LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
DECISÃO PROVISÓRIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
JUÍZO DE FAMÍLIA DE MENORES
ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
DOMICÍLIO
CIDADÃO ESTRANGEIRO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Sumário


I - Não sendo conhecida a residência do jovem (que compareceu, em Lisboa, no Centro Nacional para o Asilo e Refugiados, Agência para a Integração, Ligações e Asilo, desacompanhado de familiares ou de qualquer adulto que por ele se responsabilizasse, ali solicitando protecção internacional ao Estado Português), nem se mostrando possível determiná-la, o tribunal competente para a aplicação de medida de promoção e protecção, nos termos do art. 79.º, n.º 2, da LPCJP, era o juízo de Família e Menores de Lisboa do tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, junto do qual o MP requereu a abertura de Processo Judicial de Promoção e Proteção.
II - A permanência inicial do jovem em casa de acolhimento sita na Figueira da Foz no âmbito de uma medida provisória então aplicada e a posterior sujeição do mesmo à medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a executar, naquele mesmo local, não constituem modificação de facto atendível para efeitos do art. 74.º, n.º 4, da LPCJP.

Texto Integral


Processo n.º 25125/24.3T8LSB.S1

I - Relatório

1. Em 10/10/2024, o Ministério Público, junto do juízo de Família e Menores de Lisboa Judicial da Comarca de Lisboa, invocando o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e c), 34.º, alínea a), 35.º, n.º1, alínea f), 37.º, 50.º, n.ºs1 e 2, alínea a), 72.º, n.º3, 91.º e 92.º, n.º 1, da Lei n.º147/99, de 1 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º141/2015, de 8 de Setembro, bem como nos termos do artigo13.º do Regulamento (CE) n.º2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 e do artigo 79.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 27/2008 de 30 de Junho, veio requerer a abertura de Processo Judicial de Promoção e Proteção, urgente, relativamente ao menor AA, nascido a ....2008, nacional da Gâmbia.

Alegando que o jovem se encontra em território português, desacompanhado e sem se ter conhecimento de familiares seus, permanecendo, presentemente, na Casa 1, sita em ..., pede que lhe seja aplicada, a título provisório, a medida de acolhimento residencial do Jovem.

2. Por despacho de 10/10/2023, o Juiz 6 do Juízo de Família e Menores de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa aplicou ao jovem AA, a título provisório, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial na Casa 2, sita na ....

3. Por decisão de 15/01/2025, o Juízo de Família e Menores de Lisboa (Juiz 6) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa homologou, por sentença, o acordo de promoção e protecção nos termos do qual foi aplicada ao jovem, pelo período de 1 ano, a medida de acolhimento residencial a executar na Casa 2.

Mais determinou que “ao abrigo do disposto no artigo 79º, n.º 4, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, determina-se que, decorridos três meses, se remetam os autos ao juízo de família e menores da área territorial onde o jovem se encontra, por ser o competente.”.

4. Remetidos os autos em conformidade, Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, por despacho de 06/05/2025, declarou-se incompetente, em razão do território, atribuindo a competência ao Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 6 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

Sustenta, para o efeito, que a execução de medida de acolhimento residencial não determina a alteração da residência do jovem acolhido, para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 79.º, da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (doravante LPCJP).

5. Após o trânsito em julgado da referida decisão, o referido Juízo de Família e Menores de Lisboa (juiz 6) suscitou a resolução do conflito negativo de competência junto deste Supremo Tribunal.

6. Cumprido o n.º2 do artigo 112.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), o Ministério Público, em seu douto parecer, defende a atribuição de competência para a acção ao Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.

II – Apreciando e decidindo

1. O Juízo de Família e Menores de Lisboa (Juiz 6) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e o Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra atribuem-se mutuamente competência, negando a própria, para conhecerem deste Processo de Promoção e Protecção.

De acordo com o artigo 109.º, n.º2, do CPC, verifica-se a existência de um conflito negativo de competência quando dois tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram incompetentes para conhecer da mesma questão.

Acresce que, conforme decorre do n.º3 do artigo 109.º do CPC, a existência de uma situação de conflito de competência pressupõe que as decisões em confronto tenham transitado em julgado.

Sem se ignorar entendimento em sentido diverso, somos de considerar que ao configurar-se, assim, um conflito negativo de competência, nos termos do artigo 109.º, n.º 2, do CPC, não pode o mesmo ser resolvido com recurso ao caso julgado formal.

Com efeito, conforme já sublinhado, dois tribunais judiciais de 1ª instância denegam a competência territorial própria, atribuindo-a ao outro, para apreciação da acção de promoção e protecção, em benefício de AA.

Nestes casos, o legislador entendeu que esse impasse teria de ser ultrapassado por decisão cometida ao presidente do tribunal com competência para o efeito por forma a assumir uma intervenção clarificadora e mesmo liderante com repercussão em litígios futuros.

Todavia e ainda que assim não se entendesse, estando em causa acção reportada a procedimento de jurisdição voluntária1 regulado pela Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e, subsidiariamente, pelo CPC, tem cabimento que a situação possa ser objecto de apreciação à margem do preceituado nos artigos 105.º, n.º2 e 625.º, ambos do CPC2, tendo em linha de conta a ponderação das circunstâncias concretas do caso.

Por estarem em causa decisões com a área de competência de diferente tribunal da Relação cabe ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a competência para resolução de conflito, por ser este o Tribunal superior com hierarquia imediata sobre os juízos conflituantes – artigo 110.º, n.º2, do CPC.

2. O teor das decisões em conflito e os elementos disponíveis nos presentes autos evidenciam uma realidade fáctica incontornável: o jovem AA encontra-se a viver na ..., ao abrigo de uma medida de acolhimento residencial.

3. Nos termos do artigo 37.º, da LPCJP, “1 - A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.

(…) 3 - As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.

Entre as medidas de promoção e protecção previstas no artigo 35.º, da LPCJP encontra-se a de acolhimento residencial (cfr. n.º 1, al f)).

Dispõe o artigo 79.º, da LPCJP – que define a competência territorial do tribunal para a aplicação das medidas de promoção de direitos e proteção das crianças e jovens em perigo:

"1 - É competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.

2 - Se a residência da criança ou do jovem não for conhecida, nem for possível determiná-la, é competente a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde aquele for encontrado.

(…) 4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.

5 - Para efeitos do disposto no número anterior, a execução de medida de promoção e proteção de acolhimento não determina a alteração de residência da criança ou jovem acolhido.

(…) 7 - Salvo o disposto no n.º 4, são irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo.”.

Sob a epígrafe acompanhamento da execução das medidas, o artigo 59.º, n.º 2, da LPCJP, estatui que “A execução da medida aplicada em processo judicial é dirigida e controlada pelo tribunal que a aplicou.”.

Compulsados os autos, verifica-se o seguinte circunstancialismo fáctico:

1) No dia 09/10/2024 o jovem AA, apresentou-se na Loja da AIMA ..., sita em ....

2) O jovem encontrava-se desacompanhado de familiares ou de qualquer adulto que por ele se responsabilizasse.

3) O jovem solicitou a protecção internacional ao Estado Português (PPI), a qual se encontra pendente de decisão.

4) O jovem encontra-se em território português, desacompanhado e não há conhecimento de familiares.

5) Face à situação de desprotecção e de modo a remover o perigo a que o jovem estava exposto, a AIMA diligenciou e colocou o jovem na Casa 1, em ... onde foi entregue.

6) Por despacho de 10/10/2024, o Juiz 6 do Juízo de Família e Menores de Lisboa aplicou ao jovem, a título cautelar, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a executar na Casa 2, sita na ....

7) Por decisão de 15/01/2025, o referido Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 6 homologou, por sentença, o acordo de promoção e protecção nos termos do qual foi aplicada ao jovem, pelo período de 1 ano, a medida de acolhimento residencial a executar na Casa 2, sita na ....

4. Tendo presente tais realidades fácticas, assume ter em conta o que se mostra decidido no acórdão do STJ de 05.12.2002, Processo n.º 02B3054:

Consoante o n. 1 desse artigo, o tribunal competente para a aplicação das medidas de promoção e protecção é o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é instaurado o processo judicial.

Perante regra idêntica firmada tanto nos arts. 32º e 33º, como no art.155º da Organização Tutelar de Menores ( OTM ) aprovada pelo DL 314/78, de 27/10, relativo, este último, aos processos tutelares cíveis, entendia-se aí eleito o tribunal da área da localidade onde o menor se encontre com maior permanência e continuidade, e não o do lugar onde ocasionalmente se encontre em determinada altura.

Releva para o efeito o local que constitua para o menor o centro de uma vida organizada em termos de estabilidade, aferida, esta, pela respectiva duração e continuidade.

Como assim, não deve, de facto, confundir-se, como se faz no despacho referido em 2., ( e ), supra, o domicílio legal necessário, por dependência, do menor fixado no art. 85 C. Civ., que, fixado directamente pela lei, prescinde do relacionamento efectivo entre a pessoa e o lugar, com a residência a que se refere o art. 79 da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, a entender no seu sentido corrente ou comum de casa onde se mora habitualmente.

(…) 5. O nº 4 daquele art. 79º determina, é certo, inovando, que se, após a aplicação da medida, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a 3 meses, o processo seja remetido ao tribunal da área da nova residência.

O já mencionado relativamente ao seu nº1º torna, no entanto, claro não poder ser outro, diverso, o sentido a atribuir ao vocábulo "residência".

Irrelevante, pois, para o efeito do n. 4º do art. 79 do Anexo à Lei 147/99, de 1/9, efémera ou ocasional colocação do menor, não é, como bom, assim, será de ver, a medida judicial provisória de acolhimento, limitada a período não superior a 6 meses, que pode autorizar a aplicação desse preceito: neste caso, até, logo que decorridos os primeiros três.(…)”.

No mesmo sentido importa evidenciar o posicionamento do acórdão do STJ de 22.02.2005, no âmbito do Processo n.º 04A42873:

“ (…) o artº 59º, nº 2, dispõe que a execução da medida aplicada em processo judicial é controlada pelo tribunal que a aplicou. E o artº 79º, nº 4, por seu turno, estabelece que o processo é remetido à comissão de protecção ou ao tribunal da área da nova residência se, após a aplicação da medida, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses.

Ora, no caso presente o tribunal que aplicou a medida foi, como tinha que ser, o de Anadia, por se verificar então, indiscutivelmente, o condicionalismo previsto no nº 1 do artº 79º: era o tribunal da área da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado. Logo, cabe-lhe também o controle da respectiva execução. Por outro lado, - e esta consideração afigura-se decisiva - não houve em rigor mudança de residência do menor por período superior a três meses após a aplicação da medida de acolhimento em instituição; o que houve, isso sim, foi a sua deslocação (de Anadia para o Porto), decorrente da medida decidida pelo tribunal, apenas e só porque a instituição que o acolheu se situa nesta última cidade.

É clara, porém, a intenção da lei de apenas consentir na "transferência" do processo de um tribunal para outro, situado em área territorial diferente, na situação prevista no referido nº 4 do artº 79º, que assenta no carácter voluntário e relativamente duradouro da alteração da residência do menor; e nada disto se verifica quando, como é o caso, a mudança decorre necessária e exclusivamente da medida de protecção aplicada pelo juiz e está sujeita a revisão semestral (no mínimo).

Nesta matéria, prevalece acima de tudo o superior interesse do menor, que a lei procura assegurar até ao limite do possível. Um dos meios para conseguir este objectivo consiste em manter a criança ou jovem tão próximo quanto possível da entidade que decidiu o seu destino (a comissão de protecção de menores ou o tribunal), assim propiciando uma intervenção imediata e com conhecimento de causa sempre que necessário.

Se, porém, o menor é acolhido numa instituição designada pelo tribunal, a facilidade, a rapidez e a eficiência de actuação estão ab initio garantidas pelo simples facto de haver um permanente contacto e interacção entre as entidades envolvidas imposto pela própria lei.

Deve salientar-se, a este propósito, que a instituição de acolhimento está necessariamente dotada de uma equipa técnica e que a medida em causa tem se ser obrigatoriamente revista, como se disse, de seis em seis meses - cfr. artºs 49º, 54º e 62º.

Ora, sendo essa revisão susceptível de originar nova deslocação do menor para outra localidade - tudo depende da decisão que se tome quanto à modificação da medida anteriormente decretada - parece evidente que a paralela movimentação do processo de um tribunal para outro em razão, unicamente, daquele facto, além de se apresentar, por si só, como algo de anómalo e menos razoável, não traz nenhuma contribuição válida para a salvaguarda do interesse da criança.

Não há fundamento, por conseguinte, para afastar a aplicação da regra do artº 59º, nº 2, que deve interpretar-se no sentido de que o tribunal competente para dirigir a execução da medida de acolhimento em instituição é o mesmo que a aplica, independentemente da localização da instituição.

Isto significa que a permanência do menor no local em que a medida decretada está a ser executada e enquanto ela dura não constitui modificação de facto atendível para o efeito consignado no artº 79º, nº 4. No fundo, esta interpretação não representa mais do que a concretização do princípio geral fixado no artº 22º da LOTJ, segundo o qual a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente (perpetuatio fori). Devendo este princípio funcionar, na medida do possível, para defesa do interesse do menor, - protagonista principal do processo - não se vê que outro entendimento do artº 79º, nº 4, diverso do que propomos, melhor se case com tal desiderato.”.

Decidiu-se também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/09/2009, Processo n.º 1667/09.0YRLSB-7 4:

O disposto no nº4, do art.79º, é uma excepção ao que dispõe o nº5, do mesmo artigo, que considera em geral irrelevantes, mas ressalvando expressamente o disposto no nº4, as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo. E é por força da divergência na interpretação daquele nº4, que contém uma norma inovadora, que surge o presente conflito de competência.

Do que se trata, pois, é de saber se a colocação dos menores em instituição de acolhimento fora da área do tribunal que decretou a medida e onde permaneçam por mais de três meses, tem, para efeitos do nº4, do art.79º, o significado de mudança de residência por período superior a três meses.

A nosso ver, e como já resulta do atrás exposto, a resposta não pode deixar de ser negativa, tendo em conta quer a letra, quer o espírito da lei. Na verdade, o nº4, do art.79º, exige que se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos: por um lado, que tenha sido aplicada uma medida de promoção e protecção; por outro lado, que, após a aplicação daquela medida (sublinhado nosso), a criança ou jovem mude de residência por período superior a três meses. Ora, parece-nos evidente que uma coisa é mudar de residência após a aplicação da medida, e outra, bem diferente, é a mudança de residência por efeito de aplicação da medida, isto é, implicada na própria medida, como se diz no citado Acórdão do STJ, de 11/6/02. Logo, não se verifica, no caso, este 2º requisito, porquanto, os menores foram colocados na «Residência de Acolhimento », sita em, L, em execução de uma medida de acolhimento em instituição decretada pelo TFML. Ou seja, essa mudança de residência resulta da própria aplicação da medida, pelo que não se reflecte na competência do tribunal, o que, aliás, implicaria, se assim não fosse, que um tribunal viesse a atribuir, por sua iniciativa, a competência a outro tribunal para prosseguir a tramitação de determinados processos que lhe foram apresentados. Acresce que, nos termos do art.59º, nº2, da LPCJP, a execução da medida aplicada em processo judicial é dirigida e controlada pelo tribunal que a aplicou, ainda que se trate de medida de acolhimento em instituição e esta se localize fora da área do tribunal que a decretou.

(…)

Haverá, deste modo, que concluir que a permanência em local onde esteja e enquanto esteja a ser executada a medida aplicada, não constitui modificação de facto atendível para os efeitos previstos no art.79º, nº4. Que o mesmo é dizer que, no caso dos autos, a colocação dos menores na referida instituição de acolhimento, fora da área do tribunal que decretou a medida e onde se encontram há mais de três meses, não tem, para aqueles efeitos, o significado de mudança de residência por período superior a três meses. Consequentemente, o processo não tinha que ser remetido ao tribunal da área da nova residência, no caso, o TJCL. (…)”.

5. No caso, sublinha-se, o jovem AA compareceu no Centro Nacional para o Asilo e Refugiados, Agência para a Integração, Ligações e Asilo, em ..., desacompanhado de familiares ou de qualquer adulto que por ele se responsabilizasse, ali solicitando proteção internacional ao Estado Português.

Assim, não sendo conhecida a sua residência, nem se mostrando possível determiná-la, o tribunal competente para a aplicação de medida de promoção e protecção, nos termos do artigo 79.º, n.º 2, da LPCJP, era o Juiz 6 do Juízo de Família e Menores de Lisboa, como, de resto, sucedeu.

Concluiu-se, pois, que a permanência inicial do jovem na Casa 2, sita na ... no âmbito de uma medida provisória e a posterior sujeição do mesmo à medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a executar naquele mesmo local, não constituem modificação de facto atendível para efeitos do artigo 74.º, n.º 4, da LPCJP.

Consequentemente, no seguimento do entendimento da jurisprudência deste tribunal expendida nos acórdãos citados e na sequência da linha de entendimento do que também foi já por nós decidido no Conflito de Competência no âmbito do Processo n.º30939/23.9T8LSB.G1.S1, relativamente a situação similar, impõe-se a atribuição da competência, em razão do território, para os termos do referido processo, ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 6, onde a medida foi aplicada.

7. Nestes termos, decide-se competente, territorialmente, para o Processo de Promoção e Protecção de AA, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 6.

Sem custas.

Notifique e comunique ao Ministério Publico e aos tribunais em conflito (artigo 113.º n.º 3, do CPC).

Lisboa, 18 de Junho de 2025

Graça Amaral

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1. Nos procedimentos de jurisdição voluntária, as decisões judiciais, ainda que transitadas em julgado, podem ser alteradas, tanto pela superveniência de circunstâncias que o imponham, como também por circunstâncias anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso – artigo 988.º, do CPC.↩︎

2. Preceitua o n.º2 do artigo 105.º do CPC, que “A decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada. De acordo com o n.º1 do artigo 625º do CPC, “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.”, princípio que se mostra também aplicável “à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.” – n.º2 do artigo 605.º do CPC.↩︎

3. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1bab1aafb74e1a7680256ff0002a7e15↩︎

4. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/85425a617b38955d80257655005151fd↩︎