Verificando-se a extinção da execução com base em deserção, o novo prazo de prescrição [no caso concreto, de cinco anos, previsto no artigo 310.º, alínea e) do CC], começa a correr após o ato interruptivo, nos termos do artigo 327.º, n.º 2 do CC, e não apenas depois do trânsito em julgado da decisão sobre a deserção.
I. RELATÓRIO
1. Por apenso à ação executiva na qual são exequentes AA e BB e executados CC e DD, veio a “Hefesto STC, S.A.” reclamar créditos sobre os executados no montante de 370.142,29 €, acrescido dos juros de mora.
Alegou, em síntese, que por escrituras públicas, de 31.03.2016, foram celebrados entre o “Bankinter, S. A” e o “Barclays Bank PLC” dois contratos de transmissão de créditos e respetivas garantias, do primeiro para o segundo, e o crédito detido sobre o executado DD, agora reclamado, foi transmitido ao “Bankinter, S. A” por meio das referidas escrituras, motivo pelo qual a garantia de hipoteca associada ao contrato de mútuo celebrado entre o “Barclays” e o executado, pela Ap. 36 de 2008/05/02 a favor do Barclays foi transmitida para o Bankinter pela Ap. ..57 de 2016/09/0.
Por contrato de venda de créditos, assinado em 01.10.2018, o Bankinter vendeu o crédito identificado como .................41, que detinha sobre o executado e todas as garantias a ele inerentes, à M..., Lda. e posteriormente, a 30 de Novembro de 2018, por contrato de venda de créditos, a M..., Lda. vendeu o referido crédito, que detinha sobre o executado e todas as garantias a ele inerentes, à Hefesto STC, S. A., incluindo essa cessão a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido, designadamente a hipoteca constituída sobre o crédito em causa, a qual foi objeto de registo junto da Conservatória do Registo Predial de ..., pela Ap. ..82 de 2023/07/31.
No exercício da sua atividade creditícia o Barclays Bank PLC celebrou com EE e o executado DD um contrato de mutuo com hipoteca, no valor de 750.000,00 €, do qual se confessaram devedores, e para garantia das obrigações assumidas foi constituída hipoteca a favor da reclamante sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..18 e inscrito na matriz sob o artigo ..35, ficando convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efetuado em 468 prestações mensais, sucessivas e constantes, da capital e juros, mas os executados faltaram ao pagamento das prestações, contratadas e devidas ao mutuante, em 15.03.2014.
Apesar de instados para o respetivo pagamento, não o efetuaram e na sequencia do óbito da devedora EE, sucedeu-lhe CC, que passou a ser proprietária de ½ do imóvel sobre o qual foi registada a hipoteca dada como garantia do empréstimo objeto da execução, encontrando-se em divida na presente data, a titulo de capital 291.682,99 € e juros calculados à taxa de 5,353% no montante de 78.459,30 €, perfazendo 370.142,29 €, a que acrescerão os respetivos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em divida à taxa de 5,353%, onde se inclui a sobretaxa de mora, bem como o respetivo imposto de selo, nos termos legais aplicáveis, encontrando-se o mencionado crédito vencido e é exigível.
Terminou o reclamante pedindo que os créditos reclamados fossem reconhecidos e graduados no lugar que lhes competir.
2. Os exequentes impugnaram os créditos reclamados pela “Hefesto STC, S.A.”, alegando que a obrigação do capital mutuado prescreveu em 15.03.2019, pelo que não é exigível. E, de qualquer modo, apenas poderia ser reconhecido como crédito que goza de garantia real os juros moratórios vencidos nos últimos 3 anos.
Pediram os exequentes que fosse indeferida a reclamação de créditos de 291.682,99 € da “Hefesto STC, S. A”, correspondente ao capital mutuado, por se encontrar prescrito. Caso assim não se entenda, quanto aos juros moratórios reconheça como crédito garantido apenas o valor dos vencidos nos últimos 3 anos,
3. A reclamante “Hefesto STC, S.A” respondeu à impugnação, alegando, em síntese, que não assiste razão aos exequentes quando alegam ser aplicável ao capital e aos juros o prazo de prescrição de 5 anos, e que a reclamante apresentou contra o ora executado ação que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de ...-Juiz ... sob o n.º 415/15.0... para satisfação do crédito agora peticionado, pelo que, mesmo a considerar-se aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, o prazo foi interrompido, devendo, por isso, os créditos reclamados ser reconhecidos e graduados no lugar que lhes couber.
4. Os exequentes pronunciaram-se, alegando, em suma, que a ação n.º 415/15.0..., referida pela reclamante “Hefesto STC, S. A”, correu sob a forma sumária e os executados nunca foram citados por falta de impulso processual da exequente, sendo, por isso, inaplicáveis os nºs 1 e 2, do artigo 323.º, do Código de Processo Civil, pelo o prazo prescricional não foi interrompido, aceitando a reclamante que ao abrigo do artigo 310º, alínea e), do Código Civil, prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, como as do presente caso, bem como que o incumprimento de uma das prestações pelos executados implicou o vencimento das restantes, mantendo os exequentes que os créditos reclamados pela “Hefesto STC, S. A” não podem ser reconhecidos por estarem prescritos.
5. A primeira instância decidiu, na alínea c) da sentença:
«Julgar parcialmente procedente, por provada a reclamação de créditos da «Hefesto STC, S. A», reconhecendo-se, em consequência, os seus créditos, no montante de 291.682,99 € (duzentos e noventa e um mil seiscentos e oitenta e dois euros e noventa e nove cêntimos) a titulo de capital acrescido dos juros moratórios dos últimos 3 anos;»
E veio a graduar esse crédito em terceiro lugar, nos seguintes termos:
«3º- Créditos reclamados pela “Hefesto STC, S. A” no montante de 291.682,99 €, a titulo de capital, acrescidos dos juros de mora dos últimos 3 anos;»
6. Os exequentes reagiram contra essa decisão, interpondo recurso de apelação, o qual foi julgado procedente.
7. A segunda instância proferiu acórdão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgando procedente a apelação, alterar a decisão proferida na alínea c), bem como o n.º 3.º da alínea e), da sentença da seguinte forma:
c) Julgar parcialmente improcedente, a reclamação de créditos da «Hefesto STC, S. A», por prescrita a obrigação, não se reconhecendo, em consequência, os créditos, no montante de 291.682,99 € (duzentos e noventa e um mil seiscentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos) a título de capital acrescido dos juros moratórios dos últimos três anos.
Consequentemente este montante não será graduado, eliminando-se o numero 3.º, da alínea e).»
8. Contra essa decisão, a reclamante-apelada (Hefesto) interpôs recurso de revista. Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
«a) O Recorrente interpõe Recurso de Revista do Douto Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que julgou procedente a Apelação e alterou a decisão proferida em 1.ª Instância.
b) O Recorrente entende que o douto Acórdão fez uma errónea aplicação do Direito aos factos, nomeadamente do n.º 2 do artigo 323.º e do n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil.
c) A questão a decidir consiste em saber se se verifica a exceção de prescrição.
d) O prazo de prescrição apenas se inicia quando o titular do direito esteja em condições de o exercer, como decorre do art.º 306.º n.º 1 do Código Civil.
e) O Recorrente atempadamente exerceu o seu direito, apresentado a 21-01-2015, requerimento executivo para satisfação dos seus créditos, contudo toma conhecimento do óbito de um dos mutuários.
f) Razão pela qual, foi necessário apresentar incidente de habilitação de herdeiros.
g) O presente fato obsta em concreto ao exercício do direito da Recorrente, pelo que, o prazo prescricional deverá ter-se por suspenso,
h) A suspensão da prescrição supõe uma causa, subjetiva ou objetiva, que constitua obstáculo de fato ao exercício do direito, ou que o torne especialmente difícil, comexpressão tal que afasta a verificação de negligência do seu titular e, então, torna injusto o curso do prazo prescricional.
i) Sendo o início do prazo da prescrição fator estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, optou o nosso sistema jurídico, no n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, o sistema objetivo, que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido», sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição.
j) A expressão, constante do referido artigo, «quando o direito puder ser exercido», deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar apenas quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder exercer – desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação.
k) Desconhecendo os Herdeiros da mutuária falecida, a Recorrente teria sempre de apresentar Incidente de Habilitação de Herdeiros, pois é esse procedimento legal que permite reconhecer e legitimar os herdeiros do falecido, assegurando que eles possam intervir na ação principal.
l) Existe, portanto, um obstáculo legal ao exercício do direito da Recorrente, que não lhe é tao pouco imputável.
m) Veja-se, a este propósito, que o Legislador de forma expressa atendeu a obstáculos ou limitações de exercício do direito pelo seu titular, determinando, enquanto tais factos durarem a suspensão do prazo prescricional, tal como sucede nos termos e para os efeitos do artigo 321.º do Código Civil.
n) Acresce que, como resulta dos autos apensos de habilitação, a não prossecução dos mesmos, impedindo, também, a prossecução dos autos principais, apenas se ficou a dever a situações externas ao Recorrente e apenas imputáveis ao próprio devedor.
o) Mal seria que, com tais contingências, viessem os mutuários a beneficiar, como ocorre com a decisão recorrida, com os obstáculos que só a eles são imputáveis.
p) Os prazos judiciais, por falecimento, não correm enquanto durar a suspensão, vide alínea a) do n.º 1 do artigo 269.º conjugado com o n.º 3 dos 270.º ambos do CPC.
q) A suspensão da prescrição é um instituto que interrompe temporariamente o curso do prazo prescricional, sem eliminá-lo.
r) Razão pela qual, durante o período de suspensão, o prazo não corre, mas após o término da suspensão, o prazo volta a correr de onde parou, isto é, a suspensão não elimina o prazo que já foi contado antes do efeito suspensivo.
s) Assim, a 26/06/2016, o Recorrente toma conhecimento da suspensão da execução por falecimento nos termos do n.º 1 do 276.º CPC.
t) A instância executiva tem-se por suspensa e, consequentemente, tem-se por interrompida a prescrição.
u) O Recorrente apresenta incidente de habilitação de herdeiros a 11/04/2017, tendo aquele sito extinto a 12/03/2020.
v) Com a extinção da habilitação, dir-se-ia que o obstáculo legal ao exercício do direito da Recorrente termina, o que determina o levantamento da suspensão e, consequentemente, o reinício da contagem do prazo prescricional.
w) Daqui resulta que a execução tendo sido instaurada a 21-01-2015, e considerando-se o disposto no n.º 2 do art.º 323.º CC, o prazo de prescrição começou a contar a 27-01-2015, ficando suspenso a 26/06/2016, nos termos do n.º 1 do 276.º CPC, voltando a correr a 12/03/2020.
x) Tendo-se interrompido com a entrada de nova execução a 02/08/2021, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, ... - Juízo de Execução - Juiz ..., Processo n.º 1936/21.0..., contra os mesmos sujeitos processuais, o mesmo pedido e causa de pedir.
y) Ou seja, com a citação da ação supracitada o prazo de prescrição retoma a sua contagem por mais 5 anos, pelo que, sem margem para dúvidas, na data da reclamação de créditos o crédito não está, nem pode, encontrar-se prescrito.
z) Recordo que para os efeitos do n.º 1 do Artigo 326.º do CC, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.
aa) Sucedeu assim que a decisão recorrida não teve em consideração as vicissitudes do processo executivo em causa e que determinaram o impedimento de exercício do direito por parte do Recorrente, logo, determinaram a efetiva suspensão do prazo de prescrição, conforme já se evidenciou
bb) Face ao exposto, deverá o Acórdão que ora nos ocupa ser revogado e restabelecida a decisão de primeira instância que julga parcialmente procedente, por provada a reclamação de créditos apresentada pela Recorrente, reconhecendo, em consequência os seus créditos, no montante de €291.682,99 (duzentos e noventa e um mil seiscentos e oitenta e dois euros e noventa e nove euros) a título de capital acrescido dos juros moratórios dos últimos 3 anos; e graduá-los em conformidade.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, tudo com as legais consequências, pois só assim se fará justiça!»
9. Os exequentes nos autos principais (BB e AA) apresentaram contra-alegações que sintetizaram com as seguintes conclusões:
«Os argumentos dos Recorridos são, em suma, os seguintes:
a) O objeto do presente recurso, a suspensão do prazo prescricional na decorrência da necessidade de proceder à habilitação de herdeiros por falecimento de um dos devedores, é uma questão nova que não foi invocada nem conhecida nas instâncias inferiores, motivo pelo qual não pode ser conhecido, nos termos do Art. 627.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
b) Ainda que assim não fosse, para além de não terem sido demonstrados os factos novos alegados pela Recorrente, e que não resultam dos autos, o facto de ser necessário proceder à habilitação de herdeiros do devedor não suspende o prazo prescricional, por tal não estar previsto na lei.
c) Assim, a obrigação de pagamento dos Executados à Recorrente prescreveu em 27/1/2020, antes de ter sido intentado o processo executivo n.º 1936/21.0..., pelo que o crédito da mesma, reclamado em 28/8/2023, não pode ser reconhecido, como bem se decidiu no douto acórdão recorrido.
Pelo exposto, requer-se a V. Exas. o não conhecimento do objeto do recurso ou, caso assim não se entenda, julguem o mesmo improcedente, mantendo a douta decisão recorrida.»
Cabe apreciar.
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II. FUNDAMENTOS
1. Admissibilidade e objeto do recurso.
Tendo a segunda instância revogado a sentença, em sentido desfavorável ao recorrente, a revista é admissível nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, encontrando-se igualmente preenchidos os pressupostos gerais de recorribilidade previstos no artigo 629.º, n.º 1 do CPC (e cabendo numa das exceções à regra prevista no artigo 854.º do CPC).
O objeto da revista é o de saber se o crédito reclamado pelo recorrente se encontra, ou não, prescrito.
2. A factualidade apurada.
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
«1. AA e BB intentaram contra CC e DD, ação executiva, a qual corre termos neste Juízo de Execução de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o número 629/18.0...;
2. Nos autos de execução referidos em 1), foi penhorado o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...........06 e inscrito na matriz sob o artigo ..35;
3. A penhora referida em 2) foi registada/inscrita pela Ap. ..63 de 2018/03/180, rectificada pela Ap. ..05 de 2023/04/24;
4. Sobre o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...........06 e inscrito na matriz sob o artigo ..35, incide uma hipoteca voluntária a favor da “Hefesto STC, S. A” para garantia de empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de 990.532,50 €, hipoteca essa registada/inscrita pela Ap. 36 de 2008/05/02, pela Ap. ..57 de 2016/09/01, pela Ap. ..97 de 2018/10/31 e pela Ap. ..82 de 2023/07/31;
5. Sobre o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...........06 e inscrito na matriz sob o artigo ..35, incide uma hipoteca voluntária a favor de FF, casado com GG no regime de comunhão de adquiridos, para garantia de empréstimo concedido a DD, sendo o montante máximo assegurado de 289.100,00 €, hipoteca essa registada/inscrita pela Ap. ..01 de 2013/04/16;
6. Para além da penhora referida em 2) e 3), sobre o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...........06 e inscrito na matriz sob o artigo ..35, incide uma penhora efectuada nos autos nº 797/21.4..., onde figura como sujeito activo FF casado com GG no regime de comunhão de adquiridos, figurando como sujeitos passivos CC e DD, assumindo a quantia exequenda o valor de 346.254,67 €, penhora essa registada/inscrita pela Ap. ..64 de 2021/04/06 e pela Ap. M..., Lda. de 2022/12/05;
7. Para além da penhora referida em 2) e 3), sobre o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...........06 e inscrito na matriz sob o artigo ..35, incide uma penhora efectuada nos autos nº 1936/21.0..., onde figura como sujeito activo “M..., Lda.”, figurando como sujeitos passivos CC e DD, assumindo a quantia exequenda o valor de 337.266,58 €, penhora essa registada/inscrita pela Ap. ..78 de 2021/08/09 e pela Ap. M..., Lda. de 2022/12/05;
8. A executada CC não liquidou o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo ao prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...........06 e inscrito na matriz sob o artigo ..35, inscrito para pagamento no ano de 2021 no montante de 2,04 € a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/05/2021 até pagamento integral e efectivo, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 0,24 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2021 no montante de 201,58 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/05/2021 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 19,66 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2021 no montante de 2,04 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/08/2021 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 0,20 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2021 no montante de 201,58 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/08/2021 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 17,26 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2021 no montante de 201,57 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 30/11/2021 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 14,89 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2021 no montante de 2,03 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 30/11/2021 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 0,18 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2022 no montante de 2,04 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/05/2022 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 0,12 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2022 no montante de 201,58 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/05/2022 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 10,32 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2022 no montante de 201,58 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/08/2022 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 8,02 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2022 no montante de 2,04 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 31/08/2022 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 0,08 €; não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2022 no montante de 2,03 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 02/12/2022 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 0,06 € e não liquidou o IMI inscrito para pagamento no ano de 2022 no montante de 201,57 €, a que acrescem os juros de mora vencidos desde 02/12/2022 até ao pagamento efectivo e integral, ascendendo os já vencidos até à data da reclamação de créditos a 5,71 €;
9. FF em 17/03/2021 instaurou contra DD e CC, acção executiva, a qual corre termos sob o nº 797/21.4... no Juízo de Execução de ...-Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, indicando como valor da quantia exequenda 346.254,67 € e apresentando como título executivo a escritura pública de mútuo com hipoteca datada de 08/04/2013;
10. Entre FF e DD, por si e na qualidade de procurador, em nome e representação de CC, foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Mútuo com Hipoteca”, datado de 08/04/2013, mediante o qual FF emprestou a DD e CC um empréstimo no montante de 289.100,00 €, montante que foi entregue nessa data a DD que o aceitou e confessou-se devedor da quantia que recebeu de FF e obrigou-se a restituir o montante recebido até ao dia 08/04/2016, constando no acordo que a quantia mutuada não vence juros, nem remuneratórios nem moratórios e que em caução e garantia do empréstimo DD e a sua representada constituem a favor de FF hipoteca sobre o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...........06 e inscrito na matriz sob o artigo ..35;
11. Os mutuários não procederam ao reembolso do capital referido no acordo (escritura pública de mútuo com hipoteca), referido em 10);
12. O «Barclays Bank PLC» instaurou em 21/01/2015 contra EE e DD acção executiva, a qual foi distribuída sobre o nº 415/15.0... no Juízo de Execução de ...-Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, indicando como valor da quantia exequenda 367.672,19 € e apresentando como titulo executivo a escritura pública de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Mandato datada de 04/07/2008;
13. A execução referida em 12) foi declarada extinta por deserção em 27/10/2020;
14. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Mandato”, datado de 04/07/2008, do qual resulta que EE e DD declararam que receberam do Barclays Bank PLC a quantia de 750.000,00 € a titulo de empréstimo e da qual se confessam devedores e se obrigam a pagar no prazo de 252 meses em prestações constantes, mensais e sucessivas;
15. Os mutuários deixaram de pagar as prestações previstas no acordo referido em 13) em 15/03/2014, ficando em divida a titulo de capital o montante de 322.987,92 €;
16. A «M..., Lda.» instaurou em 27/07/2021 contra DD e CC acção executiva, a qual foi distribuída sob o nº 1936/21.0... no Juízo de Execução de ...-Juiz ..., indicando como quantia exequenda 337.266,58 € e apresentando como título executivo a escritura pública de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Mandato datada de 04/07/2008;
17. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 30/03/2016, mediante o qual o “Barclays Bank PLC” cedeu ao “Bankinter, S. A”, que lho adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos emergentes da escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e mandato celebrado em 04/07/2008, na qual figuram como mutuários EE e DD;
18. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Posição Contratual e Cessão de Créditos e Garantias”, datado de 01/10/2018, mediante o qual o “Bankinter, S. A” cedeu à “M..., Lda.” diversos créditos, entre os créditos emergentes da escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e mandato celebrado em 04/07/2008, na qual figuram como mutuários EE e DD, que lhe tinham sido cedidos pelo “Barclays Bank PLC”;
19. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Contrato de Venda de Créditos”, datado de 30/11/2018, mediante o qual a “M..., Lda.” cedeu à “Hefesto STC, S. A”, que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os créditos emergentes da escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e mandato celebrado em 04/07/2008, na qual figuram como mutuários EE e DD, que lhe tinham sido cedidos pelo “Bankinter, S. A”.
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3. O direito aplicável
3.1. Está em causa a questão de saber se o crédito reclamado pela recorrente no presente apenso se encontra prescrito (como entendeu o acórdão recorrido) ou se essa prescrição ainda não tinha ocorrido quando a reclamação de créditos foi apresentada (como se entendeu na primeira instância).
3.2. Alega a recorrente que o crédito que reclamou nos presentes autos não se encontrava prescrito, defendendo, para o efeito, a decisão da primeira instância. E acrescenta agora, nas alegações da revista, uma outra tese, nos termos da qual sempre existiria interrupção da prescrição, porque no processo executivo n.º 415/15.0..., enquanto se verificou a suspensão da instância devido ao incidente de habilitação de herdeiros (por morte de um dos executados), se teria produzido uma interrupção do prazo de prescrição, dado que o exequente não poderia exercer os seus direitos, nos termos do artigo 306.º do CC. Assim, o prazo de 5 anos só teria começado a contar em 12.03.2020.
3.3. Nas contra-alegações, além do mais, os recorridos alegaram que os recorrentes invocavam uma questão nova quando sustentam a tese da interrupção da prescrição baseada na suspensão da instância para efeitos da habilitação de herdeiros de um dos executados.
Deve, desde já, afirmar-se que, quanto a este argumento, assiste razão aos recorridos, pois nunca nos autos foi discutida a questão do impedimento ao exercício do direito da credora, nos termos em que esta o formula agora no presente recurso. Efetivamente, lendo a decisão da primeira instância, bem como as peças posteriores, facilmente se constata que esta é uma questão que surge formulada apenas no recurso de revista. E como decorre da própria essência deste recurso, constante da formulação literal do artigo 671º, n.º 1 do CPC, na revista não se apreciam questões novas. Apenas se revê o modo como a segunda instância decidiu aquilo que tinha que decidir.
De todo o modo, sempre se poderia acrescentar que, como consta dos autos, independentemente das particularidades da tramitação daquela ação, o que é certo é que ela terminou por deserção; e isso foi determinante para o que se decidiu na segunda instância.
3.4. Ao revogar a decisão da primeira instância, o acórdão recorrido fundamentou a sua decisão, em síntese, nos termos que se extratam:
«Resulta (…) assente da douta sentença proferida pelo tribunal a quo que o prazo de prescrição aplicável é o de 5 anos, previsto na alínea e), do artigo 310.º do Código Civil, prazo esse que começou a correr na data do incumprimento do contrato por parte dos exequentes (15/03/2014) e que foi interrompido cinco dias após a instauração do proc. executivo n.º 415/15.0...
Como se escreve nas alegações tendo o processo executivo n.º 415/15.0... sido instaurado em 21/1/2015, e considerando-se interrompido o prazo de prescrição 5 dias depois (art.º 323.º, n.º 2 do Cód. Civil), ou seja, em 26/1/2015, o prazo de prescrição começou novamente a correr logo após essa data.
A obrigação de pagamento dos Executados à Reclamante Hefesto Stc SA prescreveu em 27/1/2020, antes de ter sido intentado o processo executivo n.º 1936/21.0..., em 27/7/2021, pelo que o crédito da mesma, reclamado em 28/8/2023, não podia ter sido reconhecido.
Reafirmamos que atento o disposto no artº 327º nº 2 do CC, o prazo de prescrição, de cinco anos, começou a correr, não após o trânsito em julgado dessa decisão (de 27/10/2020) mas, antes, logo em 27/01/2015.
Isto é, por força da extinção daquela execução, por deserção, dada a inércia da então exequente, a eficácia da interrupção da prescrição foi instantânea.
E assim sendo, contrariamente ao que decidiu a 1ª instância, a prescrição operou em 27/01/2020.
A prescrição ocorreu antes de ter sido intentado o processo executivo n.º ..., em 27/01/2021.
Prescrita a dívida os apelados têm a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação exequenda (artº 304º, nº1, do CPC), como acontece no nosso caso.
Procede o recurso, importando alterar parcialmente e a este respeito a decisão proferida.»
3.5. A questão jurídica a decidir é relativamente simples, face à factualidade provada.
A recorrente assumiu a qualidade de credora em 30.11.2018 enquanto sucessora na titularidade de um crédito garantido, contra os executados, que foi sendo sucessivamente transmitido pelos anteriores titulares (como decorre da factualidade provada, particularmente, nos números 17, 18 e 19 dos factos provados), tendo como credor originário o “Barclays Bank PLC” (o qual iniciou a cadeia de cedências em 30.03.2016).
Como consta dos factos provados n.º 12 e 13, em 21.01.2015, o “Barclays Bank PLC” havia instaurado ação executiva contra EE e DD, que veio a ter o n.º 415/15.0..., no Juízo de Execução de ...-Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, tendo como valor da quantia exequenda 367.672,19 € e como titulo executivo a escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e mandato datada de 04.07.2008.
Esta execução foi declarada extinta por deserção em 27.10.2020 (quando a agora recorrente já era a titular do crédito correspondente à quantia exequenda e agora reclamada nos presentes autos).
Na origem dessa execução esteve o facto de a obrigação de pagamento ter sido incumprida em 15.03.2014 (como emerge do facto provado n.º 15).
É entendimento assente nos autos que o prazo para o credor exercer os seus direitos contra os devedores era o prazo de 5 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e) do CC (por ter na sua base um contrato de mútuo, pagável em prestações e gerador da inerente obrigação de juros).
Tendo aquela ação executiva sido movida em 21.01.2015, o prazo de prescrição do direito do credor considera-se interrompido 5 dias depois, nos termos do artigo 323.º, n.º 2 do CC, ou seja, em 26.01.2015.
Neste quadro factual, a questão que se coloca é a de saber quando é que se iniciou o novo prazo de prescrição de 5 anos. Apenas depois de 27.10.2020 (data em que transitou a decisão sobre a deserção da instância)? Ou logo em 26.01.2015 (data em que a instância, que veio a ser declarada deserta, foi interrompida)?
3.6. Como decorre do artigo 326.º, n.º 1 do CC, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.
Nos termos do artigo 327.º, n.º 2 do CC, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo (entre outras hipóteses) quando a instância seja considerada deserta.
Diferentemente das hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 327.º, nas quais a contagem do prazo se encontra neutralizada até à decisão que põe termo ao processo, nos casos de desistência, absolvição da instância, falta de efeito do compromisso arbitral e deserção, a contagem do prazo não se mantém “suspensa” até ao transito em julgado da decisão que puser termo ao processo. Diferentemente (porque nada de substantivo existe já para decidir), o novo prazo considera-se iniciado no momento em que a instância havia sido interrompida (produzindo-se como que um efeito de contagem “retroativa”).
Como já referido, o ato interruptivo da prescrição ocorreu, nos termos do artigo 323.º, n.º 2 do CC, em 26.01.2015, no processo n.º 415/15.0..., do Juízo de Execução de ....
Ora, tendo esse processo terminado por deserção, não pode ter aplicação a solução prevista no n.º 1 do artigo 327.º do CC (como pretende a recorrente), mas sim a solução prevista no n.º 2 desse artigo, como se entendeu no acórdão recorrido.
Assim, o prazo de 5 anos para o exercício dos direitos da recorrente iniciou-se em 26.01.2015 e terminou em 27.01.2020. Nestes termos, depois desta data, aqueles direitos deixaram de poder ser judicialmente exigidos (art.º 304.º do CC).
Tendo a atual titular dos créditos (“Hefesto STC, S. A”) reclamado os seus créditos nos presentes autos em 24.08.2023, é inequívoco que o prazo de prescrição do seu direito já havia decorrido. Assim, encontrando-se esse direito já extinto, não pode ser judicialmente exercido.
Conclui-se, deste modo, que o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correta aplicação do direito aos factos provados.
*
DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a revista improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 01.07.2025
Maria Olinda Garcia (Relatora)
Cristina Coelho
Anabela Luna de Carvalho