INCOMPETÊNCIA MATERIAL
REMESSA PARA O TRIBUNAL COMPETENTE
OPOSIÇÃO À REMESSA
Sumário


I- Após a decisão que absolve o réu da instância por incompetência absoluta do tribunal, o autor pode requerer e obter a remessa dos autos ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, desde que não haja oposição justificada.
II- Considera-se justificada a oposição se da remessa do processo puder advir prejuízo para a defesa do réu, nomeadamente se das razões invocadas resultar que não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

*
Relatório:

- A requerente AA propôs o presente procedimento cautelar contra BB e CC, peticionando que:

a) seja declarada a nulidade ou a inexistência do contrato de cessão de quotas e nomeação de gerente, por falsidade da assinatura ali aposta e atribuída à requerente;
b) seja declarada a nulidade ou a inexistência do registo de nomeação do requerido CC como gerente da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA;
c) seja ordenado à Conservatória do Registo Comercial ... o cancelamento do registo de cessão das quotas societárias a favor dos requeridos, bem como do registo de nomeação do requerido CC como gerente da sociedade.
Peticionava ainda que a decisão fosse proferida sem prévia audição da parte contrária e que fosse decretada a inversão do contencioso.
Para tanto, alegava que os requeridos eram formalmente sócios e gerentes da sociedade “EMP01... Unipessoal Lda”, mas que o negócio de cessão de quotas era invalido, por falsidade material e intelectual tendo, assim, perdido o controlo da sociedade e do seu stock, sendo essa perda incompatível com a demora de uma ação declarativa, pois que o dano ao stock – peças para venda, únicas e insubstituíveis – poderia vir a ser irreparável.
Foi apresentada oposição, impugnando os requeridos toda a alegação aduzida pela requerente.

- Na sequência de recurso apresentado da sentença que absolveu os requeridos da instância, com base na consideração de que “os pedidos formulados são característicos de uma acção declarativa comum, que não de um procedimento cautelar no qual são formulados”, e que, nesse enfoque, decretou verificada a nulidade do erro na forma de processo [art. 577.º alínea b) do CPC], veio o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão datado de 27-06-2024, determinar que, apesar da inadmissibilidade da concreta providência requerida pela requerente, deveria o Tribunal a quo encontrar a(s) providência(s) que julgasse adequada(s), para o que deveria fazer cumprir o contraditório quanto a esta(s), nos termos do disposto no artigo 376.º, n.º 3 do CPC.

- Transitada em jugada tal decisão recursória, veio o Tribunal a quo a proferir o seguinte despacho em 14.10.2024:
Tomei conhecimento do douto acórdão que antecede.
Em sua obediência, admitindo-se liminarmente os autos, conjugando a amplitude das providências a determinar previstas no nº3 do art.º 376.º do CPC e o princípio do dispositivo e autorresponsabilização da parte, na inadmissibilidade do concretamente peticionado nos autos enquanto medida provisória a decretar, concede-se o prazo de 10 dias à Requerente para concretizar/indicar concretamente a(s) providência(s) cautelar(es) provisória(s)) que pretende ver decretada(s) para eliminar o, então, alegado periculum in mora (de perda do stock?), por forma a permitir um cabal exercício do contraditório pela parte contrária e-ou obstar a decisões surpresa.”

- Nessa sequência, veio a Requerente, em 28-10-2024, indicar as concretas providências que pretendia ver decretadas através deste procedimento cautelar nos seguintes termos e para o que foi cumprido o art. 221º do CPC:
Assim, conjugando o supradito, bem como o demais alegado e demonstrado ao longo dos presentes autos, requer-se que, até à prolação e trânsito em julgado da decisão a proferir na acção principal a propor:
• se ordene a suspensão provisória do Requerido CC das suas funções de gerente e se nomeie provisoriamente a Requerente como gerente da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA.;
• se ordene o impedimento dos Requeridos exercerem qualquer direito que lhes pudesse advir da qualidade de sócios, nomeadamente a possibilidade de dissolverem a sociedade, a cessão de quotas a terceiros, a nomeação de nova gerência e a outorga de quaisquer contratos ou adendas contratuais em nome da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA;
• se ordene que os Requeridos liquidem de imediato, com fundos próprios ou da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA, as rendas em atraso do contrato de arrendamento referente ao imóvel sito na Rua ..., ..., acrescidas das eventuais penalidades pela mora, impedindo assim a efectivação da ordem de despejo;
• se determine a proibição dos Requeridos contactarem o senhorio do imóvel onde se situa o estabelecimento comercial, em nome e representação da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA., com outro propósito que não o de liquidarem de imediato as rendas em atraso do imóvel;
• se determine a proibição dos Requeridos em acederem ao dito estabelecimento, seja em nome individual, seja em nome e representação da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA.;
• se ordene a entrega imediata à Requerente do stock que os Requeridos ainda tenham em sua posse da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA., bem como de todo o imobilizado do estabelecimento comercial;
• se ordene que os Requeridos liquidem de imediato, com fundos próprios ou da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA, de todas as dívidas a fornecedores, trabalhadores e à Autoridade Tributária à Segurança Social da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA;
• se ordene a entrega imediata à Requerente de todas as passwords de acesso aos sítios/portais da Autoridade Tributária e da Segurança Social por parte da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA, assim como do endereço de email ..........@.....;
• se ordene a entrega imediata à Requerente de todos os livros de actas e documentação contabilística que tenham em sua posse por referência à sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA.;
• se ordene a entrega imediata à Requerente de todo o acervo documental que se encontrava depositado/arquivado no imóvel sito na Rua ..., ...;
• se ordene a entrega à Requerente da viatura e respectivos documentos oficiais (DUA, carta verde do seguro e relatório de inspecção periódica) da viatura propriedade da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA. com a matrícula ..-..-SM.”

- Conhecidas estas, e após contraditório ordenado cumprir por despacho de 25-11-2024, veio o Tribunal a quo, em 06.12.2024, a proferir decisão onde se julgou incompetente materialmente em função das sugestões de providências apresentadas pela requerente, convidando as partes a expressar a sua renúncia à possibilidade de recurso, de modo a poder remeter de imediato os autos ao Tribunal do Comércio nos termos do artigo 99.º, n.º 2 do CPC.

- Por requerimento, a requerente, declarou em 17.12.2024 que prescindia do seu direito de recurso e requereu a remessa imediata dos autos ao Tribunal do Comércio.

- O requerido BB apresentou recurso da decisão de 6-12-2024 alegando que não tinha sido notificado do requerimento da requerente de 14.10.2024, que tal requerimento configurava um requerimento inicial aperfeiçoado em resposta ao convite ao aperfeiçoamento do Tribunal, e que a sua não notificação ao abrigo do artigo 590.º, n.º 5 do CPC configurava uma nulidade processual.
Paralelamente, sponte sua, apresentou nos autos uma oposição ao (suposto) requerimento inicial aperfeiçoado apresentado pela requerente no seu requerimento de 14.10.2024.

- Entretanto, o requerido veio desistir do recurso apresentado, em requerimento dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães, o que determinou o trânsito em julgado da decisão proferida em 06.12.2024.

- Nessa sequência, a requerente endereçou requerimento aos autos em 17.03.2025 reiterando a sua vontade em ver estes remetidos ao Tribunal competente, ao abrigo da possibilidade conferida pelo artigo 99.º, n.º 2 do CPC.

- O requerido veio a manifestar a sua oposição, nos seguintes termos:
“ … Sempre terá o Requerido de se opor a este pedido de remessa dos presentes autos para o tribunal competente, atendendo a que, tal facto implicaria a aceitação da nova matéria alegada pela Requerente – causa de pedir e pedido, na resposta ao convite ao aperfeiçoamento, sobre a qual não teve o Requerido oportunidade de exercer o seu direito ao contraditório, vendo pois comprimidas as suas garantias e direitos processuais, o que não se pode aceitar, por se encontrar este impedido de desenvolver plenamente a sua estratégia de defesa, quanto aos novos factos invocados pela Requerente, direito de defesa constitucionalmente protegido.
O que, por si só, constituí motivo plausível, atendível e suficiente, para sustentar a Oposição justificada à remessa.
(…)
Dúvidas não existem de que, perante o articulado da Requerente de resposta ao pedido de esclarecimentos/aperfeiçoamento, para o qual não foi o Requerido notificado para se pronunciar, ficou este com uma defesa condicionada e enfraquecida, o que não se pode aceitar, por constituir violação das mais elementares garantias de defesa do Requerido (art.º 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRPort.) (…) Em suma, com a remessa solicitada, teríamos um novo procedimento, em tribunal com diversa competência, que, para favorecer a Requerente (com aproveitamento dos articulados), iria prejudicar os Requeridos, não permitindo aos demandados, em nova instância, exercer livremente o seu direito de defesa, por força de articulados de procedimento cautelar já extinto.
Com efeito, se as regras processuais dão semelhantes garantias em abstrato – nos Tribunais Cíveis e de Comércio –, já, no concreto do caso, o aproveitamento dos articulados da instância extinta (cível) impedirá, na nova providência (nos Tribunais de Comércio), a dedução de quaisquer novos meios de defesa (não supervenientes), por força da preclusão decorrente da anterior contestação.
Assim, e conforme resulta do supra exposto, justificada está a Oposição do Requerido à pretensão da Requerente, por colidir esta remessa com o pleno exercício do seu direito de defesa e do contraditório”.

- O tribunal proferiu o seguinte despacho ( ora recorrido):
Da remessa dos autos ao Tribunal de Comércio:
A Requerente veio pedir a remessa dos autos ao tribunal competente, aproveitando-se os articulados oferecidos.
O Requerido opôs-se, com fundamento em estar diminuído o seu direito de defesa, em especial, devido à modificação da causa de pedir/pedido operada na sequência do convite ao aperfeiçoamento do pedido inicial.
Nos termos do art.º 99.º n.º2 do CPC, «2 - Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.»
Ora, como se dá nota no Ac. Relação de Guimarães de 19.05.2022, citado pelo Requerido, «a oposição é justificada quando a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta seja suscetível de prejudicar o réu. E a remessa é apta a prejudicar o réu, pelo menos, nas seguintes situações: a) Quando determina uma restrição das garantias do réu; b) A defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou outras questões que só nesta assumam pertinência; c) O réu não tenha utilizado todos os meios de defesa que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; d) A defesa se tenha centrado na invocação da exceção de incompetência absoluta, atenta a evidência desta, com um justificável menor desenvolvimento das demais questões; e) A defesa apresentada careça de ser ampliada no novo tribunal».
Revertendo ao caso concreto, e pelo menos, esta última situação se verifica: a defesa apresentada carece de ser ampliada no novo tribunal, pois a primeiramente apresentada direcionou-se para uma p.i. com pedidos manifestamente vagos e pouco precisos.
No mais e como conclui o citado aresto, «réu carece apenas de apresentar uma razão plausível e não arbitrária, sem lhe ser exigível que a especifique em pormenor ou detalhadamente, além de que o tribunal que se declarou incompetente não deve apreciar o mérito da pretensão enunciada pelo réu e que este pretende concretizar no tribunal competente.»
Pelo exposto, por não reunidos os necessários requisitos, indefere-se a requerida remessa dos autos (aproveitando-se os articulados) ao tribunal de Comércio competente.
Notifique.”
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É desta decisão que vem interposto recurso pela requerente, a qual terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“1. Vem o presente recurso do despacho que indeferiu o pedido da aqui apelante para remessa dos autos ao tribunal competente, aproveitando-se os articulados oferecidos, nos termos do artigo 99.º, n.º 2 do CPC, por, no entender do Tribunal a quo, se verificar no caso concreto que “a defesa apresentada carece de ser ampliada no novo tribunal, pois a primeiramente apresentada direcionou-se para uma p.i. com pedidos manifestamente vagos e pouco precisos.”
2. Na sequência de recurso apresentado da sentença que absolveu os requeridos da instância, veio este Venerando      Tribunal  determinar que, apesar da inadmissibilidade da concreta providência requerida pela requerente, deveria o Tribunal a quo encontrar a(s) providência(s) que julgasse adequada(s), para o que deveria fazer cumprir o contraditório quanto a esta(s), nos termos do disposto no artigo 376.º, n.º 3 do CPC.
3. Dizia o referido Acórdão, por referência ao artigo 376.º, n.º 3 do CPC e ao caso concreto dos autos:“É este o sentido do atual art.º 376º,n.º 3, do C. P. Civil (como era já o do referido art.º 392.º), dele se retirando que, sendo absolutamente desadequadas as concretas providências requeridas pela requerente, tem o julgador o poder-dever de as conformar, na sua decisão, e depois de cumprido o contraditório, às que entenda mais adequadas a acautelar o periculum in mora que resulte demonstrado, e se este existir.”, ordenando a final “o prosseguimento desta providência cautelar para apreciação do respetivo mérito, sem prejuízo da apreciação de outras questões formais que não foram objeto desta apelação.”
4. Transitada em jugada tal decisão recursória, veio o Tribunal a quo a proferir o seguinte despacho em 14.10.2024:
“Tomei conhecimento do douto acórdão que antecede.
Em sua obediência, admitindo-se liminarmente os autos, conjugando a amplitude das providências a determinar previstas no nº3 do art.º 376.º do CPC e o princípio do dispositivo e autorresponsabilização da parte, na inadmissibilidade do concretamente peticionado nos autos enquanto medida provisória a decretar, concede-se o prazo de 10 dias à Requerente para concretizar/indicar concretamente a(s) providência(s) cautelar(es) provisória(s)) que pretende ver decretada(s) para eliminar o, então, alegado periculum in mora (de perda do stock?), por forma a permitir um cabal exercício do contraditório pela parte contrária e-ou obstar a decisões surpresa.”
5. A ora apelante acedeu ao convite formulado e remeteu aos autos um requerimento em 28.10.2024 onde sugeriu providências alternativas às formuladas no requerimento inicial, que visavam alcançar a maioria dos efeitos práticos que o cancelamento do registo permitiria.
6. Notificados que foram de tal requerimento, os requeridos nada disseram.
7. Perante a sugestão de providências sugeridas pela requerente, veio o Tribunal a quo a 06.12.2024 a proferir sentença onde se julgou incompetente materialmente em função das sugestões de providências apresentadas pela requerente, convidando as partes a expressar a sua renúncia à possibilidade de recurso, de modo a poder remeter de imediato os autos ao Tribunal do Comércio nos termos do artigo 99.º, n.º 2 do CPC.
8. Apesar de não concordar com tal decisão, a requerente optou por não recorrer de tal declaração de incompetência,  correspondendo ao convite formulado, declarando em 17.12.2024 que prescindia do seu direito de recurso e requerendo a remessa imediata dos autos ao Tribunal do Comércio, reiterando tal pedido em 17.03.2024 após trânsito em julgado da sentença.
9. Os requeridos vieram a manifestar a sua oposição, invocando que o Tribunal a quo endereçou um convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, que a requerente endereçou um requerimento inicial aperfeiçoado, e que tal representa uma restrição das garantias dos requeridos, pois que a sua defesa carecia de ser ampliada.
10. Em face da oposição dos requeridos, o Tribunal a quo proferiu despacho onde concluiu que no presente caso “a defesa apresentada carece de ser ampliada no novo tribunal, pois a primeira apresentada direcionou-se para uma p.i.com pedidos manifestamente vagos e pouco precisos”, pelo que indeferiu o pedido formulado pela requerente.
11. Ora, em lado nenhum do despacho proferido a 14.10.2024 pelo Tribunal se formula um convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial apresentado, nem a requerente remeteu aos autos um requerimento inicial aperfeiçoado.
12. Os requeridos foram notificados do requerimento da requerente de 28.10.2024 (como resulta da certificação constante do respectivo formulário emitido pela plataforma CITIUS), e optaram por nada dizer ou sugerir.
13. O artigo 376.º, n.º 3 do CPC não determina, nem nenhuma norma com ele relacionada, que as providências alternativas, que possam ser sugeridas ao abrigo do poder-dever aí previsto ou mesmo pelas partes, sejam notificadas às partes com formalismo distinto do que resulta do disposto nos artigos 221.º, n.º 1 e/ou do 247.º, n.º 1 do CPC.
14. O artigo 376.º, n.º 3 do CPC oferece ao juiz o poder-dever de determinar quais as providências concretas a acautelar o periculum in mora que se demonstre nos autos, no caso de considerar as providências requeridas como desadequadas.
15. Assim, as providências a decretar ao abrigo de tal poder-dever sê-lo-ão por definição e decisão do Tribunal, independentemente das providências que as partes pudessem eventualmente sugerir em alternativa.
16. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 99.º, n.º 2, 221.º, n.º 1 e 376.º, n.º 3 do CPC.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e em sua substituição ser proferida decisão que ordene a remessa imediata dos autos ao Tribunal do Comércio para prolação de decisão de mérito., assim se fazendo a sempre acostumada e sã JUSTIÇA!”
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Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.

II-FUNDAMENTAÇÃO


Está em causa apurar se a oposição do requerido à remessa dos autos para o tribunal competente não é justificada ou é justificada, conforme decidido.
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Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra.
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O cerne do presente recurso reside em saber se a oposição oferecida é ou não justificada, nos termos do art. 99º,nº2 do CPC.
No presente recurso, a requerente sustenta, em resumo, que a oposição deduzida pelo requerido à remessa requerida pela mesma do processo para o tribunal competente após a decisão da declaração da incompetência absoluta e absolvição da instância e extinção da instância, não seria justificada, porquanto o tribunal violou o disposto no art. 99º,nº2, 221º e 376º, nº3 do CPC, sustentando que “ as providências a decretar ao abrigo de tal poder-dever sê-lo-ão por definição e decisão do Tribunal, independentemente das providências que as partes pudessem eventualmente sugerir em alternativa” e os requeridos foram notificados do requerimento da requerente nos termos do art. 221º do CPC e nada disseram.
Na decisão recorrida entendeu-se que “…a defesa apresentada carece de ser ampliada no novo tribunal, pois a primeiramente apresentada direcionou-se para uma p.i. com pedidos manifestamente vagos e pouco precisos (…) Pelo exposto, por não reunidos os necessários requisitos, indefere-se a requerida remessa dos autos (aproveitando-se os articulados) ao tribunal de Comércio competente”.
Vejamos.
Após a decisão da declaração da incompetência absoluta e absolvição da instância e extinção da mesma, podem-se aproveitar os articulados, nos termos do artigo 99º, nº 2, do CPC, o qual preceitua nos seguintes termos: «podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada».
Visa, essencialmente, esta disposição legal, aproveitar atos processuais por razões de economia e celeridade processuais e garantir o direito de defesa dos oponentes à remessa.
Mas, como interpretar “ oposição justificada”?
A respeito desta matéria, por uma questão de economia processual, seguiremos a exposição do acórdão do TRG de 19-05-2022, em que é a mesma a relatora signatária e citado na decisão recorrida:
“Sobre esta questão a interpretação não é linear nem líquida, dividindo-se a doutrina e a jurisprudência.
Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, na sua anotação ao art. 99º ( in CC Anotado, p. 230), «… O nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades. Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser de modo justificado.
No correspondente nº 2 do artigo 105º do CPC de 1965, o aproveitamento dos articulados só se fazia mediante o acordo de autor e réu. O Anteprojecto da Comissão contentava-se com o requerimento do autor, apresentado dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão, ao qual o réu não se podia opor. O Projecto da Comissão reduziu o prazo para 10 dias e a Proposta de Lei admitiu a oposição do réu, acolhendo parecer do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, com o que se fixou a redacção deste número. Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 01/09/2014, da protecção concedida pela norma transitória do artigo 3º, a) da Lei 41/2013, de 26 de Junho.
Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância – o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta –, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. Assim, aproveitam-se apenas os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citação do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421º), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da acção) ou a tramitação de qualquer incidente […].
Por sua vez, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa ( in CPC Anotado, p. 135), entendem que na decisão a proferir sobre o requerimento do autor «entrarão em linha de conta não apenas os argumentos formalmente expostos pelo réu, como ainda outros que a concreta situação justifique, envolvidos na margem de apreciação do juiz que, designadamente, emerge do facto de a remessa ser encarada como uma “possibilidade” e não como um efeito decorrente do mero confronto entre as posições assumidas pelas partes ou do exercício de um direito potestativo (…)… devendo ser feita uma apreciação global da defesa que foi ou poderia ter sido apresentada, como se decidiu em STJ 15-01-19…».
De modo interessante, o AC da RG de 08.07.2020 citado na decisão recorrida faz um esforço de síntese de concretização do conceito de “ oposição justificada” e conclui”: “ a oposição é justificada quando a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta seja suscetível de prejudicar o réu. E a remessa é apta a prejudicar o réu, pelo menos, nas seguintes situações:
a) Quando determina uma restrição das garantias do réu;
b) A defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou outras questões que só nesta assumam pertinência;
c) O réu não tenha utilizado todos os meios de defesa que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente;
d) A defesa se tenha centrado na invocação da exceção de incompetência absoluta, atenta a evidência desta, com um justificável menor desenvolvimento das demais questões;
e) A defesa apresentada careça de ser ampliada no novo tribunal.”.

Prima facie, importa consignar que a decisão a declarar a incompetência do tribunal e transitada em julgado baseou-se no requerimento apresentado pela requerente donde consta a concretização de providências cautelares pretendidas, tudo em face do entendimento das instâncias de que as providências concretas e que tinham sido inicialmente pedidas não eram admissíveis.
Acresce dizer que na mesma decisão transitada em julgado, já foi apreciada a questão da notificação nos termos do art. 221º do CPC daquele requerimento, tendo sido considerada efetuada, pelo que igualmente nada mais iremos apreciar nestes autos e a respeito.
Por outro lado, a questão que se coloca é a de saber se confrontada a defesa apresentada na oposição deduzida aos presentes autos de providência cautelar, a mesma poderá ser aproveitada no quadro dos pedidos e providências agora concretizados, como por exemplo o pedido de suspensão da deliberação social?

Desde já diremos que, entendemos, tal como consta da decisão recorrida que os RR não apresentaram defesa no quadro dos pedidos e providências cautelares entretanto formulados no aludido requerimento junto no decurso dos autos e concernentes a matéria societária.

Concretizando o caso sub judicio, temos que a requerente intentou no Juízo Local Cível de Guimarães ( o qual transitou para os Juízos centrais, atento o valor fixado), do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, providência cautelar contra os requeridos e peticiona inicialmente “  a) seja declarada a nulidade ou a inexistência do contrato de cessão de quotas e nomeação de gerente, por falsidade da assinatura ali aposta e atribuída à requerente;
b) seja declarada a nulidade ou a inexistência do registo de nomeação do requerido CC como gerente da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, LDA;
c) seja ordenado à Conservatória do Registo Comercial ... o cancelamento do registo de cessão das quotas societárias a favor dos requeridos, bem como do registo de nomeação do requerido CC como gerente da sociedade.
Para tanto, alega que os requeridos eram formalmente sócios e gerentes da sociedade EMP01... Unipessoal Lda” mas que o negócio de cessão de quotas era invalido, por falsidade material e intelectual tendo, assim, perdido o controlo da sociedade e do seu stock, sendo essa perda incompatível com a demora de uma ação declarativa, pois que o dano ao stock – peças para venda, únicas e insubstituíveis – poderia vir a ser irreparável.
Foi apresentada oposição, impugnando os requeridos toda a alegação aduzida pela requerente.

Após várias vicissitudes e, por entender que tal pretensão padecia de vício - que o Tribunal Superior considerou não se tratar de erro ou inadequação da forma ou meio processual -, e a ser expurgado, o tribunal convidou a Requerente a concretizar as providências de cariz provisório que pretendia ver decretadas através do presente procedimento.
Nesse seguimento, a Requerente apresentou e peticionou o decretamento, em síntese, e entre outras, “a suspensão da deliberação social do Requerido como gerente da sociedade e da suspensão da execução de atos de gerência a praticar no âmbito desse cargo”.

Pois bem, vejamos as razões que o requerido alega no requerimento de oposição  à remessa as quais, resumem-se fundamentalmente à circunstância de que “ a remessa iria prejudicar os Requeridos, não permitindo aos demandados, em nova instância, exercer livremente o seu direito de defesa, por força de articulados de procedimento cautelar”, sendo certo que nada foi dito após a junção daquele requerimento donde constam os pedidos e providências concretizadas e que contendem claramente com matéria societária e normas respetivas ( v.g. quanto a prazos).
Ora, o que está em causa é aferir se, no caso de remessa do processo para o tribunal competente, o recorrido tem ao seu dispor algum meio processual que lhe permita ampliar ou modificar a sua defesa adequando-a às particularidades da jurisdição comercial ( societária), tendo em conta o facto da ação ter sido instaurada na pressuposição – errónea – de ser competente a jurisdição cível, quando, na verdade, terá de ser apreciada à luz das normas do direito societário.
Com efeito, aquele aludido requerimento junto pela requerente suscita questões processuais e materiais que não foram invocadas na contestação/oposição dos recorridos.
Em verdade, a essência da sua defesa assentou apenas na impugnação da matéria de facto alegada e tendo por base os pedidos iniciais.
Já vimos que o R só não será prejudicado com a remessa se não tiver alegado certos factos na defesa na ação anterior se puder alegá-los na nova ação; se não tiver alegado uma exceção e puder agora invocá-la; ou até apresentar uma contestação diferente da anterior, se o quiser fazer.
Assim não sendo, só em casos de que não possa resultar para o demandado qualquer prejuízo, deverá ser atendida a pedida remessa do processo para o Tribunal materialmente competente.
Donde pareçam fundadas as razões do requerido/recorrido para se opor à remessa do processo ao Tribunal materialmente competente para o mesma poder livremente suscitar questões que, na sua ótica, só na jurisdição comercial ( e societária) assumirão pertinência, por exemplo e nomeadamente quanto aos pressupostos legais da suspensão das deliberações sociais que foram agora pedidas.
Em suma, das razões invocadas pelo Requerido resulta que não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância, suscitando questões (processuais e materiais) respeitantes às providências concretas entretanto pedidas e sobre as quais a defesa apresentada nem sequer alude.
Assim sendo, a oposição do requerido mostra-se justificada pela pretensão de deduzir defesa na nova ação e que não deduziu aqui, nem sequer ventilou na sua contestação.
Com efeito, e tal como foi entendido pelo tribunal a quo, admitimos que ao Requerido oponente à remessa do processo para o tribunal competente bastará alegar um fundamento que mostre que a oposição é fundamentada e não arbitrária, sem lhe ser exigível a sua explicitação em detalhe.[1]

III- Decisão:       

Pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam na improcedência do recurso e, em consequência, confirmam-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente/requerente ( cfr. art. 527º do CPC)
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Guimarães, 5 de junho de 2025

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Conceição Sampaio e
Fernanda Proença Fernandes


[1] Vide neste sentido, In www.dgsi.pt: Ac. RC de 12-02-2015, processo 141591/13.3YIPRT.A.C1; RC de 20-04-2016, 1229/12.4TBLRA-F.C1; RP de 01-06-2015, processo 1327/11.1TBAMT-B.P1; Ac. RP de 11.10.2017, proc. 1974/16.5T8PNF-A.P1; Ac.RG de 23.11.2017, proc. 2089/16.1T8GRM.G1