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INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário
I. Em sede de inventário para partilha dos bens deixados por óbito, extinto por inutilidade superveniente, com custas nos termos acordados, tendo sido posteriormente fixado o valor da ação é, a partir desta notificação que estão as partes cientes do valor da mesma, da existência ou não de remanescente e de que o juiz do processo não as dispensou do pagamento daquele remanescente. II. É a partir daquela notificação que corre o prazo para as partes requererem a dispensa do pagamento do remanescente nos termos do nº 7 do artº 6º do Regulamento das Custas Processuais.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório:
Nos autos de inventário para partilha dos bens deixados por óbito de AA, melhor identificado nos autos e nos quais exerceu as funções de cabeça de casal BB foi, a 1 de março de 2024 proferida a seguinte decisão: “Conforme requerimento e declaração de adesão que antecede, as partes concretizaram, na pendência do presente inventário, partilha extrajudicial, pretendendo, por isso, por termo ao presente inventário, com as custas na proporção dos respectivos quinhões. Pelo exposto, por inutilidade superveniente, declaro extinta a presente instância, com custas nos termos acordados – artº 277.º, al. e), do C.P.C. Registe e notifique. (…)”.
Posteriormente foi proferido o seguinte despacho: “Para efeito de fixação do valor da causa determino que a secção de processos informe qual o valor pecuniário total dos bens relacionados, atendendo ao decidido, quanto à reclamação de bens, no despacho proferido sob a referência Citius 181125780, já transitado em julgado. (…)”.
A 15 de novembro de 2024 foi proferida a seguinte decisão: Nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 296.º, nº 1; 302.º, nº 3; e 306.º, todos do C.P.C., tendo em conta o valor pecuniário total dos bens relacionados, fixo o valor da causa em € 1 218 525,31 (um milhão, duzentos e dezoito mil e quinhentos e vinte cinco euros, e trinta e um cêntimos). (…)”.
A 22 de novembro de 2024 vieram as interessadas CC, BB e DD requerer a retificação do valor anteriormente fixado, fixando-se o valor do inventário no montante a 1.079 948,35€ (um milhão e setenta e nove novecentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco euros).
A 2 de dezembro de 2024 foi proferida a seguinte decisão: “Em face do teor do requerimento que antecede e do anexo ao mesmo resulta evidente que o valor total dos bens a partilhar é de € 1.079.948,35 (um milhão e setenta e nove novecentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco euros). Pelos exposto fixo o valor da causa em € 1.079.948,35 (um milhão e setenta e nove novecentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco euros)”.
A 2 de dezembro de 2024 vieram as interessadas CC, BB e DD, requerer a dispensa do pagamento da taxa remanescente, invocando arguindo para o efeito o nº 7 do artº 6º do Regulamento das Custas Processuais e isto porque a causa dos autos não comporta especial complexidade, concluindo que a imputação de qualquer remanescente de taxa de justiça corresponderia a uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado às partes e o custo cobrado por esse serviço.
Veio o Ministério Público responder invocando a extemporaneidade do requerimento e a não verificação concreta dos requisitos impostos para a concessão do requerido.
Foi então proferida, a 22 de janeiro de 2025, a seguinte decisão: “Vieram os interessados CC, BB e DD requerer a dispensa do pagamento da taxa remanescente. Alegaram, para tanto, em suma, que o valor da causa ultrapassa os €275.000,00, tendo aplicação o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, pois, no caso concreto, não foram apresentados pelas partes articulados ou alegações prolixas, as questões discutidas nos presentes autos não são de elevada especialização ou especificidade técnica, nem foram discutidas e apreciadas questões de natureza processual de elevada especialização ou especificidade técnica, nem foi realizada conferência de interessados. Argumentam que a imputação de qualquer remanescente de taxa de justiça corresponderá a uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado às partes e o custo cobrado por esse serviço. Terminam pedindo a dispensa de pagamento a taxa de justiça remanescente. O Ministério Público, com vista nos autos, pronunciou-se no sentido de ser indeferido o pedido de dispensa da totalidade do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça. Cumpre apreciar e decidir.
*
As partes concretizaram, na pendência do presente processo especial inventário, uma partilha extrajudicial, manifestando a vontade de por termo aos presentes autos, tendo estabelecido as custas na proporção dos respectivos quinhões. Nesta sequência, em 01-03-2024, foi proferida sentença [refe.ª citius 189445050] que, por inutilidade superveniente, declarou extinta a presente instância, com custas nos termos acordados pelas partes. Não houve recurso dessa sentença. Prescreve o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais que: «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.». Como ensina Salvador da Costa, a norma transcrita «visa excecionalmente atenuar a obrigação das partes, antes do termo das ações de maior valor, de pagamento da taxa de justiça integral», funciona «com base no valor da causa indicado pelas partes nos articulados da ação, face ao previsto na tabela I, independentemente da sua prévia fixação pelo juiz.». Portanto, o pedido tem que ser prévio ao termo da acção, e é feito com base no valor da causa que as partes têm conhecimento nos autos, antes da sua fixação pelo juiz. O Supremo Tribunal de Justiça em AUJ n.º 1/2022, de 3 de Janeiro, decidiu que «A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo». No caso dos autos, como aponta o Ministério Público, a sentença já transitou em julgado, e, antes desse trânsito, as partes tinham todos os elementos necessários para solicitar o não pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que sabiam qual a taxa de justiça devida, atendendo a que são conhecedoras do valor atribuído à acção. Nestes termos, indefere-se o requerido por ser manifestamente intempestivo. Custas do incidente a cargo dos Requerentes, que se fixam em 1 UC - artigo 539.º, n.º 1, Código de Processo Civil. Notifique-se. (…)”
Inconformadas vieram as interessadas CC, BB e DD, recorrer de tal despacho formulando as seguintes conclusões:
[…]
XIII) Como vimos, só após o trânsito em julgado da sentença é que o Mmº Juiz fixou o valor da ação, mas proferida a sentença, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz e, portanto o despacho que veio depois a fixar o valor do inventário sempre seria nulo cfr nº 1 artº 613º do CPC.
XIV) Mas se se considerar que a não fixação do valor da ação se deveu um lapso ou omissão que, poderia ser corrigida por iniciativa do no juiz, nos termos 1 do artº 614º do CPC, só com o despacho que fixou o valor da ação é que começou a correr prazo para o requerimento da isenção de pagamento da taxa de justiça remanescente, que, como vimos, foi apresentado em juízo no mesmo dia e, portanto, em prazo.
XV) O AUJ nº 1/2022, de 3 de Janeiro, do STJ só se aplica aos casos em que o valor da ação é fixado na sentença ou já se mostra consolidado nos autos, seja no saneador, seja em despacho anterior.
XVI) Não impõe às partes a obrigação de se substituir ao Juiz no dever de fixação do valor causa, nos termos do artº 306º do CPC, nem o dever de calcular por aproximação o valor da causa até como se referiu, não tendo o juiz fixado outro valor da ação, era legitimo às partes concluir que o valor da ação se manteria nos 30 000,01€.
XVII)Só com o despacho de 02/12/2024 que veio fixar o valor da ação é que surgiu a obrigação de pagamento de taxa de justiça remanescente (o valor que era atendido até então no âmbito da causa não implicava tal pagamento) nem por isso podiam as partes, até então, requerer a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente (até então essa taxa de justiça não seria devida, considerando o valor da causa a atender até a essa data) .
XVIII) Pode, assim, concluir-se que o termo inicial de prazo para as interessadas, ora recorrentes, requererem a dispensa da taxa de justiça remanescente, nos termos do artigo 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Judiciais corresponde à data da prolação do despacho que fixou o valor da causa ( 02/02/2014), data, aliás , em que foi requerida por todas as interessadas aquela dispensa.
XIX) Só nessa data é que tal requerimento de dispensa passou a ter objecto e razão de ser (justificação lógica, racional e jurídica)
XX) Não se pode requerer a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente quando ela não é devida, pois não é a parte que tem de fixar o valor da causa, mas só de a indicar nos termos do nº 1 do artigo 306 do CPC
XXI) A obrigação de pagamento da taxa de justiça remanescente surgiu, no caso dos autos, apenas quendo o tribunal fixou a o valor da causa em 1 079 948,35€.
XXII) Até então, considerando o valor da causa que devia ser atendido para todos os efeitos, incluindo tributários, não havia lugar ao pagamento da taxa de justiça remanescente, não tendo até então as partes/ interessadas de se precaver e requerer o que quer que fosse a esse propósito.
XXIII) Á data da prolação da sentença final do inventário, considerando o valor da causa a atender nesse momento, mantinha-se o valor referido nas conclusões anteriores, ou seja não havia ainda a obrigação de pagamento de taxa de justiça remanescente, não se tendo iniciado ainda, por isso, qualquer prazo para requerer a dispensa de pagamento, daí que se tenha de concluir, como acima referido, que tal prazo só se iniciou com a prolação do despacho de 02/12/2024
XXIV) Entender-se de outro modo implicaria aceitar que o Tribunal pudesse, desrespeitando o esgotamento do poder jurisdicional, viesse posteriormente à sentença final alterar o valor da ação e criar a obrigação de pagamento da taxa de justiça remanescente, não podendo, porém, a parte requerer a dispensa, privando-a da tutela que a lei a esse propósito lhe confere.
XXV) Da circunstância de a parte não ter arguido a eventual nulidade do despacho que veio a alterar o valor da causa, por desrespeito do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, decorre tão só valer este novo valor, não significando, porém, que as partes tenham ficado impedidas de requerer e atuar todas as faculdades conferidas pela lei, ponderando esse novo valor então fixado.
Violou o douto despacho recorrido o artº 306º, nº 1 e 2 , 613º do CPC, artº 6, nº 7 do RCP, AUJ nº 1/2022, de 3 de Janeiro, do STJ
TERMOS em que deverá dar-se provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se o despacho ora recorrido, substituindo-o por decisão que defira às requerentes/recorrentes a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, por tal requerimento ser tempestivo, assim se fazendo justiça!
A este recurso veio o Ministério Público responder formulando as seguintes conclusões:
[…]
Admitido o recurso, colhidos os vistos, cumpre apreciar. * II. Objeto do recurso:
O objeto do recurso define-se pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
Acresce que, o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, lidas as conclusões apresentadas pelas recorrentes, importa aos autos determinar se, como pretendem as mesmas, o requerimento apresentado no sentido de serem dispensadas do pagamento da taxa remanescente se mostrava tempestivo.
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III. Fundamentação de facto:
Este Tribunal terá em linha de conta todos os factos relevantes expostos em sede de relatório.
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IV. Do direito:
Aqui chegados e atendendo a que a decisão ora recorrida apenas se pronunciou sobre a extemporaneidade do requerimento apresentado pelas partes para dispensa do pagamento da taxa remanescente, importa aos autos aferir da bondade ou não de tal decisão.
Resulta da leitura do disposto nos artºs 529º, nº 1 do Código de Processo Civil e 3º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, que as custas compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
Por seu lado, resulta do artº 11º do último diploma legal acima referido que a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.
Do nº 2 do artº 529º do Código de Processo Civil resulta que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Nos termos do nº 1 do artº 530º do Código de Processo Civil, “a taxa de justiça é paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais”.
Ora, do preâmbulo do DL 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, consta o seguinte: “(…) Esta reforma, mais do que aperfeiçoar o sistema vigente, pretende instituir todo um novo sistema de concepção e funcionamento das custas processuais. Neste âmbito, elimina-se a actual distinção entre custas de processo e custas de interveniente processual, cuja utilidade era indecifrável, passando a haver apenas um conceito de taxa de justiça. A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço. De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores. De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa. (…)”.
Vejamos o que resulta do Regulamento das Custas Processuais.
Estabelece o nº 1 do artº 1º que “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no presente Regulamento”, resultando do seu nº 2 que “Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, cada execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria”.
Como refere o Acordão da Relação do Porto de 20 de junho de 2024, relatado pelo Sr Desembargador Ernesto Nascimento, in www.dgsi.pt “Será o próprio diploma, nomeadamente com recurso às suas tabelas anexas que virá a indicar quais os processos autónomos que lograrão uma tributação própria”.
Relevante se mostra então o artº 6º do diploma que vimos citando, sob a epígrafe “Regras gerais” ao estabelecer que: “1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. 2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento. (…) 7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. (…)”.
Por seu lado e sob a epígrafe “Regras especiais” estabelece o artº 7º, que, “1 - A taxa de justiça nos processos especiais fixa-se nos termos da tabela I, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, que fazem parte integrante do presente Regulamento. 2 - Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações. 3 - Nos processos de expropriação é devida taxa de justiça com a interposição do recurso da decisão arbitral ou do recurso subordinado, nos termos da tabela I-A, que é paga pelo recorrente e recorrido. 4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento. 5 - Nas execuções por custas, multas ou coimas o executado é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nos termos da tabela II. 6 - Nos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, que sigam como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no n.º 4. 7 - Quando o incidente ou procedimento revistam especial complexidade, o juiz pode determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela II. 8 - Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”.
Nos autos a questão a resolver reporta-se à interpretação do nº 7 do artº 6º, acima referido, preceito que, como refere o Dr Salvador da Costa, in “As custas processuais”, pág. 100, 9ª edição “Visa excecionalmente atenuar a obrigação das partes, antes do termo das ações de maior valor, de pagamento da taxa de justiça integral (…)”, consistindo em saber em que momento se considera precludido o direito de, não tendo o juiz do processo usado da prerrogativa ali insíta, a parte requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Tenha-se em atenção que a decisão recorrida entendeu extemporâneo o pedido das ora recorrentes, lançando mão do Acordão de Fixação de Jurisprudência 1/2022, de 3 de janeiro, segundo o qual ““A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxade justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais,tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
Efetivamente, como decorre de tal decisão“No caso dos autos, como aponta o Ministério Público, a sentença já transitou em julgado, e, antes desse trânsito, as partes tinham todos os elementos necessários para solicitar o não pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que sabiam qual a taxa de justiça devida, atendendo a que são conhecedoras do valor atribuído à acção”.
A existência de um Acordão de Fixação de Jurisprudência é de aplicação no caso em apreciação se se verificarem/mantiverem as circunstâncias em que se baseou a tese do Supremo Tribunal de Justiça e isto sob pena de, como refere o Dr Abrantea Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição atualizada, pág. 526, “(…)representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados(…) podendo “(…)ser provocados graves danos na celeridade processual e na eficácia dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição de recurso”.
Mas será que no caso em crise se está em situação equivalente às referidas no invocado AUJ.
Da leitura do AUJ resulta estarem em causa ações de processo comum, cujo valor foi fixado em sede de despacho saneador, sendo certo que, após instrução foi proferida sentença e houve recurso, apenas tendo sido suscitada a questão da dispensa do pagamento do remanescente, após a descida dos autos à primeira instância.
Ou seja, com a notificação do despacho saneador ficaram as partes cientes do valor da ação e, consequentemente, com a sentença e a condenação em custas, sem recurso pelo Mmo Juiz à possibilidade de dispensar do remanescente, da possibilidade de, com a notificação desta, requererem tal dispensa.
No caso em apreço, estamos perante um processo especial de inventário, cujo valor se fixou após a sentença que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente, com custas nos termos acordados, nos termos da al. e) do artº 277º, do Código de Processo Civil.
Em tal processo especial, de acordo com o nº 3 do artº 302º do Código de Processo Civil, na determinação do valor atende-se à soma do valor dos bens a partilhar e quando não seja determinado tal valor, atende-se ao valor constante da relação apresentada no serviço de finanças.
Ora, tal processo especial é um dos processos, como referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 368, Almedina, 2ª edição “(…)cujas características ou especificidades dificultam ou impedem a assunção de um valor firme na ocasião em que é apresentada a petição inicial (…)”, pelo que “(…) a lei apresenta alguma flexibilidade e permite que o valor inicialmente indicado (e aceite) tenha natureza provisória, sendo corrigido logo que o processo revele os elementos necessários para tal”.
Daí que, como resulta do nº 4 do artº 299º do diploma citado, porquanto a utilidade do pedido só se define na sequência do processo, o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.
Ora, como resulta dos autos, apesar de as custas terem sido fixadas em sede de sentença que, efetivamente, transitou em julgado, o valor da ação veio a ser fixado posteriormente, a saber, a 2 de dezembro de 2024 quando foi proferida a seguinte decisão: “Em face do teor do requerimento que antecede e do anexo ao mesmo resulta evidente que o valor total dos bens a partilhar é de € 1.079.948,35 (um milhão e setenta e nove novecentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco euros). Pelos exposto fixo o valor da causa em € 1.079.948,35 (um milhão e setenta e nove novecentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco euros)”.
Ou seja, ao contrário do invocado AUJ quando se refere às razões que o suporta “Situação mais evidente quando representadas por profissionais do foro, que, ao receberem notificação da decisão que ponha termo ao processo, ficam na disponibilidade de todas as condições para antever o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pois que conhecem o valor do processo, as taxas pagas e a possibilidade de ser aplicado ao caso a previsão ínsita no artigo 6.º, n.º 7 do RCP”, no caso presente, só com o despacho de 2 de dezembro de 2024, tomaram as partes conhecimento do valor do processo e a possibilidade de recorrerem ao disposto no nº 7 do artº 6º do RCP.
Acresce ainda do AUJ que “Assim, transita em julgado não só a decisão quanto ao responsável pelas custas mastambém o quantum dessa responsabilização estando a fixação do montante em concretoatravés da elaboração da conta abrangida pelo caso julgado. (...). Devemos, pois, interpretar esta disposição legal» — refere -se, obviamente, ao n.º 7 do artigo 6.º do RCP, aditado pela Lei n.º 7/2012, de 13.02 — «no sentido de que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado, após prolação da sentença, quanto à interferência de motivos que justifiquem uma determinada quantia de taxa de justiça. Ora, na situação dos autos a decisão quanto a custas já transitou, pelo que se mantém inalterada, não sendo possível deduzir um pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em sede de reclamação da conta”.
Salvo o devido respeito por contrária opinião, apesar de por sentença já transitada em julgado, se ter esgotado o poder jurisdicional do Mmo Juiz a quo quanto ao responsável pelas custas, a verdade é que não se esgotou o mesmo quanto ao quantum das mesmas atendendo-se ao facto de o valor da ação ter sido fixado posteriormente, a 2 de dezembro de 2024, sendo o mesmo passível de recurso.
Entendemos pois que, ao caso sub judice, não é de aplicar o AUJ 1/2022, de 3/01, atendendo a que a situação dos autos é manifestamente distinta das abrangidas por aquele, conforme atrás se expôs.
As partes apenas após o trânsito em julgado da sentença vieram a ser notificadas do despacho que ficou o valor da ação e no qual o Mmo Juiz não recorreu à possibilidade de dispensar as responsáveis pelas custas do remanescente.
Assim, é desde a data em que as mesmas tomam conhecimento do valor da ação fixado, elemento essencial para se determinar da existência ou não de remanescente e seu montante, que deve contar-se o prazo para requerer a dispensa do pagamento do remanescente.
Nestes termos, entende-se ter sido o requerimento em causa apresentado em tempo, o que conduz à revogação da decisão proferida, devendo o Tribunal a quo (e não o Tribunal de recurso), apreciar da verificação dos demais requisitos para a dispensa ou não do mesmo, a saber da invocada pouca complexidade dos autos
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V. Decisão:
Nestes termos, julga-se totalmente procedente o recurso deduzido pelo recorrente e, consequentemente, revoga-se a decisão que julgou extemporâneo o requerimento apresentado para dispensa do pagamento do remanescente, devendo prosseguir os autos para aferir da verificação dos requisitos substanciais para deferimento ou não do mesmo.
Custas a cargo do recorrente.
Guimarães, 5 de junho de 2025
Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Paula Ribas
Luís Miguel Martins