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RESIDÊNCIA ALTERNADA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário
Sumário[1]: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil[2]) 1. O conceito de superior interesse da criança, enquanto instrumento operacional cuja utilização é confiada ao juiz, é uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo, de natureza polimorfa, plástica e essencialmente não objetivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas. 2. Deve, no entanto, entender-se por superior interesse da criança e do jovem, o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade. 3. O modelo de residência alternada da criança postula, além do mais, que ambos os progenitores disponham de adequadas competências parentais, bem como condições profissionais, económicas, habitacionais e motivacionais ajustadas a assegurar a residência da criança em regime de alternância, o que pressupõe a prévia análise da sua situação concreta, na qual o tribunal não poderá prescindir da intervenção dos serviços de assessoria técnica, designadamente, no âmbito de avaliações psicológicas e da audição técnica especializada. 4. Aspetos como a proximidade geográfica das residências dos progenitores, a opinião e a idade do filho, a sua ligação afetiva com cada um dos pais, são, outrossim, critérios orientadores na tarefa de densificação do superior interesse da criança quando se trate de fixar os termos da sua residência, considerando-se prejudicada a aplicação do modelo de residência alternada nos casos em que, nos termos do disposto no artigo 1906.º-A do Código Civil, o exercício em comum das responsabilidades parentais seja julgado contrário aos interesses dos filhos. 5. O tribunal não pode é resvalar em nefelibatismos, idealizando as relações familiares pós divórcio ou separação como se elas não fossem, por natureza, marcadas por inimizade ou, pelo menos, ausência de amizade entre os progenitores, conflito e mesmo falta de cooperação entre ambos, ou em posições extremadas, sobrevalorizando aspetos, como o da propalada instabilidade, que são, no fundo, consequências da própria desagregação familiar, com as quais a criança terá que conviver, seja qual for o modelo de residência adotado. 6. E não pode, por fim, permanecer indiferente às mudanças sociológicas verificadas na sociedade portuguesa, em que o pai deixou de ser o único a angariar o sustento da família e a mãe deixou de ser a única cuidadora dos filhos, exigindo-se-lhe uma ativa contribuição na definição de rearranjos familiares que, na concretude de cada caso, melhor beneficiem o interesse da criança.
[1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original. [2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
JB instaurou, na já distante data de 3 de novembro de 2020, ação tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra LB, relativamente à filha de ambos, L, nascida no dia 10 de agosto de 2015.
No dia 21 de janeiro de 2025 foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Face ao exposto, e ao abrigo das normas legais citadas, decido proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais, da criança L, nos seguintes termos:
I- Residência e exercício das responsabilidades parentais
1.º - A criança L residirá uma semana com cada um dos progenitores de forma alternada, sendo a alternância feita à sexta- feira, no estabelecimento de ensino da menor, indo o progenitor buscar o menor ao equipamento, no fim das atividades escolares e/ou extracurriculares e aí o entregando, na semana seguinte, no início das atividades escolares.
Caso a sexta-feira corresponda a um dia em que a criança não se encontra no estabelecimento de ensino, o progenitor que for passar a semana seguinte com a filha, irá buscar a menor a casa do outro progenitor, às 19:00 horas.
2.º - A criança jantará às quartas-feiras com o progenitor com quem não está durante essa semana.
3.º - As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança, serão exercidas em comum por ambos os progenitores, definindo-se como questões de particular importância, dependentes de decisão conjunta:
a) A alteração de residência para fora da área metropolitana de Lisboa ou para o estrangeiro;
b) Os tratamentos e intervenções médicas que possam causar perigo para a vida ou integridade física da menor, ressalvadas as situações urgentes em que cada um dos progenitores pode agir singularmente e comunicar ao outro logo que possível;
c) A opção entre ensino público ou privado;
d) As saídas para o estrangeiro.
4.º - As questões da vida corrente serão decididas pelo progenitor com quem a menor se encontrar a residir.
II- Férias e Datas Festivas
5.º - Nas férias do Carnaval, a menor passará com cada um dos progenitores, alternadamente, sendo que em 2025 passará com o pai, alternando-se nos anos seguintes.
6.º A criança passará as férias da Páscoa, alternadamente uma semana com o pai e a outra com a mãe.
7.º - A criança passará metade do período de férias do verão (Julho e Agosto), com cada um dos progenitores, alternadamente, em condições a combinar entre ambos até final do mês de abril.
Caso não seja possível alcançar o acordo, a mãe tem preferência de escolha nos anos pares e o pai nos anos ímpares.
8.º - As férias de Natal serão passadas com ambos os progenitores, alternadamente, sendo que em 2025, na primeira semana, a criança passará com a progenitora, até ao dia 25 de Dezembro às 11:00 horas, altura em que o progenitor a irá buscar e ficará consigo uma semana até às 11:00 horas do dia 01 de Janeiro, alternando nos anos seguintes.
9.º - No dia de aniversário da criança, esta tomará uma das principais refeições (almoço/ jantar) com cada um dos progenitores, alternadamente, e pernoita em casa do progenitor com quem jantar, sem prejuízo dos horários de descanso, alimentação e atividades escolares e/ ou extracurriculares.
10.º - No dia do aniversário do pai, aniversário da mãe, dia do pai e dia da mãe, a criança passará o dia com o respetivo progenitor e pernoita com o mesmo, devendo o aniversariante ir buscá-lo à casa do outro progenitor, às 10:00 horas, sem prejuízo dos horários de descanso, alimentação e atividades escolares e/ ou extra curriculares.
11º No dia de aniversário dos avós, da madrasta, dos tios e outras pessoas de referência afetiva da criança, esta passará parte desse dia com o progenitor do familiar aniversariante, tomando uma refeição, ainda que esse dia seja do outro progenitor.
III- Regime de Alimentos
12.º - Cada um dos progenitores suportará as despesas de alimentação, vestuário, calçado e higiene, do filho de ambos, no período em que a criança está consigo.
13.º - As despesas com o seguro de saúde, bem como as despesas de saúde não comparticipadas, serão suportadas por ambos os progenitores na proporção de metade cada um, mediante a apresentação de documento comprovativo pelo progenitor que efectuar a despesa.
14.º - As despesas escolares e atividades extracurriculares, previamente acordadas entre os progenitores, serão pagas por ambos, na proporção de metade cada um, mediante a apresentação de documento comprovativo pelo progenitor que efectuar a despesa».
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Inconformada, a progenitora vem recorrer para este Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo assim as respetivas alegações:
«F. Os pontos 3.1.3. e 3.1.6. da matéria de facto provada não poderiam ter sido dados como provados (...);
H. (...) o Tribunal adquo deveria ter dado como assente não só o facto não provado com o número 8, como deveria ter dado como provado que, desde o nascimento da L e, pelo menos, durante os seus primeiros anos de vida e ainda durante a coabitação dos progenitores, foi a Mãe que assumiu o papel de principal cuidadora da mesma, o que resulta evidente de toda a prova produzida nos autos.
I. O Tribunal adquo deveria ter dado como provados os factos não provados com os números 2 e 6 da Sentença recorrida (...);
L. (...) o Tribunal adquo deveria ter dado como provado que na casa do Pai não existem rotinas/horários/regras, designadamente, de estudo e de higiene e que o Progenitor adota comportamentos desadequados, tendo em conta a fragilidade da L em relação ao frio e às mudanças de temperatura;
M.A Sentença recorrida dá ainda como não provados os factos constantes dos números 4 e 5 matéria de facto não provada (...);
N. Pelo que o Tribunal adquo deveria ter dado como provado que a menor fica constantemente doente em casa do Pai e que regressa constantemente doente destes períodos, ainda que não padeça de nenhuma doença crónica;
O. O Tribunal de 1.ª Instância nunca poderia igualmente ter dado como provado o facto constante do número 3.1.34. da matéria de facto dada como provada (...);
P. (...) o Tribunal adquo poderia ter dado como provado que tal cláusula foi introduzida no regime provisório na diligência em apreço, mas não com o acordo da Mãe, que entendeu que tal alteração não correspondia ao superior interesse da L, em face da evidente resistência da menor em ir para o Pai.
Q. Na Sentença recorrida, o Tribunal adquo deu ainda como provados os factos constantes dos pontos 3.1.36., 3.1.41., 3.1.42., 3.1.60., 3.1.61., 3.1.68., 3.1.69. e 3.1.71. da matéria de facto provada (...), contrariando frontalmente os pontos 3.1.42., 3.1.36., 3.1.60., 3.1.61., 3.1.69. e 3.1.71. da matéria de facto provada;
EE. Ao invés (...) deveria o Tribunal adquo ter dado como provado que:
a. A L continua a oferecer resistência a ir para o Pai e a apresentar e demonstrar desconforto em ir para o Pai e em estar em casa deste (da sua companheira), nomeadamente, com o novo agregado familiar do Pai;
b. A L exprime sentimentos de frustração e de tristeza relativamente à mudança de casa e ao novo agregado familiar do Pai, estando ainda a adaptar-se ao mesmo e a esta alteração;
c. A L não mostra ter um sentimento de pertença à casa da M e ao novo contexto familiar do Pai, estando triste com esta mudança e a adaptar-se à mesma, sendo, por isso, necessário, que o Pai procure ter uma especial ligação com a menor, o que não tem sucedido;
d. Ou seja, deveriam, em face da prova produzida ter sido dados como provados os factos constantes dos números 9 e 10 da Sentença recorrida.
FF. (...) ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, a J não vive com os progenitores em residência alternada (...);
GG. Na Sentença recorrida são ainda dados como provados os factos constantes dos pontos 3.1.13. e 3.1.63. da matéria de facto provada, apesar de existir prova nos autos que impunha decisão diversa;
HH. Por outro lado, o Tribunal deu como não provados os factos constantes dos pontos números 12, 13 e 18 da Sentença recorrida, apesar de existirem elementos nos autos que fazem prova dos mesmos e que impunham decisão diversa ao Tribunal adquo.
II. (...) o Tribunal adquo deveria ter dado como provado:
a. que foi a Mãe que sempre procurou e encontrou apoio psicológico para a menor, necessidade que o Pai negou ao longo de todo o processo, apesar da forte resistência da menor em ir para casa do Progenitor;
b. que a L não tem um comportamento adequado na escola, demonstrando evidente agitação, p que prejudica o seu aproveitamento, apesar de ser assídua, pontual e ter, ainda assim, um bom desempenho ao nível das notas;
c. O Tribunal deveria ainda ter dado como provados os factos constantes dos números 12, 13 e 18 da matéria de facto não provada na Sentença recorrida, pois que os elementos de prova ora referidos impunham que o Tribunal adquo decidisse nesse sentido, sendo evidente que a L tem ansiedade, apresenta um comportamento agitado e uma “quase” obsessão com arrumação, ou seja, que a L tem efetivamente algumas fragilidades do ponto de vista emocional.
JJ. Volvidos cerca de 6 anos sobre a separação dos progenitores, a L continua a demonstrar resistência em ir para o Pai, como confirmado pelo próprio;
MM. (...) a L apresenta evidente ansiedade, especialmente no que diz respeito à gestão do seu dia-a-dia após a separação dos progenitores, e que adota comportamentos de grande agitação e de organização, que não são normais para a sua idade;
NN. (...) a menor tem dificuldade a adaptar-se a mudanças, devendo estas ser feitas sempre de forma especialmente cuidadosa e com contenção (...);
OO. (...) a menor não se sente confortável no novo agregado familiar do Pai, especialmente, por conta da introdução de uma nova criança, que ficou triste com a mudança para casa da M, atual companheira do Progenitor, e que apresenta uma maior ligação afetiva com a Mãe;
RR. O art.º 1906.º, n.º 6 do Código Civil estabelece que a residência alternada poderá ser aplicada quando corresponder ao superior interesse de determinada criança, mas não é o regime obrigatório, ou seja, a Lei não impõe esta solução ao julgador, ainda que atualmente seja o modelo mais fácil de implementar e, consequentemente, de fundamentar, uma vez que lhe é atribuído caráter preferencial. Pelo que se crê que o Tribunal adquo aplicou mal a referida normal legal no caso dos autos, pois que neste caso tal regime não deveria ter sido aplicado, por não corresponder ao interesse da menor;
CCC. (...) [a]presente decisão foi proferida em despeito do Princípio do Superior Interesse da Criança, pelo que é nula e deverá, por isso, ser anulada e substituída por outra que fixe, a título definitivo, o regime provisório que estava em vigor, por forma a evitar os danos de mais uma mudança abruta na vida da L e a destabilização inerente».
Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial»[1].
No presente recurso, após a formulação das conclusões a apelante deduz o seguinte pedido:
«Nestes termos, nos demais de Direito e sempre com o V/douto suprimento, desde já se requer a V/Exa. se digne determinar que a Sentença recorrida não corresponde ao superior interesse da L e, consequentemente, anulá-la e substituí-la por outra que fixe, a título definitivo, o regime provisório que estava em vigor, com a residência junto da Mãe, por forma a evitar mais uma mudança abruta na vida da L e a destabilização inerente.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»
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O progenitor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.
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O Ministério Público respondeu ao recurso, rematando assim:
«(...) deverá ser mantida nos seus exatos termos a sentença recorrida e, consequentemente, inalterada a fixação da residência alternada de L junto da recorrente e recorrido».
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II – ÂMBITO DO RECURSO: Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se o tribunal a quo errou ao determinar a residência alternada da criança com cada um dos progenitores, nos termos em que o fez, e, consequentemente, se deve determinar-se que a criança passe a residir habitualmente com a progenitora, fixando-se um regime de visitas a favor do progenitor.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto: 3.1.1 – A sentença recorrida considerou provado que:
«1. L nasceu a 10 de agosto de 2015, sendo filha de Requerente e Requerido.
2. Os seus progenitores iniciaram um relacionamento no ano de 2010, tendo casado em 2013, tendo a criança nascido na constância do casamento, na sequência de uma gravidez planeada e vigiada.
3. Na constância do casamento ambos os pais prestavam habitualmente cuidados à filha.
4. Após a licença de maternidade, exclusivamente utilizada pela mãe, a L ficou ao cuidado da avó materna durante todo o período de trabalho da mãe; isto é, desde as 09h:00m (aproximadamente) às 18h:30m (aproximadamente) e até perfazer 25 meses; aproximadamente até 1 de setembro de 2017, data em que passou a frequentar a creche.
5. Após iniciar a frequência da creche era a avó materna que diariamente a ia recolher, imediatamente após a conclusão das atividades próprias, às 15 horas, ficando ao seu cuidado até às 18:30 aproximadamente, hora a que a mãe a ia recolher após o seu trabalho, sendo que esta prática se mantem até agora, sendo a avó quem maioritariamente recolhe a L no colégio, nos dias em que está aos cuidados da mãe.
6. Durante o segundo ano de vida da L, fruto da sua actividade profissional, a Requerente viajou para Angola 3 a 4 vezes no ano, em períodos de uma a duas semanas, tendo o Requerido ficado responsável, sozinho, pelos cuidados da filha.
7. Em 28 de Janeiro de 2019, Progenitora e Progenitor decidiram pôr termo à sua relação conjugal, mas coabitaram até 10 de Junho de 2019.
8. Nesse período os pais desenvolveram conversações sobre a forma como deveriam ser exercidas as responsabilidades parentais relativamente à menor e, em junho de 2019, concluíram um acordo acerca do exercício daquelas responsabilidades parentais.
9. O referido acordo estabelecia que a menor ficaria, em semanas alternadas, 5 dias com o Pai, sendo que, nos demais dias, ficaria com a Mãe.
10. Tendo ficado também estabelecido que existiria, com o passar dos anos, um aumento gradual dos dias em que o Pai ficaria com a guarda da menor e que, quando a menor completasse 7 anos, existiria um regime de guarda partilhada semanal.
11. Embora não tivesse sido homologado pelo Tribunal o acordo foi posto em prática pelos Progenitores.
12. Naquela altura, em 2019, a menor chorava muitas vezes nos momentos de transição da mãe para o pai e dirigia à mãe perguntas que esta interpretava como sinais de ansiedade e angústia e de expressão emocional de que não queria estar com o pai, como sejam: “a) Que dia é hoje? b) É hoje que vou para o Pai? c) Quantos dias vou ficar com o Pai? d) Eu só quero ficar um dia com o Pai. e) Eu vou contigo, mas só para ir buscar os meus brinquedos (dirigindo-se ao Pai quando este ia recolhê-la a casa da Mãe). f) Eu só quero ir almoçar ou jantar e depois volto. g) Quando é que eu volto para ti?” (dirigindo-se à Mãe nos momentos de comunicação com esta, quando à guarda do Pai).
Por vezes, rejeitava falar com o Pai ao telefone ou por videoconferência.
13. Em face destes sintomas, em janeiro de 2020 ambos os pais procuram psicólogo para a filha e o pai aceita temporariamente que a L passe a ficar com o Pai três dias por semana, em semanas alternadas, ficando o resto do tempo com a Mãe.
14. Ficou igualmente combinado entre os progenitores que o pai teria semanalmente um lanche num dos dias da semana, e um jantar noutro, durante a semana.
15. Ficou também acordado que os pais poderiam estabelecer contacto com a criança recorrendo a videochamada.
16. A menor passou a ser acompanhada por uma psicóloga, em concreto a Dra. R.
17. A psicóloga Dra. R aconselhou os pais a realizar videochamadas diárias com o progenitor ausente pelo tempo que a menor entendesse e com privacidade para comunicar com o mesmo, tendo a sugestão sido aceite por estes.
18. Em meados de março de 2020, foram impostas medidas relativas à pandemia Sars-Cov 2.
19. Em 17 de março, o Pai disse à Mãe que seria melhor, face à situação epidemiológica que se fazia sentir no País, que durante esse período a menor ficasse apenas com a Mãe.
20. Tendo, deste modo, a menor ficado durante um mês com a Mãe, continuando, no entanto, a serem realizadas videochamadas regulares com o Pai.
21. Após esse período, foi então retomado o acordo que vigorava anteriormente, segundo o qual a menor estava na companhia do pai em fins de semana alternados, de sexta a segunda feira, com um lanche e jantar em semanas alternadas.
22. A 30 de maio de 2020 foram retomadas as consultas presenciais da menor com a Dra. R, que haviam ficado suspensas em março de 2020 por causa da pandemia.
23. No dia 20 de julho de 2020, a Dra. R emitiu o relatório de avaliação psicológica da menor onde escreve “Conta ainda que por vezes faz birra e não quer ir com o pai. Não sabe explicar os motivos desta resistência. Numa outra situação diz que não quis estar com o pai e que ´a mãe explica`. Num outro momento diz que ´quero estar zero dias com o pai`. Di-lo de forma tranquila e sem qualquer activação emocional. Perguntada sobre os motivos deste desejo, diz ´não me lembro´”.
24. É referido, na conclusão do relatório que: “(…) a menor apresenta uma relação afetiva positiva com ambos os pais (…)”Não se identificam quaisquer motivações consistentes que possam justificar a resistência da menor nas transições para o pai, ou seja, não há indicadores de uma vivência real negativa junto do pai. L diz que não quer estar mais tempo com o pai, mas não sabe justificar o porquê, sendo que estamos perante uma criança com um bom desenvolvimento cognitivo e capacidade de expressão. Também a sua comunicação não verbal não é coerente com o que verbaliza (por exemplo, dizer que não gosta do pai, enquanto se ri). Perante toda a avaliação efectuada, somos da opinião que esta resistência da menor se relaciona, não com a inexistência de uma relação positiva com o pai ou com os cuidados deficitários por parte deste ou da avó paterna, mas sim com a ansiedade de separação face à mãe, frequente em crianças mais novas que passam mais tempo nos primeiros anos de vida com o progenitor de quem sentem, depois, dificuldade em separar-se. - (…) sugere-se um aumento gradual de contactos com o pai, sendo que as transições devem ocorrer, desejavelmente, na presença de terceiros e não de ambos os pais (…)”.
25. A progenitora deixou de confiar no trabalho da Dr.ª R e cessou o acompanhamento com esta terapeuta; após acordo dos pais na conferência de 09.2021 a criança passou a ser seguida pelas psicólogas Dr.ª F e MS, que avaliaram e seguiram a criança desde 13.10.2021 a 19.01.2022, e concluem, no relatório datado de 21.01.2022: “Contudo, a nível emocional podemos dizer que a L demonstra ansiedade perante algumas situações, que têm a ver com a gestão do seu dia-a-dia resultante da situação de separação dos pais (…) Em conclusão reafirmamos que a L é uma criança muito competente do ponto de vista cognitivo, mas a nível emocional tem algumas fragilidades, uma vez que manifesta níveis de ansiedade (…). “Somos da opinião de que este regime deve ser alargado progressivamente, passando o pai a ter mais tempo com a L (começar por passar uma noite por semana com o pai, jantar e lanchar outro dia da semana com o pai e passar fins-de-semana alternados com o pai) e avaliar como a L reage e como correm esses convívios. O que a L expressa está condicionado pelos factos anteriormente referidos, nomeadamente, o receio de desagradar à mãe e a perceção de insegurança que a mãe sente e transmite quando a L não está com ela. Para isso contribuirá que os pais consigam conversar sobre a L e sobre a forma de a cuidar, chegando a acordo naquilo que é essencial para o seu bem-estar, sendo flexíveis e respeitando os estilos de vida de cada um. O facto de a L expressar tantas vezes que quer passar o tempo todo com a mãe significa que esta gosta muito da sua mãe, mas por outro lado, também significa que a L sente que se disser o contrário, pode magoar a mãe, o que não quer de maneira nenhuma.”
26. A Dra. F, na consulta realizada a 21 de Setembro de 2022, informa os pais que a Menor não necessita de mais acompanhamento periódico e que este apenas se justificará caso ocorra algo fora do normal ou caso entendam necessário.
27. A Menor frequenta o “Colégio __”, desde os 3 anos de idade, estando muito bem integrada, quer junto dos Professores, como dos amigos, a quem se refere de forma muito positiva.
28. A 20.05.2022 a professora titular, SL, elabora relatório escolar junto no âmbito da ATE, com o seguinte teor: “A L é uma aluna muito curiosa, perspicaz e motivada para as aprendizagens, assimilando com facilidade os novos conteúdos leccionados. A aluna demonstra uma boa capacidade de trabalho em todas as áreas curriculares, sendo autónoma na realização de tarefas e apresentado um bom ritmo de trabalho.”
29. A 04.05.2023 a professora titular, SL, elabora relatório escolar a pedido do tribunal, com o seguinte teor: “O presente relatório pretende facultar resposta ao pedido de informação acerca da pontualidade e assiduidade; cuidados de higiene e alimentação; desempenho escolar; cumprimento dos trabalhos de casa e comportamento da aluna L. A aluna supracitada é pontual e assídua, quer nos períodos em que está com o pai, quer nos períodos em que está com a mãe. Durante este ano letivo, a aluna apenas faltou por motivo de doença e todas as faltas foram justificadas pela Encarregada de Educação. No que diz respeito aos cuidados de higiene, a aluna apresenta-se nas aulas muito bem cuidada e com roupa adequada. No que concerne à alimentação, é frequente a aluna trazer alimentos variados e saudáveis para comer no intervalo da manhã. Relativamente ao desempenho escolar, a L é uma aluna com uma excelente capacidade de trabalho em todas as áreas curriculares. É curiosa, perspicaz e com facilidade na aquisição e aplicação das novas aprendizagens. Mantém uma postura ativa nas aulas, participando com pertinência. A L executa as tarefas escolares com autonomia e, de um modo geral, tem um bom ritmo de trabalho. Este ano letivo melhorou a sua capacidade em regular a sua participação. Porém, a aluna tende a participar em conversas cruzadas com os pares, distraindo-se com facilidade e, por esse motivo, no trabalho individual, o seu empenho ainda não é regular. Quanto à execução dos trabalhos de casa, a L, de um modo geral, é cumpridora com as suas tarefas escolares. Por fim, a relação da aluna com os pares e adultos, não configura um motivo de especial atenção. Não existem registos de comportamentos que evidenciem diferenças face à relação estabelecida pelos alunos da sua faixa etária. A L está bem integrada na turma na qual está inserida. É uma aluna bem-disposta e sociável.”
30. Na conferência de pais realizada no âmbito dos presentes autos, a 13 de setembro de 2021, ficou provisoriamente estabelecido pelo Tribunal o seguinte regime: “= Regime Provisório= I. Da residência e do exercício das responsabilidades parentais--- 1.º - A menor L fixa a residência junto da mãe, JB.--- 2.º - As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da menor, serão exercidas em comum por ambos os progenitores, entendendo-se por questões de particular importância:--- 2.1. Opção entre estabelecimento de ensino público ou privado;--- 2.2. Orientação religiosa;--- 2.3. Intervenções cirúrgicas ou atos médicos que possam colocar em risco a integridade física ou a vida da menor;--- 2.4. Intervenções estéticas lesivas da integridade física;--- 2.5. Alterações de residência que impliquem a saída da menor da área metropolitana de Lisboa;--- 2.6. Saídas para o estrangeiro.--- 3.º - As questões da vida corrente, serão decididas pela progenitora, com quem a menor reside habitualmente, ou pelo progenitor, quando a menor, com este se encontrar temporariamente, sendo que este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pela progenitora.- 4.º - Os progenitores comprometem-se a acordar a identificação do psicólogo que passará a acompanhar a menor, no prazo máximo de 20 dias.--- II. Regime de Contactos --- 5.º - O progenitor conviverá com a menor de quinze em quinze dias, de sexta- feira à segunda-feira, comprometendo-se o progenitor, para o efeito, a recolher a menor junto do estabelecimento de ensino no final das actividades lectivas de sexta-feira e a entregá-la no estabelecimento de ensino, no início das actividades lectivas de segunda-feira.--- 6.º - Na semana em que a menor passar o fim-de-semana com a mãe, o pai conviverá com a menor todas as terças-feiras, comprometendo-se o progenitor a recolher a menor junto do estabelecimento de ensino no final das actividades lectivas e a entregá-la na quarta-feira no estabelecimento de ensino, no início das actividades lectivas. O primeiro jantar com pernoita ocorrerá no dia 21 de Setembro de 2021.---- 7.º - O progenitor lanchará com a menor, de quinze em quinze dias, à quinta-feira, sendo que o primeiro lanche ocorrerá no próximo dia 16 de Setembro de 2021, sendo os demais sucessivamente.--- 8.º - O primeiro fim-de-semana que o progenitor conviverá com a menor ocorrerá de 24 de Setembro de 2021 a 27 de Setembro de 2021.--- 9.º - Quando aos seus cuidados, o progenitor compromete-se a diligenciar pela realização de uma videochamada para a progenitora, entre as 19:30 horas e as 20:30 horas, por forma a que ambas possam conversar.--- III. Regime de Alimentos--- 9.º - A título de pensão de alimentos para a menor, o pai contribuirá com o montante de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) mensais, até ao dia 8 de cada mês, por transferência Bancária para da progenitora cujo IBAN conhece, com efeitos a partir da presente data;--- 10.º - As despesas escolares da menor, bem como as despesas médicas e medicamentosas, serão suportadas em partes iguais por cada um dos progenitores, mediante a apresentação de documento comprovativo pelo progenitor que a suportou, comprometendo-se o progenitor a suportar a sua quota-parte no prazo de 10 dias após a sua apresentação.—“
31. Por acordo dos pais, nessa sequência, a criança começou a ser acompanhada pelas Doutora F e MS.
32. No dia 13 de dezembro de 2021 foi realizada uma nova conferência de pais para avaliar a evolução dos convívios da menor com o Progenitor.
33. Àquela data a L continuava a dizer à mãe que não queria ir para casa do pai e a chorar nos momentos das transições da mãe para o pai.
As resistências a ir para casa do pai só ocorriam quando era a mãe a entregar a criança diretamente ao pai, não ocorriam quando as transições ocorriam no contexto escolar.
34. Quando por motivos pessoais ou profissionais a mãe não podia assegurar os cuidados à L, contava com o apoio dos Avós Maternos, sem antes auscultar a disponibilidade do pai, pelo que a pedido deste, foi estipulado por acordo, alcançado a 12.09.2022, que ambos os pais davam preferência ao outro progenitor quando se encontrassem impossibilitados de assegurar diretamente os cuidados.
35. Nas conclusões do relatório social elaborado no âmbito da ATE datado de 04.03.2022, resulta, em síntese, o seguinte: “Observa-se por parte de JB uma ausência de confiança nos cuidados funcionais e emocionais prestados por LB a L. (…) Nesta fase da vida criança, após a separação dos pais, LB encontra-se disponível e motivado para exercer a sua paternalidade de forma plena, ainda que revele algumas dificuldades. (…) L é acompanhada em consulta de psicologia e foi avaliada ao nível psicológico por várias profissionais, sendo consistente a avaliação de ambos os relatórios o aumento progressivo de contacto com os pais (…) Entendemos que a L deverá manter uma relação de proximidade com ambos os pais numa dinâmica familiar saudável e ajustada à sua idade e desenvolvimento, não tendo identificado esta equipa impedimentos objectivos a que a L fique aos cuidados dos pais de forma mais equitativa.”
36. À data atual e desde há pelo menos dois anos que sempre que está com o Pai e Família Paterna, a L não revela qualquer tipo de problema ou desconforto, brinca, diverte-se, como qualquer criança, mostrando-se tranquila e feliz.
37. A Requerente raramente se demonstrou recetiva a pedidos de alteração de períodos de férias ou repartição de dias festivos feitos pelo Pai.
38. A relação entre a L e ambas as figuras parentais é muito próxima, de grande afeto e ligação emocional.
39. Pai e mãe brincam com a filha, fazem jogos, puzzles, vão ao parque, leem histórias, vão ao teatro, ao cinema, passeiam ao ar livre, vão à praia, andam de bicicleta ou de patins, visitam familiares e convivem com amigos.
40. Ambos os pais são preocupados com o percurso académico da filha, acompanhando o seu desenvolvimento, auxiliando a L no estudo e trabalhos de casa, sempre que necessário.
41. A L tem uma ótima relação com os Avós maternos e paternos, e demais familiares, tios e primos, quer da família materna, quer da família paterna.
42. A L tem também uma ótima relação com a atual companheira do pai, a M, com quem brinca muito, em especial, a fazer trabalhos manuais e de culinária, e com a filha desta, a J, de 7 anos de idade, enteada do progenitor e que vive em semanas alternadas em casa deste e da M, com quem também brinca muito e a quem se refere com ternura e cumplicidade.
43. A L é uma criança saudável, feliz, empática, sem dificuldades de socialização, com uma ligação afetiva forte, próxima e equilibrada com ambos os pais e respetivas famílias.
44. Tanto a Requerente, como o Requerido, são pais que se preocupam com o bem-estar emocional da L, nutrindo por esta fortes laços de afectividade e carinho.
45. A 27.06.2024, os progenitores aceitaram o encaminhamento para beneficiarem de programa psico-educativo para pais em conflito, por reconhecerem a dificuldade de relacionamento entre ambos, e com vista a melhorar a comunicação entre si, mas sem que tal intervenção se tivesse ainda iniciado.
46. Nas declarações prestadas ambos os pais reconhecem que não se cumprimentam; que lhes é difícil estarem no mesmo espaço; que atualmente só comunicam de forma formal, por email, SMS, ou mensagem WhatsApp.
47. A 30.12.2024, por indicação do Tribunal, os pais foram sinalizados pela USQAT para encaminhamento para frequência do programa dinamizado pela SCML “Crianças no meio do conflito”, desconhecendo-se por ora quando será identificada uma vaga para acompanhamento destes pais.
48. O progenitor foi avaliado em perícia médico legal na especialidade de psicologia, pelo INML a 25.07.2023, complementado a 02.02.2024, com vista a apurar: “1) a sua personalidade e designadamente se padece de algum distúrbio e, em caso afirmativo, qual; da avaliação psicológica não se observou sintomatologia do progenitor ou existirem, eventuais sinais de patologia mental que possam por si só ser considerados impeditivos ou restritivos do exercício das funções parentais, todavia, observou-se a necessidade de dar uma boa imagem perante a avaliadora 2) as competências para o exercício da parentalidade, designadamente quanto à sua filha menor de idade L; LB manifesta identificar-se maioritariamente com um estilo parental responsivo, que valoriza a estimulação da criança (intelecto, desporto), estimulação do meio e sua autonomia. Revela procurar a valorização de estratégias de negociação e comunicação e não de agressividade, não obstante reconhecer ter já feito uso de práticas punitivas com a sua filha. De uma forma geral, conclui-se que o examinando não evidencia apresentar crenças legitimadoras do uso da violência física enquanto estratégia, apresentando indicativos de uma vinculação segura com a sua filha. O examinando revela validação de práticas educativas adequadas não revelando recurso a práticas educativas abusivas. 3) a dinâmica da relação que estabelecem com o outro progenitor; Ambos os intervenientes mencionam que a comunicação entre si ocorre através de mensagens escritas de correio eletrónico inexistindo um diálogo funcional acerca da situação de L. 4) se existem sinais de algum deles, ou ambos, adotarem comportamentos manipulatórios, de difamação/desvalorização do outro progenitor; em caso afirmativo quais, e se tais práticas podem estar a comprometer o desenvolvimento psicológico saudável da criança; Não foram identificados sinais de que o examinando possa adotar comportamentos manipulatórios, de difamação/desvalorização do outro progenitor. 5) se carecem de apoio psicológico e/ou psiquiátrico.” É nosso parecer, a par com a informação recolhida e analisada, ser necessária uma recentralização do casal parental nas necessidades, interesses e receios da sua filha possibilitando desta forma o futuro estabelecimento de um quotidiano familiar e social estável com ambas as células familiares. Foi observado um discurso algo polarizado, com pouco reconhecimento do seu papel nos desentendimentos do casal(…) A ausência de uma comunicação profícua entre os progenitores poderá colocar a sua filha em risco de desajustamento. Em suma considera-se importante o acompanhamento do sistema familiar, com particular incidência no trabalho da relação do casal parental, não só para melhor compreender as atitudes dos mesmos perante a sua filha, bem como para fomentar atitudes parentais que acolham a evolução salutar desta criança num ambiente familiar nutritivo”.
49. A progenitora foi avaliada em perícia médico legal na especialidade de psicologia, pelo INML a 25.07.2023, complementada no relatório de 02.02.2024, com vista a apurar os mesmos quesitos e com os resultados constantes das seguintes conclusões: “1) a sua personalidade e designadamente se padecem de algum distúrbio e, em caso afirmativo, qual” Conclui-se que, da avaliação psicológica não se observou sintomatologia da progenitora ou existirem, eventuais sinais de patologia mental que possam por si só ser considerados impeditivos ou restritivos do exercício das funções parentais, todavia, identificaram-se características tais como sociabilidade, extroversão, orientação para a relação interpessoal, otimismo, afetos adequados, organização, autodisciplina, ambição e perseverança. A examinanda revela igualmente ceticismo, desconfiança no outro e significativo sentido critico, por vezes mesmo antagónico, com baixo altruísmo. Parece apresentar uma imagem exaltada de si própria, com tendências narcísicas e parca modéstia. Revela marcado sentimento de que é capaz, prudente e eficaz. 2) as competências para o exercício da parentalidade, designadamente quanto à sua filha menor de idade L. JB manifesta identificar-se maioritariamente com um estilo parental que valoriza a estimulação da criança, estimulação do meio e sua autonomia, atribuindo significativa importância à interação familiar, diálogo e clara colocação de limites. Revela procurar a valorização de estratégias de negociação e comunicação. Apresenta, no entanto, alguma fragilidade ao nível de uma postura possivelmente menos reflexiva na relação com a sua filha, podendo ter dificuldade em aceitar e assimilar que não se cumpram as suas expectativas e ficando com raiva e não conseguindo analisar a realidade de forma conveniente quando não consegue algo que deseja. 3) se existem sinais de algum deles, ou ambos, adotarem comportamentos manipulatórios, de difamação/desvalorização do outro progenitor; em caso afirmativo quais, e se tais práticas podem estar a comprometer o desenvolvimento psicológico saudável da criança” Não se observam indicadores de uma manipulação ou coerção deliberadas da menor, efetuadas pela examinanda, não obstante poderão estar presentes estímulos subtis que poderão influenciar a perceção que a menor faz do progenitor Foi observado um discurso algo polarizado, com pouco reconhecimento do seu papel nos desentendimentos do casal, em que o progenitor é visto como principal responsável pela crescente litigância entre o casal parental, com pouco discernimento sobre a sua responsabilidade na mesma [(...) hoje em dia percebo que tem a ver com quem ele é.”
50. A criança foi avaliada em perícia médico legal na especialidade de psicologia, pelo INML a 25.07.2023, com os seguintes quesitos e resultados constantes das seguintes conclusões: “1) Se o desenvolvimento psicológico da criança, designadamente se a construção da sua personalidade está a fazer-se de forma saudável ou se se identifica que alguns dos pais tenha algum comportamento que possa pôr em causa, comprometer ou interferir no desenvolvimento da mesma de forma saudável” Em avaliação clínica, a examinanda apresentou um desenvolvimento global muito adequado à sua idade cronológica. A idade aparente revelou-se coincidente à real e a apresentação foi adequada ao contexto. Revelou-se orientada quanto à identidade pessoal e em termos alopsíquicos (i.e., espaço, tempo e situação). Manifestou humor eutímico (i.e., normal) e atividade motora adequada à situação. Do estudo biográfico, observação e entrevista clínica, assim como da avaliação psicológica realizada, constata-se que o rendimento intelectual da examinanda, para a sua idade em avaliação de tipo global, é correspondente à chamada “Capacidade intelectual superior”, ou seja, a examinanda apresenta uma capacidade intelectual acima do esperado para a sua faixa etária. Revela particular discernimento face às relações com o seu pai e mãe, sendo estas relações fontes de gratificação e envolvimento. É uma criança que revela um adequado autoconceito, porém com presença de alguma (não sintomatologicamente expressiva) sintomatologia ansiosa (nervosismo, preocupações ou mesmo tristeza face a possíveis alterações na sua vivência rotineira). 2. “Avaliação do modo como a criança interioriza e representa a figura do pai e da mãe, do ponto de vista afetivo, de prestação de cuidados e de promoção e proteção global” L apresenta significativo envolvimento com a sua mãe, embora o mesmo seja verificado, embora não com idêntica intensidade, relativamente ao seu pai. A criança, no respeitante à sua perceção de suporte emocional por parte de cada um dos seus pais, bem como relativamente a possíveis sentimentos de rejeição, revela identificação de praticas educativas muito similares por parte dos seus pais. No respeitante à sua perceção de comportamentos parentais de controlo (comportamentos intrusivos por parte dos seus pais, com marcada vigilância dos comportamentos da criança), a criança revela baixa perceção dos mesmos em relação aos seus pais. 3. “Traços mais estáveis e significativos destas representações” L parece assumir um papel de coesão e harmonia relativamente ao casal parental, assumindo uma postura critica, mas igualmente unificadora desta relação. L revela perceção de proximidade afetiva na relação com a sua mãe, reconhece o estabelecimento de uma comunicação adequada, com confiança. É também evidenciada uma perceção de aceitação mútua, bem como capacidade de aceitação entre si e o seu pai, resultados indicativos de vinculações seguras. 4. “Recursos emocionais que a criança tem para viver uma eventual situação de mudança de residência” Embora L apresente bons recursos e resiliência emocional, aparenta alguma fragilidade relativamente à necessária adaptação a mudanças, sendo, pois, necessário, particular atenção e contenção na eventualidade das mesmas. Constata-se haver um reconhecimento, por parte de L, da existência de alguns conflitos parentais, sendo percecionada alguma intensidade dos mesmos. A examinanda faz uma apreciação acerca do conflito parental, acreditando que as discussões parentais podem ter consequências negativas para a sua vida e que lhe faltam os recursos necessários para lidar positivamente com o conflito. Considera ter alguns recursos necessários para lidar positivamente com o conflito, no entanto apresenta igualmente sinais indicativos de sentimentos de impotência face ao surgir de situações de conflito entre os seus pais. A criança parece assumir uma postura marcadamente rigorosa, procurando garantir idêntica disponibilidade a cada progenitor, não sentindo da parte dos seus pais recetividade para ir de encontro aos desejos do outro progenitor. 5. “Se a criança carece de apoio psicológico” Considera-se importante o acompanhamento do sistema familiar, com particular incidência no trabalho da relação do casal parental, com pontual envolvência da criança, não só para melhor compreender as atitudes dos mesmos perante a sua filha, bem como para fomentar atitudes parentais que acolham a evolução salutar desta criança num ambiente familiar nutritivo. 6. “Qual a dinâmica e a qualidade das relações que a criança estabelece com cada um dos seus progenitores” L parece usufruir plenamente de uma relação de exclusividade com a sua figura materna (mãe), aspeto que se viu frustrado (em relação à idêntica exclusividade na relação com o seu pai), aquando do estabelecimento de nova relação entre o seu pai e M, com envolvência de uma nova criança na dinâmica familiar (J). Esta nova realidade parece ter trazido particular frustração a L, não apenas pelo necessário confronto com a impossibilidade de uma futura reunificação familiar (desejo que ainda acalenta), bem como face a uma necessária readaptação (mudança de casa, estabelecimento de nova relação com J). Importa, pois, que o progenitor procure assegurar uma relação particularmente próxima com a sua filha, por forma a que a mesma não se sinta preterida em relação a novos elementos que possam surgir na família”.
51. A progenitora nasceu a 27.12.1978 é licenciada em economia e desempenha funções como consultora de tecnologias na empresa ____.
52. A mãe está efetiva e tem o horário de trabalho das 09h00 às 18h00.
53. Aufere por mês cerca de €1.800,00.
54. Como despesas fixas tem €900,00 do crédito à habitação referente à casa; e suporta, em conjunto com o pai, 50% das despesas da L com as atividades extracurriculares (ballet, natação e inglês) metade da mensalidade do colégio da L (€250,00) e despesas de saúde, em montante não apurado.
55. Foi acompanhada em consulta de psiquiatria desde 2018, sem toma de medicação, mantendo esse acompanhamento à data da ATE, a 04.03.2022.
56. O progenitor nasceu em 18 de julho de 1977, licenciou-se em engenharia e gestão industrial, trabalhou uns anos em empresa de família e atualmente trabalha na empresa ____, como gestor de ativos imobiliários.
57. Aufere cerca de €1.600,00 mês, e tem flexibilidade de horário.
58. Após a separação viveu em casa dos seus pais, depois foi viver para casa própria um apartamento T2, onde L dispunha de quarto próprio.
59. Atualmente, desde janeiro de 2023, partilha a casa e despesas com a atual companheira, M, e a filha desta, J, que reside nessa casa em semanas alternadas com o pai.
60. A L convive regularmente com a J, partilhando programas e brincadeiras, o que é do agrado de L, que denota ter também um certo ascendente sobre a J, como numa relação de “irmã” mais velha, pese embora expresse junto da família materna sentimentos de rivalidade e ciúme relativamente à J.
61. A L dispõe de quarto próprio na casa do pai e da M, além de dispor de um espaço amplo para brincar e mostra ter um sentimento de pertença a esse espaço.
62. O casal está à espera de uma filha, com nascimento previsto para março de 2025.
63. A progenitora vive sozinha com a menor, naquela que foi a casa de morada de família, dispondo a L de quarto próprio.
64. Do ponto de vista da saúde física a L é uma criança no geral saudável, mas tem alguns episódios de doença, como otites, amigdalites ou gripes, em especial no período de inverno, sendo seguida pelo médico pediatra ou recorrendo os pais às urgências quando necessário.
65.A L é assídua, pontual, com bom desempenho escolar e boa atitude, evidenciando uma boa integração na escola e bom relacionamento, quer com pares, quer com adultos.
66. Os progenitores reconhecem a importância do papel de cada um deles na vida da filha, mas mantêm um padrão relacional de pouca colaboração e dificuldade de comunicação, centrando-se nas diferenças que os opõem.
67. Ambos os progenitores têm as competências para o exercício da parentalidade em relação à sua filha por quem nutrem um sentimento genuíno e profundo de amor.
68. A criança apresenta um desenvolvimento adequado para a sua idade e sexo e apresenta-se com um aspeto cuidado e roupa adequada aos diversos contextos.
69. No contacto com o adulto que não conhece é simpática e afável, com um discurso muito espontâneo, coerente e organizado.
70. A criança revela ter uma vinculação afetiva igualmente forte com ambas as figuras parentais, sendo os pais as suas figuras de referência.
71. Quando ouvida pelo Tribunal, a 04.11.2024, então com 9 anos, em deslocação ao colégio que a criança frequenta, a L descreve com entusiasmo e espontaneidade os programas que realiza quer com o pai, quer com a mãe, revelando que à data atual se sente à vontade com ambas as figuras, que tem um sentido de pertença adequado a ambos os contextos familiares; que sente que ambos lhe dedicam atenção e tempo de qualidade e fazem programas do seu agrado e adequados a promover o seu desenvolvimento global (v.g. jogos de tabuleiro, puzzles, idas ao parque, à piscina, passeios de bicicleta, atividades de culinária, artes plásticas, leitura).
72. A criança relata ainda a presença regular no seu quotidiano dos avós maternos, que a recolhem habitualmente no colégio e com quem convive regularmente também nos fins de semana, por quem nutre grande afeto.
73. Relata ainda a presença no seu quotidiano da atual companheira do pai, a M, e da filha desta, J, com grande entusiasmo e espontaneidade, revelando também muito agrado com as atividades e programas que realiza no contexto da família paterna, denota ter grande afeto pelo pai, pela madrasta, e pela J e sentir-se também acarinhada na família paterna; verbaliza grande expetativa e entusiasmo com o nascimento da irmã, a “…”, previsto para o próximo mês de março». 3.1.2 – (...) e não provado que:
«1. O Progenitor sempre rejeitou e continua a rejeitar a realização das chamadas telefónicas ou por videochamada e quando as realizava, era (e é) sempre na sua presença ou na presença de terceiros, induzindo a menor a desligar ou arranjando alegados problemas técnicos.
2. O Pai não impõe quaisquer rotinas na vida da L; na casa deste não existem quaisquer rotinas/horários/regras, designadamente, de descanso, de estudo, de alimentação e de higiene.
3. Em casa do Pai, não existem quaisquer horários, podendo a menor ver televisão e jogar no tablet sempre que lhe apetece e pelo tempo que entender.
4. A menor fica constantemente doente em casa do Pai, ainda que não padeça de qualquer doença crónica.
5. A menor regresse constantemente doente quando vem de casa do Pai.
6. O Progenitor adota comportamentos desadequados, tendo em conta a evidente fragilidade da L em relação ao frio e às mudanças de temperatura, como, por exemplo, não lhe vestindo camisola interior no Inverno, levando a menor ao parque de inverno de manhã antes de ir para a escola ou levando a menor à praia em pleno mês de fevereiro, quando esta já se encontra doente.
7. O Progenitor omite à Progenitora os sintomas da menor e, inclusive, que lhe deu medicação, sendo a própria menor que acaba por informar a Mãe.
8. Ainda na constância do casamento, quando a mãe se deslocava em trabalho ao estrangeiro, sempre foi a avó materna a assumir os cuidados da menor, ou na casa de morada de família, ou na sua própria casa, onde a menor algumas vezes pernoitou.
9. A menor continua a demonstrar uma forte resistência às idas para o Pai e, nomeadamente, às pernoitas em casa deste.
10. A L ainda se encontra em fase de adaptação ao regime em vigor.
11. Os progenitores preconizam modelos educativos diametralmente opostos.
12. A L tenha ansiedade que se reflete não só na resistência em ir para o Pai, mas igualmente na agitação que a menor apresenta na escola e em casa dos pais.
13. Em casa dos pais a menor está sempre muito agitada, e adota, por diversas vezes, comportamentos que não são próprios da sua idade e que demonstram quase uma “obsessão” por organização e arrumação.
14. A menor continua a verbalizar que não quer ir para o Pai.
15. Volta de casa do pai num estado de profunda exaustão/cansaço, como se não tivesse dormido o suficiente.
16. Por diversas vezes, a menor chega a casa da Mãe, nos dias em que vai lanchar com o Pai, sem os trabalhos de casa feitos, tendo de os fazer já tarde, muitas das vezes após o jantar.
17. Quando pernoita em casa do Pai, é a própria menor que transmite à Mãe que, por diversas vezes, faz os trabalhos de casa de manhã, antes de ir para o colégio.
18. A menor apresenta fragilidades a nível emocional».
*
3.2 – Fundamentação de direito: 3.2.1 – Breve invocação de José Alberto dos Reis a propósito das peças recursivas apresentadas pela apelante e pelo apelado:
Há 80 anos, mais coisa menos coisa, afirmava José Alberto dos Reis, com a sua particular clareza, acutilância e sentido de humor, que «os juízes são de má boca; têm o apetite derrancado. Para os forçar a comer, é indispensável oferecer-lhes alimentos simples, leves, atraentes. Uma alegação longa, arrevezada e desordenada é quase sempre trabalho inútil e muitas vezes contraproducente.
Condição fundamental para o êxito da alegação (escrita ou oral) é que seja atraente, isto é, que convide o juiz a ler ou a ouvir. Para isso importa que seja breve, clara e bem ordenada. A boa ordem, a sistematização cuidada, a arrumação irrepreensível, de modo que cada tema, cada questão apareça no lugar próprio, são requisitos tão importantes como a brevidade e a clareza»[2].
Vem esta mensagem a propósito das peças recursivas apresentadas pela apelante e pelo apelado, incompreensivelmente extensas e prolixas.
No que às conclusões concretamente diz respeito, tal como refere Abrantes Geraldes, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação.
As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar na sua essência cada uma das alíneas do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso.
Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no n.º 2. Apesar de a lei adjetiva impor o patrocínio judiciário, são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas.
Ainda que algumas das situações exemplificadas justificassem efeitos mais gravosos, foi adotada uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento. Ao invés do que ocorre quando faltam pura e simplesmente as conclusões, em que o juiz a quo profere despacho de rejeição imediata do recurso, qualquer intervenção no sentido do aperfeiçoamento das irregularidades passíveis de superação foi guardada para o relator no tribunal ad quem, como se extrai, com toda a clareza, do n.º 3 do art. 639.º e da al. a) do n.º 3 do art. 652.º.
O relator a quem o recurso seja distribuído deve atuar por iniciativa própria, mediante sugestão de algum dos adjuntos ou, em último caso, em resultado do deliberado em conferência, nos termos do art. 658.º. Por isso, tal como se verifica na fase do saneamento do processo, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões o relator deve identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem decorrer da sua inércia ou do deficiente acatamento do convite.
A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. Para isso pode ser conveniente tornar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reacção do recorrido manifestada nas contra-alegações de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras[3].
As conclusões serão complexas, nomeadamente, quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 do supramencionado artigo 639.º.
No caso dos presentes autos, estamos, manifestamente, perante conclusões complexas, prolixas, que não cumprem o dever de síntese advindo do mencionado n.º 1 do art. 639.º do C.P.C. Como é sabido, versando o recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nas conclusões apenas importa que o apelante proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados[4].
Em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, as conclusões não têm, obviamente, que reproduzir todos os elementos do corpo das alegações, nem delas deve constar a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e nem mesmo as respostas pretendidas.
Nas conclusões, por evidentes razões de objetividade e de certeza, apenas devem ser indicados os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação.
A apelante dedica a esmagadora maioria dos pontos das conclusões, sem que se perceba com que objetivo ou utilidade, a indicar e a reproduzir meios de prova.
Tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.º 299/05.6T8MGD.P2.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, «enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória».
Tal como afirma ainda Abrantes Geraldes, «sem embargo do que se referiu, a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso: em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os Tribunais Superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade (e também para que a parte recorrente não seja prejudicada), avançar para a decisão, na qual é feita a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Agindo deste modo, os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal»[5].
É exatamente por esta razão que não se determina o aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso da apelante, antes se expurgando as mesmas daquilo que não é essencial, deixando-se, no entanto, claro, que constituem (tal constituem as conclusões do apelado, neste caso, numa dimensão ainda maior) um texto prolixo, cuja extensão de forma alguma se justifica e que desvirtua o sentido da lei quando impõe que o recorrente conclua a sua alegação de forma sintética, indicando os fundamentos por que pede, neste caso, a revogação da sentença. 3.2.2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Aspetos a considerar:
O direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito.
Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente[6].
Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no art. 130.º, deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir[7].
Conforme refere Carlota Spínola «(...) o TR[8] está eximido do exercício do dever de modificabilidade da decisão de facto nas situações de irrelevância processual que ficam, por conseguinte, excluídas do campo de aplicação do art. 662.º. Esta constatação lapalissiana baseia-se no princípio da limitação dos atos expressamente previsto no art. 130.º, enquanto manifestação do princípio da celeridade e da economia processual, acolhidos nos arts. 2.º/1 e 6.º/1.
Como é aludido nos acs. do TR de Guimarães (TRG) de 20/10/2016 (proc. n.º 2967/2012, ID 369508) e de 26/11/2018 (proc. n.º 272/2017, ID 400002), a Relação não deve reapreciar a matéria factual quando os concretos factos objecto da impugnação forem insuscetíveis, “face às circunstância(s) próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito”, de ter “relevância jurídica”, sob pena de executar uma atividade processual que já previamente sabia ser “inútil” ou “inconsequente”. Por outras palavras, o exercício dos poderes-deveres de investigação pela Relação só é admissível se recair sobre factos com interesse para o recurso, i. e., factos que a serem demonstrados, modificados ou dados como provados alteram a solução ou o enquadramento jurídico do objeto recursório.»[9].
No mesmo sentido, afirma Henrique Antunes que «de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância, seja qual for a modalidade considerada, só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 130 do nCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância, a anulação da decisão ou o reenvio do processo para essa instância para que seja fundamentada, a renovação ou a produção de novas provas. Isso sucederá sempre que, por exemplo, mesmo com a substituição da decisão da matéria de facto impugnada, a solução ou enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, v.g., mesmo com a modificação, os factos adquiridos são insuficientes ou inidóneos para modificar a decisão de procedência ou de improcedência, da acção ou da excepção, contida no despacho ou na sentença recorrida.
Portanto, a actuação dos apontados poderes de controlo só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção»[10].
Por outro lado, dispõe o art. 640.º:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) (...).
3 – (...)». Conforme refere Abrantes Geraldes, «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação»[11].
As referidas exigências, prossegue o citado Autor, «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo»[12], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade, sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é «a definição do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)»[13].
No Ac. do S.T.J. de 08.06.2021, Proc. n.º 2737/16.3T8VFX.L1.S1 (Chambel Mourisco), in www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte: «No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
Quanto ao caso em análise no aludido acórdão referiu-se que não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
(...) A alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
(...) Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. (Acórdão de 19-12-2018, proferido no Proc. n.º 271/14.5TTMTS.P1.S1 e Acórdão de 05-09-2018, proferido no Proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2.)
(...)
A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
(...)
Não cumprem o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil os recorrentes que não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância(...)(Acórdão do STJ de 6/11/2019, Processo n.º 1092/08.0TTBRG.G1.S1).
(...) podemos concluir que o recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, deve:
– Concretizar cada um dos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
– Especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que essa concretização deve ser feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.»
No Ac. do S.T.J. de 27.09.2018, Proc. n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1 (José Sousa Lameira), in www.dgsi.pt, decidiu-se que para que o ónus a cargo do recorrente seja cumprido, exige-se ainda ao recorrente uma análise crítica da prova invocada, em confronto com o que consta da motivação da sentença, que permita justificar a alteração da decisão proferida sobre os factos.
Na verdade, tal como é imposto ao tribunal que faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise crítica dos respetivos meios probatórios.
Ou seja, exige-se do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão aos meios de prova, no caso concreto, a documentos, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo tribunal recorrido foi declarado.
Por outras palavras, ainda, exige-se que o recorrente faça o confronto dos elementos probatórios que indica, e que em seu entender impõem, relativamente a cada ponto de facto que impugna, com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do tribunal[14].
Por conseguinte, o recorrente deverá, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si[15].
A apelante impugna a decisão do tribunal a quo: a) quanto aos enunciados descritos 3 e 6 dos factos provados e em 8 dos factos não provados.
Não têm, presentemente, e à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, qualquer relevo para a decisão da causa e do recurso.
Termos em que, nesta parte, não se conhece da impugnação sobre a decisão da matéria de facto. b) quanto aos enunciados descritos em 2. e 6. dos factos não provados:
O ponto 2. dos factos não provados é vago, genérico e de cariz conclusivo.
Seja como for, não se vislumbra que tenha sido produzido nos autos um único meio de prova suscetível de permitir concluir que o tribunal a quo errou ao considerar não provados aqueles enunciados.
Afirma a apelante que «salvo melhor entendimento, estes factos deveriam ter sido considerados provados, na medida em que foram expressamente admitidos pelo Pai, existindo, por isso, meios de prova nos autos que impunham decisão diversa sobre os mesmos».
Ora, não resulta, manifestamente, das declarações do progenitor que:
«2. O Pai não impõe quaisquer rotinas na vida da L; na casa deste não existem quaisquer rotinas/horários/regras, designadamente, de descanso, de estudo, de alimentação e de higiene»; e que,
«6. O Progenitor adota comportamentos desadequados, tendo em conta a evidente fragilidade da L em relação ao frio e às mudanças de temperatura, como, por exemplo, não lhe vestindo camisola interior no Inverno, levando a menor ao parque de inverno de manhã antes de ir para a escola ou levando a menor à praia em pleno mês de fevereiro, quando esta já se encontra doente».
A exacerbada litigiosidade que vem caracterizando este processo não pode, não deve, ir ao extremo de se colocarem na boca de outras pessoas afirmações que elas não proferiram; se se quiser, de se retirarem conclusões com base em alegadas afirmações de determinada pessoa, por ela não proferidas.
A não ser, claro, que estejamos no âmbito da pura litigância de má fé.
Nada nos autos, nomeadamente as declarações prestadas pelo progenitor, ou o teor do relatório de audição técnica especializada, permitem, de forma alguma, apontar no sentido da veracidade das conclusões vertidas nos enunciados descritos em 2. e 6. dos factos não provados.
A apelante socorre-se, de forma absolutamente descontextualizada, da seguinte passagem constante do dito relatório de audição técnica especializada elaborado em 4 de março de 2022: «(...) ainda que revele algumas dificuldades (...)».
Esquece a apelante, ou finge esquecer, que essa passagem está inserida na seguinte frase: «LB encontra-se disponível e motivado para exercer a sua paternalidade de forma plena, ainda que revele algumas dificuldades. Todavia, JB manifesta dificuldade em identificar qualquer potencial de mudança em LB, identificando apenas na dimensão lúdica das interações com a filha as suas competências. No entanto, ambos percecionam a parentalidade como gratificante e acreditam possuir conhecimentos sobre os aspetos práticos de desenvolvimento e da educação da filha. Salienta-se que LB confrontado com algumas preocupações apresentadas por JB sobre os cuidados à filha, mostrou-se disponível para identificar e refletir sobre as mesmas, com o apoio da equipa».
Esquece ainda a apelante, ou finge esquecer, a conclusão desse mesmo relatório, elaborado, reitera-se, há mais de três anos:
«Entendemos que L deverá manter uma relação de proximidade com ambos os pais numa dinâmica familiar saudável e ajustada à sua idade e fase de desenvolvimento, não tendo identificado esta equipa impedimentos objetivos a que a L fique aos cuidados dos pais de forma mais equitativa».
Termos em que se indefere, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não sem que se insista neste ponto: os argumentos utilizados pela apelante para reverter de não provados para provados os enunciados descritos em 3. e 6. dos factos não provados raiam a litigância de má fé (art. 542.º, n.º 1, e 2, al. a), do CPC). c) quanto aos enunciados descritos em 36., 41., 42., 60., 61., 68., 69. e 71. dos factos provados e 9. e 10. dos factos não provados:
A recorrente “agarra-se” a um concreto episódio ocorrido no dia 7 de março de 2023, em que a criança colocou reservas em ir com o pai para casa deste, o que, no entanto, acabou por acontecer, argumentando que era alérgica a um gato, para daí concluir ser «falso que, há pelo menos dois anos, a L não revela qualquer tipo de desconforto e em ir para o Pai e em estar em casa deste, sendo, ao invés, verdade, que a menor continua a demonstrar resistência em ir para o Progenitor, estando ainda a tentar adaptar-se, nomeadamente, ao novo agregado familiar do Pai, que irá agora sofrer nova alteração com o nascimento da irmã da menor, previsto para março» e logo em seguida passar a discorrer sobre a sua própria relação com a filha, algo que não está aqui em causa.
Nenhuma prova produzida nos autos, nomeadamente as declarações da criança, permite concluir no sentido pretendido pela apelante, ou seja, que a L:
- continua a demonstrar resistência em ir para o progenitor;
- que ainda se encontra em fase de adaptação ao regime em vigor.
Aliás, as declarações da L, transcritas pela apelante, revelam exatamente o contrário da pretensão impugnatória desta.
Termos em que improcede a impugnação da decisão quanto ao ponto 6. dos factos provados e 9. e 10. dos factos não provados.
Quanto ao enunciado descrito sob ponto 68 dos factos provados:
A apelante não especifica qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto a este enunciado, o que constitui motivo para a sua rejeição (cit. art. 640.º, n.º 1, al. c).
Ainda que assim não fosse, resulta à evidência dos autos, nomeadamente pelas declarações da L e pelo teor do “Relatório da Perícia Médico-Legal – Psicologia – Relatório Psicológico”, elaborado pela Delegação do Sul do INML, IP – Serviço de Clinica e Patologia Forenses – Unidade Funcional de Clínica Forense, datado de 30 de outubro de 2023, entrado nos autos no dia 30 de outubro de 2023, o seguinte:
«A examinanda coloca no círculo mais próximo de si três elementos da sua família. Convidada a identificá-los descrimina: “opai,amãe,eosdoisavós [referindo-se aos dois casais de avós – materno e paterno] (…).” (sic). Questionada sobre as suas amizades distingue e solicita para colocar no circulo mais próximo de si “(…)a … ea … quesãogémeas,agoraestãonaminhaturma,ea … quebrincoàsvezesàsmãeseaospais.” (sic).
Opta por colocar no circulo central, relativamente à sua família, “(…)omeuPrimoS,omeutioM,aRqueéaminhatiaagora,asminhasprimasemprestadas.Éisso.Damãe,eutenhoimensosprimoseprimas” (sic). Questionada sobre onde colocaria a M e a J, afirma que colocaria igualmente no circulo central. Relativamente a relações de amizade, opta por colocar neste circulo a I e a C. Opta igualmente por incluir neste circulo, os professores de moral, de ginástica, de dança e inglês.
Não coloca ninguém da sua família no circulo exterior, todavia, afirma querer colocar “(…)osmeninosnofutebol,porquevoujogarfuteboleaprofessoradeballet,semprearalharporquesoumuitotagarela.” (sic).
(...)
A figura materna assume um papel claro nas poucas histórias que relata, a quem é atribuído um papel de gratificação e de colocação de regras. É atribuída menor estabilidade na relação com a figura paterna, embora sendo recorrente o surgimento desta figura assumindo um papel protetor e de envolvência em diversões.
(...)
Do estudo biográfico, observação e entrevista clínica, assim como da avaliação psicológica realizada, constata-se que o rendimento intelectual da examinanda, para a sua idade em avaliação de tipo global, é correspondente à chamada “Capacidade intelectual superior”, ou seja, a examinanda apresenta uma capacidade intelectual acima do esperado para a sua faixa etária.
Revela particular discernimento face às relações com o seu pai e mãe, sendo estas relações fontes de gratificação e envolvimento.
É uma criança que revela um adequado autoconceito, porém com presença de alguma (não sintomatologicamente expressiva) sintomatologia ansiosa (nervosismo, preocupações ou mesmo tristeza face a possíveis alterações na sua vivência rotineira).
(...)
L apresenta significativo envolvimento com a sua mãe, embora o mesmo seja verificado, embora não com idêntica intensidade, relativamente ao seu pai.
A criança, no respeitante à sua perceção de suporte emocional por parte de cada um dos seus pais, bem como relativamente a possíveis sentimentos de rejeição, revela identificação de praticas educativas muito similares por parte dos seus pais.
No respeitante à sua perceção de comportamentos parentais de controlo (comportamentos intrusivos por parte dos seus pais, com marcada vigilância dos comportamentos da criança), a criança revela baixa perceção dos mesmos em relação aos seus pais.
(...)
L parece assumir um papel de coesão e harmonia relativamente ao casal parental, assumindo uma postura critica, mas igualmente unificadora desta relação. L revela perceção de proximidade afetiva na relação com a sua mãe, reconhece o estabelecimento de uma comunicação adequada, com confiança. É também evidenciada uma perceção de aceitação mútua, bem como capacidade de aceitação entre si e o seu pai, resultados indicativos de vinculações seguras.
(...)
Embora L apresente bons recursos e resiliência emocional, aparenta alguma fragilidade relativamente à necessária adaptação a mudanças, sendo, pois, necessário, particular atenção e contenção na eventualidade das mesmas.
Constata-se haver um reconhecimento, por parte de L, da existência de alguns conflitos parentais, sendo percecionada alguma intensidade dos mesmos. A examinanda faz uma apreciação acerca do conflito parental, acreditando que as discussões parentais podem ter consequências negativas para a sua vida e que lhe faltam os recursos necessários para lidar positivamente com o conflito. Considera ter alguns recursos necessários para lidar positivamente com o conflito, no entanto apresenta igualmente sinais indicativos de sentimentos de impotência face ao surgir de situações de conflito entre os seus pais. A criança parece assumir uma postura marcadamente rigorosa, procurando garantir idêntica disponibilidade a cada progenitor, não sentindo da parte dos seus pais recetividade para ir de encontro aos desejos do outro progenitor.
(...)
L parece usufruir plenamente de uma relação de exclusividade com a sua figura materna (mãe), aspeto que se viu frustrado (em relação à idêntica exclusividade na relação com o seu pai), aquando do estabelecimento de nova relação entre o seu pai e M, com envolvência de uma nova criança na dinâmica familiar (J).
Esta nova realidade parece ter trazido particular frustração a L, não apenas pelo necessário confronto com a impossibilidade de uma futura reunificação familiar (desejo que ainda acalenta), bem como face a uma necessária readaptação (mudança de casa, estabelecimento de nova relação com J). Importa, pois, que o progenitor procure assegurar uma relação particularmente próxima com a sua filha, por forma a que a mesma não se sinta preterida em relação a novos elementos que possam surgir na família».
Quanto ao enunciado descrito em 69. dos factos provados, importa dizer que não é, salvo o devido respeito, a melhor técnica processual, aquela que foi utilizada pelo senhor juiz a quo na enunciação deste ponto de facto.
Conforme salienta Tomé Gomes, «o teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que “a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor” ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que “os bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio”.
Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão»[16].
Assim, a senhora juíza a quo, em vez de dar como provado que:
- «quando ouvida pelo Tribunal, a 04.11.2024, então com 9 anos, em deslocação ao colégio que a criança frequenta, a L descreve com entusiasmo e espontaneidade os programas que realiza quer com o pai, quer com a mãe, revelando que à data atual se sente à vontade com ambas as figuras, que tem um sentido de pertença adequado a ambos os contextos familiares; que sente que ambos lhe dedicam atenção e tempo de qualidade e fazem programas do seu agrado e adequados a promover o seu desenvolvimento global (v.g. jogos de tabuleiro, puzzles, idas ao parque, à piscina, passeios de bicicleta, atividades de culinária, artes plásticas, leitura)»,
devia a senhora juíza a quo devia ter dado como provado que:
«A L descreve com entusiasmo e espontaneidade os programas que realiza quer com o pai, quer com a mãe, revelando que à data atual se sente à vontade com ambas as figuras, que tem um sentido de pertença adequado a ambos os contextos familiares; que sente que ambos lhe dedicam atenção e tempo de qualidade e fazem programas do seu agrado e adequados a promover o seu desenvolvimento global (v.g. jogos de tabuleiro, puzzles, idas ao parque, à piscina, passeios de bicicleta, atividades de culinária, artes plásticas, leitura)».
Este enunciado, tal como os descritos em 41., 42., 60. 61. e 71. dos factos provados, resulta demonstrado pelo teor das declarações prestadas pela criança na diligência realizada no dia 4 de novembro de 2014, no Colégio __, em Lisboa, a que se reporta a ata com a Ref.ª ____.
Aliás, perguntada o que acharia se começasse a passar tanto tempo em casa do pai como em casa da mãe, afirmou espontaneamente que quando estivesse em casa do pai ia ter saudades da mãe, e quando estivesse em casa desta ia ter saudades daquele.
A recorrente afirma ainda que «(...) resulta da Sentença do Tribunal adquo, que não foram provados os seguintes factos:
a) QueaLtenhaansiedadequeserefletenãosónaresistênciaemirparaoPai,masigualmentenaagitaçãoqueamenorapresentanaescolaeemcasadospais (facto não provado número 12);
b) Queemcasadospaisamenorestásempremuitoagitada,eadota,pordiversasvezes,comportamentos,quenãosãoprópriosequedemonstramquaseuma“obsessão”pororganizaçãoearrumação (facto não provado número 13);
c) Queamenorapresentafragilidadesanívelemocional (facto não provado número 18)».
Isto apesar de existirem meios de prova nos autos que, efetivamente, fazem prova de tais factos».
No que tange a tais enunciados, a apelante não tem sequer a preocupação de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão diversa sobre eles, o que, obviamente, é motivo de rejeição, nesta parte, da impugnação sobre a matéria de facto.
Seja como for, e sem necessidade de quaisquer outros considerados sobre a exaustiva prova produzida nestes autos, analisada conjugada e criticamente, importa dizer que a simples audição da gravação das declarações da L revela à evidência a total ausência de fundamento da impugnação, pela recorrente, da decisão sobre a matéria de facto; aliás, o que essa impugnação parece revelar, no caso concreto, é o propósito de perpetuação de uma injustificada litigiosidade, da qual a L é, e será, se as coisas assim continuarem, a grande prejudicada.
Desatende-se, completamente, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 3.2.3 – Enquadramento jurídico:
Dispõe o n.º 1 do art. 1906.º do CC[17] que «o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro», acrescentado o n.º 6 que «quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos».
O critério supremo norteador da fixação da residência das crianças é, tal como sucede relativamente a todos os demais aspetos relativos à atribuição ou repartição das responsabilidades parentais, o superior interesse das mesmas.
De acordo com José de Melo Alexandrino, trata-se de «uma norma de competência (norma que estabelece uma habilitação para criar normas ou decisões), ora a favor do legislador (na configuração a dar ao ordenamento), ora a favor do juiz e da administração tutelar (na construção de normas de decisão de casos concretos; em segundo lugar é uma norma impositiva que ordena ao juiz e à administração que, na tomada de uma decisão que respeite ao menor, não deixem nunca de recorrer (mas sempre dentro dos limites do direito aplicável e circunstâncias do caso) à ponderação dos interesses superiores do menor, ou seja, dos interesses conexos com os bens prioritários da criança (a vida, a integridade, a liberdade), no contexto dos bens e interesses relevantes no caso»[18].
Trata-se, como afirma Maria Clara Sottomayor, de uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo, uma noção polimorfa, plástica e essencialmente não objetivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas[19].
Segundo a mesma Autora, «o interesse da criança dado o seu estreito contracto com a realidade, não é suscetível de uma definição em abstracto que valha para todos os casos. Este critério só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças»[20].
Constitui, pois, um conceito aberto, indeterminado, cujo preenchimento exige uma análise sistémica e interdisciplinar, caso a caso, da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência, logo uma «punctualização tópica»[21].
No entanto, com Almiro Rodrigues, por superior interesse da criança e do jovem, podemos entender o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade[22], o que significa que se trata de um conceito que deve comportar em si tudo aquilo que seja suscetível de contribuir para o desenvolvimento integral da criança em termos harmoniosos e felizes.
Tal como refere Susana Santos Silva, «a recente evolução jurisprudencial, bem como a alteração legislativa operada pela Lei n.º 65/2020 de 4/11, que veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, vão no sentido da preferência pelo sistema de residência alternada com guarda conjunta, sempre que esta solução vá de encontro ao superior interesse da criança.
Também os instrumentos internacionais europeus vinham já refletindo esta nova tendência, sendo que a Resolução 1921 do Conselho da Europa (2013), que apenas apelava “às autoridades dos Estados-Membros a respeitar o direito dos pais a desfrutar a responsabilidade partilhada, assegurando que legislação sobre a família e as crianças, em caso de separação ou divórcio, contemple a possibilidade de residência alternada/guarda partilhada das crianças, no seu superior interesse, baseado no mútuo acordo entre progenitores”, dois anos após, veio a ser substituída pela Resolução 2079 do Conselho da Europa (de 02-10-2015), instando os Estados Membros a “Introduzir na sua legislação o princípio da residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso infantil ou negligência ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses”
Embora o princípio da residência alternada não tivesse ainda sido transposto para o direito nacional, já então a jurisprudência entendia maioritariamente que o artigo 1906º do Código Civil não exigia o acordo dos progenitores para a sua fixação, nem sequer a inexistência de conflitualidade entre os cônjuges, sendo que a existência de alguma conflitualidade seria mesmo compreensível e expectável numa situação de pós rutura do casal.
O art.º 1906º, n.º 6 do Código Civil, na sua atual redação, dada pela Lei nº 65/2020, de 04 de novembro, estabelece que quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos. E o n.º 8 do mesmo preceito dispõe que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse da criança, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Significa, então, que o facto de não existir acordo entre os progenitores quanto à residência alternada, a ela se opondo um dos progenitores, só por si, não obsta à fixação de um sistema de residência alternada. Sendo este o sistema que melhor assegura a prossecução do interesse da criança, por ser potenciador de um convívio mais amplo com ambos os progenitores, permitindo-se com ele que a criança mantenha uma relação o mais próxima possível com pai e mãe, de maneira a usufruir em termos paritários de afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe pode proporcionar[23].
Convocando os princípios basilares a observar, supra enunciados, no que respeita à determinação da residência da criança, do superior interesse da criança, da igualdade entre os progenitores e da disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor, prevalecerá sempre o primeiro. Assim, não obstante a boa relação que o menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação que ambos lhe dispensem, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse da criança (n.ºs 5 e 8 do art.º 1906º do Cód. Civil), sendo importante avaliar, entre outos fatores, se é esse o que na prática os pais vêm seguindo, se é essa a vontade manifestada pelos próprios filhos e se estes mantêm uma relação afetiva sólida com ambos os pais.
Em determinadas situações, a jurisprudência mais recente vê a residência alternada como “a que mais potencial tem para diminuir a conflitualidade parental”[24].
Edward Kruk[25] enuncia os catorze argumentos que legitimam a imposição judiciária da residência alternada: 1. Preserva a relação da criança com ambos os pais; 2. Preserva a relação dos pais com a criança; 3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família; 4. Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse; 5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança; 6. Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio; 7. Potencia a qualidade da relação progenitor/criança; 8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância; 9. Incentiva a negociação, a mediação parental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais; 10. Proporciona “guidelines” claras e consistentes para a tomada de decisão judicial; 11. Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”, 12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais. 13. Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança; 14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia e à igualdade, direitos e responsabilidades.
Em conclusão
Os pais devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol destes, pela simples razão de que “os filhos precisam de ambos”, cabendo ao tribunal “ajudar os pais a trabalhar em conjunto tendo em vista o bem-estar dos seus filhos”[26]».
No Ac. da R.C. de 23.02.2021, Proc. n.º 1671/18.7T8VIS-D.C1 (LB Cravo), in www.dgsi.pt, refere-se que a nova redação do n.º 6 do art. 1906.º do CC, passou a ser possível, sem margem para qualquer dúvida, instituir o regime de residência alternada mesmo contra a vontade dos progenitores, desde que tal medida se mostre a mais adequada na prossecução do superior interesse da criança, permitindo-lhe manter uma relação próxima com ambos os pais e usufruir de maneira equitativa do afeto, apoio e segurança que cada um pode proporcionar.
Com efeito:
- com a nova redação do n.º 6 do art. 1906.º do CC, «(...) não é já possível defender-se a exigência de necessidade de acordo de ambos os progenitores para ser decretada a residência alternada»[27];
- essa nova redação do preceito «(...) veio sanar essas divergências quanto à admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a imposição legal prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança»[28]. Pedro Raposo de Figueiredo considera que o modelo de residência alternada postula, além do mais, «que ambos os progenitores disponham de adequadas competências parentais, bem como condições profissionais, económicas, habitacionais e motivacionais ajustadas a assegurar a residência da criança em regime de alternância, o que pressupõe a prévia análise da sua situação concreta, na qual o tribunal não poderá prescindir da intervenção dos serviços de assessoria técnica, designadamente, no âmbito de avaliações psicológicas e da audição técnica especializada.
Aspetos como a proximidade geográfica das residências dos progenitores, a opinião e a idade do filho, a sua ligação afetiva com cada um dos pais, serão, outrossim, critérios orientadores na tarefa de densificação do superior interesse da criança quando se trate de fixar os termos da sua residência, considerando-se prejudicada a aplicação do modelo de residência alternada nos casos em que, nos termos do disposto no artigo 1906.º-A do Código Civil, o exercício em comum das responsabilidades parentais seja julgado contrário aos interesses dos filhos.
O tribunal não pode é resvalar em nefelibatismos, idealizando as relações familiares pós divórcio/separação como se elas não fossem, por natureza, marcadas por inimizade ou, pelo menos, ausência de amizade entre os progenitores, conflito e mesmo falta de cooperação entre ambos ou em posições extremadas, sobrevalorizando aspetos, como o da propalada instabilidade, que são, no fundo, consequências da própria desagregação familiar, com as quais a criança terá que conviver, seja qual for o modelo de residência adotado.
E não pode, por fim, permanecer indiferente às mudanças sociológicas verificadas na sociedade portuguesa, em que o pai deixou de ser o único a angariar o sustento da família e a mãe deixou de ser a única cuidadora dos filhos, exigindo-se-lhe uma ativa contribuição na definição de rearranjos familiares que, na concretude de cada caso, melhor beneficiem o interesse da criança»[29].
Retornando ao caso concreto, à luz dos considerandos que antecedem, afigura-se-nos corretíssima a decisão do tribunal de 1.ª instância no sentido de que «a criança L residirá uma semana com cada um dos progenitores de forma alternada, sendo a alternância feita à sexta- feira, no estabelecimento de ensino da menor, indo o progenitor buscar o menor ao equipamento, no fim das atividades escolares e/ou extracurriculares e aí o entregando, na semana seguinte, no início das atividades escolares.
Caso a sexta-feira corresponda a um dia em que a criança não se encontra no estabelecimento de ensino, o progenitor que for passar a semana seguinte com a filha, irá buscar a menor a casa do outro progenitor, às 19:00 horas».
É que, na situação sub judice, considerando a matéria de facto provada e, nomeadamente, tudo quanto nos autos foi declarado pela L, criança com quase 10 anos de idade, é isso, precisamente, que corresponde atualmente ao seu superior interesse, bastando, para tal atentar no que se mostra vertido em 1., 27., 28., 29., 32., 33., 35., 36., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 47., 48., 50., 51., 52., 53., 54., 56., 57., 59., 60., 61., 62., 64., 65., 66., 67., 68., 69., 70., 71., 72. e 73. dos factos provados que acima se deixaram transcritos.
É caso para concluir, afirmando o seguinte:
- este é um daqueles casos em que, plenamente, se justifica a fixação do regime de residência partilhada, por corresponder inteiramente ao superior interesse da criança;
- é mais do que tempo de os progenitores, sobretudo, ao que parece, a progenitora, colocarem termo à relação de conflitualidade em que reciprocamente têm vivido a propósito das responsabilidades parentais da L, sob pena de, assim continuando, prejudicarem, a breve trecho, irremediavelmente, o são crescimento e desenvolvimento da filha de ambos, alienando, em definitivo, o seu superior interesse.
É o que se sugere!
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram, a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a sentença recorrida na parte que é objeto do presente recurso, ou seja, a residência alternada da criança.
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo da recorrente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 3, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2).
Lisboa, 17 de junho de 2025
José Capacete
LB Lameiras
Cristina Silva Maximiano
_______________________________________________________ [1]Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293. [2]Código de Processo Civil Anotado, IV Vol., p. 541. [3]Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188. [4] Cfr. Ac. de 03.12.2015, Proc. n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima), in www.dgsi.pt. [5]Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188. [6] Cf. Ac. da R.C. de 27.5.2014, Proc. nº. 104/12.0T2AVR.C1 (Moreira do Carmo), in www.dgsi.pt.
No Acórdão da mesma Relação, datado de 24.4.2012, Proc. nº. 219/10.6T2VGS.C1 (Beça Pereira), in www.dgsi.pt, escreveu-se a este propósito:
«A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º».
No acórdão da mesma Relação de 14.01.2014, Proc. nº 6628/10.3TBLRA.C1 (Henrique Antunes), a mesma ideia é assim expressa:
«De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objeto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a ação, ou pelo réu, com a contestação.
Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objeto da ação.» [7] Cfr. Ac. do S.T.J. de 17.05.2017, Proc. nº 4111/13.4TBBRG (Isabel Pereira), in www.dgsi.pt. [8] Tribunal da Relação. [9]O segundo grau de jurisdição em matéria de facto no processo civil português, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pp. 44-45. [10]Recurso de apelação e controlo da decisão da questão de facto, pp. 44-45, in www.stj.pt. [11]Recursos em Processo Civil, 7ª Ed., Almedina, 2022, pp. 200-201. [12]Recursos cit., pp. 201-202. [13]Recursos cit., p. 208. [14] Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, in http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf [15] Cfr. o Ac. da RP, de 17.03.2014, Proc. n.º 3785/11.5TBVFR.P1 (Alberto Ruço), in www.dgsi.pt. [16] Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2014, p. 23. [17] Na versão introduzida pelo art. 2.º da Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, com entrada em vigor no primeiro dia do mês subsequente ao da sua publicação, ou seja, em 1 de dezembro de 2020. [18]O Discurso dos Direito, Coimbra Editora, 2011, pp. 140 ss. [19]Exercício do Poder Paternal, Porto, Universidade Católica, 2003, pp. 63-87, e Joana Salazar Gomes, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, Universidade Católica Editora, 2017, pp. 58-62. [20]Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6.º Edição, Almedina, 2016, p. 42. [21] Cfr. José de Melo Alexandrino, Os Direitos cit. pp. 140 ss. [22] Almiro Rodrigues, Interesse do menor, contributo para uma definição, in Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, pp. 18-19. [23] No Ac. da R.C. de 14.12.2020, Proc. n.º 360/17.4TBFIG-C.C1 (Alberto Ruço), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «mesmo não existindo acordo dos pais, a residência alternada é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais – artigo 1906.º do CC –, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho». [24] «Por exemplo, os citados acórdãos da Relação de Lisboa de 12.01.2023-processo 7918/20.2T8SNT-E.L1-6, 18.6.2020 proferido no processo n.º 2973/18.8T8BRR.L1-2 [depois de aludir às posições da doutrina e da jurisprudência, considera existir «uma perspetiva mais otimista, que tende a considerar que a residência alternada terá a virtualidade de pacificar a situação de conflitualidade existente entre os progenitores, que alegadamente decorreria da guarda exclusiva atribuída à mãe, atenuando esse antagonismo, ou pelo menos não o agravando»; indica diversos arestos que perfilham esse entendimento] e de 24.01.2017 proferido no processo n.º 954-15.2T8AMD-A.L1-7 onde se lê que «Cremos ainda não poder dizer-se, sem mais, que a guarda/residência alternada fomenta o conflito entre os progenitores; ao invés, cremos que pode até concorrer para desvanecer os conflitos eventualmente existentes, pois que, com ela, nenhum deles se sentirá excluído ou preterido no seu direito de se relacionar com o filho e de participar ativamente, em termos práticos e psicológicos, no seu desenvolvimento como ser humano, sendo sabido que o progenitor “preterido”, movido pelo sentimento de exclusão que a maioria das vezes o assola, é levado a deixar de cumprir as suas obrigações parentais.». [25]«Estudo publicado em 2012 e citado por Bolieiro, Helena - Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais, A residência alternada – casa do pai – casa da mãe – E agora”, p. 235-241». [26]Critérios para a fixação da residência da criança na Regulação das Responsabilidades Parentais, in Revista Julga Online, junho de 2024, pp. 12-16. [27] Ac. da R.E. de 03.12.2020, Proc. n.º 1936/15.0T8TMR-A.E1 (Manuela Bargado), in www.dgsi.pt. [28] Ac. do S.T.J. de 30.11.2021, Proc. n.º 794/20.7T8VCT.G1.S1 (Pedro de Lima Gonçalves), in www.dgsi.pt. [29]A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais – A questão (pendente) do acordo dos progenitores, Revista Julgar, n.º 33, 2017, pp. 107-108.