HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
DECISÃO CONDENATÓRIA
ACÓRDÃO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
NULIDADE INSANÁVEL
TRÂNSITO EM JULGADO
INDEFERIMENTO
Sumário


I. Sendo entendimento pacífico que os acórdãos dos tribunais superiores, proferidos em recurso, não têm de ser notificados a recorrentes e recorridos, bastando a sua notificação aos respectivos defensores ou advogados constituídos, tendo o acórdão da Relação de Lisboa sido notificado à Ilustre Defensora do peticionante e transitado em julgado, a sua condução ao estabelecimento prisional para cumprimento da pena de prisão imposta não viola qualquer disposição legal, pelo que não se mostra verificado o fundamento de habeas corpus previsto na alínea b) do nº 2 do art. 222º do C. Processo Penal, nem, aliás, qualquer um dos fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do mesmo número e artigo.
II. Sendo o pedido de habeas corpus manifestamente infundado, o peticionante incorre na sanção prevista no nº 6 do art. 223º do C. Processo Penal.

Texto Integral


Acordam, em audiência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. AA, em cumprimento de pena à ordem do processo comum colectivo nº 398/24.5..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., por intermédio da Ilustre Defensora, veio requerer ao Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus, por prisão ilegal, nos termos que se transcrevem:

“(…).

1º O beneficiário da presente petição foi arguido no processo n.º 398/24.5..., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no qual foi proferido acórdão em 24 de outubro de 2024 e do qual apresentou recurso.

2º Acontece que, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão no passado dia 25 de março de 2025, do qual não foi o arguido pessoalmente notificado, apesar de se encontrar sujeito a medida de coação de prisão domiciliária à data.

3º Nos termos do artigo 114.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a notificação dos arguidos sujeitos a medida privativa da liberdade é sempre pessoal, o que não ocorreu no caso presente.

4º Nos termos do artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal, a falta de notificação ao arguido de decisão que a lei mande notificar (como é o caso de um acórdão condenatório) constitui nulidade insanável e impede o trânsito em julgado.

5º Sem que tenha sido proferida qualquer notificação pessoal nem respeitado o direito ao recurso, o beneficiário foi abruptamente conduzido por autoridade policial, sem pré-aviso, do seu domicílio para o cumprimento da pena de prisão efetiva.

6º Tal condução ocorreu à margem da lei, sem despacho formal de execução da pena que tenha sido notificado, ou a sua mandatária, em flagrante violação do disposto no artigo 470.º n.º 1, do CPP.

7º Não tendo transitado o acórdão por omissão de notificação pessoal — e tendo sido impedido o pleno exercício do direito ao recurso — a actual privação da liberdade do beneficiário é material e formalmente ilegal, nos termos e para os efeitos do artigo 220.º, n.º 1, alínea c) e d) do Código de Processo Penal.

Nestes termos,

Requer a V. Exa. que, reconhecida a ilegalidade da privação da liberdade do beneficiário, seja imediatamente ordenada a sua libertação, nos termos do artigo 223.º, do CPP.

(…).

2. Foi prestada a informação referida na parte final do nº 1 do art. 223º do C. Processo Penal, nos termos que se transcrevem:

“(…).

Relativamente ao requerimento para habeas corpus em virtude de prisão ilegal apresentado pelo arguido AA, por intermédio da sua Sra. Advogada, sua Ilustre Defensora oficiosa, importa informar o seguinte, para efeitos do disposto nos artigos 222º e 223º, do CPP:

1. Nos presentes autos o arguido AA foi condenado em 1.ª instância, por acórdão de 24 de Outubro de 2024, como autor material e na forma consumada de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1,do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

2. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e por decisão de 17.02.2025, o recurso foi rejeitado por o recorrente não ter formulado as conclusões do seu recurso, não obstante ter sido notificado para as apresentar, sob pena de rejeição do recurso, nos termos do art. 417.º, n.º 3 do CPP.

3. O arguido AA reclamou para a conferência da decisão sumária de 17.02.2025, que rejeitou o seu recurso e por acórdão de 25 de Março de 2025, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a reclamação totalmente improcedente.

4. Por requerimento do arguido de 14.05.2025, veio arguir junto do Tribunal da Relação de Lisboa a nulidade processual por omissão de notificação pessoal do acórdão de 25.03.2025, nos termos do artigo 119.º, alínea c) do CPP, tendo aquele Tribunal, em 14 de Maio de 2025, decidido: “no caso dos autos, foi proferido acórdão em 25/03/2025, o qual foi na mesma data notificado ao Ministério Público e ao arguido/recorrente, na pessoa da sua Il. Defensora, por expedição eletrónica. Não se verifica, pois, a omissão de qualquer formalidade legal geradora de nulidade, não tendo manifestamente qualquer aplicação ao caso o art. 119.º, al. c) do CPP. Face ao exposto, indefere-se na íntegra o requerimento”.

5. Em 15 de Maio de 2025 foi remetida, via electrónica, notificação da referida decisão à Ilustre defensora do arguido.

6. Em 15 de Maio de 2025 o Tribunal da Relação de Lisboa procedeu à baixa, electrónica, do processo a título definitivo, tendo os autos sido remetidos fisicamente em 28 de Maio de 2025 7. Desde 13.03.2024 que o arguido se encontrava sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância electrónica.

8. No dia 04.06.2025 foram desativados e removidos os equipamentos de vigilância eletrónica do arguido, tendo sido conduzido ao Estabelecimento Prisional de ..., para cumprimento da pena de prisão.

9. Em 8 de Junho de 2025, a Ilustre defensora do arguido veio apresentar o presente requerimento para habeas corpus.

10. Mais veio apresentar reclamação “a apresentar diretamente no Tribunal da Relação de Lisboa”, requerendo:

a) Que seja reconhecida a nulidade insanável decorrente da falta de notificação pessoal ao arguido do acórdão proferido em 25 de março de 2025;

b) Que, caso tenha sido certificado o trânsito em julgado, seja a certificação declarada nula e sem efeito; c) Que se determine, com urgência, a notificação pessoal do arguido do acórdão em causa;

d) Que, posteriormente, seja aberto o prazo legal de 30 dias para a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos legais”.

Ora, o prazo para a Ilustre Defensora “reclamar” do despacho proferido em 14 de Maio de 2025 terminou em 30 de Maio de 2025 (artigo 113.º, n.º 12 do CPP) e não o fez nesse prazo, nem nos três dias úteis seguintes ao termo do respectivo prazo (artigo 107.º - A, do CPP).

Tendo a Ilustre defensora apresentado o presente requerimento para habeas corpus em 8 de Junho de 2025, verifica-se que o acórdão já transitara em julgado, pelo que a prisão do arguido, para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, não é ilegal.

Sem prejuízo, naturalmente, de melhor e mais esclarecida ordem de Vossa Exª (bem como da apreciação da reclamação pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que se remeterá nesta data).

É o que se nos oferece informar.

(…)”.

*

Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a Ilustre Defensora do requerente, realizou-se a audiência com observância das formalidades legais, após o que o tribunal reuniu e deliberou (art. 223º, nº 3, segunda parte do C. Processo Penal), nos termos que seguem.

*

*

*

II. Fundamentação

A. Dos factos

Com relevo para a decisão do pedido de habeas corpus, dos elementos que instruem o processo e da consulta ao processo electrónico extraem-se os seguintes factos:

1. O peticionante AA foi condenado por acórdão de 24 de Outubro de 2024, proferido no processo comum colectivo nº 398/24.5..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pena de 4 anos de prisão;

2. O peticionante recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas não apresentou conclusões, tendo sido notificado para suprir a omissão, sob pena de rejeição do recurso;

3. O peticionante, por requerimento de 10 de Fevereiro de 2025, apresentou, não as conclusões do recurso, mas uma resposta ao parecer do Ministério Público aperfeiçoada, na qual suscitou questões novas e analisou as conclusões formuladas pelo Ministério Público na resposta ao recurso, formulando, a final, conclusões que exprimem as razões de discordância com esta;

4. Por decisão sumária de 17 de Fevereiro de 2025, o Sr. Juiz Desembargador relator, com fundamento em não ter o peticionante apresentado as conclusões, apesar de notificado para o efeito com a legal cominação, rejeitou o recurso.

5. O peticionante reclamou da decisão sumária para a conferência que, por acórdão de 25 de Março de 2025, julgando a reclamação improcedente, confirmou a decidida rejeição do recurso;

6. O acórdão de 25 de Março de 2025 – referido em 5., que antecede – foi notificado por certificação citius de 25 de Março de 2025, à Ilustre Defensora do peticionante, presumindo-se a notificação feita a 28 do mesmo mês e ano;

7. Por requerimento de 14 de Maio de 2025, o peticionante arguiu a nulidade insanável prevista no art. 119º, c) do C. Processo Penal, pela omissão da sua notificação pessoal relativamente ao acórdão de 25 de Março de 2025, requerendo que fosse certificada a inexistência da sua notificação, a realização da mesma com urgência, a declaração de nulidade da certificação do trânsito em julgado do acórdão referido e, após a efectivação da notificação, a abertura de prazo para interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;

8. Por despacho do Sr. Juiz Desembargador relator de 14 de Maio de 2025, foi julgada não verificada a invocada nulidade insanável e indeferido o requerimento;

9. Por certificação citius de 15 de Maio de 2025, foi a Ilustre Defensora do peticionante notificada do despacho de 14 de Maio de 2025, presumindo-se a notificação feita a 19 do mesmo mês e ano;

10. O peticionante, que se encontrava sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica desde 13 de Março de 2024, deu entrada no Estabelecimento Prisional de ..., em cumprimento de pena, em 4 de Junho de 2025;

11. Em 8 de Junho de 2025 o peticionante, invocando o art. 425º, nº 6 e demais disposições aplicáveis do C. Processo Penal, apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de lisboa Oeste – para onde ao autos haviam já sido remetidos, a título definitivo –, reclamação dirigida ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo por objecto o despacho de 15 de Maio de 2025, arguindo, mais uma vez, a nulidade insanável do art. 119º, c) do C. Processo Penal, pela falta da notificação pessoal ao peticionante, do acórdão da Relação de 25 de Março de 2025, a qual seria impeditiva do respectivo trânsito em julgado e do decurso do prazo para interposição de recurso;

12. Igualmente em 8 de Junho de 2025 o peticionante apresentou a petição de habeas corpus no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.

B. A questão objecto do habeas corpus

Cumpre apreciar se o requerente da providência se encontra em situação de prisão ilegal, nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 222º do C. Processo Penal, por não se mostrar transitado em julgado o acórdão de 25 de Março de 2025, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo comum colectivo nº 398/24.5... [referido nos pontos 5 e 6 dos factos relevados].

C. Do direito

1. Com raízes, no seu desenho moderno, no sistema judicial britânico no século XVII, a providência de habeas corpus é um instituto já secular no nosso sistema jurídico, tendo sido contemplado, pela primeira vez, na Constituição de 1911, e mantido na Constituição de 1933, continuando hoje a estar presente na vigente Constituição da República Portuguesa, como garantia expedita e extraordinária contra situações ilegais de privação da liberdade.

Dispõe o art. 31º da Constituição da República Portuguesa:

1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.

Na sua configuração constitucional o habeas corpus, como garantia que é, tutela o direito fundamental liberdade, quando gravemente afectado por situações de abuso de poder, em consequência de prisão ou detenção ilegal.

Pode ser requerido pelo interessado ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, assim se aproximando da acção popular (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, 2007, Coimbra Editora, pág. 509), e deve ser decidido pelo juiz competente no prazo de oito dias.

Na lição dos Mestres citados, trata-se, essencialmente, de uma providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, portanto, de uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, que, enquanto única garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, afirma a especial importância daquele direito fundamental (op. cit., pág. 508).

No mesmo sentido se posiciona Germano Marques da Silva, para quem o habeas corpus não é um recurso, é uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade (Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Revista e actualizada, 2002, Editorial Verbo, pág. 321), e Jorge Miranda e Rui Medeiros para quem, o habeas corpus é uma providência judicial que tem como objecto imediato o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, tutelando a liberdade física ou de locomoção (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, Coimbra Editora, pág. 342).

A nível infraconstitucional o habeas corpus encontra-se regulado nos arts. 220º e 221º do C. Processo Penal, quando seja determinado por detenção ilegal, e nos arts. 222º e 223º do mesmo código, quando seja determinado por prisão ilegal.

No primeiro caso incluem-se as privações da liberdade ainda não validadas pela autoridade judiciária portanto, aquelas em que o cidadão se encontra detido à ordem de uma autoridade administrativa ou militar, e no segundo, incluem-se as privações de liberdade já validadas pela autoridade judiciária portanto, aquelas em que o cidadão se encontra detido à ordem desta autoridade.

No requerimento apresentado o peticionante invoca como expresso fundamento do pedido, o disposto na alínea b) do nº 2 do art. 222º do C. Processo Penal, por estar preso, em cumprimento de pena, quando, em seu entendimento, ainda não transitou em julgado o acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a decisão sumária de rejeição do recurso por si interposto para o mesmo tribunal, do acórdão condenatório da 1ª instância.

Dúvidas não subsistem, portanto, quanto a haver lugar à convocação do regime do habeas corpus em virtude de prisão ilegal.

2. Dando exequibilidade ao regime constitucional do habeas corpus, estabelece o art. 222º do C. Processo Penal:

1. A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2. A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Os fundamentos da ilegalidade da prisão para efeitos de pedido de habeas corpus são, apenas, os previstos nas alíneas a) a c) do nº 2 do art. 222º do C. Processo Penal.

In casu, a petição tem por fundamento a alínea b), cuja previsão é susceptível de ser preenchida por diversas situações [v.g., a falta de trânsito em julgado da decisão condenatória], mas a sua verificação terá sempre de resultar da matéria de facto processualmente adquirida, conjugada com a legislação aplicável ao caso concreto.

Sempre indispensável, é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário (Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 909).

Diremos, pois, concluindo, que o habeas corpus é um remédio contra situações de imediata, patente e auto-referencial ilegitimidade (ilegalidade) da privação da liberdade, não podendo ser considerado nem utilizado como recurso sobre os recursos ou recurso acrescido aos recursos (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2010, processo nº 139/10.4YFLSB.S1, in www.dgsi.pt).

D. O caso concreto

1. O peticionante sustenta a providência de habeas corpus no seguinte travejamento argumentativo [completado pela informação prestada pela 1ª instância e elementos constantes do processo]:

- Foi condenado por acórdão de 24 de Outubro de 2024, proferido no processo comum colectivo nº 398/24.5..., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, na pena de 4 anos de prisão;

- Interpôs recurso desta decisão para a Relação de Lisboa que, por decisão sumária de 17 de Fevereiro de 2025, rejeitou o recurso, por falta de conclusões;

- Tendo reclamado da decisão sumária para a conferência, a Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de Março de 2025, julgou improcedente a reclamação, confirmando a rejeição do recurso;

- Não foi notificado pessoalmente do teor deste acórdão da relação, como é imposto pelo art. 114º, nº 1 do C. Processo Penal, o que constitui nulidade insanável, nos termos da alínea c) do art. 119º do mesmo código, impeditiva do respectivo trânsito em julgado;

- Pelo que, a sua condução, sem despacho de execução da pena que tenha sido notificado, a si ou à sua Defensora, viola o art. 470º, nº 1 do C. Processo Penal, tornando materialmente ilegal a sua privação da liberdade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 220º, nº 1, c) e d) do mesmo código.

Dito isto.

É fundamento da providência de habeas corpus requerida, não o previsto no art. 220º, nº 1, c) e d) do C. Processo Penal, como equivocadamente afirma o peticionante mas, conforme supra dito dito, o previsto no art. 222º, nº 2, b) do mesmo código, uma vez que está em causa a ilegalidade da prisão decretada por um tribunal judicial, por não estar transitado em julgado o acórdão que condenou o peticionante numa pena de prisão de 4 anos que o mesmo cumpre desde 4 de Junho de 2025, em estabelecimento prisional.

Vejamos se assim é.

2. A questão da notificação dos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores em recurso não é nova, mas tem recebido resposta uniforme da doutrina e da jurisprudência.

Dispõe o art. 113º do C. Processo Penal, com a epígrafe «Regras gerais sobe notificações» na parte em que agora releva:

(…).

10 – As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.

(…).

Por sua vez, estabelece o art. 425º do C. Processo Penal, com a epígrafe «Acórdão», na parte em que agora interessa;

(…).

6 – O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público.

(…).

Como se vê, a norma do nº 10º do art. 113º foi pensada para as fases de inquérito, instrução e julgamento em 1ª instância, daí a expressa referência a notificação da sentença, enquanto a norma do nº 6 do art. 425º, pela sua própria inserção sistemática, é privativa da fase de recurso.

Na verdade, se assim não fosse, o legislador não teria deixado de fazer constar do nº 10 do art. 113º a obrigatoriedade da notificação pessoal de recorrentes e recorridos ao lado da notificação dos respectivos defensores e advogados. Aliás, compreende-se a dualidade de regimes pois que, nas decisões proferidas em recurso, onde a complexidade da argumentação é, em regra, superior à da decisão de 1ª instância, a notificação pessoal de recorrentes e recorridos pouco adiantará, ao nível da sua [da decisão] compreensão, devido aos aspectos técnicos normalmente envolvidos, sobretudo no que à defesa respeita, os quais só poderão ser satisfatoriamente explicados por técnicos de direito, portanto, pelos respectivos defensores e advogados, sendo certo que estes estão deontologicamente obrigados a comunicar aos seus constituintes o teor destas decisões [note-se que não vem alegado que a Ilustre Defensora do peticionante tenha incumprido este dever profissional].

Neste sentido se pronunciam António Latas e Pedro Soares de Albergaria (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo V, 2024, Almedina, pág. 299) e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Vol. II, 2023, Universidade Católica Editora, pág. 707), sendo também entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores não têm de ser notificados pessoalmente ao arguido, mas apenas ao respetivo defensor ou advogado constituído (acórdãos de 19 de Fevereiro de 2025, processo nº 77/12.6GTCSC.L2.S1, de 13 de Julho de 2023, processo nº 1711/16.4S6LSB-H.S1, de 6 de Janeiro de 2020, processo nº 48/09.0GEABT-B.S1, de 11 de Dezembro de 2014, processo nº 1049//12.6JAPRT-C.S1 e de 3 de Maio de 2012, processo nº 61/09.9TASAT-C.S1, todos in www.dgsi.pt.).

Acresce que o Tribunal Constitucional, várias vezes instado a pronunciar-se sobre a desconformidade desta interpretação com a Constituição da República Portuguesa, o tem feito no sentido oposto, portanto, no sentido de que as garantias constitucionais de defesa não impõem que um acórdão proferido em recurso seja sempre pessoalmente notificado ao arguido, podendo sê-lo ao seu defensor (acórdãos nº 746/2021, de 23 de Setembro de 2021, nº 31/17, de 31 de Janeiro de 2017, nº 667/14 de 14 de Outubro de 2014, nº 234/10 de 15 de Junho de 2010, nº 399/09 de 30 de Julho de 2009, nº 275/06 de 2 de Maio de 2006 e nº 512/04 de 13 de Julho de 2004, todos in www.tribunalconstitucional.pt).

Assim, tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Março de 2025 sido notificado por certificação citius de 25 de Março de 2025, à Ilustre Defensora do peticionante, presume-se efectivada a notificação a 28 do mesmo mês e ano, o que significa que o mesmo transitou em julgado a 7 de Abril de 2025 [note-se que o mesmo não era recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça].

O trânsito em julgado do acórdão da Relação de Lisboa determinou o trânsito em julgado do acórdão condenatório da 1ª instância.

Dispondo o nº 1 do art. 467º do C. Processo Penal que [a]s decisões penais condenatórias transitada em julgado têm força executiva em todo o território português, nenhum obstáculo legal existe à emissão pela 1ª instância dos mandados de condução do peticionante ao estabelecimento prisional, a fim de iniciar o cumprimento da pena de prisão em que se mostra condenado com trânsito, como veio a suceder [não se compreendendo, aliás, a invocada violação do art. 470º, nº 1 do C. Processo Penal].

3. Em conclusão:

- É entendimento pacífico que os acórdãos dos tribunais superiores proferidos em recurso, não têm de ser notificados pessoalmente a recorrentes e recorridos, bastando a sua notificação aos respectivos defensores ou advogados constituídos;

- Tendo o acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Março de 2025 sido electronicamente notificado à Ilustre Defensora do peticionante, e presumindo-se a notificação efectuada a 28 de Março de 2025, o mesmo transitou em julgado a 7 de Abril de 2025, pois dele não foi interposta reclamação nem foi interposto recurso [para o Tribunal Constitucional];

- O trânsito em julgado do acórdão da relação de 25 de Março de 2025 determinou o trânsito em julgado do acórdão da 1ª instância que impôs ao peticionante a pena de 4 anos de prisão;

- Assim, a condução do peticionante ao estabelecimento prisional em 4 de Junho de 2025, para cumprimento da referida pena de prisão, não viola qualquer disposição legal.

Não se verificando, pois, o fundamento de habeas corpus previsto na alínea b) do nº 2 do art. 222º do C. Processo Penal, e não se verificando, igualmente, qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do mesmo número e artigo, deve ser indeferido o pedido.

Por outro lado, sendo o pedido de habeas corpus, pelas sobreditas razões, manifestamente infundado, deve o peticionante ser sancionado nos termos previstos no nº 6 do art. 223º do C. Processo Penal.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo do Supremo Tribunal de Justiça em:

A) Indeferir o pedido de habeas corpus formulado por AA, por falta de fundamento bastante (art. 223º, nº 4, a) do C. Processo Penal).

B) Condenar o peticionante nas custas do processo, fixando em três UC a taxa de justiça (art.8.º, n.º 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa), e ainda no pagamento da soma de 6 UC (art. 223º, nº 6 do C. Processo Penal).

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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Lisboa, 18 de Junho de 2025

Vasques Osório (Relator)

Jorge Gonçalves (1º Adjunto)

Ernesto Nascimento (2ª Adjunta)

Helena Moniz (Presidente da secção)