I - Quer em função do impedimento legal derivado dos artigos 112.º e 131.º, n.º 1 alínea c) do CPT, quer por força do caso julgado formado pelo Despacho Saneador, o instituto da descaracterização do acidente de trabalho invocado pela Ré empregadora na sua contestação está fora das fronteiras do conhecimento e julgamento definidas pela fase contenciosa da presente ação, assim como do objeto desta revista.
II - Os trabalhos em altura realizados pelo Autor, implicavam inevitavelmente risco de queda por parte dos trabalhadores que, como ele, procediam à substituição do soalho do piso do primeiro andar do Edifício da Biblioteca/Museu do Município, o que faziam através da colocação de placas contraplacadas náuticas sobre os barrotes de madeira que suportariam o referido soalho e que independentemente do seu estado de conservação foram mantidos para tal efeito.
III - No local onde o Autor se encontrava a realizar os trabalhos que lhe havido sido determinados existia colocada uma linha de vida onde o mesmo poderia afixar o arnês que lhe havia sido disponibilizado pela Ré empregadora, se bem que tal linha de vida não se achava instalada em todos os espaços ou salas que constituíam o referido primeiro piso [como era o caso do local do sinistro dos autos], bem como não tinham sido colocadas nenhumas tábuas ou pranchas de madeira ou de outro material que permitissem a todas as pessoas que ali andassem uma deslocação mais suportada e segura sobre as vigas de madeira, assim como, finalmente, qualquer rede ou redes de sustentação que, presas em pontos chave ou estratégicos, por debaixo de todas as área de tal piso em que se verificasse esse perigo, pudessem suster ou, pelo menos, amparar ou atenuar significativamente o impacto danoso de qualquer queda de trabalhadores que desenvolvessem ali a sua atividade profissional ou simplesmente se deslocassem nesse primeiro andar.
IV - Essa zona do piso onde ocorreu o sinistro dos autos e onde o Autor não estava a realizar os trabalhos descritos em II, fazia também parte do espaço aberto, útil e ativo da obra que estava a ser realizada e que, nessa medida, exigia idênticas medidas de segurança às já existentes, sendo perfeitamente previsível e compreensível que o Autor, os seus colegas de trabalho, os encarregados da obra, os técnicos ou até representantes do dono da mesma se deslocassem e movimentassem, em serviço – por exemplo, para transporte de ferramentas e materiais, acompanhamento e fiscalização dos trabalhos, ordens e orientações, conversas e reuniões, deslocação de trabalhadores, etc. - ou fora dele - quando se parava para comer, descansar ou se dirigir de ou para o seu local de trabalho -, em todo aquele espaço e necessariamente as vigas de madeira para esse efeito, dado inexistirem passagens alternativas seguras [estrados] para a realização dessas deslocações e movimentações.
V - Nada nos autos indica que a Ré empregadora sinalizou e vedou tal área específica do piso ao acesso dos trabalhadores e demais pessoas ou pelo menos informou devidamente por escrito ou verbalmente o Autor e demais colegas de trabalho de que não deveriam deslocar-se a essa zona, por não terem permissão para o fazer, devido a não estarem ali a ocorrer quaisquer trabalhos e/ou nem estarem instaladas quaisquer medidas de segurança coletivas ou individuais e/ou, finalmente, por constituir um perigo para a sua integridade física a presença na mesma.
VI - Está provado nos autos que o Autor não usava o «arnês» que lhe havia sido disponibilizado e que tal atuação era de conhecimento do encarregado da obra e representante legal da entidade empregadora que, não obstante, não impunha ao sinistrado a efetiva utilização de tal proteção individual, não havendo, por outro lado, notícia nos autos de que, como era obrigação da empregadora, tinha sido dado oportuno conhecimento ao trabalhador do teor do Plano de Segurança e Saúde [PSS] que respeitava especificamente às suas funções e às medidas de proteção individuais que lhe estavam destinadas e que deveria respeitar.
VII - De qualquer maneira, tais questões, ainda que indicadoras da forma pouco empenhada, interessada e diligente como as questões ligadas às condições e segurança no trabalho eram, direta ou indiretamente, encaradas pela 2.ª Ré, perdem grande parte da sua relevância, a partir do momento em que sabemos que não existia linha de vida na zona do primeiro piso de que o Autor caiu, não se vislumbrando, nessa medida, como poderia tal trabalhador socorrer-se do arnês que a Ré empregadora lhe havia dispensado e, nessa medida, como lhe poderia ser assacada uma parte da culpa na ocorrência do sinistro.
VIII - Foram assim violadas regras de segurança no trabalho que, em última análise e não obstante as condutas do Autor, podem e devem ser assacadas à 2.ª Ré, nos termos do número 1 do artigo 18.º da LAT, o que implica a revogação do Acórdão recorrido, repristinando-se, nessa medida e em sua substituição a sentença da primeira instância que assim igualmente decidiu.
RECORRENTE: LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL
RECORRIDOS: AA
M..., & IRMÃOS, LDA
(Processo n.º 2391/21.0T8PNF.P1.S1 – Tribunal Judicial da Comarca de Porto-Este - Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
I – RELATÓRIO
1. AA, com os sinais constante dos autos, apresentou Petição Inicial no dia 30/10/2022, assim se abrindo a fase contenciosa desta ação declarativa emergente de acidente de trabalho com processo especial [que teve início, em termos da sua fase conciliatória, no dia no dia 2/09/2021, com a participação do sinistro por parte da Seguradora] contra a LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL [1.ª Ré] e M..., & IRMÃOS, LDA [2.ª Ré], também com os sinais constante dos autos, requerendo a final o seguinte:
“Na sequência do supra alegado, o Autor formula os seguintes pedidos:
a) - que o acidente seja declarado/reconhecido como de trabalho;
b) - que seja declarada a existência de nexo de causalidade entre o acidente, as lesões e as sequelas sofridas; e,
c) - que seja declarado que o Autor auferia retribuição no valor de 640,00€ x 14 + 129,80 € x 11, num total anual de € 10.387,80; e,
d) - por isso, que as Rés sejam condenadas a pagar ao Autor o capital de remissão da pensão anual e vitalícia de € 2.087,03 devida a partir de 19/08/2021.
e) - que as Rés sejam condenadas a pagar as despesas de deslocações no valor de € 20,00, as despesas médicas e a indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
todas as quantias acrescidas dos juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre todas as prestações e até integral pagamento e, ainda, em custas, procuradoria e demais encargos legais.”.
Nesse dia e hora, quando se encontrava no interior do edifício onde laborava, a caminhar sobre estrutura de madeira, sem perceber como nem porquê, esta partiu-se dando causa à queda do sinistrado do piso em que caminhava para o piso situado imediatamente abaixo, a cerca de 3 metros, tendo ficado inconsciente.
Em consequência de tal sinistro sofreu hematoma subdural; fratura de 5 ao 8 arco costal; fratura da clavícula; fratura do corpo vertebral de D7 e L1; fratura da apófise transversa esquerda de L1 e direita em L2 e L3, que lhe determinaram sequelas correspondentes a uma IPP para o trabalho de 28,7016%.
Mais, alega que a data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 19/08/2021 e a entidade empregadora havia transferido parcialmente a sua responsabilidade para a Ré.
Por fim, alega que as Rés, em tentativa de conciliação, aceitaram a retribuição transferida, todavia, a 1.ª Ré não aceitou a responsabilidade pelo sinistro alegando violação de regras de segurança pelo trabalhador e/ou pela 2.ª Ré e, esta, 2.ª Ré aceitou o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre este e as lesões, todavia, nada aceitou pagar uma vez que considerou ter toda a responsabilidade transferida para a 1.ª Ré e alegando, a acrescer, ter cumprido todas as normas de segurança previstas na Lei.
Mais alega que o Autor não utilizava qualquer mecanismo de segurança contra o risco de queda.
No local onde o Sinistrado se encontrava, não foram tomadas por parte da sua Entidade Empregadora, a aqui co-Ré, nenhuma medida de proteção, nem coletiva, nem individual.
Em abono da verdade, a instalação de uma linha de vida, tendo como pontos de ancoragem as vigas que compunham a estrutura do teto do edifício onde se encontrava o Sinistrado a desenvolver a sua tarefa, ficando este devidamente conectado à mesma através de arnês, anularia totalmente o risco de queda em altura.
Ademais, podia a Ré Entidade Empregadora munir o local de redes de segurança, por baixo do local onde o Autor pretendia instalar o soalho, redes essas que anulariam totalmente o acidente, ou melhor, a queda ao solo.
Por fim, alega que, não existia qualquer equipamento de proteção coletiva contra o risco de queda, o que é confirmado pelo legal representante da Ré Empregadora em depoimento escrito prestado perante o Perito Averiguador: “(...) não montamos nenhum andaime nem outro dispositivo antiqueda”) – cfr. depoimento que se junta como Doc. 2 e se dá por integralmente reproduzido e integrado para os devidos efeitos legais.
Assim como igualmente não foi disponibilizado ao Autor qualquer equipamento de proteção individual eficaz contra esse mesmo risco de queda, que permitisse que estivesse sempre seguro.
Tal situação poderia e deveria ser facilmente evitada se fosse efetuada uma correta planificação dos trabalhos por parte do tomador do seguro, Entidade Empregadora do sinistrado.
Ora, atendendo à tarefa de que incumbira o Autor, com a existência elevada de um perigo de queda em altura, tal como veio infelizmente a suceder, deveria a Ré Empregadora, implementar equipamentos apropriados de proteção contra quedas que evitassem o risco de queda em altura ou minimizassem as suas consequências para os seus trabalhadores, incluindo o Autor, em caso de tal ocorrer.
Termina que “deve ser dado como procedente, por provada, a violação das regras de higiene e segurança por parte da Ré empregadora e, em consequência, ser esta condenada, nos termos e com o agravamento previsto no artigo n.º 1, do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro sendo a responsabilidade da Ré Seguradora considerada meramente subsidiária, pelo pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
Deverá ainda ser levado em consideração o montante pago pela Ré a título de pensão provisória e descontado no valor da pensão, agora, a pagar.”.
Mais alega que aceita o acidente como de trabalho, mas não se reconhece, como responsável pelo mesmo, já que, apesar do (dito) acidente ter ocorrido no horário e local de trabalho, este não decorreu de violação sua das regras de segurança no trabalho que se lhe acham impostas.
Alega, também, que os seus funcionários encontravam-se a executar as suas tarefas no piso superior de edifício, onde, à data, decorriam as obras.
Esse piso tinha diversas salas, separadas fisicamente e com distância de vários metros entre si.
A zona de trabalho do aqui Autor correspondia a uma dessas salas.
Porém, o Autor deslocou-se da sua zona de trabalho para junto de uma janela que existia noutro ponto do piso onde decorriam os trabalhos, ponto esse afastado da zona de trabalho.
Fê-lo sem que tal lhe tivesse sido ordenado ou solicitado.
E fê-lo sem que isso tivesse qualquer conexão com as tarefas que lhe cabia executar.
Foi já nesse ponto, distante da zona de trabalho, que se deu o acidente, ou seja, nesse local, em 22 de dezembro de 2020, verificou-se a queda do Autor.
Por fim alega, ainda, que não pode ser responsabilizada porque, desde logo, não deu nenhuma instrução ao Autor para que este se deslocasse para aquele local, que nem sequer correspondia a uma zona de trabalho.
A Ré não sabe o motivo para aquela deslocação do Autor, tendo sido este quem decidiu deslocar-se para aquele local, avaliando todos os riscos que tal decisão implicaria.
Termos em que, conclui que: “DEVE SER ATENDIDA A MATÉRIA DEFENSIONAL, COM A CONSEQUENTE IMPROCEDÊNCIA DA ACÇÃO.”.
Notifique.”.
Mais, fixou provisoriamente o valor da ação em € 36.979,87.
Fixou os factos assentes, enunciou o objeto do litígio traduzido no “apuramento da existência de atuação culposa da 2.ª Ré; sequelas do Autor; prestações a que o Autor tem direito e da responsabilidade das Rés pelas mesmas”, identificou os temas de prova e ordenou o desdobramento do processo e a consequente abertura do apenso de fixação da incapacidade, determinando que os Senhores Peritos deveriam dar resposta aos seguintes quesitos:
“1) Quais as lesões sofridas pelo Autor como consequência do acidente em causa nos autos?
2) Quais as sequelas permanentes que advêm de tais lesões para o Autor?
3) Quais os períodos de incapacidade temporária resultantes do acidente para o Autor?
4) Qual o grau de incapacidade que atualmente afeta o Autor?”.
O tribunal da comarca, por considerar inexistir qualquer fundamento que o levasse a discordar dessa posição médico-legal, atribuiu ao sinistrado a referida IPP de 23,24% desde o dia imediato ao da alta.
Notificada tal fixação dessa Incapacidade Parcial Permanente, todas as partes a aceitaram.
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Reconhece-se a caracterização do acidente como sendo acidente de trabalho;
B) Declara-se que o Autor auferia a retribuição anual de € 10.114,34 à data do acidente de trabalho;
C) Condena-se a 1.ª Ré LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, S.A. no pagamento ao Autor AA, sem prejuízo do direito de regresso que tem sobre a 2.ª Ré, das seguintes quantias:
1) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de € 1.645,40 (mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos), acrescido dos juros de mora devidos desde 20/08/2021 até efetivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135.º do CPT;
2) € 4.655,37 (quatro mil seiscentos e cinquenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta devida desde 20/08/2021, acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135.º do CPT;
D) Declara-se ter o Autor AA direito a receber da entidade empregadora M..., & IRMÃOS, LDA as seguintes quantias:
1) € 1.995,15 (mil novecentos e noventa e cinco euros e quinze cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias devidas desde 20/08/2021, acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135.º do CPT;
2) Capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia, com início em 20/08/2021, no montante de € 705,17 (setecentos e cinco euros e dezassete cêntimos), acrescido dos juros de mora devidos desde aquela data até efetivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135.º do CPT.
Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [TRP] de 11/12/2024, foi decidido o seguinte:
“Atento o exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que condenou a aqui recorrente – M..., & IRMÃOS, LDA – a pagar ao sinistrado as quantias referidas em D), 1 e 2 da decisão recorrida e absolve-se a mesma de tais pedidos.
No mais confirma-se a decisão recorrida.
14. Em 16/12/2024, a Ré Empregadora apresentou pedido onde requereu a reforma do Acórdão do TRP e interpôs recurso de revista em 30/12/2024.
A Ré Seguradora interpôs recurso de revista.
Não foi admitido pelo TRP o recurso da Ré Empregadora e foi admitido o recurso da Ré Seguradora.
A 2.ª Ré não apresentou reclamação nos termos dos artigos 82.º, número 2 do Código de Processo de Trabalho e 643.º do Código de Processo Civil de 2013 dentro do prazo legal que tinha para o efeito.
“Pelo exposto acordam os Juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto, nos termos das disposições legais citadas, em deferir o pedido de reforma do acórdão, proferido em 11 de Dezembro de 2024 e, em consequência, altera-se o primeiro parágrafo do segmento decisório, passando a ler-se no mesmo, o seguinte:
“Atento o exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, no que toca à condenação da 2.ª Ré em custas e à expressão “sem prejuízo do direito de regresso que tem sobre a 2.ª Ré”, constante em C) do dispositivo e na parte em que condenou a aqui recorrente – M..., & IRMÃOS, LDA – a pagar ao sinistrado as quantias referidas em D), 1 e 2 da decisão recorrida e absolve-se a mesma de tais pedidos.”.
Foi determinada a subida dos presentes autos a este Supremo Tribunal de Justiça.
«1. A Recorrente não concorda com a decisão do Tribunal da Relação do Porto, que revogou a sentença da 1ª instância, a qual estava bem fundamentada e não merecia críticas.
2. O recurso incide sobre a condenação da Recorrente no pagamento das prestações ao Sinistrado, devido à interpretação incorreta do artigo 18.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, no que diz respeito à culpa da empregadora.
3. Discorda a Recorrente do acórdão a quo quanto ao ponto supra, que enferma de errónea aplicação do direito aos factos por erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas.
4. O Tribunal da Relação considerou que o acidente não ocorreu conforme as condições previstas no artigo 18.º da referida Lei, contrariando a decisão da 1ª instância.
5. A Recorrente discorda a alteração da matéria de facto feita pelo Tribunal da Relação, que não levou em conta a totalidade dos factos provados na 1ª instância.
6. Ainda assim, a materialidade provada é suficiente para concluir que a empregadora agiu de forma culposa, violando normas de segurança, conforme previsto na legislação.
7. O sinistrado não utilizava os equipamentos de segurança necessários, como cinto de segurança, linha de vida e pontos de ancoragem adequados.
8. A empregadora não forneceu as condições adequadas de segurança, como a instalação de linha de vida, o que deveria ter sido feito para garantir a proteção contra quedas.
9. A queda do sinistrado foi diretamente provocada pela falta de utilização dos equipamentos de segurança e pela omissão da empregadora em implementar as medidas necessárias.
10. A empregadora permitiu que os trabalhadores operassem em condições de risco, não cumprindo a obrigação de garantir a segurança e saúde no trabalho.
11. O Tribunal da Relação ignorou o dever da empregadora de garantir condições seguras para os trabalhadores e não aplicou corretamente a legislação.
12. A responsabilidade pela reparação do acidente deve ser atribuída à empregadora, em conformidade com o artigo 18.º da Lei 98/2009, uma vez que a violação das normas de segurança aumentou a probabilidade do acidente.
13. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2024 do Supremo Tribunal de Justiça deve ser seguido, reafirmando que é possível atribuir responsabilidade ao empregador pela violação das regras de segurança, mesmo sem comprovar que o acidente não ocorreria sem essa violação.
14. A decisão da 1.ª instância foi correta, e a interpretação feita pelo Tribunal da Relação está equivocada, com violação das normas aplicáveis.
15. Nesta senda, não poderia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, ignorando que recai exclusivamente sobre a Recorrida Empregadora, o dever de assegurar condições de segurança aos seus trabalhadores, nomeadamente ao Sinistrado, em todos os seus aspetos do seu trabalho, devendo, desde logo, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção, proceder a uma identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos, devendo adotar as medidas adequadas de proteção, em conformidade com o estatuído no n.º 1, 2 e 3 do artigo 281.º do Código de Trabalho e al. a) e b) do n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 102/2009, de 10/09.
16. Por tudo isso, é possível afirmar que foi a conjugação da circunstância do Sinistrado estar a trabalhar a cerca de 3 metros de altura e sem dispor de qualquer equipamento de proteção individual e coletiva contra o risco de quedas em altura, que fez com que o Sinistrado sofresse as lesões que reclama.
17. Ou seja, dos autos resulta inequivocamente a verificação cumulativa de todos os pressupostos exigidos para a imputação à Recorrente da responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho decorrente de violação de normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, nomeadamente:
18. A sentença da 1.ª instância não merece os reparos indicados pelo acórdão recorrido, tendo sido efetuada uma correta aplicação e interpretação das normas jurídicas aos factos provados.
19. Face ao exposto, deve ser concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido nos termos supra expostos.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, FAZENDO-SE ASSIM INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»
18. A recorrida e 2.ª Ré M..., & IRMÃOS, LDA veio apresentar contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«Para a Recorrente Seguradora, nos termos do n.º 1 do artigo 629.º e do n.º 1 do artigo 631.º, a decisão do Tribunal da Relação do Porto é irrecorrível, pelo que se impõe a rejeição do recurso.
Ainda que assim não seja, o recurso está votado ao insucesso, porquanto é patente que o recurso parte de um pressuposto factual que não tem acolhimento nos autos e, por outro lado, a decisão recorrida não merece a censura que a Recorrente Seguradora lhe aponta, porquanto o acidente que vitimou o Autor não se ficou a dever à violação de regras de segurança por parte da Recorrida!»
«Em suma, somos de parecer que o recurso interposto deve ser considerado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido.»
A Ré empregadora foi a única parte que veio pronunciar-se sobre o teor de tal Parecer nos moldes constantes dos autos e em conformidade com as posições neles assumidas.
II. FACTOS
22. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [TRP] de 11/12/2024, após a reforma a que foi sujeito por força do Aresto de 24/2/2025 [sendo certo que houve Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que foi julgada parcialmente procedente, tendo, por outro lado, havido alterações oficiosas de tal Factualidade dada como Assente e Não Assente por parte do tribunal da 2.ª instância que a esse respeito, registou o seguinte em sede de fundamentação de facto: “Consigna-se que o Tribunal procedeu à inclusão, nos factos provados, do ponto LL) ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1.º, n.º 2 do CPT, por consubstanciar um facto que concretiza o alegado pela 1.ª Ré no artigo 15.º da contestação quanto às medidas que efetivamente não foram implementadas para cumprimento das medidas de proteção do Autor, facto esse que resultou da instrução da causa, mais precisamente do depoimento da testemunha BB e que foi, nesse âmbito, objeto de contraditório por todas as partes no processo.”:
I - FACTOS DADO COMO PROVADOS
A 1.ª e a 2.ª instância, discutida a causa, consideraram que resultaram provados os seguintes factos:
A1 - FACTOS ASSENTES POR ACORDO:
A) O Autor nasceu em 05/04/1967;
B) Em Dezembro de 2020, a 2.ª Ré encontrava-se a realizar uma obra na Rua ..., em ..., no Edifício da Biblioteca/Museu;
C) No dia 22/12/2020, o Autor exercia funções de pedreiro sob as ordens, direção e fiscalização da 2.ª Ré, no piso superior do edifício identificado em B);
D) À data de 22/12/2020, o Autor auferia a retribuição anual de € 640,00 x 14 + € 129,80 x 11, no total anual de € 10.387,80;
E) No dia 22/12/2020, pelas 14h30m, em ..., ..., o Autor sofreu um acidente no horário de trabalho por conta da 2.ª Ré, ao sofrer uma queda da qual resultou lesão na cabeça, clavícula direita, fémur direito, coluna e região torácica;
F) Efetivamente, em momento em que se encontrava no interior do edifício onde laborava, a caminhar sobre estrutura de madeira, esta partiu dando causa à queda do sinistrado do piso em que caminhava para o piso sito imediatamente abaixo, a cerca de 3 metros, tendo ficado inconsciente;
G) Em consequência do acidente em causa, o Autor sofreu hematoma subdural; fratura de 5 ao 8 arco costal; fratura da clavícula; fratura do corpo vertebral de D7 e L1; fratura da apófise transversa esquerda de L1 e direita em L2 e L3;
H) Após o evento e do local do mesmo, o Autor foi transportado, de ambulância, para o Centro Hospitalar ... (CH...), onde ficou internado até 11/01/2021, período durante o qual foi tratado ao politraumatismo, tendo sido, inclusive, submetido a intervenção cirúrgica às fraturas na coluna;
I) De seguida, foi encaminhado para continuar o internamento no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ..., onde permaneceu internado até 15/02/2021;
J) Após alta do internamento foi encaminhado para consulta externa de ortopedia;
K) Teve alta do internamento no acima referido dia 15/02/2021, todavia, continuou a ser seguido nas indicadas consultas;
L) A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 19/08/2021;
M) À data do acidente, a 2.ª Ré tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho integralmente transferida para a 1.ª Ré através de contrato de seguro titulado pela Apólice n.º ...40, nos termos constantes de fls. 21 e 22 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, sendo que, quanto ao Autor, se encontrava transferida a responsabilidade pelo menos pelo valor da retribuição anual de € 640,00 x 14 meses + € 104,94 x 11 meses a título de subsídio de alimentação, no total de € 10.114,34;
A1 - FACTOS DEMONSTRADOS POR PRODUÇÃO DE PROVA:
N) O Autor não sabe como nem porque sofreu a queda identificada em E) e F);
O) Em consequência direta e necessária da queda identificada em E) e F), resultou para o Autor sequelas de raquialgia e rigidez residual pós-fixação transpedicular de D11-a L3, toracalgia residual pós-fratura de costelas, sequelas de fratura da clavícula direita, atrofia da coxa direita inferior a 2 cm e cicatriz do couro cabeludo corrigível pelo penteado, que determinam uma IPP de 23,24%, bem como um período de ITA desde 23/12/2020 até 19/08/2021;
P) Imediatamente antes do acidente identificado em E) o Autor encontrava-se a proceder à colocação de placas contraplacadas náuticas no chão do primeiro piso do edifício em conjunto com um colega de trabalho, CC;
Q) Tal tarefa visava a substituição do soalho antigo do edifício, mantendo-se inalterada a estrutura composta por vigas de madeira;
R) No momento indicado em F), uma das vigas/barrote da estrutura de madeira cedeu, ruindo;
S) O Autor não utilizava qualquer mecanismo de segurança contra o risco de queda;
T) (Eliminado).
[A instalação de uma linha de vida, tendo como pontos de ancoragem as vigas que compunham a estrutura do teto do edifício onde se encontrava o Autor a desenvolver a sua tarefa, ficando este devidamente conectado à mesma através de arnês, anularia totalmente o risco de queda em altura;]
U) Podia a 2.ª Ré munir o local de redes de segurança, por baixo do local onde o Autor pretendia instalar o soalho;
V) (Eliminado).
[Redes essas que anulariam totalmente a queda ao solo;]
W) Foi devido ao impacto do Autor com o solo que lhe advieram as lesões descritas em G);
X) (Eliminado).
[A tarefa de que a 2.ª Ré incumbira o Autor implicava a existência de perigo de queda em altura;]
Y) Era do conhecimento da 2.ª Ré que, ao efetuar o trabalho de aplicação de placas de assoalhamento sobre vigas antigas que compunham a estrutura do edifício, se expunha o Autor a que sucedesse uma queda em altura, bem como às suas consequências;
Z) Os funcionários da 2.ª Ré encontravam-se a executar as suas tarefas no piso superior de edifício, onde, à data, decorriam as obras;
AA) Esse piso tinha diversas salas, separadas fisicamente;
BB) A zona de trabalho do Autor correspondia a uma dessas salas;
CC) O Autor deslocou-se da zona onde estava a colocar as placas de contraplacado em alguns metros, para junto de uma janela que existia noutro ponto do piso onde decorriam os trabalhos, ponto esse afastado da zona de trabalho;
DD) Foi já nesse ponto, distante do local onde o Autor se encontrava a aplicar as placas de contraplacado, que se deu o acidente descrito em F);
EE) A zona de trabalho do Autor era dotada de linha de vida, que devia ser presa a um cinto de segurança, também designado por “arnês”;
FF) Considerando que o Autor se encontrava a realizar trabalhos que se enquadram na categoria “pavimento”, encontravam-se implementadas no PSS as seguintes medidas de proteção coletiva quanto a queda em altura: “Se necessário recorrer ao uso de cintos de segurança na execução, no caso de colocação de pavimentos junto a bordaduras/vãos desprotegidos”, nos termos constantes de fls. 201 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida; (Eliminada expressão sublinhada a negrito).
GG) Quanto às medidas de proteção individual, para as funções de pedreiro, encontrava-se prevista a utilização de capacete, de colete, de botas de biqueira de aço e de cinto de segurança, vulgo arnês, nos termos constantes de fls. 159 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida; (Eliminada expressão sublinhada a negrito).
HH) Apesar de lhe ter sido facultado, o Autor não utilizava cinto de segurança, vulgo arnês, no momento da queda;
II) No concreto momento em que ocorreu a queda, o Autor encontrava-se sozinho;
JJ) Nas circunstâncias em caiu o Autor, podia ter caído CC, se pisasse o barrote que quebrou;
KK) Quem mandou executar a tarefa identificada em P) e Q) foi o encarregado da obra, BB, que era quem, posteriormente, fiscalizaria o trabalho;
LL) O encarregado da obra, BB, não deu instruções ao Autor para executar a tarefa em causa com o uso de cinto de segurança e linha de vida antes do início ou durante a sua execução, não obstante ter conhecimento do seu não uso pelo Autor.
B – FACTOS NÃO PROVADOS
Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1) No local onde o Autor se encontrava, não foram tomadas por parte da 2.ª Ré nenhumas medidas de proteção, nem coletivas, nem individuais;
2) Não foi disponibilizado ao Autor qualquer equipamento de proteção individual eficaz contra esse risco de queda, que permitisse que estivesse sempre seguro;
3) A 2.ª Ré não dispunha de qualquer instalação de uma linha de vida para realizar os trabalhos indicados em X) e Y) dos factos dados como provados;
4) As salas do piso superior do edifício tinham distância de vários metros entre si;
5) O Autor deslocou-se para a zona indicada em EE) dos factos provados sem que tal lhe tivesse sido ordenado ou solicitado;
6) E fê-lo sem que isso tivesse qualquer conexão com as tarefas que lhe cabia executar;
7) Foi o Autor quem, por sua iniciativa e de forma autónoma, decidiu deslocar-se para o local da queda, avaliando todos os riscos que tal decisão implicaria;
8) As únicas instruções dadas ao Autor eram apenas relativas à execução da colocação de placas contraplacadas;
9) A linha de vida apenas tinha a dimensão que permitia a execução dos trabalhos numa determinada zona, onde estavam a aplicar as placas de contraplacado, sendo impossível, pela sua dimensão, ser utilizada fora desse local, ou seja, fora da zona de trabalho;
10) No local onde se deu a queda do Autor não existia linha de vida;
11) O Autor exerce as funções inerentes quer à categoria de trolha, quer à de pedreiro, em conformidade com o que lhe é solicitado;
12) No momento do acidente, o Autor encontrava-se a colocar/substituir barrotes de madeira para, de seguida, sobre os mesmos serem aplicadas placas de contraplacado marítimo onde, a final, ia ser colocado soalho de madeira ou flutuante;
13) O seu colega havia-se ausentado cerca de 2-3 minutos antes.”.
23. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
24. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação (na sua fase conciliatória - cf. artigo 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999) ter dado entrada em tribunal em 2/09/2021, ou seja, muito depois da entrada das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto, e essencialmente com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho – 22/12/2020 – terem todos ocorrido na vigência das normas constantes do Código do Trabalho de 2009 – que entrou em vigor em 17/02/2009 - relativas aos acidentes de trabalho (artigos 281.º e seguintes) e da legislação especial que só veio a encontrar a luz do direito com a Lei n.º 98/2009, de 4/09 e que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior (ou seja, a Lei dos Acidentes do Trabalho aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13/09 e a respetiva regulamentação inserida no Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04) e está em vigor desde 1/01/2010 e para eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após essa data.
B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA
25. A questão de índole substantiva que se discute neste recurso de revista resume-se à seguinte: saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade agravada da Ré M..., & IRMÃOS, LDA, nos termos do número 1 do artigo 18.º da LAT , por o acidente ter resultado da violação pelo empregador de regras de segurança ou saúde no trabalho.
Importa referir nesta matéria a impossibilidade de aqui se discutir e imputar ao Autor, em termos de violação grave de regras de segurança ou de negligência grosseira, a ocorrência do sinistro dos autos e, nessa medida e de acordo com o disposto no artigo 14.º da LAT/2009, proceder à descaracterização de tal acidente de trabalho, com a inerente perda por parte do trabalhador do direito à reparação dos danos sofridos em consequência do mesmo.
Tal restrição, no que concerne ao conhecimento e decisão dessa problemática, radica-se na circunstância de ninguém em sede do Auto de Não Conciliação ter suscitado tal questão, traduzida num facto impeditivo/exceção perentória oponível ao direito de reparação do sinistrado, de invocação necearia e obrigatória nessa fase conciliatória dos autos e durante tal ato [1].
Ora, face à invocação pela Ré empregadora na sua contestação dessa descaracterização do acidente do trabalho, ao abrigo do artigo 14.º da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009, veio o tribunal da 1.ª instância a proferir, com data de 22/05/2023, Despacho Saneador, onde a M.ª Juíza titular dos autos, invocando o acordo obtido na tentativa de conciliação, apreciou e decidiu o seguinte: “Em sede de contestação vem a 2.ª Ré, entidade empregadora, alegar, nos artigos 24.º a 43.º, que o acidente ocorreu por adoção, pelo sinistrado, de comportamento temerário de alto e relevante grau e que constitui violação, sem justificação, das regras de segurança” e, prosseguindo que, “da conjugação do disposto nos artigos 112.º e 131.º, n.º 1 alínea c) do CPT, conclui-se que os factos sobre os quais tenha havido acordo na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória não podem ser considerados controvertidos no âmbito da fase contenciosa”, concluiu, “Face ao supra exposto, decide-se que, no presente processo não será discutida na fase contenciosa a descaracterização do acidente de trabalho e, consequentemente, não serão considerados os artigos da contestação da 2.ª Ré que se prendem com tal matéria, nomeadamente os artigos 24.º a 35.º e 37.º a 43.º da contestação apresentada pela 2.ª Ré. O alegado nos artigos 7.º a 20.º e 36.º será considerado pelo Tribunal apenas para apreciação da existência ou não de violação das normas de segurança por parte da 2.ª Ré.
Notifique.”.
Nenhuma das partes – designadamente a Ré empregadora – recorreu de Apelação e dentro do prazo de 15 dias + 3 dias do artigo 139.º do NCPC da notificação do Despacho Saneador, nos termos e para os efeitos do artigo 79.º-A, número 2, alínea d) e 80.º, número 2 do CPT [dado se estar perante a rejeição, ainda que parcial, de um articulado como é o da contestação da referida demandada] ou caso assim não se entenda, perante uma decisão de mérito incidente sobre uma questão de natureza mista, dado possuir não apenas índole processual, mas também substantiva, reconduzível, nessa medida, à alínea b) do número 1 do aludido artigo 79.º-A.
Logo, quer em função do impedimento legal derivado dos artigos 112.º e 131.º, n.º 1 alínea c) do CPT, quer por força do caso julgado formado, tal instituto da descaracterização do acidente de trabalho está fora das fronteiras do conhecimento e julgamento definidas pela fase contenciosa da presente ação, assim como do objeto desta revista.
C – FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA
26. A sentença do Juízo do Trabalho de ... reconheceu o direito do Autor a receber da Ré empregadora as prestações derivadas da responsabilidade agravada derivada do artigo 18.º da LAT, cabendo à Ré Seguradora, sem prejuízo do seu direito de regresso sobre aquela, a liquidação imediata ao sinistrado das prestações normais previstas pela Lei de Acidentes de Trabalho para cenários de sinistros laborais compensados ao abrigo do regime regra da responsabilidade objetiva, conforme se extrai da fundamentação seguinte:
«Da atuação culposa da entidade empregadora, ora 2.ª Ré:
Estabelece o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT que “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Esta norma pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: a) que sobre a empregadora ou qualquer outra das entidades mencionadas no normativo recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança (entendidas como normas que consagram deveres especiais de cuidado em matéria de segurança e saúde no trabalho); b) que aquela as não haja, efetivamente cumprido; c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente (neste sentido, cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 06/05/2015, proc. 220/11.2TTTVD.L1.S1, e de 14/01/2015, proc. 644/09.5T2SNS.E1.S1e Acórdão do TRÉvora de 21/12/2017, proc. 572/15.5T8LRA.E1, todos disp. In www.dgsi.pt).
Ora, o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30/11, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 05/12, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, veio dispor sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.
Sendo que o seu artigo 2.º, alíneas a), c), d), f) e g), definem como:
“«Equipamento de trabalho» qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho; (…)
c) «Zona perigosa» qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde;
d) «Trabalhador exposto» qualquer trabalhador que se encontre, totalmente ou em parte, numa zona perigosa; (…)
f) «Pessoa competente» a pessoa que tenha ou, no caso de ser pessoa coletiva, para a qual trabalhe pessoa com conhecimentos teóricos e práticos e experiência no tipo de equipamento a verificar, adequados à deteção de defeitos ou deficiências e à avaliação da sua importância em relação à segurança na utilização do referido equipamento;
g) «Verificação» o exame detalhado feito por pessoa competente destinado a obter uma conclusão fiável no que respeita à segurança de um equipamento de trabalho;”.
O artigo 3.º estabelece as obrigações gerais do empregador para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, salientando-se as suas alíneas a) e b), nos termos das quais, para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização e atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização.
O artigo 36.º, quanto a disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura, determina nos seus n.ºs 1 a 3 que “1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual.
3 - O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança”.
Acrescentando o seu artigo 37.º, quanto a medidas de proteção coletiva, que:
“1 – As medidas de proteção coletiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.
3 - Os dispositivos de proteção contra quedas só podem ser interrompidos nos pontos de acesso de escadas, verticais ou outras.
4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de proteção coletiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos”.
Estabelece o artigo 40.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11/08/1958, que “As aberturas feitas no soalho de um edifício ou numa plataforma de trabalho para passagem de operários ou material, montagem de ascensores ou escadas, ou para qualquer outro fim, serão guarnecidas de um ou mais guarda-corpos e de um guarda-cabeças, fixados sobre o soalho ou a plataforma.
§ único. Os guarda-corpos, com secção transversal de 0,30 m pelo menos serão postos à altura mínima de 1 m acima do pavimento, não podendo, o vão abaixo deles ultrapassar a medida de 0,85 m. A altura do guarda-cabeças nunca será inferior a 0, 14 m.”.
E, nos termos do disposto no artigo 11.º da Portaria n.º 101/96, de 03 /04 (que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis – cfr. artigo 1.º quanto ao seu objeto), referente a quedas em altura, impõe tal norma que:
“1 - Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento da Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2 - Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva foram inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com legislação aplicável”.
Devido às condições de segurança no trabalho desenvolvido em estaleiros temporários ou móveis serem frequentemente muito deficientes e estarem na origem de um número preocupante de acidentes de trabalho graves e mortais, provocados sobretudo por quedas em altura, esmagamentos e soterramentos, procedeu-se à revisão da regulamentação das condições de segurança e saúde no trabalho nestes locais, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 273/2005, de 27/10 (cfr. respetivo preâmbulo), sendo aí esclarecido que é dada mais saliência ao princípio de que a nomeação dos coordenadores de segurança em projeto e em obra não exonera, além do mais, o empregador das responsabilidades que lhes cabem em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Define o artigo 3.º, n.º 1 deste diploma, na alínea g), que empregador é a pessoa coletiva que, no estaleiro, tem trabalhadores ao seu serviço para executar a totalidade ou parte da obra, podendo ser o dono da obra, a entidade executante ou subempreiteiro.
De acordo com o disposto no artigo 22.º de tal diploma, quanto às obrigações dos empregadores:
“1 - Durante a execução da obra, os empregadores devem observar as respetivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em especial:
a) Comunicar, pela forma mais adequada, aos respetivos trabalhadores e aos trabalhadores independentes por si contratados o plano de segurança e saúde ou as fichas de procedimento de segurança, no que diz respeito aos trabalhos por si executados, e fazer cumprir as suas especificações;
b) Manter o estaleiro em boa ordem e em estado de salubridade adequado;
c) Garantir as condições de acesso, deslocação e circulação necessária à segurança em todos os postos de trabalho no estaleiro;
d) Garantir a correta movimentação dos materiais e utilização dos equipamentos de trabalho;
e) Efetuar a manutenção e o controlo das instalações e dos equipamentos de trabalho antes da sua entrada em funcionamento e com intervalos regulares durante a laboração;
f) Delimitar e organizar as zonas de armazenagem de materiais, em especial de substâncias, preparações e materiais perigosos;
g) Recolher, em condições de segurança, os materiais perigosos utilizados;
h) Armazenar, eliminar, reciclar ou evacuar resíduos e escombros;
i) Determinar e adaptar, em função da evolução do estaleiro, o tempo efetivo a consagrar aos diferentes tipos de trabalho ou fases do trabalho;
j) Cooperar na articulação dos trabalhos por si desenvolvidos com outras atividades desenvolvidas no local ou no meio envolvente;
l) Cumprir as indicações do coordenador de segurança em obra e da entidade executante;
m) Adotar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho revistas em regulamentação específica;
n) Informar e consultar os trabalhadores e os seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho sobre a aplicação das disposições do presente diploma.
2 - Quando exercer atividade profissional por conta própria no estaleiro, o empregador deve cumprir as obrigações gerais dos trabalhadores previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho”.
Sendo que, existindo riscos associados à atividade prestada pelos trabalhadores da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, caberia ao empregador proporcionar boas condições de trabalho e adotar as medidas necessárias de segurança e saúde no trabalho, por forma a prevenir riscos e doenças profissionais.
Também dispõe o artigo 281.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho” que: “1 – O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.” E, por sua vez, “2 – O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção. 3 – Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa. (…) 5 – A lei regula os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar.”
Refira-se ainda que a Lei n.º 102/2009, de 10/09, que regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do CT, no que respeita à prevenção, prevê, no seu artigo 5.º, n.º 1, que “O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida”, reforçado no seu artigo 15.º, n.º 1, nos termos do qual cabe ao empregador assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho, cabendo-lhe a si, nomeadamente, identificar os riscos previsíveis, combater os riscos e elaborar e divulgar instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
Acrescentando o artigo 17.º, n.º 1 alínea a) da citada Lei que “Constituem obrigações do trabalhador cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador”, obrigações estas que não excluem as obrigações gerais do empregador previstas no artigo 15.º.
Nos presentes autos ficou demonstrado que o Autor, na data do acidente exercia funções de pedreiro sob as ordens, direção e fiscalização da 2.ª Ré, no piso superior do edifício da Biblioteca/Museu de ... e que sofreu um acidente no horário de trabalho por conta da 2.ª Ré, em momento em que se encontrava no interior do edifício onde laborava, a caminhar sobre estrutura de madeira, esta partiu dando causa à queda do sinistrado do piso em que caminhava para o piso sito imediatamente abaixo, a cerca de 3 metros, tendo ficado inconsciente, tendo daí resultado para o mesmo lesões.
Mais se provou que imediatamente antes do acidente identificado em E) o Autor encontrava-se a proceder à colocação de placas contraplacadas náuticas no chão do primeiro piso do edifício em conjunto com um colega de trabalho, CC e que tal tarefa visava a substituição do soalho antigo do edifício, mantendo-se inalterada a estrutura composta por vigas de madeira, sendo que uma das vigas/barrote da estrutura de madeira cedeu, ruindo.
O Autor não utilizava qualquer mecanismo de segurança contra o risco de queda, sendo que lhe foi fornecido cinto de segurança. Foi ainda instalado numa das paredes da sala onde o Autor exercia funções um ponto fixo com uma corda que funcionaria como linha de vida.
Era possível a 2.ª Ré instalar uma linha de vida, tendo como pontos de ancoragem as vigas que compunham a estrutura do teto do edifício onde se encontrava o Autor a desenvolver a sua tarefa, ficando este devidamente conectado à mesma através de arnês, anularia totalmente o risco de queda em altura, assim como podia ter munido o local de trabalho com redes de segurança, por baixo do local onde o Autor pretendia instalar o soalho, as quais que anulariam totalmente a queda ao solo.
No entanto, e apesar da tarefa de que a 2.ª Ré incumbira o Autor implicar a existência de perigo de queda em altura e aquela ter de tal facto conhecimento, não foram dadas instruções ao Autor, pelo encarregado geral da obra em representação da 2.ª Ré, para usar o cinto de segurança e respetiva linha de vida, pois apenas com a ligação do cinto à linha de vida é que o Autor ficaria protegido contra o risco de queda.
Com efeito, e como foi já referido na fundamentação de facto, supra, de acordo com o plano de saúde e segurança apresentado pela 2.ª Ré, cabia ao seu encarregado geral a responsabilidade pelo controle do uso de medidas de segurança coletivas e individuais, nos termos constantes de fls. 163 dos autos, correspondente a fls. 119 do plano de segurança e saúde junto aos autos, do qual resulta ser da responsabilidade do encarregado geral a fiscalização e instalação das proteções coletivas nos locais de risco e ordenar a utilização dos EPI’s a todos os trabalhadores da obra; e fls. 226 verso parágrafos 1.º, 3.º, 4.º, 7.º, 9.º das respetivas funções descritas no plano de segurança e saúde. E isto porque, nos termos das normas legais supra citadas, nomeadamente nos artigos 3.º, 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02; 11.º da Portaria n.º 101/96, de 03 /04; 22.º, nº 1 alíneas a), m) e n) do Decreto-Lei n.º 273/2005, de 27/10; 127.º do CT; 15.º e 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10/09, é responsabilidade da empregadora assegurar ao trabalhador as condições de segurança e saúde no trabalho, com comunicação a este de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
Resulta, assim, do exposto que a entidade empregadora do Autor, ora 2.ª Ré, tinha o dever de analisar os riscos inerentes à atividade que iria ser desenvolvida pelos seus trabalhadores e dar instruções claras a estes sobre a melhor forma de exercer as suas tarefas, bem como fornecer material de proteção adequado, o que, como resulta dos factos provados, não cumpriu, na medida em que não determinou que o Autor usasse os equipamentos de proteção individual e coletiva, concretamente cinto de segurança e linha de vida. E não se pode afirmar que o facto de tal estar previsto no plano de segurança e saúde, nos termos indicados em FF) e GG) dos factos provados iliba a 2.ª Ré de responsabilidade, até porque esta não demonstrou, nem sequer alegou, que o Autor em concreto tinha conhecimento do prescrito em tal plano. Aliás, as fichas de procedimentos de segurança juntos pela 2.ª Ré, e constantes de fls. 245 e segs. dos autos, não se apresentam sequer devidamente assinadas, quanto à elaboração, verificação ou validação, como também não foram apresentadas as listas de registos a aplicar e indicadas a fls. 154 dos autos.
Ficou ainda demonstrado que foi exclusivamente pela conjugação da circunstância de estar a trabalhar a cerca de 3 metros de altura e sem dispor de qualquer equipamento de proteção individual e coletiva contra o risco de quedas em altura que o Autor sofreu as lesões que reclama.
Ficou assim demonstrado que o acidente resultou da falta de observação, pela entidade empregadora, das regras de segurança e saúde no trabalho impostas pelas normas supra citadas.
Consequentemente, será aplicável aos presentes autos o disposto no artigo 18.º do RJAT.
Sendo essa a conclusão, deve a entidade empregadora responder pela totalidade dos prejuízos sofridos pelo Autor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, sendo as prestações calculadas nos termos definidos no n.º 4 dessa mesma norma.
A 1.ª Ré será solidariamente responsável pelo pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse culpa, tendo posteriormente direito de regresso perante a entidade empregadora, conforme dispõe o artigo 79.º, n.º 3 do RJAT.»
D – ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
27. O Tribunal da Relação do Porto, chamado a decidir o recurso de Apelação que foi interposto pela Ré Empregadora, veio a julgar o mesmo procedente, reconhecendo o direito do Autor a receber da Ré Seguradora as prestações normais previstas pela Lei de Acidentes de Trabalho para cenários de sinistros laborais compensados ao abrigo do regime regra da responsabilidade objetiva], com base ainda na seguinte fundamentação jurídica:
«- Se a sentença violou o disposto no art.º 18.º da Lei nº 98/2009, de 4/9, impondo-se a sua revogação e a consequente absolvição da Recorrente.
Da decisão recorrida consta o seguinte: […] (Fim de citação)
A apelante defende que a matéria de facto provada permite concluir a inexistência de violação de qualquer norma segurança, devendo, deste modo, ser absolvida dos pedidos, argumentando do seguinte modo: “O acidente do autos só tem uma causa: a imprevidência do Autor, que se afastou uns metros da zona onde era suposto executar a tarefa que lhe estava cometida, que se deslocou para um ponto para onde não era suposto deslocar-se, que o fez por sua livre iniciativa e sem qualquer indicação da Ré nesse sentido, que nunca conseguiria fazê-lo se estivesse a utilizar devidamente o cinto de segurança, vulgo arnês, que lhe tinha sido facultado para a execução da tarefa, já que tal instrumento de segurança, desde que preso à linha de vida existente no local, não lhe permitiria, ainda que quisesse, tal deslocação. Aquilo que deveria ter preocupado o Tribunal era analisar se as concretas medidas de segurança implementadas pela Recorrente na obra – e facultadas aos seus trabalhadores, incluindo ao Autor – eram ajustadas às concretas circunstâncias dessa obra. A sentença mostra que o Tribunal omitiu uma tomada de posição sobre isso, optando por um juízo abstrato e especulativo. No caso dos autos, os meios de segurança disponibilizados pela Recorrente eram aptos, adequados e bastantes para evitar o risco de queda do Autor em altura. O Autor nunca teria sofrido a queda se: i) não se tivesse afastado alguns metros da sua zona de trabalho; ii) tivesse colocado o cinto de segurança, vulgo arnês; iii) tivesse o cinto de segurança, vulgo arnês, preso à linha de vida existente na sua zona de trabalho. O Autor só sofreu a queda porque, motu proprio, abandonou a zona onde deveria executar a sua tarefa, nada disso sendo exigido pela tarefa que lhe estava cometida. Esta ação respeita a um acidente que foi já objeto de (outra) sentença, proferida pelo mesmo Tribunal [e pela mesma Exma. Juíza de Direito], no âmbito do processo n.º 324/23.9..., relativo a recurso de contraordenação, havendo uma divergência nuclear entre aquela outra sentença e a sentença recorrida.”.
Que dizer?
Comecemos, pelo último trecho da argumentação acabada de transcrever e, para afirmar que, a recorrente não tem razão quando diz existir uma divergência nuclear entre a sentença proferida no processo de contraordenação supra indicado e a sentença proferida nestes autos. Com efeito, no processo de contraordenação concluiu-se que a recorrente não procedeu à implementação de medidas de segurança, quer coletivas quer individuais, o mesmo tendo sido decidido nos presentes autos.
Prossigamos, então.
Diz a apelante que os factos ora enumerados – B) Em Dezembro de 2020 a 2.ª Ré encontrava-se a realizar uma obra na Rua ..., em ..., no Edifício da Biblioteca/Museu;
C) No dia 22/12/2020 o Autor exercia funções de pedreiro sob as ordens, direção e fiscalização da 2.ª Ré, no piso superior do edifício identificado em B);
E) No dia 22/12/2020, pelas 14h30m, em ..., ..., o Autor sofreu um acidente no horário de trabalho por conta da 2.ª Ré, ao sofrer uma queda da qual resultou lesão na cabeça, clavícula direita, fémur direito, coluna e região torácica;
F) Efetivamente, em momento em que se encontrava no interior do edifício onde laborava, a caminhar sobre estrutura de madeira, esta partiu dando causa à queda do sinistrado do piso em que caminhava para o piso sito imediatamente abaixo, a cerca de 3 metros, tendo ficado inconsciente;
P) Imediatamente antes do acidente identificado em E) o Autor encontrava-se a proceder à colocação de placas contraplacadas náuticas no chão do primeiro piso do edifício em conjunto com um colega de trabalho, CC;
Q) Tal tarefa visava a substituição do soalho antigo do edifício, mantendo-se inalterada a estrutura composta por vigas de madeira;
R) No momento indicado em F), uma das vigas/barrote da estrutura de madeira cedeu, ruindo;
S) O Autor não utilizava qualquer mecanismo de segurança contra o risco de queda;
Z) Os funcionários da 2.ª Ré encontravam-se a executar as suas tarefas no piso superior de edifício, onde, à data, decorriam as obras;
CC) O Autor deslocou-se da zona onde estava a colocar as placas de contraplacado em alguns metros, para junto de uma janela que existia noutro ponto do piso onde decorriam os trabalhos, ponto esse afastado da zona de trabalho;
DD) Foi já nesse ponto, distante do local onde o Autor se encontrava a aplicar as placas de contraplacado, que se deu o acidente descrito em F);
EE) A zona de trabalho do Autor era dotada de linha de vida, que devia ser presa a um cinto de segurança, também designado por “arnês”;
HH) Apesar de lhe ter sido facultado, o Autor não utilizava cinto de segurança, vulgo arnês, no momento da queda – mostram que é infundado o entendimento, firmado na sentença recorrida, de que o acidente “resultou da falta de observação, pela entidade empregadora [ora Recorrente], das regras de segurança e saúde no trabalho impostas”.
Será assim? É o que vamos analisar.
Sob a epígrafe, “Utilização dos equipamentos de trabalho destinados a trabalhos em altura”, dispõe o art.º 36.º do DL n.º 50/2005 de 25.02 – diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30.11, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 05.12, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27.06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, o seguinte:
“1. Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
2. Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual.
3. O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança.
4. A escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização. (…)”.
Por sua vez, o art.º 37.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe, “Medidas de proteção coletiva” refere que:
“1. As medidas de proteção coletiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
2. Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura (…).”
O referido DL n.º 50/2005 de 25.02, não contém normas específicas quanto ao uso de equipamento antiqueda (limita-se a estabelecer princípios gerais) pelo que há que averiguar se a empregadora estava obrigada a observar, no caso concreto, determinados meios de proteção (coletivos ou individuais).
O Decreto n.º 41.821 – Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil –, no seu Título II, Capítulo I, sob a epígrafe, “Aberturas nos soalhos ou plataformas de trabalho semelhantes”, determina no art.º 41.º o seguinte:
“Sempre que haja vigamentos a nu ou os elementos de enchimento não tenham adquirido ainda a necessária consistência, é obrigatório o emprego de estrados e outros meios que evitem a queda de pessoas, materiais e ferramentas”.
No caso, o sinistrado encontrava-se a trabalhar, colocando placas de contraplacado, a uma altura de 3 metros do solo (placas colocadas sobre vigas de madeira) e foi precisamente a essa altura que ocorreu a sua queda, pois uma das vigas partiu-se quando ele caminhava sobre ela.
Quer isto dizer que sobre a recorrente recaía a obrigação de colocar, pelo menos, as chamadas tábuas de rojo, ou estrados, a que alude o citado art.º 41.º, posto que as vigas onde iriam ser colocadas as placas estavam a descoberto, colocando em perigo (de queda) os trabalhadores que sobre aquelas caminhassem.
Com o devido respeito, não releva para o caso o facto de ele, sinistrado, se ter afastado do local onde estava a aplicar as placas de contraplacado, já que quer o ato de aplicação de placas, quer o ato de caminhar sobre os barrotes/vigas em madeira, implicava, sempre, o risco de queda ao solo.
E dadas as características dos trabalhos a efetuar, estava a aqui recorrente obrigada a implementar, como já referido, as medidas de segurança coletivas, como escadas de rojo (ou até redes) o que não se provou.
Resta saber se no caso a empregadora implementou medidas de segurança individuais, como sejam, linha de vida, cinto de segurança.
O art.º 151.º da Portaria n.º 53/71 de 03.02, sob a epígrafe, “Cintos de Segurança” preceitua: “1. Os trabalhadores expostos ao risco de queda livre devem usar cintos de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistentes, bom como cabos de amarração e respetivos elementos de fixação”.
Provou-se que: “S) O Autor não utilizava qualquer mecanismo de segurança contra o risco de queda;
EE) A zona de trabalho do Autor era dotada de linha de vida, que devia ser presa a um cinto de segurança, também designado por “arnês”
HH) Apesar de lhe ter sido facultado, o Autor não utilizava cinto de segurança, vulgo arnês, no momento da queda.”.
A factualidade descrita permite concluir que a ora recorrente/empregadora facultou ao sinistrado um meio de proteção individual, precisamente o cinto de segurança, e que aquele não usava no momento da queda.
Ou seja, ao contrário do que se concluiu na decisão recorrida, entendemos, não se poder concluir que o acidente que vitimou o sinistrado se ficou a dever ao não cumprimento de regra de segurança por parte da aqui recorrente, o que, deste modo, determina a procedência do recurso.
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, não se tendo provado a violação de norma de segurança por parte da aqui recorrente, é responsável pelo pagamento da pensão e demais prestações devidas ao sinistrado a Ré Seguradora».
E – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
28. Interessa ouvir ainda a propósito das condições de segurança em que ocorreu o acidente de trabalho dos autos, o Parecer do ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça:
«O art.º 18.º, n.º 1, da LAT, estipula que:
[…]
Conforme se sintetiza no sumário do acórdão do STJ de 03.11.2023, proc. n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1[2]:
«I - A responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte (a título de dolo ou negligência), criador de uma situação perigosa (e inerente esfera de risco); ou a violação pelo empregador de regras de segurança ou saúde no trabalho que ele estivesse diretamente obrigado a observar e de cuja omissão resulte o acidente (hipótese em que é desnecessária prova da culpa, ao contrário do que acontece naquele primeiro caso).».
No caso, importa avaliar se a Ré empregadora violou preceitos legais ou regulamentares sobre segurança no trabalho, já que esse é o fundamento alegado para a sua responsabilidade por culpa na produção do acidente de trabalho. Em caso afirmativo, e enquanto pressuposto para o referido agravamento da responsabilidade, apreciar se essa violação foi determinante para a produção do acidente, ou seja, se existe um nexo de causalidade entre essa inobservância das regras de segurança e o acidente.
O nexo de causalidade juridicamente relevante para efeito da imputação de responsabilidade, implica, ainda, que o facto ilícito praticado constitua condição da verificação de um dano, surgindo esse dano como consequência normal, típica ou provável daquele, atendendo às circunstâncias concretas do caso.
Neste âmbito, importa ter em conta o recente acórdão do STJ n.º 6/2024, de 13.05, que uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
«Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.»
Importa, então, começar por analisar se a Ré empregadora violou preceitos legais ou regulamentares sobre segurança no trabalho.
Conforme referem as decisões proferidas nos autos, é aplicável à situação o disposto no arts. 3.º, 36.º, 37.º e 42.º do DL 50/2005, de 25.02, no art.º 15.° da Lei 102/2009, de 10.09, no DL 273/2003, de 29.10, e na Portaria 101/96, de 03.04.
Dispõe o DL 50/2005, no seu art.º 36.º:
«1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual.
3 - O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança. […]».
Seguindo-se no art.º 37.º:
«1 - As medidas de proteção coletiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.
[…]
4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de proteção coletiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos.».
Por sua vez, o art.º 15.° da Lei 102/2009, de 10.09, estipula, no que interessa:
«1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.».
Por último, o art.º 11.º, n.º 1, da Portaria 101/96, estipula que «[s]empre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.». Acrescenta o n.º 2 desse preceito que «[q]uando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável.».
Impunha-se, pois, à Ré empregadora proporcionar a utilização do equipamento apropriado para criar condições de trabalho seguras, sendo dada primazia aos meios de proteção coletiva, atendendo ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar, devendo os mesmos terem a configuração e resistência que permitissem evitar ou suster as quedas em altura. Consta da matéria de facto dada como provada, e no que interessa, que: […].
Em suma:
– no momento do acidente era efetuada uma tarefa em altura, a cerca de 3 metros.
– no local não existiam de redes de segurança por baixo do local onde o sinistrado trabalhava;
– existia uma linha de vida, que devia ser presa a um cinto de segurança;
– tinha sido facultado ao sinistrado esse cinto de segurança;
– que não era utilizado no momento do acidente;
– o encarregado da obra não deu instruções ao Autor, nem no início da tarefa, nem durante a sua execução, para o uso de cinto de segurança;
– e tinha conhecimento que o sinistrado não o usava no decurso da mesma.
Ora, verifica-se desde logo que não foi dada prioridade aos meios de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual, já que a Ré empregadora poderia ter munido o local com redes de segurança, por baixo do local onde o sinistrado pretendia instalar o soalho – em violação ao disposto no 11.º, n.º 1, da Portaria 101/96, de 03.04, ao art.º 36.º, n.º 2, do DL 50/2005, de 25.02, e ao art.º 15.º, n.º 1 e 2, al. j), da Lei n.º 102/2009, de 10/09.
Acresce que, como resulta das normas acima transcritas, é da responsabilidade da empregadora assegurar ao trabalhador as condições de segurança e saúde no trabalho, nomeadamente com comunicação a este de instruções adequadas à atividade exercida, bem como garantindo o cumprimento das mesmas.
Daí que o encarregado da obra, enquanto representante do empregador, tinha, e nomeadamente, as funções de exigir «aos trabalhadores sob a sua responsabilidade o uso dos equipamentos de proteção individual», de acordo com o próprio Plano de Segurança e Saúde (PSS) existente para aquela obra, elaborado conforme o previsto no art.º 11.º do DL 273/2003, de 29.10 – cfr. Doc. 1, parte III, pág. 121.
Não se provou que o sinistrado tivesse conhecimento do teor do PSS, nem sequer alguma informação sobre o uso dos EPI, mas sabe-se que o empregador não assinalou ao mesmo que deveria usar aquele cinto de segurança, nem exigiu que o usasse no decurso da realização da tarefa em que ocorreu o acidente, sabendo que tal não acontecia.
O cumprimento das regras de segurança pelo empregador não se esgota na colocação à disposição dos trabalhadores de equipamentos de segurança, sendo necessário a prestação de informação sobre a sua utilização, bem como a respetiva fiscalização do cumprimento das mesmas.
O que, no caso, não aconteceu.
A informação e fiscalização das regras de segurança pelo empregador é essencial, pois, a assim não ser, de pouco serve a existência desses meios de segurança, já que, por um lado, no decurso do trabalho muitas vezes são esquecidos; e, por outro, pela sua natureza, criando alguma dificuldade ou incómodo na realização do trabalho, podem encontrar uma certa resistência ao seu uso.
Pelo que se entende, e em nossa modesta opinião, que o empregador também não cumpriu as normas de segurança exigíveis, nomeadamente no âmbito da informação e fiscalização do uso daquele EPI – em violação ao disposto, e em particular, do art.º 15.º, n.ºs 1 e 2, als. a), f), i) e l), da Lei nº 102/2009, de 10/09.
Aqui chegados, importa avaliar se existe nexo de causalidade entre o incumprimento dessas normas e a produção do acidente. Considerando a teoria plasmada no acórdão de uniformização de jurisprudência acima citado, não é exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação, mas apenas que ser apurado se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente.
Ora, não nos parece existirem dúvidas que a queda do sinistrado não teria ocorrido se houvesse uma rede de segurança ou estivesse a ser utilizado no momento do acidente o referido cinto de segurança ligado à linha de vida existente. É evidente que a conclusão a que se chega se situa no âmbito da conjetura ou da probabilidade, mas se optarmos por uma posição de certeza, é absolutamente indiscutível que a não utilização de um equipamento adequado para a prevenção de queda em altura contribuiu, pelo menos, e decisivamente, para um aumento da probabilidade da ocorrência do acidente. Pode, pois, afirmar-se que o acidente dos autos se deveu a falta de observância das disposições legais sobre segurança e saúde no local de trabalho por parte da ré empregadora, pelo que se encontra agravado nos termos e para os efeitos do art.º 18.º da LAT – com as devidas consequências legais.»
F – VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
29. Abordando a única questão suscitada neste recurso de Revista [e que nos remete juridicamente para o artigo 18.º da LAT e também para os artigos 281.º a 284.º do Código do Trabalho e legislação específica e regulamentar, como a da Lei n.º 102/2009, de 10/9, o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02, Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.821, de 11/08/1958, a Portaria n.º 53/71 de 03/02 e a Portaria n.º 101/96, de 03/04], a mesma destina-se a aferir se ocorreu a violação ou não por parte da empregadora das regras de segurança reclamadas.
Face ao que as instâncias e o Parecer do MP já referiram, escusamo-nos a transcrever de novo aqui os factos relevantes e que descrevem as circunstâncias em que ocorreu o sinistro dos autos [3], bem como as normas jurídicas que regulam as condições de segurança e saúde no trabalho para cenários como o descrito no processo e que, ao se traduzir em trabalhos em altura, implicavam inevitavelmente risco de queda por parte dos trabalhadores que, como o Autor, procediam à substituição do soalho do piso do primeiro andar do Edifício da Biblioteca/Museu do Município de ..., o que faziam através da colocação de placas contraplacadas náuticas sobre os barrotes de madeira que suportariam o referido soalho e que independentemente do seu estado de conservação foram mantidos para tal efeito.
Este aspeto em particular, relativo à manutenção das vigas de madeira ali existentes, sem que nada resulte dos autos que nos indique ter havido uma prévia fiscalização e ponderação do seu estado de conservação e da eventual necessidade do seu reforço ou da sua substituição por novos barrotes desse mesmo material ou até doutro compatível, face ao seu estado de degradação e à sua potencial incapacidade de suportar quer o peso de pessoas, quer do equipamento para ali transportado, quer do próprio novo soalho em si, parece-nos muito importante e significativo, em termos da qualificação jurídica da atuação da entidade empregadora como negligente, ao nível do cumprimento prévio da sua obrigação de avaliação e levantamento cuidado e prevenção adequada e eficaz relativamente aos riscos concretos que a obra, encarada globalmente, nas suas diversas fases e vertentes, envolvia.
Tal problemática da necessária valoração e ponderação das boas ou más condições de toda a estrutura de madeira que iria suportar o novo chão no primeiro piso do edifício onde os trabalhos de colocação deste último estavam a decorrer, prende-se também diretamente com a necessidade de a Ré empregadora planear caminhos ou passagens alternativas por cima de tais barrotes ou vigas de madeira, com a inerente instalação de uma série de estrados, passadiços ou plataformas que devidamente perspetivados, organizados e apoiados, acautelassem real e eficientemente os riscos derivados da eventual instabilidade da estrutura de suporte do dito piso.
Sabemos que no local onde o Autor se encontrava a realizar os trabalhos que lhe havido sido determinados existia colocada uma linha de vida onde o mesmo poderia afixar o arnês que lhe havia sido disponibilizado pela Ré empregadora, assim como ficou demonstrado que tal linha de vida não se achava instalada em todos os espaços ou salas que constituíam o referido primeiro piso, bem como não tinham sido colocadas nenhumas tábuas ou pranchas de madeira ou de outro material que permitissem a todas as pessoas que ali andassem uma deslocação mais suportada e segura, assim como, finalmente, qualquer rede ou redes de sustentação que, presas em pontos chave ou estratégicos, por debaixo de todas as área de tal piso em que se verificasse esse perigo, pudessem suster ou, pelo menos, amparar ou atenuar significativamente o impacto danoso de qualquer queda de trabalhadores que desenvolvessem ali a sua atividade profissional ou simplesmente se deslocassem nesse primeiro andar.
Tudo indica que tal substituição do soalho iria abranger todo esse primeiro andar e não existem nos autos factos alegados e provados que justifiquem concreta e devidamente as razões que levaram a empregadora a não fazer uso em toda a extensão do local de trabalho da colocação de tal linha de vida, nem da afixação da referida rede - ou redes - de segurança, assim como das aludidas plataformas, estrados ou pranchas de passagem.
É certo que o Autor, quando pisou o barrote de madeira que se achava sem apoio suficiente ou deteriorado e que cedeu, provocando a sua queda, não estava a desempenhar as suas funções de colocação das placas contraplacadas náuticas, achando-se nesse momento fora do local onde em momento imediatamente anterior realizava tais tarefas e noutro espaço do primeiro piso que, segundo os elementos que ressaltam dos autos, ainda não estava a ser objeto de tal colocação das aludidas placas.
A Ré empregadora dá grande importância a este comportamento do Autor, entendendo que a queda do mesmo se dá fora do seu posto ou local de trabalho e em parte no primeiro piso onde ele não tinha quaisquer funções profissionais a desenvolver, dado que em tal zona nem sequer havia quaisquer atividades dessa mesma natureza a decorrer, o que explicaria e justificaria até a inexistência de uma linha de vida ou de quaisquer outras medidas coletivas de segurança.
Este raciocínio não nos parece contudo correto, dado que essa zona fazia também parte do espaço aberto, útil e ativo da obra que estava a ser realizada e que, nessa medida, nos parecia exigir idênticas medidas de segurança às já existentes, sendo perfeitamente previsível e compreensível que o Autor, os seus colegas de trabalho, os encarregados da obra, os técnicos ou até representantes do dono da mesma se deslocassem e movimentassem, em serviço – por exemplo, para transporte de ferramentas e materiais, acompanhamento e fiscalização dos trabalhos, ordens e orientações, conversas e reuniões, deslocação de trabalhadores, etc. - ou fora dele - quando se parava para comer, descansar ou se dirigir de ou para o seu local de trabalho -, em todo aquele espaço e necessariamente as vigas de madeira para esse efeito, dado inexistirem passagens alternativas seguras [estrados] para a realização dessas deslocações e movimentações.
Interessa realçar ainda, a este respeito, que nada nos autos nos indica que a Ré empregadora sinalizou e vedou tal área específica do piso ao acesso dos trabalhadores e demais pessoas ou pelo menos informou devidamente por escrito ou verbalmente o Autor e demais colegas de trabalho de que não deveriam deslocar-se a essa zona, por não terem permissão para o fazer, devido a não estarem ali a ocorrer quaisquer trabalhos e/ou nem estarem instaladas quaisquer medidas de segurança coletivas ou individuais e/ou, finalmente, por constituir um perigo para a sua integridade física a presença na mesma.
Está provado nos autos que o Autor não usava o «arnês» que lhe havia sido disponibilizado e que tal atuação era de conhecimento do encarregado da obra e representante legal da entidade empregadora que, não obstante, não impunha ao sinistrado a efetiva utilização de tal proteção individual, não havendo, por outro lado, notícia nos autos de que, como era obrigação da empregadora, tinha sido dado oportuno conhecimento ao trabalhador do teor do Plano de Segurança e Saúde [PSS] que respeitava especificamente às suas funções e às medidas de proteção individuais que lhe estavam destinadas e que deveria respeitar.
De qualquer maneira, tais questões, ainda que indicadoras da forma pouco empenhada, interessada e diligente como as questões ligadas às condições e segurança no trabalho eram, direta ou indiretamente, encaradas pela 2.ª Ré, perdem grande parte da sua relevância, a partir do momento em que sabemos que não existia linha de vida na zona do primeiro piso de que o Autor caiu, por ter pisado uma viga mal sustentada, apodrecida ou já acentuadamente rachada ou enfraquecida, não vislumbramos como poderia tal trabalhador socorrer-se do arnês que a Ré empregadora lhe havia dispensado e, nessa medida, como lhe poderia ser assacada uma parte da culpa na ocorrência do sinistro.
H – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
30. Chegados aqui, resta identificar alguma Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que se debruçou sobre situações próximas ou equiparadas aquela que teve lugar no caso dos autos e que vai no mesmo sentido do aqui decidido:
- Aresto de 14/01/2016, Processo n.º 855/11.3TTBGR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, Relator: Mário Belo Morgado, publicado em www.dgsi.pt com o seguinte Sumário:
I. Nas concretas circunstâncias de um trabalho em cima do telhado de um edifício habitacional, com uma claraboia com a área de 8 m2 e com uma telha de luz, que abria para o interior de um patamar das escadas da área comum do prédio, situado 7 metros abaixo, evidenciava-se o risco de queda dos operários que ali se apoiassem inadvertidamente, dessa forma se impondo à empregadora a implementação preventiva das medidas de proteção necessárias para que os trabalhos decorressem sem perigo.
II. Para além das medidas de proteção individual, traduzidas na disponibilização de arnês e cinto de segurança, a empregadora deveria igualmente ter preventivamente tomado medidas de proteção coletiva adequadas a sinalizar e proteger a zona da claraboia existente no telhado onde decorriam os trabalhos, contra riscos adicionais de queda, a fim de prevenir a ocorrência de acidentes ou, pelo menos, atenuar as suas consequências.
III. Não o tendo feito, a empregadora violou regras de segurança idóneas a impedir a verificação do acidente que vitimou o sinistrado.
- Aresto de 25/09/2019, Processo n.º 283/15.1T8VIS.C1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, Relator: Ferreira Pinto, publicado em www.dgsi.pt com o seguinte Sumário:
I. A afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido.
II. A adequação concreta entre o comportamento do agente e o efeito lesivo tanto pode ser obtida através da prova que tenha sido diretamente alcançada sobre a matéria, como pode ser indiretamente afirmada por meio de presunções judiciais, sendo que, em qualquer dos casos, estamos sempre num domínio de soberania exclusiva das instâncias.
III. Tendo-se provado que o acidente teria sido evitado caso o empregador tivesse efetuado uma análise das condições de segurança a observar pelos trabalhadores na execução de trabalhos de desmantelamento de engenhos de serragem, definindo os equipamentos de proteção coletiva e individual a utilizar e as tivesse transmitido aos mesmos, verifica-se a existência de nexo de causalidade, entre essa omissão e a ocorrência do acidente.
- Aresto de 12/02/2025, Processo n.º 12823/20.0T8SNT.L1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, Relatora: Albertina Pereira, publicado em www.dgsi.pt com o seguinte Sumário:
«Tendo o sinistrado sofrido um acidente de trabalho que se traduziu em ter caído de um andaime com cerca de 1,90m, quando se encontrava no local de trabalho a desempenhar tarefas como servente de pedreiro para o empregador, sem que tivessem sido por este observadas as pertinentes regras de segurança e saúde no trabalho, para efeitos da aplicação do disposto no art.º 18.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em particular do Acórdão de 17-04-2024, proc. 179/19.8T8GRD.C1.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), é de concluir, no contexto em questão - ausência de um (prévio) plano de segurança e saúde no trabalho, falta de intervenção de técnico de segurança na avaliação de riscos e prevenção de sinistros, trabalho realizado em altura, num andaime sem proteção, e sem estar encostado a qualquer parede ou à construção, implicando o trabalho realizado que o sinistrado e colegas se tivessem de baixar para levantar as ripas e ir buscar a massa - que a violação das regras de segurança, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a ocorrer, verificando-se, assim, o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.»
I – CONCLUSÃO
31. Logo, pelo conjunto de argumentos deixados expostos, tem este recurso de Revista da Ré LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL de ser julgado procedente, assim se revogando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no que concerne à imputação exclusiva à aqui recorrente da responsabilidade agravada pela reparação dos danos sofridos pelo Autor, por força da verificação do acidente de trabalho dos autos, repristinando-se, nessa medida e em sua substituição a sentença da primeira instância, dado aí se ter dado também como verificada uma situação de responsabilidade nos termos do artigo 18.º da LAT, que recai sobre a Ré empregadora.
IV – DECISÃO
32. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, revogando-se, nessa medida, pelos fundamentos constantes da fundamentação do presente Aresto, o recorrido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e repristinando-se, em sua substituição, a sentença da primeira instância.
Custas do presente recurso a cargo da recorrida M..., & IRMÃOS, LDA - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 25 de junho de 2025
José Eduardo Sapateiro – Juiz-Conselheiro Relator
Domingos José de Morais – Juiz-Conselheiro Adjunto
Paula Leal de Carvalho – Juíza-Conselheira Adjunta
_____________________________________________
1. Pode ler-se em tal Auto de Não Conciliação, datado de 6/9/2022 e cuja diligência foi presidida pelo ilustre Magistrado do Ministério Público o seguinte:
«Iniciada a diligência pelo(a):
SINISTRADO(A) foi dito: Que no dia 22 de Dezembro de 2020, e não (22.11.2020 conforme referido na participação e perícia médica) cerca das 14:30 horas, em ... - ..., foi vítima de acidente de trabalho quando exercia as funções de pedreiro, sob as ordens direção e fiscalização da entidade empregadora “M..., & IRMÃOS, LDA”, mediante a retribuição anual de €640,00 x 14 + €129,80 x 11 (total anual de €10.387,80), cuja responsabilidade se encontra parcialmente transferida para a Seguradora.
O acidente ocorreu quando sofreu uma queda, resultando lesão na cabeça, clavícula direita, fémur direito, coluna e região torácica.
Submetido(a) a exame médico no gabinete médico-legal de ... foi-lhe atribuído o grau de incapacidade de 28,7016% e fixada a data da alta em 19 de Agosto de 2021, cujos resultados (grau de incapacidade e data da alta) declara aceitar.
Não lhe foram pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que eram devidas até à data da alta.
Reclama o capital de remição da pensão anual de € 2.087,02 devida a partir de 20 de Agosto de 2021, calculada com base na retribuição anual de € 10.387,80 x 70% x IPP de 28,7016%, nos termos do disposto no art.º 48.º, n.º 3, alínea c), da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, bem como a quantia de € 20,00 relativa a despesas de deslocações obrigatórias ao gabinete médico legal de Guimarães e a este Tribunal.
Reclama, ainda, a quantia de € 5.379,15 de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporárias.
Não se opõe e requer o pagamento dos valores acima através de transferência bancária, indicando para o efeito - IBAN: PT50 ...08, conforme comprovativo que junta neste ato.
Pelo legal representante da Companhia de Seguros foi dito: Aceita a transferência salarial de € 640,000 x 14 + € 104,94 x 11.
Das diligências efetuadas verificou-se que o acidente apenas ocorreu porque existiu violação sem causa justificativa das condições de segurança previstas na Lei, atendendo que para o tipo de trabalho que o sinistrado executava, impunha-se que o mesmo utilizasse a linha de vida e respetivo arnês, que anulariam a queda que o mesmo sofreu, quando se encontrava a exercer trabalhos a cerca de 3,80 metros de altura.
De acordo com a Lei 98/2009 que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho, não dá direito à reparação o acidente que decorra de incumprimento das normas de segurança, imperativos legais e/ou que provier de negligência do sinistrado, e /ou por falta de observação das mesmas por parte do empregador.
Face ao exposto não se concilia.
Pelo legal mandatário representante da Entidade Empregadora foi dito: Aceita o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre este e as lesões, a retribuição reclamada pelo sinistrado.
Nada aceita pagar de pensão e/ou de indemnização uma vez que tem toda a responsabilidade transferida para a Seguradora.
E, pela entidade empregadora foram cumpridas todas as normas de segurança previstas na Lei.
Face ao exposto não se concilia.
PELO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, FOI DITO: Dada a posição assumida pelas partes, dava-as por não conciliadas.»↩︎
2. «Disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/696fa541231452a480258a6000333f2b?OpenDocument&Highlight=0,acidente,de,trabalho,culpa» - NOTA DE RODAPÉ DO TRANSCRITO EXCERTO DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM O NÚMERO 1.↩︎
3. Importando recordar aqui que a circunstância de se terem dado como não provados alguns factos com relevância para a compreensão exata da forma como o acidente de trabalho dos autos aconteceu não implica que tenham ficado demonstrados os factos opostos aos ali descritos e respondidos negativamente.↩︎