I – Havendo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (objecto do presente recurso de revista) incidido sobre uma questão de natureza estritamente processual ou adjectiva, constituindo uma decisão interlocutória, concretamente a (in)validade do acto de citação da executada no âmbito de um processo de execução contra a mesma movida, a sua impugnabilidade em sede de revista está, em qualquer circunstância, limitada às situações previstas nas alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 671º, do Código de Processo Civil, uma vez que não se trata de uma decisão final nos termos do artigo 671º, nº 1, do mesmo diploma legal.
II – Não tendo a recorrente fundado a sua revista em qualquer dos fundamentos subsumíveis à previsão desse normativo (que nem sequer invocou), o recurso não integra o âmbito do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, reservado a decisões que conheçam do mérito da causa ou ponham termo ao processo, o que é não manifestamente o caso, para além da restrição em termos de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça que resulta directamente do disposto no artigo 854º do Código de Processo Civil, aplicável no âmbito das acções executivas.
III - Em matéria de decisões interlocutórias, de natureza estritamente processual, rege o artigo 671º, nº 1, e nº 2, alínea b), do CPC, devendo entender-se a referência, em bloco, às situações “em que é sempre admissível recurso” (cfr. alínea a) do mesmo preceito) aos casos do nº 2 do artigo 629º, do mesmo diploma legal, com excepção da sua alínea d), a qual sendo interpretada no sentido de abranger as decisões interlocutórias de natureza processual (mormente através da colisão de julgados com um acórdão do Tribunal da Relação e não apenas com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) estaria, então e por isso mesmo, em contradição aberta, frontal e insanável com a regra especial consignada na alínea b) do nº 2 do artigo 671º do CPC.
IV - Não sendo admissível a interposição de revista normal, por causa estranha à constituição de dupla conforme, não há lugar igualmente à revista excepcional prevista no artigo 672º do Código de Processo Civil.
V – No caso concreto não há, em circunstância alguma, fundamento para a interposição de revista excepcional devido à ausência do seu requisito prévio essencial: a confirmação por unanimidade da decisão de 1ª instância (sendo que do acórdão em causa consta um voto de vencido proferido por uma das ilustres Juízas Desembargadoras intervenientes no julgamento do recurso de apelação).
VI – O conceito técnico de contradição de julgados que habilitaria a interposição da revista pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem, o que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.
VII - Inexiste verdadeira contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão apresentado como acórdão fundamento, pelo que ainda que se entendesse, por hipótese de raciocínio, que a previsão da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, nem assim o presente recurso de revista seria admissível.
VIII - No acórdão fundamento, ao contrário do que sucede no acórdão recorrido, a decisão proferida não foi a de apreciação material e subsequente declaração, ou não, da nulidade do acto de citação, ou seja, em termos decisórios – único aspecto que releva para estes efeitos (existência de contradição de julgados) – o que se analisou foi a insuficiência de matéria de facto para que se pudesse tomar decisão, de forma conscienciosa, sobre a matéria em análise, determinando-se essencialmente a produção de prova e fixação dos factos a dar como provados e não provados, seguida da apreciação de mérito, tendo-se feito notar que a decisão aí recorrida não havia sequer elencado a materialidade dada como demonstrada que permitisse aquilatar da validade da citação da executada, não se encontrando devidamente fundamentada.
IX - Tal não sucede no acórdão recorrido, onde a matéria da (in)validade da citação da executada foi concretamente apreciada, concluindo-se pela sua regularidade.
X - Por outro lado, a decisão extraída no acórdão fundamento assenta na omissão da apreciação dos factos invocados pela executada apelante, bem como a admissibilidade, ou não, dos meios de prova por si indicados, mormente a prova de que o local onde aconteceu a citação com hora certa diz respeito a outra pessoa diversa da citanda, à qual não foram conferidos poderes para, em seu nome, receber a sua citação, o que não sucede no acórdão recorrido, onde não foi acusada a omissão de qualquer tipo de diligências de prova, sendo a prova documental apresentada pela requerente sido devidamente considerada e valorada, o que é suficiente para se que tenha necessariamente de considerar como inexistente a contradição de julgados que habilitaria – hipoteticamente - a interposição do recurso extraordinário previsto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.
Foi proferida a seguinte decisão singular:
“Veio AA, por requerimento datado de 3 de Maio de 2024, no âmbito dos autos de execução movida por Banco Santander Totta, S.A., e em que também é executado BB, alegar essencialmente que:
Até àquela data não havia sido citada para os termos dos autos de execução, porquanto não recebeu qualquer citação, nem foi efectuado nenhum contacto pessoal com a mesma.
A Sr.ª Agente de Execução deu a executada como citada, fazendo menção a uma citação positiva, sem nunca ter contactado a executada, ou sem constar dos autos qualquer aviso de citação assinado por si ou por terceiro que consigo tivesse qualquer contacto.
A Executada está fora de Portugal desde 25 de Setembro de 2012, conforme autorização de residência Suíça, motivo pelo qual, não tendo domicílio no imóvel penhorado (e vendido) desde essa data, não teve qualquer conhecimento dos presentes autos até agora.
Concluiu pugnando pela falta de citação ou, pelo menos, nulidade de citação, nos termos dos artigos 191º, 696º, al. e) e 851º, todos do Código de Processo Civil, e consequente anulação da execução.
Em 1 de Julho de 2024 foi proferido despacho nos seguintes termos:
“Por requerimento com a ref.ª ......50 do p. e. (03.05.2024), veio a Executada AA arguir a sua falta de citação, ao abrigo do disposto no artigo 851.º do Código de Processo Civil, alegando, em síntese, que nos presentes autos não recebeu qualquer carta de citação, nem foi contactada pessoalmente pela Sr.ª AE.
Mais alegou que está fora de Portugal desde 25 de Setembro de 2012, conforme autorização de residência emitida pelas autoridades suíças, que ora junta aos autos e que não forma realizadas as diligências necessárias à concretização da sua citação.
Conclui que não pode a Executada ser considerada citada para os presentes autos e, consequentemente, deve ser anulada a execução, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 851.º e alínea e) do artigo 696.º do mesmo código.
Juntou prova documental.
Notificada do teor daquele requerimento, a Exequente não se pronunciou.
**
Com relevo para apreciação da arguida nulidade, atenta a prova documental, resulta dos autos a seguinte factualidade:
i) em 11.12.2013, foi intentada execução contra, além do mais, a Executada AA Alameda do ..., n.º ..., ..., ..., ... ...
ii) em 04.02.2014, a Sr.ª AE efectuou pesquisa na base de dados da Autoridade Tributária, tendo apurado como domicílio fiscal da Executada Alameda do ..., n.º ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....07 do p. e. 05.02.2014);
iii) em 17.02.2014, a Sr.ª AE efectuou pesquisa na base de dados dos serviços de identificação civil, tendo apurado como domicílio da Executada Al do ... ... ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....44 do p. e. 19.02.2014);
iv) em 17.02.2014, a Sr.ª AE efectuou pesquisa na base de dados do Instituto da Segurança Social, tendo apurado como domicílio da Executada Al do ..., ..., ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....77 do p. e. 19.02.2014);
v) Por carta datada de 17.02.2014, Alameda do ..., n.º ..., ..., ... ... a Sr.ª AE diligenciou pela citação da Executada para os fins previstos no artigo 856.º do CPC (vd. ref.ª .....72 do p. e. 19.02.2014);
vi) em 05.03.2014, a Sr.ª AE efectuou nova pesquisa na base de dados da Autoridade Tributária, tendo apurado como domicílio fiscal da Executada Alameda do ..., n.º ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....51 do p. e. 06.03.2014);
vii) em 05.03.2014, a Sr.ª AE efectuou nova pesquisa na base de dados dos serviços de identificação civil, tendo apurado como domicílio da Executada Al do ... ... ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....75 do p. e. 06.03.2014);
viii) em 21.03.2014, a Sr.ª AE efectuou nova pesquisa na base de dados dos serviços de identificação civil, tendo apurado como domicílio da Executada Al do ... ... ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....05 do p. e. 27.03.2014);
ix) em 21.03.2014, a Sr.ª AE efectuou pesquisa na base de dados do Instituto da Segurança Social, tendo apurado como domicílio da Executada Al do ..., ..., ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....17 do p. e. 27.03.2014);
x) em 21.03.2014, a Sr.ª AE efectuou nova pesquisa na base de dados da Autoridade Tributária, tendo apurado como domicílio fiscal da Executada Alameda do ..., n.º ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....19 do p. e. 27.03.2014);
xi) em 21.03.2014, a Sr.ª AE informou os autos que tendo sido frustrada a citação via postal dos executados AA e AA, encontra-se a signatária a agendar na presente data, a citação por contato pessoal dos executados. vd. ref.ª .....32 do p. e. 27.03.2014);
xii) em 14.07.2014, o Sr. AE efectuou nova pesquisa na base de dados do Instituto da Segurança Social, tendo apurado como domicílio da Executada Al do ..., ..., ..., ..., ... ... (vd. ref.ª .....36 do p. e. 18.07.2014);
xiii) em 06.09.2014, pelas 20h e 30m, o Sr. AE deslocou-se à Alameda do ..., n.º ..., ..., ..., tendo em vista proceder à citação da Executada por não ter sido possível encontrar ( ) quem abrisse a porta e tendo deixado aviso que a diligência teria lugar naquele mesmo local no dia 09.09.2014, entre as 12h e 45m e as 13h e tendo elaborado a respectiva certidão (vd. ref.ª .....78 do p.e. 20.01.2015);
xiv) em 09.09.2014, pelas 13h, o Sr. AE deslocou-se à Alameda do ..., n.º ..., ..., ..., tendo em vista proceder à citação da Executada, realizando a diligência mediante afixação na morada supra referida da nota de citação com a indicação de que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial e no escritório do agente de execução tendo testemunhado este acto CC ( ) e DD ( ), e elaborando a respectiva certidão (vd. ref.ª .....78 do p.e. 20.01.2015);
xv) Por carta datada de 16.09.2014, dirigida à Executada, Alameda do ..., n.º..., ..., ... ... o Sr. AE comunicava o seguinte: fica V/Ex.ª notificado de que se considera citado a 09.09.2014 ( ) , tendo essa carta sido entregue em 25.09.2014 (vd. ref.ª ....06 do p. e. 05.12.2014);
xvi) A Executada AA reside na Suíça desde 25 de Setembro de 2012.
Cumpre apreciar.
Do supra exposto extrai-se que nos presentes autos, a Executada AA foi citada nos termos previstos no artigo 232.º, pelo que está em causa saber se se verifica falta de citação, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º e subalínea ii) da alínea e) do artigo 696.º do Código de Processo Civil.
Assim, incumbe à Executada provar que não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
No caso concreto, verifica-se que, inicialmente, se tentou a citação da Executada por carta registada com aviso de recepção dirigida para a morada constante do requerimento executivo, que coincidia com a única resultante da consulta das bases de dados, mas essa citação frustrou-se, motivo pelo qual se diligenciou pela citação da Executada por contacto pessoal (cfr. n.º 1 do artigo 231.º do CPC), nessa mesma morada.
No dia 06.09.2014, o Sr. AE dirigiu-se a essa morada, mas como não encontrou quem lhe abrisse a porta, deixou aviso com indicação de hora certa para a realização da diligência (cfr. n.º 1 do artigo 232.º do CPC) e, no dia agendado, dirigiu-se novamente ao local, efectuando a citação mediante afixação nos termos previstos no n.º 4 do artigo 232.º do CPC. Após, ainda deu cumprimento ao disposto no artigo 233.º do CPC.
Ora, apurou-se que a Executada reside na Suíça desde 25 de Setembro de 2012. Todavia, dos autos não constava qualquer informação que indiciasse que a mesma tinha ido residir para o estrangeiro. Note-se que as pesquisas foram efectuadas em três bases de dados e em nenhuma delas constava a morada da Executada no estrangeiro. Para além disso, essas pesquisas foram realizadas em 2014, ou seja, cerca de dois anos após a Executada ter ido residir para a Suíça, sem que a mesma tivesse procedido à actualização da sua morada junto dos serviços de identificação civil, segurança social e autoridade tributária e aduaneira.
Conforme evidenciam Abrantes Geraldes se a parte mudou de residência sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não se pode concluir, em termos de causalidade objetiva, que a sua conduta em nada tenha contribuído, em termos adjetivos, para que o ato de citação ou notificação pessoal não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento (RE 13-9-18, 845/17).
A Executada não podia desconhecer que tinha assumido obrigações, mormente aquelas decorrentes dos títulos dados à execução, pelo que seria expectável que recebesse comunicações do Exequente e, por esse motivo, deveria ter acautelado a recepção de correspondência naquela morada (v.g. solicitando a terceiro que verificasse a existência de correio, solicitando o reenvio de correspondência) ou então, deveria ter alterado a sua morada nos documentos oficiais, face ao lapso de tempo decorrido desde que se mudou para a Suíça.
A Executada não alegou sequer que tivesse realizado alguma diligência tendo em vista acautelar a recepção da correspondência.
Por conseguinte, entende-se que a Executada não logrou demonstrar que não recebeu a citação por facto que não lhe é imputável.
Não se verificou, assim, qualquer falta de citação.
Pelo exposto e não tendo sido invocados outros fundamentos, indefere-se a arguida nulidade.
Custas do incidente pela Executada, uma vez que lhes deu causa, fixando-se a taxa de justiça no mínimo, atento o previsto nos n.ºs 1 e 2 do art. 527.º do NCPC, n.º 4 do art. 7.º do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa a este diploma.
Notifique.
Comunique ao Sr. AE.”
Interpôs, então, a executada recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa contra o descrito despacho.
Em 5 de Dezembro de 2024 foi proferido acórdão (donde consta um voto de vencido) que julgou improcedente tal apelação e confirmou a decisão recorrida.
Foi então interposto pela executada recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A) A necessidade de revogar o Acórdão proferido é um imperativo da mais elementar justiça, por força da existência de uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito, nomeadamente normas aplicáveis à citação, da mais elementar importância para a segurança jurídica dos cidadãos.
B) O ACÓRDÃO RECORRIDO dispõe que a Recorrente, por ter mudado de residência e não ter feito essa alteração nos seus documentos oficiais, é responsável por não ter recebido a citação e, consequentemente, deve considerar-se citada… o que é absolutamente bizarro!
C) Nos termos defendidos inclusive no voto de vencido da Veneranda Desembargadora, “não tendo aplicação o disposto no art. 229.º (domicílio convencionado), não pode ser decidido que a executada foi devidamente citada pelo simples facto de continuar a constar nas bases de dados oficiais a residência de Portugal, pois tal não tem apoio em qualquer artigo do CPC”.
D) Sendo certo que, a citação com hora certa só é admissível quando o agente de execução apure que o citando reside ou trabalha no local indicado, (i) tendo se apurado que a Recorrente reside na Suíça desde 25 de setembro de 2012 (facto provado) e que (ii) a 06.09.2014, pelas 20:30, a Agente de Execução se deslocou à Alameda do ..., n.º ..., ..., ..., não tendo sido possível encontrar quem abrisse a porta (facto provado), não há qualquer facto que indiciasse que a citanda, ora Recorrente, residia no local indicado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa entendido “punir” a Recorrente com o ónus da sua citação por não ter alterado a morada nas bases de dados oficiais, quando inexiste qualquer norma (como existe para as pessoas coletivas, por exemplo) a prever como consequência desse ato que a Recorrente se devesse considerar citada – o que vai contra as mais elementares normas de direito.
E) O ACÓRDÃO RECORRIDO, além de assentar numa claramente errada interpretação e aplicação da lei, encontra-se em manifesta contradição com outro Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 65/00.5PBLRA-A.C1, datado de 10 de Dezembro de 2013, relatado pelo Exmo. Sr. Juíza Desembargadora Alcina da Costa Ribeiro, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, a citação.
F) O ACÓRDÃO RECORRIDO indica, confirmando o conteúdo da douta Sentença, que a Ré deve considerar-se citada por não ter alterado a sua morada nas bases de dados oficiais, apesar de residir fora do país há dois anos.
G) Por sua vez, o ACÓRDÃO FUNDAMENTO refere expressamente que “A citação com hora certa, prevista no artigo 240.º do CPC, só pode realizar-se quando o funcionário/solicitador de execução se certificar que o citando reside ou trabalha no local indicado, não constituindo, assim, meio idóneo para suprir uma ausência prolongada ou em parte incerta do citando. […] Daí que seja essencial saber se, na data da fixação da nota de marcação da citação, o citando reside no local indicado e se o funcionário/agente de execução se certificou dessa circunstância, o que só será possível depois de produzida a prova respectiva. […] Acresce que, mesmo que se venha a apurar que foram observados os pressupostos de admissibilidade da citação com hora certa, ainda assim, é necessário apreciar, se invocada, a questão traduzida em saber se o citando, em momento oportuno, tomou conhecimento do teor da citação.”
H) O ACORDÃO FUNDAMENTO e o ACÓRDÃO RECORRIDO divergem assim numa questão essencial de Direito, não existindo um acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em causa a que o ACÓRDÃO RECORRIDO tenha aderido.
I) Nestes termos, encontram-se preenchidos os requisitos necessários para a aplicação das alíneas a), b) e c), do n.º 2, do artigo 672.º do CPC, sendo de admitir o presente recurso de revista excepcional.
J) A Recorrente não foi regularmente citada, tendo sido invocada nulidade de citação, a qual tem de ser atendida e conduzirá, consequentemente, à anulação da execução, não se conformando com o despacho recorrido, do qual discorda quanto ao direito aplicado, o que faz por convicção e em prol da justiça.
K) Ao contrário do disposto no despacho recorrido, a Recorrente, ora Executada, não foi citada nos termos do art. 232.º do Código de Processo Civil, porquanto não foram respeitadas as formalidades para o efeito, tendo sido completamente omitido o ato de citação.
L) A citação via postal da Recorrente foi frustrada, o que a Agente de Execução informou aos autos a 21.03.2014 e a 06.09.2014 não foi possível efetuar citação por contacto pessoal no imóvel sito na Alameda do ..., n.º ..., ..., ..., porquanto conforme registou a AE “(…) por não ter sido possível encontrar (…) quem abrisse a porta”, pelo que a AE não possuía qualquer indício que a Recorrente residisse naquela morada, o que de resto é requisito essencial para a aplicação do art. 232.º do CPC.
M) Mesmo sabendo que a Recorrente lá não residia, a AE agendou para o dia 09.09.2014 citação com hora certa, e conforme pode ser apurado na informação com a ref.ª .....95, a tentativa de citação foi realizada nos termos do n.º 6 e n.º 7 do art. 231.º do CPC, por empregado forense do Dr. EE, Agente de Execução substabelecido pela Agente de Execução nomeada no processo, Dra. FF, sendo possível aferir que a nota de citação se encontra assinada por DD, empregada forense com a cédula ..82, por CC, cuja identidade se desconhece, e pelo Sr. Agente de Execução Dr. EE, não tendo sido assinada pela Recorrente, ora Executada, pelo que não poderia por esta via se considerar citada.
N) Nem a Agente de Execução, nem o seu substabelecido, apuraram que a citanda residia efetivamente naquele local (nem podiam), não tendo qualquer prova de que a mesma ali se encontrasse, pelo que não podiam lançar mão da citação com hora certa, utilizando um funcionário do escritório do Agente de Execução para servir como testemunha, sabendo perfeitamente que esta pessoa não se encontrava em condições de transmitir qualquer citação à citanda e que a mesma nunca teria conhecimento do sucedido.
O) Cabia à Agente de Execução, em cumprimento do art. 226.º do CPC, promover todas as diligências que se mostrassem adequadas à efetivação da regular citação pessoal da Executada, ora Recorrente, nomeadamente, na sequência da frustração da citação por contacto pessoal, promover a citação edital, nos termos dos arts. 236.º, 240.º e 242.º do CPC, porquanto só assim poder-se-ia considerar a Recorrente, ora Executada, regularmente citada, o que não aconteceu.
P) Nos termos do n.º 1 do art. 191.º, 188.º, 696.º, al. e) e 851.º do Código de Processo Civil, dúvidas não existem que a citação da Executada, ora Recorrente, é nula.
Q) Caso assim não se entenda, é manifesto que ocorreu falta de citação da Recorrente, pois desta não teve conhecimento por facto que não lhe é imputável, porquanto nunca escondeu que estava fora do país, sendo detentora de uma autorização de residência válida, que é do conhecimento do estado português, tendo feito a prova que lhe é possível, nada mais lhe podendo ser exigido sob pena de sairmos do quadro do Estado de Direito, sendo a Recorrente alvo de execução sem disso ter conhecimento!
R) Pelo que só a revogação do despacho proferido e a sua substituição por decisão que declare nula a citação da Recorrente e anule a execução se revela como conforme ao Direito, o que se requer expressamente a V. Exas. Venerandos Desembargadores, tudo para que se faça a tão acostumada e sã JUSTIÇA!
Apreciando liminarmente da admissibilidade do presente recurso de revista:
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que constitui o objecto do presente recurso de revista incidiu sobre uma questão de natureza estritamente processual ou adjectiva, constituindo uma decisão interlocutória, concretamente a (in)validade do acto de citação da executada no âmbito de um processo de execução contra a mesma movida.
Assim sendo, a sua impugnabilidade em sede de revista está, em qualquer circunstância, limitada às situações previstas nas alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 671º, do Código de Processo Civil, uma vez que não se trata de uma decisão final nos termos do artigo 671º, nº 1, do mesmo diploma legal.
(Vide, a este propósito e entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2024 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 1607/21.8T8GRD.C1.S1 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2024 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 7074/15.8T8LSB-G.L1-A.S1, ambos publicados in www.dgsi.pt).
Não fundou a recorrente a sua revista em qualquer dos fundamentos subsumíveis à previsão desse normativo (que nem sequer invocou).
Logo, e como se disse, a presente revista não integra o âmbito do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, reservado a decisões que conheçam do mérito da causa ou ponham termo ao processo, o que é não manifestamente o caso, para além da restrição em termos de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça que resulta directamente do disposto no artigo 854º do Código de Processo Civil, aplicável no âmbito das acções executivas.
Ora, não sendo admissível a interposição de revista normal, por causa estranha à constituição de dupla conforme, não haveria lugar igualmente à revista excepcional prevista no artigo 672º do Código de Processo Civil.
(Neste sentido e entre muitos outros, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator Raimundo Queiróz), proferido no processo nº 2255/17.2T8FAR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2020 (relator Lima Gonçalves), proferido no processo nº 1433/13.8TMLSB-H.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2020 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 709/09.6TBSSB.E1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 1534/15.8T8AGD-B.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Fernando Samões), proferido no processo nº 32/18.2T8AGD-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Acácio das Neves), proferido no processo nº 1319/14.9T8CBR-B.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2023 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 3370/22.6T8SNT-A..L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2024 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 9507/19.5T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2020 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 565/13.7TBAMT-G.P3.S1, publicado in www.dgsi.pt ).
Mais se refira igualmente que no caso concreto não há sequer, de forma alguma, lugar à interposição de revista excepcional por ausência do seu requisito prévio essencial: a confirmação por unanimidade da decisão de 1ª instância (sendo que do acórdão em causa consta um voto de vencido proferido por uma das ilustres Juízas Desembargadores intervenientes no julgamento do recurso de apelação).
Dir-se-á ainda relativamente ao referido pela recorrente aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º do Código de Processo Civil:
1º - Invocou a recorrente que o recurso interposto é admissível por esta ser uma decisão que admite sempre recurso, por força do artigo 629.º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil, o que a Recorrente por lapso, não invocou nas suas motivações, mas juntou inclusive certidão do Acórdão Fundamento, tendo o Venerando Tribunal da Relação todos os elementos para concluir, com o seu douto suprimento, que o recurso seria admissível ao abrigo das disposições conjugadas do art. 671.º, n.º 2 e 629.º do CPC.
O que fez, tendo o recurso sido admitido, com estes fundamentos, suprindo a falha da Recorrente, por despacho do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 08.03.2025, que se louva.
Vejamos:
A regra geral vigente em matéria da admissibilidade do recurso de revista está consagrada no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.
O que significa que o recurso de revista tem essencialmente por objecto o conhecimento de decisões finais (de mérito ou de forma) que sejam proferidas pelo Tribunal da Relação (e de 1ª instância no caso do recurso per saltum previsto no artigo 678º do CPC).
É assim afastada, por tendência, a competência do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao conhecimento de decisões interlocutórias de natureza estritamente processual ainda que exista contradição entre acórdãos do Tribunal da Relação.
Trata-se do regime geral.
Excepcionalmente, a contradição de julgados em relação a decisões interlocutórias de natureza estritamente processual pode levar à admissão da revista se o acórdão fundamento apresentado pelo recorrente houver sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que acontece como desvio à regra estabelecida no nº 1 do artigo 671º do CPC, tal como se prevê na alínea b) do nº 2 da mesma disposição legal.
Este é o enquadramento legal que foi devidamente pensado e especificado pelo legislador, a que há necessariamente que atender, independentemente do entorse constituído pela confusa remissão que está consignada – de forma infeliz em termos da sua generalização – na alínea a) do nº 2 do artigo 671º do CPC, proporcionando a (despropositada) avocação da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPC.
Por sua vez, o artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC constitui a recuperação do artigo 678º, nº 4 do Código de Processo Civil de 1961 (introduzido pelo Decreto-lei nº 329-A/95 de 12 Dezembro), promovida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, face à sua anterior eliminação pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Cumpre notar que o Decreto-lei nº 375-A/99, de 20 de Setembro, veio inovatoriamente contemplar a possibilidade de recurso de agravo em 2ª instância em caso de contradição de julgados com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ou qualquer Relação.
(Constava do respectivo preâmbulo:
“Também em matéria de recursos, como medida mais incisiva, avança-se na supressão dos agravos continuados para o Supremo relativos a decisões interlocutórias, alterando-se, nesse sentido, o n.º 2 do artigo 754.º.
Neste domínio, fica sempre aberta a admissibilidade de recurso nos casos de divergência previstos na ressalva constante daquele normativo.
Importa, com efeito, restituir ao Supremo Tribunal de Justiça a sua fisionomia de tribunal vocacionado para a interpretação e aplicação da lei substantiva, salvaguardando, no entanto, e ao menos por ora, a sua intervenção quando a decisão sobre lei adjectiva puser termo ao processo”)
Com a reforma introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, veio a ser revogado, por um lado, o nº 4 do artigo 678º, e, por outro, o artigo 754º, nº 2, este na decorrência do desaparecimento da figura dos agravos e da preferência por um sistema monista de recursos.
Contemplavam estas duas normas situações processuais de natureza diversa que não se confundiam (o artigo 678º, nº 4, respeitava à admissibilidade do recurso em geral – tal como o artigo 629º, nº 2, alínea d) – e a sua aplicação dependia da circunstância de “não caber recurso ordinário por motivos estranhos à alçada do tribunal”; o artigo 754º, nº 2, permitia a interposição do recurso de revista em matéria de recursos de agravo perante a contradição de julgados entre acórdãos do Supremo ou da Relação, sem qualquer condicionante para além da anterior fixação de jurisprudência pelo Supremo).
A contradição de julgados passa, nessa altura, a ter a sua sede no artigo 721º, nº 1, alínea c), respeitante aos pressupostos da admissibilidade da revista excepcional; no artigo 732º-A, respeitante à revista ampliada; e no artigo 763º relativo ao recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.
Neste contexto, o artigo 721º, nº 5, passou então a prever a impugnação das decisões interlocutórias com a sentença, nos termos do artigo 691, nº 3, e vedou expressamente o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça quanto a decisões interlocutórias.
A revisão do CPC introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, não quis assumidamente introduzir modificações estruturais ou sensíveis na grande reforma em matéria de regime dos recursos civis empreendida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Embora renascendo a consagração da contradição de julgados como fundamento da admissibilidade do recurso de revista no artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC, tal redundou numa abertura tímida e muitíssimo limitada, encontrando-se reservada apenas para os casos em que exista norma especial de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ou seja, o próprio âmbito do artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC é assumidamente restrito e não genérico, não bulindo com o novo espírito corporizado na reforma (esta sim muito significativa) introduzida no panorama jurídico nacional pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
De resto, nunca o legislador na Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, ao recuperar o que se dispunha no artigo 678º, nº 4, do CPC, teve o menor propósito de repristinar o regime do anterior 754º, nº 2, tal como existia antes dessa reforma de 2007, que este sim possibilitaria minimamente sustentar a tese defendida no projecto, embora em conflito aberto com a previsão do actual artigo 671º, nº 1 e 2.
Assim sendo, tomando em consideração toda esta evolução histórica, cumpre concluir que a regra geral vigente para a generalidade das situações reside no artigo 671º que, no seu nº 1, veda o acesso ao STJ quando estão em causa decisões interlocutórias de natureza estritamente processual; e o nº 2 que abre a porta à revista fá-lo em termos excepcionais e muito apertados, isto é, apenas e só quando a contradição se verifica com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Parece, portanto, lógico concluir que em matéria de decisões interlocutórias, de natureza estritamente processual, rege o artigo 671º, nº 1, e nº 2, alínea b), do CPC, havendo de entender a referência em bloco às situações em que é sempre admissível recurso a todos os casos do nº 2 do artigo 629º, com excepção da alínea d) que, entendida como abrangendo as decisões interlocutórias de natureza processual estará em contradição aberta, frontal e insanável com a regra especial da alínea b) do nº 2 do artigo 671º do CPC.
Por razões de coerência sistemática e interpretação da racional e (presumidamente) sensata vontade legislativa, não se pode aceitar que o mesmo legislador de 2013 que entendeu destinar à matéria da fixação da admissibilidade da revista relativamente a decisões interlocutórias de natureza processual - no novo artigo 671º, nº 2, alínea b) -, um regime altamente restritivo (salvaguardando apenas a contradição qualificada com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), entendesse, ao redigir a mesma disposição legal e de forma nitidamente contraditória, avocar a alínea d) do nº 2 do artigo 629º quanto a esta mesma matéria, tornando incompreensivelmente inútil a limitação que havia feito e alargando afinal a contradição de julgados em decisões desta natureza aos acórdãos do Tribunal da Relação (e por maioria ao acórdão do STJ que a alínea b) do nº 2 do 671º já havia selectivamente escolhido como critério decisivo e diferenciador em matéria de admissibilidade da revista e que, nesses inopinados termos, deixaria inexplicavelmente de fazer sentido).
Isto rompendo também com o regime geral resultante da reforma empreendida do Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que o legislador proclamou não querer modificar, no seu essencial, e que, a aceitar-se, constituiria um evidente paradoxo.
Sobre esta matéria e neste mesmo sentido, vide:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2023 (relatora Ana Resende), proferido no processo nº 115/16.3T8VNL-B.G1.-A.S1, publicado in www.dgsi.pt., onde pode ler-se:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2023 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 19749/19.8LSB-D.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt.;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2019 (relator José Rainho), proferido no processo nº 704/18.1AGH-A.L1.S2, publicado in www.dgsi.pt.;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2020 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 6333/15.4T8OER-A.L1S1, publicado in www.dgsi.pt.;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2021 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 3448/10.9TBVCD-E.P1S1, publicado in www.dgsi.pt.;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2022 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 3450/20.2T8STS-A.P1S1, publicado in www.dgsi.pt.;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2023 (relator António Barateiro Martins), proferido no processo nº 8988/19.1T8VNG-D.P1S1, publicado in www.dgsi.pt.;
(Perfilhando orientação diversa, com menção da respectiva corrente jurisprudencial, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 2025 (relator Jorge Leal), proferido no processo nº 32041/16.0T8CSB-L.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt).
2º - Ainda que se entendesse, por hipótese de raciocínio, que a previsão da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, é aplicável, nem assim o presente recurso de revista seria admissível.
O conceito técnico de contradição de julgados que habilitaria a interposição da revista pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem.
O que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.
Ora, inexiste verdadeira contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão apresentado como acórdão fundamento.
No primeiro, decidiu-se que:
(…) a Executada AA foi citada nos termos previstos no artigo 232.º, pelo que está em causa saber se se verifica falta de citação, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º e subalínea ii) da alínea e) do artigo 696.º do Código de Processo Civil.
Assim, incumbe à Executada provar que não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
No caso concreto, verifica-se que, inicialmente, se tentou a citação da Executada por carta registada com aviso de recepção dirigida para a morada constante do requerimento executivo, que coincidia com a única resultante da consulta das bases de dados, mas essa citação frustrou-se, motivo pelo qual se diligenciou pela citação da Executada por contacto pessoal (cfr. n.º 1 do artigo 231.º do CPC), nessa mesma morada.
No dia 06.09.2014, o Sr. AE dirigiu-se a essa morada, mas como não encontrou quem lhe abrisse a porta, deixou aviso com indicação de hora certa para a realização da diligência (cfr. n.º 1 do artigo 232.º do CPC) e, no dia agendado, dirigiu-se novamente ao local, efectuando a citação mediante afixação nos termos previstos no n.º 4 do artigo 232.º do CPC. Após, ainda deu cumprimento ao disposto no artigo 233.º do CPC.
Ora, apurou-se que a Executada reside na Suíça desde 25 de Setembro de 2012.
Todavia, dos autos não constava qualquer informação que indiciasse que a mesma tinha ido residir para o estrangeiro.
Note-se que as pesquisas foram efectuadas em três bases de dados e em nenhuma delas constava a morada da Executada no estrangeiro.
Para além disso, essas pesquisas foram realizadas em 2014, ou seja, cerca de dois anos após a Executada ter ido residir para a Suíça, sem que a mesma tivesse procedido à actualização da sua morada junto dos serviços de identificação civil, segurança social e autoridade tributária e aduaneira.
“(…) se a parte mudou de residência sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não se pode concluir, em termos de causalidade objetiva, que a sua conduta em nada tenha contribuído, em termos adjetivos, para que o ato de citação ou notificação pessoal não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento (RE 13-9-18, ...).
A Executada não podia desconhecer que tinha assumido obrigações, mormente aquelas decorrentes dos títulos dados à execução, pelo que seria expectável que recebesse comunicações do Exequente e, por esse motivo, deveria ter acautelado a recepção de correspondência naquela morada (v.g. solicitando a terceiro que verificasse a existência de correio, solicitando o reenvio de correspondência) ou então, deveria ter alterado a sua morada nos documentos oficiais, face ao lapso de tempo decorrido desde que se mudou para a Suíça.
A Executada não alegou sequer que tivesse realizado alguma diligência tendo em vista acautelar a recepção da correspondência.
Por conseguinte, entende-se que a Executada não logrou demonstrar que não recebeu a citação por facto que não lhe é imputável.
Não se verificou, assim, qualquer falta de citação”.
No segundo – o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Dezembro de 2013 (relatora Alcina Ribeiro), proferido no processo nº 65/00.5PBLRA-A.C1, decidiu-se que:
“(…) Insuficiência/deficiência da matéria de facto.
Mais do que omitir a especificação dos factos em que baseou a sua decisão, o tribunal recorrido omitiu, manifestamente, a apreciação dos factos alegados pela Requerente e bem assim a admissibilidade ou não dos meios de prova indicados.
Esta omissão só será, neste momento, relevante, se os factos invocados e os meios de prova requeridos revestirem interesse para a decisão.
Alicerçando a Requerente, a sua pretensão, em factos materiais e concretos que ocorreram, à data em que assinou a citação, quais sejam:
- A sua residência na África do Sul;
- Corresponder o local onde se desenrolaram as formalidades da sua citação com hora certa à morada de F... e não à sua;
- Não ter recebido a citação nem o seu conteúdo e;
- Não ter dado poderes a F... para, em seu nome, assinar aquela citação;
E, Estando em causa, apreciação dos pressupostos da validade da citação (art. 240º) ou da presunção do conhecimento por parte do citando a que alude o art. 233º, nº 4, é evidente que os factos trazidos a juízo pela Recorrente são relevantes para a decisão a proferir.
Porém, como resulta claramente da decisão impugnada, a Senhora Juiz a quo não o fez, tendo-se limitado, como acima se disse, a concluir, com base no constante dos autos, que a residência da cônjuge do executado se situava no lugar onde foi afixada a nota de marcação da citação e aonde foi assinada a citação; e, a presumir o conhecimento do teor da citação por parte da Agravante.
Porém, salvo o devido respeito e melhor opinião, os factos constantes do processo e que se traduzem nas ocorrências processuais discriminadas em III, não demonstram, nem fazem presumir, que a Agravante resida na Estrada da ... – CC ..., nº ... – ... -... – ..., local onde foi afixada a nota de citação e aonde esta foi realizada.
O que as ocorrências processuais demonstram é que, a única morada que se conhecia da esposa do executado, desde o inicio do processo até ao momento em que foi realizada a citação com hora certa de fls. 112 a 114 (e não fls. 108, como se faz referência no despacho em crise – esta foi anexa à comunicação de citação negativa de fls. 107), situava-se na Quinta da ..., lote... – ... – ..., ....
Na verdade, é esta morada, a única morada que figura:
- A fls. 13 (requerimento executivo);
- Na nota de Registo da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 37 e na certidão de fls. 39;
- Nas diligências efectuadas para a citação de D..., como titular do veículo penhorado, nos termos e para efeitos do disposto no art. 119º do Código de Registo Predial (fls. 47 e 48, 52, 53, 54 e 55).
- No print retirado da Base de Dados dos Serviços de Identificação Civil, da Segurança Social e da DGSI - fls. 58 a 63.
- No edital de fls. 77 e 79;
- Na descrição do imóvel penhorado, a fls. 87.
Por outro lado, não se encontra documentado nos autos, como é que, depois de se ter reconhecido o desconhecimento da morada da Recorrente, ao ponto de ter sido citada editalmente, nos termos e para os efeitos, do disposto no art. 119º do Código de Registo Predial (fls. 56 e 63), apurou a Sra. Solicitadora de Execução, que a Agravante residia na Estrada da ..., CC ..., nº ... – ..., local onde afixa a nota de marcação de citação com dia e hora certa (fls. 113 e 114).
Ou seja, os elementos constantes dos autos são insuficientes para que se conheça a pretensão da Recorrente: que na data em que foi citada não residia no local e que não teve conhecimento do teor da citação.
Com efeito;
Dispondo o art. 240º, nº 1, do Código de Processo Civil que:
«No caso referido no número anterior, se o solicitador de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo, todavia, proceder à citação por não o encontrar, deixará nota com indicação da hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado»;
Cremos que a citação com hora certa só poderá realizar-se quando o funcionário ou o solicitador de execução se certificar que o citando reside ou trabalha no local indicado, não sendo obviamente, como afirma Lopes do Rego o meio idóneo para suprir uma ausência prolongada ou em parte incerta do citando.
Daí que seja essencial saber se, na data da fixação da nota de marcação da citação da Agravante, esta residia no local indicado e se a Sra. Agente de Execução se certificou dessa circunstância, o que, a nosso ver só será possível, depois de produzida a respectiva prova.
Acresce que, mesmo que se venha a apurar que foram observados os pressupostos de admissibilidade da citação com hora certa, ainda assim, é necessário apreciar a outra questão suscitada pela mulher do executado: saber se, em momento oportuno, tomou conhecimento do teor da citação.
O art. 233º, nº 4, estabelece que, em todos os casos em que a lei expressamente admite que a citação seja efectuada em pessoa diversa do citando, como acontece, entre outros, com os nºs 2 e 5 do art. 240º, a citação é considerada pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve conhecimento em momento oportuno.
Ora, a Agravante, ao alegar, que tem total desconhecimento da citação efectuada na pessoa de F..., está a invocar factos que, conforme se provem ou não, podem, respectivamente, afastar ou confirmar a presunção de conhecimento do teor da citação, configurando-se, assim, matéria fáctica relevante à decisão.
Torna-se, assim, absolutamente necessário e essencial, que os factos expostos pelas partes, maxime, os que fundamentam a arguição da nulidade de fls. 259 a 262, sejam julgados pelo tribunal, o que, como resulta da decisão que se aprecia, não aconteceu.
O despacho sindicado é, assim, deficiente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 712º, nº4 do Código de Processo Civil, onde se lê:“ Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão”.
Conjugando as omissões da matéria de facto acima referidas com este preceito, impõe-se anular o despacho censurado e bem assim a produção de prova que se entenda por adequada, com a consequente prolação sobre a matéria de facto provada e não provada sem deficiências, proferindo-se, de seguida, nova decisão.
Desta feita, fica, por conseguinte, prejudicado o conhecimento das questões colocadas no recurso.
V- DECISÃO:
Em conformidade com tudo o que se acabou de expor, decide-se:
a) Anular o despacho recorrido;
b) Determinar a produção de prova que se entenda por adequada, com a prolação de decisão sobre a matéria de facto provada e não provada sem deficiências, proferindo-se, de seguida, nova decisão”.
Ou seja, desde logo no acórdão fundamento, ao contrário do que sucede no acórdão recorrido, a decisão proferida não foi a de apreciação material e subsequente declaração, ou não, da nulidade do acto de citação.
Ao invés, em termos decisórios – único aspecto que releva para estes efeitos (existência de contradição de julgados) – o que se analisou foi a insuficiência de matéria de facto para que se pudesse tomar decisão, de forma conscienciosa, sobre a matéria em análise.
Nessa medida, neste último aresto determinou-se essencialmente a produção de prova e fixação dos factos a dar como provados e não provados, seguida da apreciação de mérito, tendo-se feito notar que a decisão aí recorrida não havia sequer elencado a materialidade dada como demonstrada que permitisse aquilatar da validade da citação da executada, ou seja, não se encontrava devidamente fundamentada.
Apenas esse segmento constitui a parte decisória do acórdão fundamento.
Tal não sucede no acórdão recorrido, onde a matéria da (in)validade da citação da executada foi concretamente apreciada, concluindo-se pela sua regularidade.
Por outro lado, a decisão extraída no acórdão fundamento assenta na omissão da apreciação dos factos invocados pela executada apelante, bem como a admissibilidade, ou não, dos meios de prova por si indicados, mormente a prova de que o local onde aconteceu a citação com hora certa diz respeito a outra pessoa diversa da citanda, à qual não foram conferidos poderes para, em seu nome, receber a sua citação.
Tal não sucede no acórdão recorrido, onde não foi acusada a omissão de qualquer tipo de diligências de prova, sendo a prova documental apresentada pela requerente sido devidamente considerada e valorada.
Acresce que a ratio decidendi do acórdão fundamento prende-se com o facto de que: “não se encontra documentado nos autos, como é que, depois de se ter reconhecido o desconhecimento da morada da Recorrente, ao ponto de ter sido citada editalmente, nos termos e para os efeitos, do disposto no art. 119º do Código de Registo Predial (fls. 56 e 63), apurou a Sra. Solicitadora de Execução, que a Agravante residia na Estrada da ..., CC ..., nº ... – ..., local onde afixa a nota de marcação de citação com dia e hora certa (fls. 113 e 114).
Ou seja, os elementos constantes dos autos são insuficientes para que se conheça a pretensão da Recorrente: que na data em que foi citada não residia no local e que não teve conhecimento do teor da citação”.
Ou seja, suscitou-se a contradição entre o facto de se reconhecer o desconhecimento da localização da morada da executada e cônjuge do executado e por isso haver sido citada editalmente e, sem qualquer outra explicação adicional e objectiva se ter dado como certa determinada residência da mesma pessoa a citar.
Tal não sucede minimamente no acórdão recorrido, onde todos os elementos confirmavam, sem sombra de dúvida, a única morada em que a executada residiria, não havendo esta em momento algum, como constituía seu dever, ter comunicado que deixara de residir naquele local.
É o suficiente para se que tenha necessariamente de considerar como inexistente a contradição de julgados que habilitaria hipoteticamente a interposição do recurso extraordinário previsto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.
Assim sendo, a presente revista não é admissível e, nessa medida, é julgada finda, não havendo lugar ao conhecimento do respectivo objecto, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b) e 679º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto:
Julgo findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código Civil.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC”.
Apresentou a recorrente reclamação para a Conferência nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil:
Não assiste razão à reclamante pelos motivos desenvolvidos na decisão singular.
Nada há, portanto, nada a acrescentar ao que antes foi dito pelo relator do processo.
Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que decidiu o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
Lisboa, 1 de Julho de 2025.
Luís Espírito Santo (Relator)
Luís Correia de Mendonça
Cristina Coelho
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.