamente sujeita a novo internamento no serviço de Neurocirurgia do Hospital 2 a 18.02.2020 para cirurgia “para remoção de prótese de cranioplastia e correção de ferida deiscente”, realizada a 19.2.2020, com alta a 21.02.2020 com indicação para reavaliação em consulta hospitalar de neurocirurgia e realização de tratamento com penso de pressão negativa posterior com duração de 5 semanas.

52. Em 12.10.2020 a A é consultada em Neurocirurgia, encontrando-se nessa data assintomática, é submetida a EGG e não apresenta défices, fica de decidir se quer recolocar a prótese PEEK que se encontrará esterilizada.

53. Em 07.12.2020 e 08.11.2011 a A é novamente consultada em Neurocirurgia, e, em ambas as consultas a A refere que não quer fazer a cirurgia para colocar a prótese, tendo alta na última consulta.

54. Em consequência do acidente, a A. atualmente apresenta: - dificuldade a lembrar-se de certos termos – afasia motora; - hiposmia; - na região frontal esquerda do crânio, acima da implantação capilar, apresenta área de depressão óssea, de forma arredondada, com 5 por 8 cm de maiores dimensões e com profundidade de 0.5cm, associada no seu bordo supero-posterior a área de alopecia cicatricial com 4 por 2 cm de maiores dimensões e associada a cicatriz cirúrgica nacarada e hipotrófica com 10 cm de comprimento e orientação sagital, com origem na região frontal, à esquerda da linha média, 2 cm abaixo da linha de implantação capilar e progressão até à região fronto-parietal (achados compatíveis com intervenção médico-cirúrgica realizada- craniectomia);

55. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. ocorreu no dia 06/11/2012.

56. Em consequência do sinistro a A sofreu um défice funcional temporário total de 73 dias, entre 07.11.2011 e 15.01.2021 e entre 14.05.2012 e 16.05.2021.

57. E um défice funcional temporário parcial de 293 dias, entre 16.01.2012 e 13.05.2012, entre 17.05.2012 e 06.11.2012.

58. A A teve assim uma repercussão temporária na atividade profissional total de 366 dias, entre 07.11.2011 e 06.11.2012, tendo deixado de auferir a sua remuneração.

59. Sendo que aos períodos referidos de défice funcional temporário total e repercussão temporária na atividade profissional total, acrescem os seguintes períodos de internamento posteriores à data de consolidação médico-legal, relacionados com evento em causa, situados entre 02.05.2016 e 04.05.2016, entre 28.01.2019 e 05.02.2019, entre 2.11.2019 e 18.11.2019 e entre 7.12.2019 e 23.12.2019 e 18.02.2020 e 21.02.2020m num período total de 30 dias.

60. À A, tendo em conta as lesões sofridas, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados, foi fixado o quantum doloris no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

61. A A, em consequência do sinistro em causa nos autos, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 19 pontos.

62. A A, em consequência do sinistro em causa nos autos, ficou a padecer de um dano estético permanente fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes e as alterações morfológicas a nível do crânio.

63. Por não ser capaz de realizar, com autonomia, os gestos da sua vida quotidiana, a A. teve, nos três meses que se seguiram à alta hospitalar, a residir com uma irmã que cozinhava para si e cuidava da higiene da casa e da roupa, auxiliando ainda a A. nos seus cuidados de higiene pessoal.

64. À data do acidente, a A. desempenhava as funções de encarregada de armazém, competindo-lhe a programação de máquinas, a orientação, controlo e emanação de ordens ao pessoal daquele sector, a programação da atividade no seu sector de trabalho (armazém), o controle de stocks, a saída de embarques, a supervisão do funcionamento das máquinas, dando ordens para a sua ligação ou desligamento.

65. Por causa das lesões decorrentes do acidente e sequelas que lhes estão associadas, a A. não mais pôde retomar autonomamente a categoria profissional de encarregada de armazém que desempenhava anteriormente, tendo sido relegada para a execução de tarefas menos qualificadas, que em nada contendem com a atividade para a qual estava habilitada e que desempenhava habitualmente.

66. Até ao encerramento da empresa onde trabalhava, após o acidente, a A. limitava-se a colar etiquetas nos produtos que saem do armazém, a fazer e colar caixas de cartão, não executando qualquer trabalho que implique a realização de registos numéricos ou de quantidades ou quaisquer outros que exijam cálculos.

67. No regresso à sua atividade profissional, a A. sentiu grande desgosto por não mais poder exercer as funções de chefe de armazém a que estava habituada e desempenhava com todo o zelo e competência.

68. Atualmente a A é cozinheira.

69. A A. nasceu em.../1963.

70. Era, à data do acidente, uma profissional competente e reputada, sendo considerada por todos os colegas de trabalho, subordinados e superiores hierárquicos.

71. E tinha gosto e prazer nas tarefas que desempenhava, por se sentir uma profissional bem preparada e saber que as exercia com competência e brio profissional.

72. No exercício dessas funções, a A. auferia, à data do acidente, uma retribuição médio mensal de € 769,07 (setecentos e sessenta e nove euros e sete cêntimos), assim repartidos: a) a quantia de € 489,00 (quatrocentos e oitenta e nove euros), a título de retribuição base; b) a quantia de € 70,40 (setenta euros e quarenta cêntimos) a título de subsidio de alimentação; c) a quantia de € 15,00 (quinze euros) a título de prémio de assiduidade; d) a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) a título de prémio fixo; e) a quantia de € 25,00 (vinte e cinco euros) a título de prémio de produção; e f) a quantia de € 119,67 (cento e dezanove euros e sessenta e sete cêntimos) a título de trabalho extraordinário.

73. Por causa do acidente e das lesões sofridas, a A. esteve em perigo de vida

74. A A. vivência diariamente sentimentos de inferioridade por estar consciente de que padece de alterações ao nível do cheiro, alterações ao nível da verbalização, recusando-se várias vezes a sair e a confraternizar com outras pessoas, amigos, e familiares.

75. Em consequência, a A. manifesta crescente desinteresse e incapacidade para interações sociais, irritabilidade, falta de autoestima e de confiança.

76. Antes do acidente, a A. era uma mulher saudável, ativa, alegre, vivendo com alegria e prazer, não padecendo de qualquer limitação física ou psíquica.

77. Por causa do acidente e das lesões sofridas, a autora irrita-se facilmente por não conseguir dizer o que dizer, tendo-se tornado uma pessoa mais impaciente, triste e envergonhada.

78. As cicatrizes com que ficou provocam-lhe constrangimento no relacionamento interpessoal.

79. A presente ação deu entrada em juízo a 31.10.2016, com pedido de citação urgente.

80. A Ré Cicor foi citada em 24.11.2016, tendo apresentado um articulado nos autos em 04.04.2017, pela mesma Mandatária que representa a R Helvetia, com procuração outorgada em 24.03.2017, alegando que era apenas mediadora do contrato de seguro em causa nos autos e que o contrato de seguro havia sido celebrado com a National Suiza Compañia de Seguros Y Reaseguros, SA, juntando as condições do contrato de seguro.

81. A National Suiza Compañia de Seguros Y Reaseguros, SA, foi citada em 30/05/2017, tendo contestado em 14.09.2017 e outorgado procuração em 13.09.2017.

82. A Ré Cicor Internacional Correduria de seguros Y Reaseguros, tem por objeto social a realização de atividades de corretagem de seguros e resseguros.

83. De acordo com a clausula 6ª do acordo de colaboração da Helvetia com a corretora de seguros, Cicor, com efeitos desde 25.06.2014, “a corretora (Cicor) poderá receber em nome da EA (Helvetia) as comunicações de sinistros dirigidas à corretora, assistindo e assegurando nesse caso os segurados, asseguradores e beneficiários das apólices intermediadas pela mesma, garantindo a veracidade das referidas comunicações e o correto preenchimento de todos os requisitos estabelecidos para o efeito pela EA, devendo enviar as mesmas sem qualquer atraso (6.1); A EA autoriza à corretora a liquidação e pagamento de sinistros por conta da EA sempre que o seu valor seja aprovado previamente e escrito pela EA (6.2)” – cfr. Acordo de fls. 825 a 830 que se dá por reproduzido.

2. Factos não provados

O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:

1 - Em 8 de Julho de 2015, a A. comunicou a ocorrência do sinistro e as suas causas à R. Cicor, questionando-a da assunção da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos;

2 - A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. ocorreu no dia 11/12/2012.

3 – Que, após a sua citação, a R primitiva Cicor entrou em contato com a A, tendo em vista assumir responsabilidades pela reparação dos danos da A.

2.- Direito

1.- Refere a recorrente que o tribunal “a quo” errou de direito, por não poder considerar, suspenso o prazo de prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 321º. nº. 1 do Cód. Civil, por não existir caso de força maior.

Referindo para tanto:

i).- A Recorrida não conseguiu afastar a presunção de culpa que sobre si impende nos termos do artigo 498º. nº. 1 do Cód. Civil, pois é a própria que confessa estar na posse de documentos que identificam cabalmente a seguradora, como sendo a Helvetia, desde 1/07/2015,

ii).- Ou seja, os recibos de pagamento do prémio do seguro, documentos juntos pela Recorrida, sob os nº.s 3 e 4, com a petição inicial, a fls. dos autos, nos quais se constata o nº. da apólice de seguro, o prazo de vigência da mesma, a identificação da companhia de seguros (Nacional Suiza), a identificação da mediadora, a matrícula da empilhadora.

iii) - Ora, estando a lesada devidamente representada por advogada, a quem foram remetidos os recibos do seguro, recaíam sobre esta especiais deveres de indagação e investigação, os quais não se podiam esgotar no questionamento a um funcionário da fábrica de conservas, sobre a identificação da seguradora!

iv) - Na realidade, bastaria uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet - https://dgsfp.mineco.gob.es - para confirmar que a Cicor não era uma companhia de seguros, mas antes a Helvetia.

v) - Isto, caso a Ilustre Mandatária ainda não se tivesse apercebido pela evidência decorrente da firma da Cicor, na qual consta expressamente a designação corretora - Cicor Internacional Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.”, cujo nome a lesada, representada por Advogada, preencheu na íntegra, aquando da elaboração e apresentação da petição inicial que deu origem a estes autos.

vi) - O entendimento do Tribunal a quo esbarra com o documento junto com a petição inicial sob o Doc. nº. 5, a fls. dos autos e que constitui carta redigida e assinada pela Ilustre Mandatária na língua espanhola, remetida à Cicor!

vii) - “Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade.”

viii) - A decisão proferida pelo Tribunal a quo esbarra contra este entendimento, ao não interpretar a norma do nº. 1 do art. 498º. do CC como contemplando uma presunção de culpa da lesada, pois não resultou provado que esta tenha justificado o não exercício do direito, mostrando concludentemente que esteve impossibilitada de o exercer, designadamente, por de todo lhe ter sido anteriormente possível conhecer o “responsável”, ou “a identidade do responsável”.

ix- A circunstância de a Recorrente Helvetia só ter sido citada decorridos cinco anos e seis meses do evento danoso é um facto totalmente imputável à Autora, uma vez que tal decorre da errada determinação da seguradora, que deveria ter sido a única e primitiva Ré na presente acção, tendo em conta a pretensão da Autora.

x.- Assim, a decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes dos artigos 321º. nº.s 1 e 498º. nº. 1 do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.

2.- Entendimento diferente tem a recorrida, que pugna pela manutenção do acórdão recorrido, onde se entendeu, que o prazo de prescrição ficou suspenso, invocando os seguintes argumentos:

i.- No caso dos autos, os elementos constantes dos autos evidenciam que, quando propôs esta acção e requereu a citação urgente da primitiva ré “Cicor Internacional, S.L.”, a autora desconhecia a identidade da seguradora do empilhador interveniente no acidente que deu causa aos danos que sofreu.

ii.- Nos artigos 14.º e 15 da petição inicial, a autora alega que esse empilhador pertencia à sociedade G..., Lda., que o havia cedido à sua entidade patronal e que, por contrato de seguro titulado pelas apólices com os números ...70 e ...68, havia transferido para a ré Cicor International S.L. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela atividade da referida máquina, tudo conforme documentos que junta sob os n.ºs 2, e 4.

iii.- Quando foi notificada dos requerimentos apresentados pela ré em 04.04.2021 e 26.04.2017, onde esta alegou ser apenas mediadora da seguradora que celebrou o contrato em causa – denominada Nacional Suiza Compañía de Seguros y Reaseguros, S.A., entretanto incorporada na companhia de seguros Helvetia Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A. – e juntou prova documental desse contrato, a autora veio, para além do mais, requerer a intervenção principal provocada da referida seguradora, o que veio a ser deferido por se entender que existia dúvida fundada sobre o titular da relação material controvertida, ao abrigo do disposto no artigo 39.º do CPC.

iv.- Na contestação que apresentou, a interveniente principal afirmou que a autora sempre teve conhecimento da identidade da companhia de seguros que havia celebrado contrato de seguro com a proprietária da empilhadora, baseando-se nos documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 3 e 4, os mesmos que invoca na alegação deste recurso para fundamentar a conclusão de que a autora jamais logrará ilidir a presunção de que desconhecia com culpa a pessoa do responsável, consagrada no artigo 498.º, n.º 1, do CC.

v.- Analisados esses documentos, não cremos que os mesmos demonstrem que a autora sabia, quando propôs esta acção, que o contrato de seguro que invoca não havia sido celebrado com a primitiva ré, mas sim com a interveniente Helvetia.

vi.- Pelo contrário, pelas razões melhor desenvolvidas infra, entendemos que o conjunto dos documentos em que a autora se baseou para demandar a ré primitiva confirmam o seu desconhecimento da identidade da seguradora responsável, o que é corroborado pelas regras da experiência comum.

vii.- Na verdade, é totalmente inverosímil que a autora e a sua mandatária, sabendo que a seguradora era a interveniente principal e não a ré primitiva, optasse ainda assim por demandar apenas esta, tanto mais que o prazo de prescrição do seu direito estava prestes a esgotar-se.

viii.- É certo que os factos agora descritos – o desconhecimento da autora quanto à identidade da seguradora que outorgou o contrato de seguro por si invocado na petição inicial e as circunstâncias que determinaram o seu convencimento erróneo quanto à qualidade da ré primitiva – não constam dos fundamentos de facto da decisão recorrida.

ix.- Mas é igualmente certo que esses factos foram oportunamente alegados pela autora, na sua resposta às excepções alegadas na contestação, designadamente nos seus artigos 37.º a 39.º e 59.º a 61.º, e são agora convocados pela recorrente na alegação deste recurso, pelo que cabe nos poderes de cognição deste tribunal ad quem apreciar esses factos.

x.- Prosseguindo a nossa análise, não cremos, igualmente, que a prova invocada pela recorrente, conjugada com a demais prova documental junta com a petição inicial, revele que só por sua culpa a autora poderia desconhecer a identidade da seguradora que outorgou o contrato em causa.

xi.- Pelo contrário, tais documentos corroboram que a mesma desconhecia sem culpa, tal identidade, pelas razões que passamos a expor.

xii.- Do documento n.º 2 da petição inicial resulta que em 15.06.2015 e 01.07.2015 a mandatária da autora solicitou à entidade patronal desta diversas informações, designadamente a identificação do proprietário do empilhador que interveio no acidente de que a autora foi vítima e «o número da apólice, o nome e endereço (sede) da Companhia de Seguros pelo qual o empilhador estava assegurado»;

xiii.- Mais resulta que, nesse mesmo dia 01.07.2015, a referida entidade patronal respondeu, informando que o proprietário do empilhador era G..., Lda., que o número da apólice era ...70 e ...68 (POLIZA) e que o nome da companhia de segura era Cicor Internacional S.L. – Correduria de Seguros.

xiv.- Perante esta informação a autora apenas podia concluir que a seguradora responsável era a primitiva ré.

xv.- Ao contrário do que afirma a recorrente, não cremos que esta conclusão fosse infirmada pelos documentos n.º 3 e 4.

xvi.- Desde logo porque os mesmos não estão redigidos em língua portuguesa, o que poderá ter impedido ou, pelo menos, dificultado a sua leitura e compreensão por parte da autora. Essa dificuldade acaba por ser evidenciada pelo facto de a autora ter começado por identificar esses documentos, no artigo 15.º da petição inicial, como apólices de seguro, quando os mesmos mais não são do que comprovativos ou recibos de pagamentos efectuados por débito directo (“adeudo por domiciliaciones”).

xvii.- Em todo o caso, nesses documentos faz-se referência a contratos de seguro (“Seguro: Autos V.E”), a apólices (“Poliza”, uma com o n.º ...70 e outra com o n.º ...68), a matrículas (...98 e ...59, sendo certo que apenas o primeiro número corresponde ao número de série do empilhador referido no ponto 3 dos factos provados) e a prémios líquidos e respectivos impostos (“Prima neta” e “Impuestos”), permitindo concluir que os pagamentos em causa se referiam a prémios de seguro.

xviii.- Desses documentos consta ainda como titular da conta debitada, ou seja, como entidade pagadora, G..., Lda. e como entidade emissora, ou seja, entidade beneficiária do pagamento, Cicor International S.L., o que parece corroborar a convicção de que estas seriam as outorgantes daqueles contratos de seguro.

xix.- É certo que nos documentos em causa, para além das referências antes analisadas, consta também a seguinte menção: “Compaçia: Nacional Suiza, Compaçòa de”.

xx.- Mas não cremos que esta referência devesse ser entendida pela autora como uma menção à seguradora com quem foram celebrados os contratos de seguro em aí mencionados, em especial no contexto em que surge, ou seja, depois de a entidade patronal da autora lhe ter comunicado que essa seguradora era Cicor Internacional S.L., mencionada nos documentos em causa como beneficiária do pagamento dos prémios, como vimos.

xxi.- Note-se que naqueles documentos não é feita qualquer referência que revele tratar-se de uma seguradora, constando apenas os termos Compaçia e Compaçòa, que parecem ser erros de escrita ou de digitalização, desde logo porque a letra “ç” não é usa na ortografia espanhola, podendo admitir-se que se pretendeu aludir ali ao termo compañia (companhia), mas não necessariamente companhia de seguros.

xxii.- Se agora, depois da informação e documentação carreada para os autos pela primitiva ré e pela interveniente principal, pode parecer óbvio que aquela era uma referência à seguradora, na altura essa evidência não existia, não sendo exigível que a autora ou a sua mandatária soubessem que Nacional Suiza era uma companhia de seguros ou, muito menos, que conseguissem compreender e interpretar correctamente um documento bancário redigido em língua espanhola.

xxiii.- Afirma, porém, a recorrente que bastaria uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet – https://dgsfp.mineco.gob.es – para confirmar que a Cicor não era uma companhia de seguros, mas antes a Helvetia.

xxiv.- Mas, pelas razões já expostas, não cremos que a autora tivesse razões objectivas para questionar a informação que lhe foi prestada pela sua entidade patronal e utilizadora do empilhador em causa, nem cremos que lhe fosse exigível conhecer a existência e o sítio electrónico da Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, por não se tratarem de factos púbicos e notórios ou de conhecimento geral.

xxv.- Alega ainda a recorrente a evidência decorrente da firma da Cicor, na qual consta expressamente a designação corretora – Cicor Internacional Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.

xxvi.- Mais uma vez, perante a informação e a documentação antes analisada, não cremos que fosse exigível a uma pessoa média, (um bom pai de família) colocada na posição da autora, concluir que a ré primitivamente demandada não podia ser parte no contrato de seguro em causa, por constar da sua denominação social o termo, de natureza técnico-jurídica, “correctora de seguros”, tanto mais que nem sequer é este o termo que integra a referida denominação social, mas sim o termo espanhol “correduria de seguros y reaseguros”, cuja tradução não será do conhecimento da generalidade das pessoas que não têm o espanhol como língua materna.

xxvii.- Não cremos que a solução deva ser outra mesmo quando se tem em consideração que as informações em causa foram solicitadas e analisadas pela mandatária da autora.

xxviii.- Para além do que já dissemos quanto ao domínio da língua espanhola e da competência para traduzir os termos técnico-jurídicos redigidos nessa língua, também não será exigível ao advogado médio que exerce a sua actividade em Portugal o conhecimento do significado e alcance desses termos, ou seja, o domínio do direito espanhol, designadamente do objecto social correspondente a uma sociedade com a firma ou denominação “Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.”.

Apreciando

A)- Em primeiro lugar, faremos algumas considerações jurídicas a respeito da matéria em causa.

1.- Estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, pelo que, sobre a matéria de prescrição tem aplicabilidade o preceituado no art.º 498.º, do C.C.,

2- O direito à indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sendo tal prazo, mais longo, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, sendo esse o prazo aplicável sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso, (cfr. n.ºs 1 e 3, do art.º 498.º, do C.Civil).

3.- No caso em apreço o prazo prescricional é de 5 anos, como se refere no acórdão recorrido, o que nem sequer é posto em causa.

4.- Compreende-se que para o começo do prazo não seja necessário que o lesado tenha conhecimento da extensão integral do dano pois, pode pedir a sua fixação para momento posterior (cfr. Vaz Serra, in R.L.J. anos 95.º, pág 308,; 96 pág.s 183 e 215, e 97 pág. 231 e Ac. do S.T.J. de 27/11/1973, e a anotação de Vaz Serra, na R.L.J. ano 107.º, pág. 296 e segs, citados por Antunes Varela e Pires de Lima, em anotação ao art.º 498.º do C.C.).

5.- Nem é necessário que conheça a pessoa do responsável, pois não deve admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue o prazo da prescrição. O que é necessário, para o começo da contagem do prazo, é que o lesado tenha conhecimento do direito, que lhe compete (cfr. Vaz Serra, in R.L.J. anos 95.º, pág 308,; 96 pág.s 183 e 215, e 97 pág. 231 e Ac. do S.T.J. de 27/11/1973, e a anotação de Vaz Serra, na R.L.J. ano 107.º, pág. 296 e segs, citados por Antunes Varela e Pires de Lima, em anotação ao art.º 498.º do C.C.).

6.- Porém, sobre o início da contagem do prazo de prescrição, escrevem A. Varela e Pires de Lima, in anotação ao art.º 498.º, do C.C. “Na parte em que torna o início da contagem do prazo independente do conhecimento da pessoa do responsável tem de ser entendido em termos hábeis.

7.-Assim, referem os mesmos autores, in anotação ao art.º 498.º, do C.C. e in Das Obrigações em geral, 4.ª edição, vol I, n.º 155) “se no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art.º 321.º, do C.C., que prescreve ” 1. A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”

8.- Este entendimento foi por nós advogado no proc.º n.º 3078/19.0T8LRA-C1, da Relação de Coimbra, relatado por Falcão de Magalhães, onde fomos primeiro adjunto, onde se referiu: “II- A prescrição do direito de indemnização emergente de danos causados por animais suspende-se durante o tempo em que o lesado sem culpa desconheceu sem culpa a identidade do verdadeiro dono do animal”.

9- Também Lopes do Rego, in Rev. do Ministério Público, n° 32, pág. 165. (nota 5, no texto original) chama atenção para as nuances introduzidas pelos anotadores ( A nuance referida foi repetida na 10ª edição da obra citada de A. Varela e na 4ª edição do CC Anotado. (nota 6, no texto original), no seu pensamento, ao fazerem, em última análise, depender o diferimento do início do prazo de ausência de culpa do lesado.

10- Isto é, se no momento em que finda o prazo ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art. 321º.

11- Deste modo, o curso da prescrição suspender-se-á durante o tempo em que o titular estiver impedido, por motivo de força maior (desconhecimento não culposo do lesante), de exercer o seu direito nos últimos 3 meses do prazo.

12- Assim, dos termos desse artigo resultará simplesmente a consagração de uma presunção legal, mas ilidível, de culpa do lesado no desconhecimento da pessoa do responsável.

13- Aplicando estes princípios, ao caso em apreço, a prescrição do direito à indemnização suspende-se, desde que, o lesado não tenha culpa nesse desconhecimento.

14.- A prova deste desconhecimento sem culpa da identidade do responsável cabe, por força daquele artigo 321.º, ao lesado.

B)- Em segundo lugar saber se os autos deveriam ser remetidos à segunda instância, para ampliar a matéria de facto e caso esta entendesse remeter os mesmos à 1.ª instância, questão que é oficiosa.

15.- Como se refere no acórdão recorrido os factos descritos – o desconhecimento da autora quanto à identidade da seguradora que outorgou o contrato de seguro por si invocado na petição inicial e as circunstâncias que determinaram o seu convencimento erróneo quanto à qualidade da ré primitiva – não constam dos fundamentos de facto da decisão recorrida.

16.- Porém, refere o acórdão recorrido que - Mas é igualmente certo que esses factos foram oportunamente alegados pela autora, na sua resposta às excepções alegadas na contestação, designadamente nos seus artigos 37.º a 39.º e 59.º a 61.º, e são agora convocados pela recorrente na alegação deste recurso, pelo que, cabe nos poderes de cognição deste tribunal ad quem apreciar esses factos.

17.- Ou seja, tal matéria é trazida à discussão, - desconhecimento da autora quanto à identidade da seguradora -, pela recorrente, nas alegações de apelação, como resulta do acórdão recorrido, quer na revista, aceitando os factos alegados sobre tal matéria, pois é a própria recorrente, que toma posição sobre os mesmos, os invoca e faz a discussão jurídica sobre os mesmos, fazendo dos mesmos, a sua interpretação jurídica.

18.- A recorrente nunca invocou o reenvio dos autos a qualquer instância, antes pelo contrário, convocou tal matéria nas alegações de recurso, que foi apreciada, no acórdão recorrido, com base nos poderes de cognição do tribunal da relação (cfr. pontos viii e ix de 2).

19.- Reenviar os autos, nesta fase, e neste contexto ao tribunal da relação, podendo este se o entende-se remeter os mesmos à 1.ª instância, seria, praticar um ato inútil, que a lei proíbe (cfr.º art.º 130.º, do C.P.C.), na medida em que a questão não foi colocada, por um lado, e por outro, a questão jurídica colocada sobre a verificação do preenchimento do art.º 321.º, do C. Civil, foi colocada pela recorrente e analisada pelo acórdão recorrido, com base em tal matéria.

C)- Será que resulta que o desconhecimento da identidade, da responsável pela indemnização, ficou a dever-se a culpa da A., como pretende a recorrente?.

20- A recorrente invoca vários argumentos no sentido, de que em seu entender, o desconhecimento da identidade da responsável pela indemnização é da A. e, por isso, não pode beneficiar da suspensão a que alude o art.º 321.º do C.Civil.

21- Argumentos rebatidos no acórdão recorrido, e por isso, no entendimento do mesmo a situação é abrangida pelo citado art.º 321.º, do C. Civil.

22- Analisando os argumentos aludidos pela recorrente e no acórdão recorrido, advogamos, o entendimento espelhado neste, pelas razões, que passaremos a explanar, que no fundo são as mesmas do acórdão recorrido.

i.- No caso dos autos, os elementos constantes dos mesmos evidenciam que, quando a A. propôs esta acção e requereu a citação urgente da primitiva ré “Cicor Internacional, S.L.”, desconhecia a identidade da seguradora do empilhador interveniente no acidente, que deu causa aos danos que sofreu, pois não se vislumbra das regras da experiência comum, e do critério de um bom pai de família que assim não fosse.

ii.- Nos artigos 14.º e 15 da petição inicial, a autora alega que esse empilhador pertencia à sociedade G..., Lda., que o havia cedido à sua entidade patronal e que, por contrato de seguro titulado pelas apólices com os números ...70 e ...68, havia transferido para a ré Cicor International S.L. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela atividade da referida máquina, tudo conforme documentos que junta sob os n.ºs 2, e 4.

iii.- Quando foi notificada dos requerimentos apresentados pela ré em 04.04.2021 e 26.04.2017, onde esta alegou ser apenas mediadora da seguradora que celebrou o contrato em causa – denominada Nacional Suiza Compañía de Seguros y Reaseguros, S.A., entretanto incorporada na companhia de seguros Helvetia Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A. – e juntou prova documental desse contrato, a autora veio, para além do mais, requerer a intervenção principal provocada da referida seguradora, o que veio a ser deferido por se entender que existia dúvida fundada sobre o titular da relação material controvertida, ao abrigo do disposto no artigo 39.º do CPC.

iv.- Analisados os documentos 3 e 4 juntos com a P.I., não resulta que a A. sempre teve conhecimento da identidade da companhia de seguros que havia celebrado contrato de seguro com a proprietária da empilhadora, como refere a recorrente.

v- Na verdade, como se refere no acórdão recorrido, tendo por base as regras da experiência comum, é totalmente inverosímil que a autora e a sua mandatária, sabendo que a seguradora era a interveniente principal e não a ré primitiva, optasse ainda assim por demandar apenas esta, tanto mais que o prazo de prescrição do seu direito estava prestes a esgotar-se, e, por isso pediu a citação urgente.

vi.- Nem os documentos corroboram que a A. conhecia a identidade da responsável, ou que, a entendida responsável, fosse outra, além da demandada inicialmente. pelas razões que passamos a expor.

vii.- Do documento n.º 2 da petição inicial resulta que em 15.06.2015 e 01.07.2015 a mandatária da autora solicitou à entidade patronal desta diversas informações, designadamente a identificação do proprietário do empilhador que interveio no acidente de que a autora foi vítima e «o número da apólice, o nome e endereço (sede) da Companhia de Seguros pelo qual o empilhador estava assegurado»;

viii.- Mais resulta que, nesse mesmo dia 01.07.2015, a referida entidade patronal respondeu, informando que o proprietário do empilhador era G..., Lda., que o número da apólice era ...70 e ...68 (POLIZA) e que o nome da companhia de segura era Cicor Internacional S.L. – Correduria de Seguros.

ix.- Perante esta informação, tendo por base as regras da experiência comum, e o bom pai de família, a autora apenas, como qualquer pessoa de conhecimento médio, só podia concluir que a seguradora responsável era a primitiva ré, até por não haver razões que assim não fosse.

x- Em todo o caso como se refere no acórdão recorrido, nesses documentos faz-se referência a contratos de seguro (“Seguro: Autos V.E”), a apólices (“Poliza”, uma com o n.º ...70 e outra com o n.º ...68), a matrículas (...98 e ...59, sendo certo que apenas o primeiro número corresponde ao número de série do empilhador referido no ponto 3 dos factos provados) e a prémios líquidos e respectivos impostos (“Prima neta” e “Impuestos”), permitindo concluir que os pagamentos em causa se referiam a prémios de seguro.

xi.- Dos mesmos, como se refere no acórdão recorrido, consta ainda como titular da conta debitada, ou seja, como entidade pagadora, G..., Lda. e como entidade emissora, ou seja, entidade beneficiária do pagamento, Cicor International S.L., o que levaria qualquer pessoa de conhecimento médio, à convicção de que estas seriam as outorgantes daqueles contratos de seguro.

xii.- É certo que nos documentos em causa, para além das referências antes analisadas, consta também a seguinte menção: “Compaçia: Nacional Suiza, Compaçòa de”.

xiii,- Mas não cremos, como bem se refere no acórdão recorrido, que esta referência devesse ser entendida pela autora como uma menção à seguradora com quem foram celebrados os contratos de seguro aí mencionados, em especial no contexto em que surge, ou seja, depois de a entidade patronal da autora lhe ter comunicado que essa seguradora era Cicor Internacional S.L., mencionada nos documentos em causa como beneficiária do pagamento dos prémios, como vimos.

xiv.- Ao que acresce que naqueles documentos não é feita qualquer referência que revele tratar-se de uma seguradora, constando apenas os termos Compaçia e Compaçòa, que parecem ser erros de escrita ou de digitalização, desde logo porque a letra “ç” não é usa na ortografia espanhola, podendo admitir-se que se pretendeu aludir ali ao termo compañia (companhia), mas não necessariamente companhia de seguros.

xv.- Nem se diga como faz a recorrente que bastaria uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet – https://dgsfp.mineco.gob.es – para confirmar que a Cicor não era uma companhia de seguros, mas antes a Helvetia.

xvi.- Esse argumento até poderia ser atendível, se houvesse razões objectivas que levassem a A. a desconfiar do verdadeiro(a) responsável pela eventual indemnização, mas como já referimos, não vislumbramos qualquer razão que aponte nesse sentido, tanto mais que a A. diligenciou, junto da sua entidade patronal quem era o proprietário do empelhador, como referido em viii.

xvii- Como refere o acórdão recorrido, não se vislumbram razões objectivas, que levassem a A. a duvidar da informação prestada pela sua entidade patronal, como referido em viii, e que lhe fosse exigível conhecer a existência e o sítio electrónico da Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, por não se tratarem de factos púbicos e notórios ou de conhecimento geral.

23.- Pelas razões expostas, não vislumbramos razão para censurar o acórdão recorrido, pelo que, se mantém nos seus termos, até, por advogarmos, os seus fundamentos.

IV- Decisão

Face ao exposto, julgamos a revista improcedente, e mantemos o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente (art.º 527.º, do C.P.C.)

Lisboa, 17/6/2025

Pires Robalo (relator)

Maria João Vaz Tomé (adjunta)

António Magalhães (adjunto)