CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
REQUISITOS DA COMUNICAÇÃO DO EMPREGADOR
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Enquanto no regime comum são atendíveis na decisão de despedimento os factos constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador (art.º 357.º, n.º 4 do Código do Trabalho), no contrato de serviço doméstico só relevam os expressa e inequivocamente circunstanciados na decisão escrita de rescisão, em linha, portanto, com o que a lei exige para a nota de culpa referente ao contrato de trabalho comum (art.º 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
2. As tarefas de limpeza no âmbito da exploração dum alojamento local não se destinam à satisfação das necessidades próprias ou específicas dum agregado familiar ou equiparado ou dos respectivos membros, extravasando o objecto do contrato de serviço doméstico.
3. Não existe actuação dolosa ou de má fé quando o empregador invoque determinados factos que não são manifestamente idóneos e suficientes para sustentar a alegada justa causa, mas têm correspondência com a realidade.

Texto Integral

Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
AA intentou a presente acção declarativa, com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra BB, em cujo formulário pediu que esta fosse julgada procedente, por provada e declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Na sequência da notificação para esse efeito, a ré apresentou articulado a motivar o despedimento e juntou a comunicação escrita de despedimento / rescisão do contrato de trabalho com justa causa.
A autora contestou e reconveio, invocando a licitude do despedimento e sustentando, em síntese, a inexistência de infracções disciplinares e, consequentemente, a inexistência de justa causa de despedimento e deduziu reconvenção pedindo a condenação da empregadora na indemnização de € 10.800,00 em substituição da reintegração.
A ré respondeu à reconvenção, negando que o pedido tivesse fundamento.
Lavrado despacho saneador, foi dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, admitida a prova arrolada pelas partes e reafirmada a data designada para a audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juiz proferiu sentença na qual decidiu declarar a existência de justa causa e a licitude do despedimento da trabalhadora promovida pela empregadora e, em consequência, absolveu-a de todos os pedidos contra si deduzidos na reconvenção.
Inconformada, a autora interpôs recurso, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"1 - vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida a folhas... dos autos à margem referenciados, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido;
2 - a douta decisão, objecto do presente recurso, ao invés do peticionado pela Autora-recorrente, AA, absolveu a Ré-recorrida, BB;
3 - delimitando desde já o objecto do presente recurso, o mesmo limitar-se-á a sindicar se, a carta de despedimento endereçada pela Ré-recorrida à Autora-recorrente, procedendo ao despedimento desta, respeitou escrupulosamente o previsto e estatuído no n.º 3 do artigo 29.º do Decreto - Lei n.º 235/92;
4 - o preceito legal citado na conclusão anterior, não foi respeitado pela Ré-recorrida, ao enviar como enviou, a carta remetida à Autora-recorrente, procedendo ao despedimento desta;
5 - a comunicação referida na conclusão, que antecede, de forma genérica, sem concretizar um único facto, que imputou à Autora-recorrente, limitando-se a concluir, sem nunca ter concretizado, o lugar, o dia, a hora, o mês e o ano, em que foram praticados os factos, que imputou à sobredita trabalhadora;
6 - face ao desrespeito da Ré-recorrida pelo legalmente previsto, a Autora-recorrente ficou impedida de exercer o seu contraditório;
7 - o princípio referido na conclusão, que antecede, tem consagração legal no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil;
8 - a inobservância do respeito pelo contraditório, representa uma nulidade processual consagrada pelo artigo 195.º do Código de Processo Civil;
9 - o artigo 37.º- A do Decreto - Lei n.º 235/92, impõe que, aos contratos de serviço doméstico, aplica-se as normas do Código do Trabalho;
10 - nos termos do n.º 1 do artigo 329.º do Código do Trabalho, o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção;
11 - nos termos do n.º 2 do sobredito artigo 329.º do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar, deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador ou quem o representa, tomou conhecimento da infracção;
12 - face ao expendido supra, tendo em consideração o conteúdo da carta enviada pela Ré-recorrida à Autora-recorrente, procedendo ao despedimento desta, de forma vaga, genérica e conclusiva, a qual sem indicar a hora, o dia, o mês e o ano em que tenham ocorrido, eventuais factos, justificativos do despedimento da Autora-recorrente, esta,
13 - ficou impedida de exercer o seu contraditório, através do qual podia impugnar tudo o que foi alegado pela Ré-recorrida, quiçá, invocando a sua caducidade;
14 - a Autora-recorrente esteve na situação de baixa médica durante os 120 dias, que precederam ao seu despedimento;
15 - durante o espaço temporal referido na conclusão anterior, a Autora-recorrente, teve o seu contrato de trabalho doméstico suspenso nos termos do n.º 1 do artigo 296.º do Código do Trabalho;
16 - face ao aduzido na conclusão anterior, a Autora-recorrente, não praticou qualquer infracção nos cento e vinte dias anteriores ao seu despedimento, logo,
17 - não podendo ser despedida, tendo presente o previsto e estatuído no artigo 329.º do Código do Trabalho;
18 - a douta decisão, ora em crise, ilegalmente, tendo em conta o regime legal, que regula a matéria fáctica em apreço e que já foi alegada e citada refere a dado passo que,
19 - '...e deu conta das suas limitações decorrentes de um enfarte...';
20 - em parte alguma da carta, que a Ré-recorrida enviou à Autora-recorrente, procedendo ao despedimento desta, foi alegado a existência de enfarte sofrido pela dita Ré-recorrida;
21 - nos termos do n.º 1 do artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes na decisão de despedimento comunicada ao trabalhador;
22 - dolosamente, a Ré-recorrida, procedeu ilicitamente ao despedimento da Autora-recorrente;
23 - antes de obter a alta médica, a Autora-recorrente, recebeu da Ré-recorrida a seguinte mensagem, que se cita, 'se o seu coração tem muitos batimentos não me parece que possa continuar a trabalhar em duas casas';
24 - à mensagem referida na conclusão anterior, a Autora-recorrente respondeu do seguinte modo, 'Eu só posso dizer quando for a consulta de cardiologia aí ela vai dar relatório'. Nesse mesmo dia,
25 - 20 de Julho de 2024 a trabalhadora, aqui recorrente informa a empregadora-recorrida de que, 'Se eu poder vou continuar a trabalhar'.;
26 - a partir das comunicações atrás referidas trocadas entre Ré-recorrida e Autora-recorrente, esta passou a ser portadora de todos os defeitos elencados, mas nunca concretizados pela Ré-recorrida, na missiva de despedimento, que remeteu à trabalhadora, aqui recorrente;
27 - ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o previsto e estatuído no n.º 3 do artigo 29.º, artigo 31.º, artigo 37.º- A, todos do Decreto - Lei n.º 235/92, n.º 3 do artigo 3.º e artigo 195°, ambos do Código de Processo Civil, n.ºs 1 e 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho e n.º 1 do artigo 98.º- J do Código do Processo do Trabalho, o que se alega para os devidos e legais efeitos;
28 - deve o presente recurso de apelação ser recebido e decidido conforme o peticionado, qual seja, condenar a Ré-recorrida, BB nos termos peticionados na petição-reconvenção pela Autora-recorrente, AA".
Contra-alegou a ré, sustentando a manutenção da sentença recorrida.
Admitido o recurso na 1.ª Instância e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que o recurso merece parcial provimento.
As partes responderam a esse parecer, no essencial reafirmando o que antes já haviam dito na apelação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, importa apurar:
i. se o despedimento da apelante observou o estabelecido no art.º 29.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 352/92, de 24 de Outubro;
ii. se a apelante não praticou os factos imputados;
iii. se a apelada deve ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 10.800,00.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados:
"1.º
As partes celebraram a 2 de Maio de 2018, um acordo que qualificaram de 'contrato de trabalho para empregadas domésticas', nos termos constantes de fls. 14V a 15 cujo teor se dá por reproduzido com as seguintes cláusulas:
'1 O segundo outorgante é admitido ao serviço do primeiro outorgante com a categoria profissional de trabalhadora doméstica, afim de desempenhar as funções da sua especialidade, ou quaisquer outras, desde que compatíveis com a sua qualificação profissional.
2
A retribuição a auferir pelo segundo outorgante é mensal, fixada em 557 € (quinhentos e cinquenta e sete euros), sobre a qual incidirão os descontos legais.
3
O local de prestação do trabalho é na Av. …, Estoril
4
O segundo outorgante prestará um horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas de segunda-feira a sábado.
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1. O presente contrato terá início em 02/05/18 e caduca em 02/05/19 ou vigora a 'termo incerto', desde que qualquer das partes o denuncie por escrito, com a antecedência mínima de oito dias antes do termo de cada período.
2. Fica desde já acordado um prazo de experiência de 90 (noventa) dias, findo o qual o contrato poderá terminar automaticamente.
6
O motivo justificativo do presente contrato baseia-se no facto de o primeiro outorgante ter necessidade de alguém que o auxilie no serviço doméstico de sua casa.
7
1. Em tudo não previsto neste contrato vigorarão as disposições legais aplicáveis.
2. O segundo outorgante aceita ser admitido ao serviço pelo primeiro outorgante nos termos e condições acima referidos.
8
O presente contrato é feito em triplicado e é composto por 2 páginas que vão ser assinadas pelos dois outorgantes, sendo a sua celebração datada de 02/05/2018.'
(1.º, 2.º Articulado Motivador doravante AM - admitido por acordo e prova documental)
2.º
Pese embora conste no contrato de trabalho que a retribuição mensal da Segunda Outorgante era de € 557,00, a verdade é que a Ré sempre pagou à Autora retribuição no valor de € 900,00. (3.º AM admitido por acordo)
3.º
A 30 de Julho de 2024, a Ré remeteu à Autora a carta e anexos juntos a fls. 15V a 18v cujo teor se dá por reproduzido em que comunicava a sua decisão de pôr termo ao sobredito contrato por considerar que ocorreu justa causa de rescisão do mesmo, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 29º do Decreto-Lei n.º 235/92, com o seguinte conteúdo:
'Lisboa, 30 de Julho de 2024
Assunto: Rescisão do contrato de trabalho com justa causa
Exma. Senhora D. AA,
Com referência ao contrato de serviço doméstico entre nós celebrado venho, na qualidade de entidade patronal, comunicar-lhe, agora por escrito, a m/ decisão de pôr termo ao sobredito contrato por considerar que ocorreu justa causa de rescisão do mesmo, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 235/92.
Com efeito, e sem prejuízo de lamentar a decisão que me vejo forçada a tomar, entendo terem deixado de existir, definitivamente, condições para manter o vínculo laboral existente, como lhe transmiti na segunda-feira passada.
Ao longo do tempo, observei uma série de comportamentos que não são compatíveis com o ambiente de respeito e profissionalismo que espero manter em minha casa. Em particular, os seus comentários depreciativos, como chamar-me de 'preguiçosa' e fazer observações negativas sobre a minha aparência são absolutamente inadmissíveis. Este tipo de comportamento - que se foi agravando ao longo dos tempos - é inaceitável em qualquer ambiente de trabalho e não o posso mais tolerar.
Paralelamente, entendo que também não é legítima nem aceitável a sua recusa de limpar parte da m/ casa - o espaço inferior, actualmente configurado como alojamento local.
Com efeito, e como se recordará, em Agosto de 2022, altura em que passei a residir sozinha, converti o espaço inferior da casa, que antes era um escritório, lavandaria e casa de banho e objecto da sua limpeza, num alojamento local devidamente legalizado. Este espaço - independentemente do fim para que é usado - é, e sempre foi, parte integrante da casa, pelo que sua limpeza sempre esteve, como sabe, incluída nas suas funções. No entanto, a sua recusa em limpar o estúdio e a pequena cozinha adjacente, que consiste apenas num balcão de 1,80m com uma placa e um lava-loiças, foi geradora do nosso desentendimento e configura uma desobediência ilegítima a ordem dada por mim enquanto empregadora.
O ambiente criado com a recusa em limpar aquele espaço, aliado aos comentários Inadequados que me dirige, tornou-se insustentável. A atmosfera de tensão e desconforto comprometeu a nossa relação laboral, o que me obriga a tomar uma decisão para proteger o meu bem-estar e garantir um ambiente de respeito em minha casa, sendo certo que um contrato de trabalho como é o contrato de serviço doméstico exige uma base de confiança e um tipo de relação diferente de outros trabalhos, já que se trata de um trabalho prestado em casa, gerando-se assim uma relação profissional com acentuado carácter pessoal.
Por outro lado, a sua chantagem no sentido de me informar que apenas me entregaria a chave de casa mediante a entrega de 'papéis para o desemprego', pareceu-me, também, pouca séria e reveladora de uma postura de desconfiança sem fundamento que parece ignorar aquilo que já fiz por si e a confiança que em si sempre depositei.
Em face de tudo o exposto, entendo que os factos e circunstâncias relatados configuram uma situação que torna impossível a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico entre nós celebrado, pelo que não me resta outra alternativa que não a da rescisão do mesmo com justa causa, o que lhe é por esta via comunicado.
Mais informo que na presente data realizei, conforme transferência bancária que anexo, transferência no valor de € 3.375,00, incluindo tal valor o crédito referente a férias e subsídio de férias, bem como os proporcionais referentes ao ano de cessação (férias, subsidio de férias e natal) e tendo como data de referência para a cessação do contrato o último dia do presente mês, conforme simulação da ACT que também anexo
Espero que possamos finalizar a nossa relação de trabalho de forma conta profissional.
Com os melhores cumprimentos'
(4.º AM -admitido por acordo - prova documental)
4.º
Juntamente com a referida comunicação, a Ré anexou comprovativo de transferência no valor de € 3.375,00, incluindo tal valor o crédito referente a férias e subsídio de férias, bem como os proporcionais referentes ao ano de cessação (férias, subsídio de férias e natal), e, ainda, a simulação de créditos gerada pela ACT, tendo como data de referência para a cessação do contrato o último dia daquele mês.
(22.º e 23.º AM -admitido por acordo - prova documental)
5.º
A trabalhadora/autora chamou a empregadora/ré de 'preguiçosa' e fez observações negativas sobre a sua aparência, nomeadamente sobre o seu cabelo estar 'horroroso' e ter de o arranjar.
(7.º e 35.º AM)
6.º
O que aconteceu após o fim da relação afectiva da empregadora com o seu companheiro numa altura em que se encontrava triste e afectada por tal situação, sendo que até aí a trabalhadora demonstrava respeito e consideração pela empregadora.
(19.º Contestação doravante C)
7.º
A Autora fez os comentários sobre a aparência da Ré por a achar afectada na sua auto-estima e para que a recuperasse.
(20.º C)
8.º
Acresce que, paralelamente à forma como se passou a dirigir à Ré, a Autora recusava-se a limpar parte da casa da Autora, mais concretamente, o espaço inferior, configurado como alojamento local desde Agosto de 2022.
(9.º AM)
9.º
Com efeito, nessa data, altura em que a Autora passou a residir sozinha, converteu o espaço inferior da casa, que antes era um escritório, lavandaria e casa de banho e objecto da sua limpeza, num alojamento local.
(10.º AM)
10.º
No entanto, a recusa da Autora em limpar o estúdio e a pequena cozinha adjacente, foi geradora do desentendimento entre as partes.
(12° AM)
11.º
O ambiente criado com a recusa em limpar aquele espaço, aliado aos comentários dirigidos pela Autora à Ré, criou uma atmosfera de tensão, desconforto e desconfiança.
(14.º, 15.º e 44.º AM)
12.º
A Ré sentiu que esta atmosfera comprometia o seu bem-estar emocional e psicológico ao sentir a sua casa transformada num espaço de conflito e hostilidade.
(47.º AM)
13.º
A Ré emprestou milhares de euros à Autora quando esta precisava para, por exemplo, de comprar uma viatura automóvel no valor de € 10.000,00, que a Autora reembolsou pagando € 400,00 por mês à ré até pagamento total que fez.
(18.º AM - admitido por acordo e 28° C - confissão assentada)
14.º
A Autora, contratada, para exercer funções de segunda a sábado, sempre que a Ré lhe solicitava que trabalhasse ao sábado fazia-o, designadamente servindo almoços à Ré e seus convidados, mas a partir de certa altura, quando solicitada, alegava estar ocupada/ter compromissos e deixou de o fazer.
(26.º AM e 22.º e 23.º C - estes confessados assentada)
15.º
A Autor a pedido da Ré chegou a ir a Lisboa proceder à limpeza da casa de uma sobrinha daquela.
(24.º C - confessado assentada)
16.º
Quando a Autora quando viajava para o Brasil (cerca de quinze dias, em alguns anos) ou para (sempre uma semana por ano) a Autora recolhia os dois canídeos pertencentes à Ré, levando-os e mantendo-os em sua casa, garantindo a sua segurança, saúde, dando-lhe a alimentação proporcionada pela Ré e demais cuidados inerentes a animais de estimação e companhia, como seja, dar-lhes banho, efectuar passeios higiénicos com os mesmos em espaços públicos apropriados para tal, o que aconteceu por sugestão da trabalhadora (já que antes e depois da trabalhadora começar e deixar a trabalhar em sua ré os cães sempre ficaram em casa de um outro casal).
(31.º e 32.º C - confissão assentada)
17.º
Que não fazia parte das obrigações laborais da Autora, foi sempre realizada com a melhor da boa vontade daquela, não onerando a Ré, com qualquer montante monetário, apesar de a Ré se ter proposto pagar e que a trabalhadora não quis e que a Ré trazia presentes para a trabalhadora e sua família de valor adequado.
(33.º C - confissão assentada)
18.º
A Autora foi acometida de doença, que a impediu de prestar trabalho e esteve na situação de baixa médica, desde 8 de Abril de 2024 e 21 de Julho de 2024.
(7.º e 8.º C e 12.º Resposta doravante R- admitido por acordo e prova documental)
19.º
Prevendo a sua apresentação ao trabalho no dia 21 de Julho de 2024, a Ré remeteu uma mensagem escrita à Autora no dia 20 de Julho, cuja cópia consta a fls. 25 cujo teor se dá por reproduzido, com o seguinte teor:
'São, se o seu coração tem muitos batimentos não me parece que possa continuar a trabalhar em duas casas, principalmente na minha cheia de escadas. De certeza que em falado com o médico e há-de ter uma noção da perspectiva dele. Agradeço que seja sincera comigo e me diga se tem ou não intenções de voltar para minha casa'
Ao que a Autora respondeu à sobredita mensagem no mesmo dia afirmando, além do mais que e passa-se a citar, 'Se eu poder vou continuar a trabalhar'.
(9.º e 11.º C- admitido por acordo e prova documental)
20.º
Antes disso Autora e Ré tinham trocado as mensagens que constam de fls. 35 a 36 cujo teor se dá por reproduzido.
(12.º a 15.º R - prova documental)
21.º
No dia 21 de Julho de 2024, quando a trabalhadora se apresentou no local de trabalho, a empregadora não pretendeu que ela prestasse trabalho, informando-a dos motivos e que iria consultar um Advogado para apurar dos valores que tinha que pagar.
(12.º e 13.º C - confissão assentada)
22.º
A Autora através do seu mandatário enviou à Ré a carta junta a fls. 25v cujo teor se dá por reproduzido com o seguinte teor:
'Cascais, 29/07/2024 C/R
Exma Senhora,
antes do mais apresento-lhe os meus respeitosos cumprimentos.
Na qualidade de Advogado da SRA. D. AA, venho por este meio junto de V.ª Ex.ª, de forma a poder expor e solicitar-lhe o seguinte:
1 - como é do conhecimento de V. Ex., a minha acima identificada constituinte, na qualidade de trabalhadora doméstica, presta-lhe trabalho desde o dia 2/05/2018 p. p.;
2 - sucedeu que, no dia 22/07/2024 p. p. quando a SRA. D. AA pretendia iniciar a sua prestação de trabalho, foi impedida de o fazer por V.ª Exª.
Face ao exposto, de forma a poder agir em conformidade, rogo-lhe o obséquio de, no mais curto espaço de tempo possível, se digne vir informar-me sobre o que se lhe oferece sobre este assunto.
Sem mais de momento, fico na expectativa das prezadas notícias de V.ª Ex. Até lá, reitero a apresentação dos meus respeitosos cumprimentos e subscrevo-me,
De V. Ex.'
(14.º C - Admitido por acordo prova documental)".
2. O direito.
2.1 Como se disse atrás, a primeira questão colocada pela apelante consiste em apurar se o seu despedimento pela apelada observou o estabelecido no art.º 29.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 352/92, de 24 de Outubro, de acordo com o qual "no momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que a fundamentem".
Dos termos da lei ressaltam duas evidências: (i) a rescisão do contrato terá que observar a forma escrita; (ii) deve circunstanciar os factos que a fundamentam.
Em face disto − e, diga-se em abono da verdade, em linha com o que se exige para a rescisão do contrato de trabalho comum − que o acórdão da Relação do Porto, de 29-02-2016, no processo n.º 1206/14.0T8MTS-A.P1, decidiu que "em tal acção apenas devem ser apreciados os factos integradores da justa causa do despedimento, descritos na comunicação escrita, devidamente concretizados no modo, tempo e lugar"; entendimento que mais não é que um repisar generalizado da jurisprudência, como se vê dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 22-02-2022, no processo n.º 2182/19.9T8BRR.L1-4, de acordo com o qual "na comunicação escrita em que se anuncie a intenção de rescindir o contrato deve o trabalhador indicar sucinta e claramente, os factos que o levam a tomar essa atitude, tendo em especial atenção que só os factos indicados na comunicação é que são atendíveis para a justificar judicialmente" e da Relação de Évora, de 20-04-2023, no processo n.º 664/22.4T8EVR.E1, todos publicados em http://www.dgsi.pt, ao afirmar que "estabelecendo o art.º 31.º n.º 1 do DL 235/92 que o despedimento decidido com alegação de justa causa pode ser judicialmente declarado insubsistente, o tribunal só pode executar tal tarefa, com a necessária certeza e segurança jurídica, se o objecto da causa estiver precisamente definido, com delimitação na decisão de despedimento dos factos susceptíveis de serem apreciados para tal efeito".
E se até aqui nada de novo há a assinalar face ao que a lei geral também prevê para a rescisão do contrato comum, já que também só pode ser efectuada por escrito e neste circunstanciadas as causas que a determinam (cfr. art.º 357.º, n.º 5 do Código do Trabalho), a verdade é que no caso da rescisão do contrato de trabalho de serviço doméstico exige-se até que as causas aí sejam expressas e inequivocamente referidas; ou seja, enquanto no regime comum são atendíveis factos constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador (art.º 357.º, n.º 4 do Código do Trabalho), no contrato de trabalho de serviço doméstico só relevam os expressa e inequivocamente circunstanciados na decisão escrita de rescisão, em linha, portanto, com o que a lei exige para a nota de culpa referente ao contrato de trabalho comum (art.º 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho). É o que comummente refere a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: foi assim no acórdão de 14-11-2018, no processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1.S1: "A nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar"; e mais recentemente no acórdão de 08-05-2024, no processo n.º 5420/21.4T8STB-L.E1.S1, como aquele publicado em http://www.dgsi.pt: "A nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar, descrever o modo como os factos foram praticados e indicar por quem, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar, correctamente, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar".
Significando isto, naturalmente e como de resto defende a apelante, que a exigência da lei é toda colocada na substanciação dos direitos de defesa, sendo certo que a ser de outro modo na prática ficariam séria ou mesmo irremediavelmente afectados: é que, convém lembrar, o contrato de serviço doméstico é executado num ambiente reservado às partes e familiares próximos do empregador, o que em caso torna mais exigente o exercício dos direitos laborais pelo trabalhador: como refere Victor Hugo Ventura, em O Regime do Contrato de Serviço Doméstico, AAFDL Editora, Lisboa, 2021, página 146, "aparentemente, o legislador considerou que a informalidade da relação de trabalho doméstico não poderia prevalecer sobre certas exigências de segurança jurídica e, sobretudo, hipotecar o controlo dos fundamentos do despedimento"; e pelo mesmo caminho seguiu o Tribunal Constitucional, em acórdão n.º 267/2007, de 02-05-2007, no processo n.º 75/2002, da 1.ª Secção, publicado em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070267.html: "a obrigatoriedade de esclarecer, por escrito, os motivos que levam o empregador a achar que há justa causa de rescisão do contrato não viola os requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 165.º da Constituição para as leis de autorização: respeita o objecto (alínea o) do artigo 2.º da Lei n.º 12/92) e o sentido da autorização (corpo do artigo 2.º), desde logo porque protege o trabalhador, facilitando-lhe uma eventual impugnação do despedimento".
É tempo de tornar ao caso concreto, recordando que dos factos provados consta ter a apelada enviado carta escrita à apelante comunicando-lhe a rescisão do contrato de trabalho com base no seguinte:
"Ao longo do tempo, observei uma série de comportamentos que não são compatíveis com o ambiente de respeito e profissionalismo que espero manter em minha casa. Em particular, os seus comentários depreciativos, como chamar-me de 'preguiçosa' e fazer observações negativas sobre a minha aparência são absolutamente inadmissíveis. Este tipo de comportamento - que se foi agravando ao longo dos tempos - é inaceitável em qualquer ambiente de trabalho e não o posso mais tolerar.
Paralelamente, entendo que também não é legítima nem aceitável a sua recusa de limpar parte da m/ casa - o espaço inferior, actualmente configurado como alojamento local.
Com efeito, e como se recordará, em Agosto de 2022, altura em que passei a residir sozinha, converti o espaço inferior da casa, que antes era um escritório, lavandaria e casa de banho e objecto da sua limpeza, num alojamento local devidamente legalizado. Este espaço - independentemente do fim para que é usado - é, e sempre foi, parte integrante da casa, pelo que sua limpeza sempre esteve, como sabe, incluída nas suas funções. No entanto, a sua recusa em limpar o estúdio e a pequena cozinha adjacente, que consiste apenas num balcão de 1,80m com uma placa e um lava-loiças, foi geradora do nosso desentendimento e configura uma desobediência ilegítima a ordem dada por mim enquanto empregadora.
O ambiente criado com a recusa em limpar aquele espaço, aliado aos comentários Inadequados que me dirige, tornou-se insustentável. A atmosfera de tensão e desconforto comprometeu a nossa relação laboral, o que me obriga a tomar uma decisão para proteger o meu bem-estar e garantir um ambiente de respeito em minha casa, sendo certo que um contrato de trabalho como é o contrato de serviço doméstico exige uma base de confiança e um tipo de relação diferente de outros trabalhos, já que se trata de um trabalho prestado em casa, gerando-se assim uma relação profissional com acentuado carácter pessoal.
Por outro lado, a sua chantagem no sentido de me informar que apenas me entregaria a chave de casa mediante a entrega de 'papéis para o desemprego', pareceu-me, também, pouca séria e reveladora de uma postura de desconfiança sem fundamento que parece ignorar aquilo que já fiz por si e a confiança que em si sempre depositei.
Em face de tudo o exposto, entendo que os factos e circunstâncias relatados configuram uma situação que torna impossível a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico entre nós celebrado, pelo que não me resta outra alternativa que não a da rescisão do mesmo com justa causa, o que lhe é por esta via comunicado".
Factos concretos naquela comunicação escrita são apenas os seguintes:
• Ao longo do tempo … chamar-me de 'preguiçosa';
• em Agosto de 2022, altura em que passei a residir sozinha, converti o espaço inferior da casa, que antes era um escritório, lavandaria e casa de banho e objecto da sua limpeza, num alojamento local devidamente legalizado. Este espaço - independentemente do fim para que é usado - é, e sempre foi, parte integrante da casa, pelo que sua limpeza sempre esteve, como sabe, incluída nas suas funções. No entanto, a sua recusa em limpar o estúdio e a pequena cozinha adjacente, que consiste apenas num balcão de 1,80m com uma placa e um lava-loiças, foi geradora do nosso desentendimento e configura uma desobediência ilegítima a ordem dada por mim enquanto empregadora.
O ambiente criado com a recusa em limpar aquele espaço, aliado aos comentários inadequados que me dirige, tornou-se insustentável.
No que concerne à circunstancialização espacial, pode dizer-se sem qualquer ponta de dúvida que está claro na missiva, pois que sendo o objecto do contrato de trabalho o serviço doméstico e o local de prestação do trabalho na Av. …, Estoril, naturalmente que resulta, implicitamente, que aí ocorreram os factos; e expressamente quanto à limpeza da casa, pois se diz que a apelante a recusou fazer na parte convertida em alojamento local.
No que concerne ao tempo, evidenciam os factos que ocorrem ao longo do tempo, desde Agosto de 2022, intuindo-se que até ao presente (histórico, naturalmente: 30-07-2024, data em que lhe remeteu a carta, cfr. facto provado n.º 3) porquanto ali refere que "a sua recusa em limpar" e "comentários inadequados que me dirige", correspondem a esse tempo verbal utilizado pela apelada.
Por fim, as circunstâncias de modo, vale dizer, a maneira de realização ou de prática dos os factos, foi por declaração verbal nos dois casos e ainda na omissão de prática de acto por recusa de observar a determinação da apelada para o efeito.
Assim sendo, não pode dizer-se que o escrito que formalizou a rescisão (enfim, a resolução) do contrato de trabalho a não circunstanciou adequadamente; poderia ter sido mais concreto, é certo, mas ainda assim não se pode dizer que seja abstracto.
Assim sendo, nesta parte não se pode atender a apelação da autora.
4.2 Coisa diferente é saber se as causas invocadas naquele escrito (e só nele, como se viu) suportavam a pretensão da apelada, o que nos remete para a segunda questão atrás enunciada, ou seja, saber se a apelante não praticou as infracções imputadas.
Em primeiro lugar, importa considerar se existia a obrigação da apelante proceder à limpeza do espaço correspondente ao alojamento local e, nesse caso, se ao não o fazer desobedeceu à apelada em consonância com o estabelecido pelos art.º 128.º, n.º 1, alínea e), ex vi do art.º 9.º, ambos do Código do Trabalho.
O Decreto-Lei n.º 352/92, de 24 de Outubro estatui no art.º 1.º que "1. Contrato de serviço doméstico é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, nomeadamente: (…) c) Limpeza e arrumo de casa; (…)".
Ora, não se pode dizer que a actividade de exploração de um alojamento local seja destinada à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar ou equiparado ou dos respectivos membros, porquanto segundo o n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto, que então vigorava, esses estabelecimentos prestam serviços a "turistas", enquanto que o regime jurídico do contrato de serviço doméstico apenas se aplica à prestação das actividades próprias do serviço doméstico directamente a agregados familiares − e também noutras situações, é certo, mas apenas se não abrangidas por regime legal ou convencional, o que, como vimos, não é o caso do alojamento local.
Assim sendo, ao autonomizar parte da sua casa de habitação para outro fim que não o da sua habitação, a apelada modificou (apenas) o objecto mediato do contrato de serviço doméstico que mantinha com a apelante e, em consequência disso, deixou de lhe poder exigir o cumprimento da correspondente prestação; e ao invés do que até aí se verificava, a apelante disso ficou desobrigada.
Já o mesmo se não pode dizer relativamente aos factos da outra infracção que lhe foi imputada, vale dizer, de chamar a apelada de "preguiçosa", pois que tal também se provou (facto provado n.º 5: "A trabalhadora/autora chamou a empregadora/ré de 'preguiçosa'…").
Importa então apurar se tal afirmação era ofensiva para a apelada, ou, dito de outro modo, se correspondia a uma violação do dever de respeito para com ela e, por conseguinte, a uma infracção disciplinar.
O adjectivo em causa poderá significar diversas coisas, tais como "indolente; mandrião; que não gosta de trabalhar; lento; demorado; desmazelado; que funciona mal"1 ou "que se levanta da cama tarde e a custo",2 tudo dependendo, pois, do seu contexto.
Ora, apurou-se que "7.º A Autora fez os comentários sobre a aparência da Ré por a achar afectada na sua auto-estima e para que a recuperasse", pelo que se não pode dizer que teve qualquer intuito ofensivo para esta; sendo certo que o ónus da alegação e prova de que assim teria sido corria por conta da apelada, em decorrência do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil (acórdão dos Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2024, no processo n.º 22067/22.0T8LSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt). É certo que tais afirmações poderiam ser consideradas algo grosseiras, descorteses ou socialmente inconvenientes, mas isso é diferente de ofensivas e, em todo o caso, naquele contexto, nunca impossibilitando a manutenção da relação laboral, mesmo considerando o quadro específico em que se desenvolvia e tendo em conta o art.º 29.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 352/92, de 24 de Outubro. Tanto mais que se deve considerar, com Victor Hugo Ventura, na ob. cit., página 134, que "a norma deve ser lida em sintonia com os princípios do direito do trabalho, sob pena de esvaziar, desde logo, a proibição capital dos despedimentos sem justa causa que, salvo melhor opinião, e como já dissemos, também tutela, ainda que limitadamente, o trabalho doméstico".
Pelo que se conclui pela inexistência de justa causa para a apelada despedir a apelante, o que leva a que nesta parte se conceda a apelação da autora.
4.3 Resta apurar se a apelada deve ser condenada a pagar à apelante a quantia de € 10.800,00.
Convém lembrar que a apelante deduziu reconvenção pedindo a condenação da apelada a pagar-lhe uma indemnização de € 10.800,00, em substituição da reintegração que ab initio disse não pretender (e também não teria direito).
A este propósito, diz o art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro:
"1 - O despedimento decidido com alegação de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo.
2 - Quando se prove dolo do empregador, o valor da indemnização prevista no número anterior será agravado até ao dobro".
Tratando-se de um regime especial, os direitos decorrentes da resolução são apenas os assim enunciados, sem prejuízo da aplicação das regras comuns com ele compatíveis (citado art.º 9.º do Código do Trabalho).
Como desde logo realça o acórdão da Relação do Porto, de 29-02-2016, no processo n.º 1206/14.0T8MTS-A.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, da especificidade deste contrato resulta que "em caso de ilicitude do despedimento, a indemnização deve corresponder a um mês de indemnização por cada ano ou fracção, fracção que corresponde a um mês de retribuição (e não ao valor apurado do seu cálculo proporcional)".
Deste modo, tendo o contrato de trabalho sido celebrado pelas partes "a 2 de Maio de 2018" (1.º facto provado) e o despedimento sem justa causa ocorrido "a 30 de Julho de 2024" (3.º facto provado), para a indemnização da apelante relevam sete meses de retribuição (seis anos completos e fracção do último); e uma vez que a retribuição mensal da apelada era de € 900,00 (2.º facto provado), o valor da indemnização que lhe é devida pela apelada é de € 6.300,00.
É certo que a apelante pediu na reconvenção que a apelada fosse obrigada a pagar em dobro a indemnização por ter recorrido, dolosamente, a argumentos falsos para tentar justificar o seu despedimento por justa causa; todavia, como refere Victor Hugo Ventura, na ob. cit., página 167 (citando o acórdão da Relação de Lisboa, de 19-06-2013, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2013, tomo III, página 296), "não existe actuação dolosa ou de má fé quando o empregador invoque determinados factos que não são manifestamente idóneos e suficientes para sustentar a alegada justa causa, mas têm correspondência com a realidade".
Ora, é este o caso dos autos: a apelada invocou factos que se provaram, mas não permitiram o despedimento da apelante, pelo que nesta parte se não concede a apelação.
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III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder em parte a apelação e, em consequência:
a) declarar a ilicitude do despedimento da apelante promovido pela apelada;
b) julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela apelante contra a apelada e condená-la a pagar-lhe a quantia de € 6.300,00 (seis mil e trezentos euros);
c) no mais, manter a sentença recorrida.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que a apelante beneficia (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
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Lisboa, 18-06-2025
Alves Duarte
Alexandra Lage
Manuela Fialho - Voto a decisão. Defendo, porém, que a carta para cessação do contrato não circunstância os factos que a fundamentam.
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1. Vd. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/pregui%C3%A7osa
2. Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 6.ª edição, 1984, página 1331.