RETRIBUIÇÃO
VIATURA
CARTÃO DE COMBUSTÍVEL
TELEMÓVEL
Sumário

I - Constitui jurisprudência uniforme que integra a retribuição do trabalhador o valor de uso de uma viatura que a entidade empregadora, que suporta a sua manutenção, seguro automóvel, selo, imposto de circulação e ainda inspecções periódicas, lhe atribui para o mesmo usar na sua vida particular ou profissional e particular, suportando a patronal as respectivas despesas de manutenção, acontecendo tal uso de forma regular, por forma a inculcar em ambos os sujeitos do contrato de trabalho a ideia de que se trata de um direito e não de mera liberalidade.
II – Também configura retribuição a atribuição ao trabalhador pela empregadora, em conjunto com a viatura, de um cartão de combustível, com determinado plafond.

Texto Integral

No âmbito de acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento AA deduziu oposição1 ao decidido por “Galp Energia, S.A.
Apresentou o formulário acompanhado de cópia de decisão final de despedimento.
Em 31 de Maio de 2024, realizou-se audiência de partes.
A Ré veio motivar o despedimento.
Pugnou pela sua regularidade e legalidade.
Solicitou que o Tribunal confirme a decisão de despedimento da trabalhadora.
Entende que ela violou os deveres de lealdade e de custódia, previstos no artigo 128º, n.º 1, alíneas e) e g), do Código do Trabalho.
A Autora contestou e deduziu pedido reconvencional.
Na parte que para aqui mais releva articulou:
«
110º
A A. auferia actualmente a remuneração de base no montante de €4.415,00 (doc. nº 24, que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
111º
Possuindo ainda um prémio anual variável em função dos lucros da empresa e que no ano de 2022 correspondeu ao montante de €11.500,00/ano ou seja ao equivalente ao montante mensal de €958,33 (novecentos e cinquenta e oito euros e trinta e três cêntimos).
112º
Bem como o valor correspondente aos benefícios que lhe foram atribuídos como seja a atribuição do carro para uso total da A. incluindo o pagamento do seguro, IUC e despesas de manutenção da viatura.
113º
Bem como a atribuição de telefone e respectivo plafond mensal.
114º
Assim, a atribuição de Telemóvel e plafond de chamadas telefónicas, com o número... integrado na “conta da R,” e equipamento fornecido pela mesma um Samsung Galaxy A72 reporta um benefício a que se atribui uma valoração média de €75,00 (setenta e cinco euros).
115º
A viatura ligeira, atribuída para utilização própria, exclusiva, de marca Peugeot e modelo 3800, matrícula ---81---, com uso total pela A. e, incluindo em fins-de-semana, feriados, pontes e férias e períodos de baixa médica ou hospitalar, o que faz acrescer, também, àquela retribuição de base já referida, o quantitativo mensal médio correspondente à fruição desse benefício.
Aliás,
116º
Atento a marca e modelo da viatura atribuímos a mesma o benefício geral equivalente a €520,00/mês (de acordo com a grelha aprovada).
117º
A este montante acrescem, ainda, os plafonds disponíveis para o mesmo A. a título de gasóleo, portagens e uso de serviços da empresa (serviços de limpeza da viatura) disponíveis no cartão Galp Frota cujo valor anual ascendia a 2.400,00/ano.
118º
Para apuramento do valor da utilização pessoal da referida viatura podemos desde logo concluir que tendo presente que o ano tem 52 semanas e que a Autor tinha direito a utilização particular quer do veículo, quer do telemóvel que lhe estava atribuído em fins de semana, consideraremos para o efeito uma utilização de 104 dias (52 semanas x 2 dias).
119º
A tal utilização acresceria a de pelo menos 22 dias de férias a que a Autor tem direito, em que mantinha tal utilização pessoal, e de 9 feriados nacionais existentes, num total de 135 dias dos 365 dias que compõe um ano.
120º
Quanto aos demais 230 dias que integram um ano, sabemos que a A. despendia uma média de 1h30 diárias, num total de 345 horas, que dará pelo menos mais 14 dias de utilização pessoal (230 dias x 1.30 horas: 24 horas).
121º
Assim, para efeitos de cômputo de uso particular do veículo, lavagens o mesmo, combustível, portagens atenderemos, assim, 149 dias de uso particular dos mesmos.
122º
Donde se retira, pois, a conclusão de que a A., quando usufruiu da viatura para fins exclusivamente pessoais – como o fazia todos os dias na ida e regresso de casa para o trabalho e aos fins-de-semana na sua viagem de ida e regresso para onde lhe apetecesse e nas suas férias – tinha um benefício directo, que assim faz parte integrante da sua retribuição, de €3527,01,10/ano ou 293,92/mês (720,00 x 12= 8640,00/365 =23,67 x 149 =3527,01/ 12).
123º
Bem como a conclusão de que no que ao telemóvel diz respeito, e que de acordo com a utilização pessoal realizada pelo A. já melhor referida acima se quantifica no montante de €367,40/ ano ou 30,62/mês (75,00 x 12= 900,00/365 =2,47 x 149 =367,40/ 12).
124º
Motivo pelo qual a retribuição mensal da A. deve ser fixada em €5.697,87 (€4.415,00 + 958,33 + 293,92 + 30,62), correspondente ao somatório respectivo de todas as verbas retributivas auferidas pela A. com carácter permanente e mensal, o que desde já se requer».
c) Danos patrimoniais da A.
Solicitou que se declarasse que o despedimento foi ilícito e a condenação da Ré a pagar-lhe os salários intercalares, uma compensação no valor de € 15.000,00 pelos danos não patrimoniais que a sua conduta lhe ocasionou e que se fixe a sua retribuição em € 5.697,87 mensais, na medida em que entende que a atribuição de um prémio variável em função dos lucros de empresa, de telefone e de plafond de chamadas e de viatura automóvel integram a sua remuneração.
A Ré respondeu.
Na parte que para aqui se reputa mais relevar articulou:
«
Da retribuição
A Empregadora disponibiliza a alguns dos seus trabalhadores a utilização de veículo automóvel (doc. n.º 3).
O que igualmente sucedeu com a Trabalhadora.
A disponibilização do veículo não é feita em cumprimento de nenhuma obrigação.
Mas de mero ato de vontade da Empregadora, que a pode cancelar a todo o tempo (doc. n.º 3, p. 3).
O que igualmente sucedeu com a Trabalhadora.
Aquela utilização destina-se a fins profissionais (doc. n.º 3, p. 3).
A Empregadora tolera que os trabalhadores mantenham com eles os veículos disponibilizadosem períodos de não prestação do trabalho.
Grande parte dos trabalhadores a quem é atribuído um veículo exerce funções comerciais, que querem deslocações frequentes e, por vezes, inesperadas.
Pelo que também por essa razão devem os veículos estar à permanente disposição dos trabalhadores.
Aos trabalhadores a quem é atribuído o uso de veículo, é atribuído também um cartão Galp Frota, cuja utilização se destina a compensar despesas com combustível, via verde, lavagens, lubrificantes e adblue embalado, para os indicados fins (doc. n.º 3, pp. 5-6).
Os trabalhadores da Empregadora podem “prescindir da atribuição de viatura de empresa, ato que não é remível a dinheiro, mas que não inviabiliza a atribuição, para utilização, em contexto profissional e em viatura pessoal, de Single Card, cartão Galp Frota e/ou Galp Electric no montante do respetivo plafond anual” (doc. n.º 3, p. 4, com realce nosso).
“Caso o colaborador prescinda da atribuição de viatura de empresa e da atribuição de Single Card, cartão Galp Frota e/ou Galp Electric, a empresa assumirá custos de deslocação em
transporte rodoviário (uber, táxi, …), em contexto profissional, até ao montante máximo do seu plafond anual” (doc. n.º 3, p. 4, com realce nosso).
A Empregadora atribui aos trabalhados uso de telemóvel, suportando o custo de certo tarifário.
Cujo objetivo principal é permitir comunicações telefónicas pelos trabalhadores no exercício das respetivas funções.
A Empregadora não controla a utilização quotidiana dos instrumentos de trabalho que disponibiliza aos trabalhadores.
Artigo 33º
As disposições da norma transversal NT-036 - Atribuição e Utilização de Viaturas no Grupo Galp são claras:
“A atribuição do uso de viatura de empresa (adiante referida como viatura) destina-se a fins profissionais e decorre das necessidades de deslocação inerentes ao exercício de determinadas funções, não constituindo nem integrando a remuneração do colaborador” (doc. n.º 3, p. 3, com realce nosso).
A Trabalhadora devolveu o veículo à Empregadora no dia 2 de julho de 2024, tendo-lhe sido permitido o respetivo uso até essa data.
A Empregadora suporta mensalmente o montante de €244,06 (duzentos e quarenta e quatro euros e seis cêntimos) a título de renda do veículo atribuído à Trabalhadora, na qual se inclui o pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC) e de despesas de manutenção.
A Empregadora suporta também o custo do seguro automóvel para o referido veículo, no montante anual de € 603,07 (seiscentos e três euros e sete cêntimos).
O cartão Galp Frota atribuído à Trabalhadora tem um plafond anual no montante de € 2.400 (dois mil e quatrocentos euros).
O custo de aquisição do telemóvel atribuído à Trabalhadora foi de € 381,00 (trezentos e oitenta e um euros).
E o tarifário móvel da Trabalhadora tem o custo de € 3,40 (três euros e quarenta cêntimos) por mês.
(…)
8. Retribuição é a prestação a que o trabalhador tem direito como contrapartida do trabalho (Código do Trabalho, artigo 258.º, n.º 1).
8.1. Não constitui retribuição a atribuição de instrumentos de trabalho e o pagamento de despesas incorridas pelo trabalhador no exercício das suas funções, mas antes cumprimento do dever de cooperação creditória do empregador [Código do Trabalho, artigo 260.º, n.º 1, alínea a) e Código Civil, artigo 813.º].
9. Tais instrumentos não são atribuídos com força de obrigatoriedade, nem como vantagem ou benefício remuneratório.
9.1. A sua utilização na vida pessoal dos Trabalhadores mais não é do que um ato de mera tolerância por parte da Empregadora, motivado não por forma a agradar àqueles, mas sim por forma a resolver um problema que, de outro modo, se agigantaria no Grupo Galp.
9.2. A imposição de recolha dos veículos antes do início do período diário de trabalho e respetiva entrega após o seu término, em local a determinar pela Empregadora, afigurar-se-ia um problema logístico colossal, ao qual estaria associada despesa irrazoável para o Grupo Galp, atento o número de trabalhadores que emprega e as localizações geográficas em que opera.
9.3. De resto, a permissão do uso do veículo pela Trabalhadora por um período de quase dois meses após o seu despedimento revela o caráter de mera tolerância de que se reveste o uso pessoal daquele.
10. O controlo da utilização quotidiana da utilização do veículo e do telemóvel constituiria devassa da vida privada dos trabalhadores, na medida em que implicaria controlar a localização do veículo e, em consequência, do trabalhador, a cada momento, e todas as comunicações que efetuassem através daquele dispositivo móvel, bem como a navegação na internet feita através do mesmo.
10.1. Estabelece o n.º 2 do artigo 16.º do Código do Trabalho que “[o] direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas”.
10.2. Relativamente ao uso de dispositivos de geolocalização no contexto laboral, considera a CNPD que “tal constitui um sério risco de invasão da privacidade do trabalhador, na medida em que estes podem ser reveladores da localização permanente do trabalhador e do seu histórico de movimentos, bem como do seu modo de atuação” (Deliberação n.º 7680/2014, p. 9).
11. Deste modo, entendemos não haver lugar à consideração dos montantes suportados com o veículo e com o telemóvel na fixação do montante da retribuição.
11.1. Não se verificando a efetiva prestação de trabalho, não são os mesmos instrumentos devidos, pelo que os seus valores também não devem ser tidos em conta para efeitos de cálculo de salários de tramitação.
12. Sendo o despedimento declarado ilícito, ao valor das retribuições vencidas desde a data daquele até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude, devem ser deduzidos os montantes auferidos pela Trabalhadora em atividades iniciadas após o despedimento, bem como o valor do subsídio de desemprego recebido pela mesma (Código do Trabalho, artigo 390.º, n.º 2).
Findos os articulados, a Ré veio confessar o pedido de declaração de ilicitude do despedimento.
Assumiu ter incumprido formalidade essencial prevista pelo artigo 381º, alínea d), do Código do Trabalho.
A Autora declarou aceitar a confissão e reiterou a sua opção pela reintegração.
Foi proferida decisão a julgar ilícito o despedimento de AA.
Em face da opção da trabalhadora condenou a Ré a proceder à sua reintegração, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.2
Determinou-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos reconvencionais relativos a danos não patrimoniais e créditos laborais deduzidos pela trabalhadora.
Foi proferido despacho saneador.
Fixou-se o objecto do litígio.
Elencaram-se os temas da prova.
Realizou-se julgamento, em duas sessões 3, que foi gravado
Em 6 de Janeiro de 2025, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:
«
Nestes termos, tudo visto e ponderado, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
i. Declara-se que a atribuição e utilização, em exclusivo, de viatura automóvel, para uso profissional e pessoal, suportando a Ré as respectivas despesas, integra a retribuição da Autora;
ii. Declara-se que a atribuição e utilização, em exclusivo, de telemóvel, suportando a Ré as respectivas despesas, integra a retribuição da Autora;
iii. Absolve-se a Ré do demais contra si peticionado.

Custas por Autor e Ré.
Registe e notifique» - fim de transcrição.
As notificações foram expedidas em 7 de Janeiro de 2025, data em que o MºP º foi notificado.
Em 30 de Janeiro de 2025, a Galp Energia, S.A, recorreu.
Concluiu que:
«
1.º
A Apelante recorre da sentença proferida nos autos, na parte em que declarou que integra a retribuição da Recorrida a atribuição e utilização por esta, em exclusivo, de viatura automóvel, para uso profissional e pessoal, bem como a atribuição e utilização, em exclusivo, de telemóvel,
em ambos os casos suportando a Recorrente as respectivas despesas.
2.º
Dos depoimentos de BB, CC e DD, prestados na sessão de 18 de Outubro de 2024 da audiência final (respectivamente ficheiros n.º 12192-24.9T8LSB_2024-10-18_10-01-16, a partir dos 13 minutos de registo sonoro, n.º 12192-24.9T8LSB_2024-10-18_11-10-30, aos 19:35 minutos de registo sonoro e n.º 12192-24.9T8LSB_2024-10-18_14-59-46, a partir dos 5:53 minutos de registo sonoro), assim como do de EE, prestado na sessão de 21 de Novembro de 2024 daquela audiência (ficheiro n.º 12192-24.9T8LSB_2024-11-21_14-38-27, a partir dos 12:15 minutos de registo sonoro), conjugados com o documento de fls. 194 verso e ss., resulta que “na Ré, vigora a norma transversal NT-036 - Atribuição e Utilização de Viaturas no Grupo Galp, a qual regula as condições de atribuição e utilização de veículos automóveis pelos respectivos trabalhadores”.
3.º
Facto cuja consignação como assente se requer ao Tribunal ad quem, por respeitar às regras que a Apelante predispôs sobre as condições de acesso e utilização dos veículos automóveis que entrega aos seus trabalhadores.
4.º
O Tribunal a quo não declarou assente que “a Autora devolveu o veículo à Empregadora no dia 2 de Julho de 2024” por falta de prova quanto à data daquela entrega.
5.º
O Tribunal recorrido reconheceu que a mesma restituição ocorreu com alguma demora face à data da cessação do contrato de trabalho, sendo este o significado que o facto assume para o objecto do litígio, na medida em que expressa a faculdade de utilização do veículo pela Recorrida quando o contrato de trabalho já terminara e a mesma não auferia retribuição.
6.º
Os depoimentos de CC, prestado na sessão de 18 de Outubro de 2024 da audiência final (ficheiro n.º 12192-24.9T8LSB_2024-10-18_11-10-30, aos 20:32 minutos de registo sonoro) e de EE, prestado na sessão de 21 de Novembro de 2024 daquela audiência (ficheiro n.º 12192-24.9T8LSB_2024-11-21_14-38-27, aos 27:10 minutos de registo sonoro), conjugados com o documento junto pela própria Apelada a fls. (referência citius 49568176), mostram que ainda em 1 de Julho de 2024, quando foi facturada a pintura do veículo automóvel, ou pelo menos em 19 de Junho do mesmo ano, quando o mesmo foi entregue para reparação, a Apelada utilizava o automóvel cedido pela Apelante, com o consentimento desta.
7.º
Pelo que se pede o Tribunal ad quem declare que “em data não determinada, mas posterior a 19 de Junho de 2024, a Autora devolveu o veículo à Ré, tendo-lhe sido permitido o respectivo uso pelo menos até essa data”.
8.º
A atribuição e utilização de viatura automóvel para uso profissional não constitui cumprimento do dever de retribuir, mas da obrigação de cooperação creditória, pelo que o valor correspondente a essa utilização não integra a retribuição da Apelada.
9.º
A Apelante disponibilizou à Recorrida veículo automóvel, no quadro regulamentar fixado pela norma transversal NT-036 - Atribuição e Utilização de Viaturas no Grupo Galp, que circunscreve a utilização de viaturas cedidas ao desempenho da actividade profissional.
10.º
A Apelante não controlou o uso daquele veículo, por isso se conformando com o respectivo aproveitamento para fins pessoais, durante períodos de não trabalho, sem que isso o converta em cumprimento do dever contratual de retribuir o trabalho.
11.º
A Recorrida também percepcionou a utilização pessoal do veículo como acto permissivo, de condescendência, da Apelante, razão por que manteve consigo o mesmo automóvel após a cessação do contrato de trabalho, o que não faria a estar em causa prestação retributiva, que deixou de auferir no momento do termo da relação laboral.
12.º
A Recorrente atribuiu à Apelada aparelho de telefone móvel, com o objectivo principal, declarado pelo Tribunal a quo, de permitir comunicações telefónicas pelos trabalhadores, no exercício das respectivas funções, tendo depoimentos prestados nos autos revelado a inexistência de telefones fixos nas instalações da actual sede da Apelante.
13.º
O objectivo primacialmente servido pela entrega daquele aparelho mostra que através desse meio, a Apelante criou condições para que o trabalho fosse realizado, não que fosse pago.
14.º
A Apelante também não controla a utilização diária, pelos trabalhadores, dos aparelhos de telefone móvel disponibilizados, o que sempre lhe estaria legalmente vedado.
15.º
Assim procedendo, a Recorrente conformou-se com a utilização para fins não profissionais dos mencionados aparelhos, conduta que não altera a natureza da atribuição para lhe conferir carácter retributivo.
16.º
Ao decidir pela natureza retributiva da atribuição e utilização, pela Apelada, de veículo automóvel e de aparelho de telefone móvel disponibilizados pela Recorrente, que suportou as respectivas despesas, o Tribunal a quo infringiu o disposto no artigo 258.º/1 do Código do Trabalho.» - fim de transcrição.
Sustenta, em suma, que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença na parte em que declarou integrar a retribuição da Apelada “a atribuição e utilização, em exclusivo, de viatura automóvel, para uso profissional e pessoal, suportando a Ré as respectivas despesas”, bem como “a atribuição e utilização, em exclusivo, de telemóvel, suportando a Ré as respectivas despesas”.
***
A Autora contra alegou.
Concluiu que:
«
a) O Recorrente, não se conformando com a douta sentença proferida, veio interpor recurso, requerendo a revogação da douta decisão;
b) Com todo o respeito, que é muito, adiante-se, desde já, que se entende não assistir qualquer razão nos argumentos invocados e que fundamentam o recurso, por se entender que a decisão recorrida não é merecedora de nenhuma das críticas que o Recorrente lhe aponta;
c) Desde logo, o recurso da decisão da matéria de facto, com o devido respeito que é muito, está destinado a improceder;
d) A modificabilidade da matéria de facto pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é suscetível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC);
e) O Recorrente, vem impugnar o julgamento da matéria de facto, contudo, desde logo, falhou no cumprimento dos seus ónus;
f) Por outro lado, esta impugnação não faz qualquer sentido dada a prova documental e testemunhal que, expressamente confirmaram a atribuição da viatura e do telemóvel para uso total de qualquer colaborar ao qual fossem atribuídos;
g) Pelo que resulta manifestamente provado que a atribuição dos referidos benefícios retributivos para uso total revestem sim um uso em vigor na R..
h) De resto confirmado pelo depoimento da sua gestora de recursos humanos.
i) Pelo que, quanto à impugnação da matéria de facto dado o seu carácter genérico, desfocado e não reportado diretamente a nenhum outro facto apurado ou não apurado, pelo que, nada deve ser alterado, releva apenas discordâncias globais quanto ao apurado e decidido, mas a impugnação em que pretende colocar em causa matéria de facto que apresentou é inconsequente e não permite apreciar nem as discordâncias, nem o mérito da causa;
j) Assim, conforme o decidido, bem andou a douta decisão quanto à matéria de facto apurada devidamente fundamentada em conjugação com os documentos e depoimentos para que remete e da conjugação crítica dos documentos juntos aos autos, com os depoimentos das testemunhas em audiência de julgamento;
k) O que é um facto é que todas as testemunhas da R. – incluindo a sua gestora de Recursos Humanos – confirmaram que a atribuição da viatura, benefícios associados e telemóvel à A. foram-no feitos para seu uso total.
l) Como, desde logo, parece ser uso em vigor na empresa para todos os trabalhadores.
m) Não pode nunca a referida atribuição ser considerada uma liberalidade da R. principalmente no caso da A. considerando desde logo o longo período em que permaneceu de baixa médica e de licença de maternidade – facto L., M. e N. - sempre beneficiando da utilização da viatura, demais benefícios associados e do telemóvel.
n) Desta forma, nenhuma censura poderá ser dirigida à decisão, a invocação de um qualquer erro no julgamento da matéria de facto e de direito, deve claudicar de forma manifesta;
o) O douto Tribunal “a quo” subsumiu corretamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal ou cometeu qualquer erro de julgamento;
p) Bem andou o Meritíssimo Juiz a quo que julgou a presente ação nestes concretos pontos procedente;
q) E não padece a douta Sentença recorrida, assim, dos vícios que lhe são assacados pelo Recorrente» - fim de transcrição.
Assim, pugna que o recurso deve ser julgado improcedente.
Em 10 de Abril de 2025, foi proferido o seguinte despacho:
«
Por lapso de que me penitencio, não fixei o valor à causa, em sede de sentença.
Cumpre, assim, sanar, tal falta.
Assim sendo, em face do disposto pelo artigo 297º, do Código de Processo Civil e 98º-P, do Código de Processo do Trabalho, considerando que a Autora apresenta como pedido principal a declaração de ilicitude do despedimento e a sua reintegração (cujo valor há-de encontrar-se na ponderação entre o valor da retribuição auferida pela autora e a sua antiguidade ao serviço da ré) e pedido reconvencional no montante de € 15.000,00, ponderada a antiguidade da Autora, o alegado valor mensal da retribuição auferida, a data de despedimento e a data de entrada em juízo do formulário inicial, fixa-se à acção o valor de € 40.640,42 ( cfr. artigo 297º, n.º1 e 299º, n.º1, ambos do Código de Processo Civil).
***
Por legal, tempestivo e apresentado por quem para tal possui legitimidade, admito o recurso interposto pela Ré (artigo 79º, alínea a), 79º-A, n.º 1, alínea a), 80º, n.º 2, 81º, n.º 1, todos do Código de Processo do Trabalho).
O recurso é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. artigos 83º-A e 83º, todos do Código de Processo do Trabalho).
Decorrido que se mostra o prazo de resposta, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (artigo 82º, do Código de Processo do Trabalho).» - fim de transcrição.
O Exmº Procurador Geral Adjunto formulou parecer em que concluiu da seguinte forma:
«
Pelo exposto, o parecer do Ministério Público é no sentido de que o recurso não deve obter provimento, devendo a douta sentença recorrida ser mantida. Tal não obsta que seja esclarecido que o valor retributivo da atribuição da viatura e do telemóvel pelo empregador será apenas o correspondente ao benefício económico obtido pela trabalhadora por via do seu uso pessoal» - fim de transcrição.
A GALP ENERGIA, S.A, respondeu.
Sustentou que deve revogar-se a sentença recorrida na parte em que declarou integrar a retribuição da Apelada “a atribuição e utilização, em exclusivo, de viatura automóvel, para uso profissional e pessoal, suportando a Ré as respectivas despesas”, bem como “a atribuição e utilização, em exclusivo, de telemóvel, suportando a Ré as respectivas despesas”.
Foram colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.
***
Foi esta a matéria provada [que se mostra impugnada]:
A. A 15 de Setembro de 2021, Autora e Ré celebraram acordo escrito denominado Contrato de Trabalho, mediante o qual a segunda declarava admitir a primeira ao seu serviço, com efeitos a 15 de Setembro de 2021 e sem termo, e esta se obrigava a prestar-lhe a sua actividade com a categoria de Consultor Técnico I, com o conteúdo descrito no Anexo I;
B. Sob o Anexo I do contrato referido em A. ficou consignado que o Consultor Técnico I exerce funções com autonomia técnica e efectua estudos e pareceres de natureza técnica e/ou científica que exigem conhecimentos adequados à sua formação académica ou curriculum profissional, podendo supervisionar técnicos de nível inferior e representar a empresa em assuntos da sua especialidade;
C. Sob a Cláusula Sexta do acordo referido em A. ficou estabelecido que a retribuição mensal é composta por retribuição-base no valor de € 3.800,00, sujeita a descontos legais, tendo o trabalhador direito a um subsídio de refeição, cumpridos os requisitos legais para o seu pagamento;
D. A Autora iniciou a sua colaboração com a Ré a convite do BB, após um período de prestação de serviços à Ré, para ser coordenadora das equipas sob a sua gestão a partir de Setembro de 2021;
E. Com a celebração do acordo referido em A., a Autora foi admitida na Ré com a categoria de IT Specialist IV para desempenhar a função de coordenadora da área de Enterprise Architecture & Technology & IT Innovation;
F. A função referida em E. era desenvolvida reportando ao BB com a seguinte estrutura:
• EAT - Enterprise Architecture & Technology - liderada por FF
• DAAI - Data, Analitycs and Artificial inteligence - liderada por GG
• Industry 5.0 - liderada por HH
• iCloud - coordenador por II
• IT Innovation - sem líder e equipa que era para ser criada em 2022;
G. A função de coordenação consistia nas seguintes actividades:
• Coordenação Definição e apoio à implementação da estratégia da área
• Identificação de melhorias na gestão das equipas e implementação de novas formas de trabalhar
• Suporte à contratação de recursos em time and materials para as equipas • Gestão financeira de todos as equipas subcontratadas e de contratos de prestação de serviço destas áreas
• Gestão de orçamento da área (atuals and forecast)
• Controlo e gestão das iniciativas/projectos da área
• Preparação e comunicação trimestral dos resultados obtidos pela área
• Participação em iniciativas estratégicas do IT&D: como a definição de um novo modelo de trabalho para as iniciativas/projectos das áreas de negócio no IT&D, Implementação de OKRs;
• Suporte ao CTO;
H. A partir de Maio de 2022, foi constituída a equipa de IT Innovation;
I. Em Maio de 2022, a Autora acumularia a função de IT Innovation, passando a desenvolver também:
• Gestão do elemento contratado para equipa
• Definição da estratégia da equipa
• Entrevistas para procura de novos perfis no mercado para a equipa
• Exploração de tecnologias inovadoras que acrescentassem valor para as áreas de negócio
• Apresentação de ideias ao negócio;
J. A partir de Julho de 2022, a Autora passou a exercer a função de coordenadora da área de Enterprise Architecture & Technology and IT Innovation e a liderança da equipa de IT Innovation em acumulação;
K. O referido em J. determinou o aumento do vencimento da Autora em 12,8% bem como a alteração da sua categoria profissional para Unit Manager na Direção de IT&D;
L. Entre 15 de Setembro de 2022 e 16 de Outubro de 2022, a Autora esteve de baixa médica, por gravidez de risco clínico;
M. A 31 de Outubro de 2022, nasceu JJ, registado como filho da aqui Autora e de KK;
N. Após o nascimento referido em M. a Autora usufruiu dos seguintes períodos de licença:
- 31 de Outubro de 2022 a 2 de Fevereiro de 2023 - licença de Parentalidade (120 dias);
- 28 de Fevereiro de 2023 a 2 de Março de 2023 - licença de prematuridade (gravidez até 32 semanas);
- 29 de Abril de 2023 a 7 de Junho de 2023 - licença de dias de internamento (número de dias que a criança esteve internada na neonatologia);
O. Em 2022, a Autora recebeu, pelo seu desempenho no ano anterior, um prémio de € 11.500,00;
P. Em Abril de 2023 (ainda durante o seu período de licença), o BB comunicou à Autora que existiria uma reestruturação na empresa no IT&D, que implicava a alteração do CTO (BB) e do CIO (LL) que passariam para a unidade de negócio Comercial, sendo substituídos por MM como director da área de EA&T and IT Innovation e NN como CIO;
Q. A reestruturação anunciada implicou que a equipa de inovação e de indústria que reportava à área de EAT & IT Innovation (liderada por MM) passaria a ser integrada na área de Strategy Planning Performance (Liderada por OO) e a criação de uma sub-área denominada por Transformation Hub (liderada por PP) na qual estariam integradas as equipas de inovação e de indústria;
R. Na sequência do referido em Q. a Autora passou a reportar directamente a PP;
S. A Autora regressou ao trabalho a 14 de Junho de 2023, com licença de amamentação;
T. Com o regresso referido em S. foi comunicado à Autora um aumento salarial de 3% nesse mês de Junho de 2023, na sequência da sua avaliação positiva;
U. A nova estrutura da área de IT&D foi anunciada e comunicada aos trabalhadores da Empregadora;
V. A nova estrutura inclui a unidade de Transformation, coordenada pela Trabalhadora, a que se encontra alocado QQ;
W. Após a data referida em S., a Autora continuou a participar em projectos da sua área de responsabilidade, tais como os relativos à definição estratégias das áreas do Transformation Hub;
X. A 14 de Fevereiro de 2024, o Conselho de Administração da Ré deliberou instaurar processo disciplinar contra a aqui Autora;
Y. A 23 de Fevereiro de 2024, a Autora foi suspensa preventivamente;
Z. No dia 07 de Março de 2024, a Autora recebeu uma mensagem enviada através de WhatsApp, por um utilizador de nome RR, com os seguintes dizeres:
“Para espanto meu, quando volto ao trabalho, tu, aparentemente, já cá não estás”;
A.1. No momento da suspensão, a Autora ficou sem qualquer acesso informático desaparecendo mesmo de todas as plataformas;
B.1.PP procurou que a Autora mantivesse acesso ao Outlook, o que por motivos de informáticos não se mostrou possível;
C.1. No dia 27 de Março de 2024, a Autora recebeu uma mensagem enviada através de WhatsApp, por um utilizador de nome II, com os seguintes dizeres:
“Olá AA, olha, já não estas na Galp?
Estou a olhar que o teu utilizador foi desativado.
Diz que não tenho permissões e aparece em vermelho.”;
D.1. No dia 27 de Março de 2024, a Autora recebeu uma mensagem enviada através de WhatsApp, por um utilizador de nome SS, com os seguintes dizeres:
Olá AA.
Há 3 semanas no dia 14 de Março uma pessoa da Galp disse-me que tinhas saído da empresa.
Achei aquilo estranho mas depois fui procurar-te no Teams e não apareces.
Entretanto nunca mais soube nada de ti.
Sais-te mesmo da Galp?
Está tudo bem?
Beijo”;
E.1. PP diligenciou junto do departamento de recursos humanos no sentido de identificar um mentor para a Trabalhadora.
F.1. A Autora não se inscreveu no programa de mentoria;
G.1. A Autora auferia remuneração de base no montante de € 4.415,00;
H.1. A Ré distribui anualmente pelos seus trabalhadores uma parcela dos resultados do Grupo Galp quando estes ultrapassam determinado montante;
I.1. No ano de 2022, a Autora recebeu, na sequência do referido em H.1., € 11.500,00;
J.1. A Autora tinha atribuição de carro (um Peugeot 3008, de matrícula ---81---), incluindo pagamento de seguro, IUC e despesas de manutenção da viatura;
K.1. A Autora tinha atribuição de telemóvel e plafond de chamadas telefónicas, com o número... integrado na conta da Ré e equipamento fornecido pela mesma (Samsung Galaxy A72);
L.1. A viatura referida em J.1. foi atribuída à Autora com uso total, incluindo em fins-de-semana, feriados, pontes e férias e períodos de baixa médica ou hospitalar;
M.1. À Autora eram atribuídos os plafonds disponíveis a título de gasóleo, portagens e uso de serviços da empresa (serviços de limpeza) disponíveis no cartão Galp Frota, num plafond anual no montante de € 2.400,00;
N.1. A Ré atribui aos trabalhadores uso de telemóvel, suportando o custo de certo tarifário, cujo objectivo principal é permitir comunicações telefónicas pelos trabalhadores no exercício das respectivas funções;
O.1. A Ré não controla a utilização quotidiana dos instrumentos de trabalho que disponibiliza aos trabalhadores;
P.1. A Ré suporta mensalmente o montante devido a título de renda do veículo atribuído à Autora, na qual se inclui o pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC) e de despesas de manutenção, no valor de € 244,06;
Q.1. A Ré suporta o custo do seguro automóvel para o veículo referido em J.1.;
R.1. A Autora está preocupada com esta situação e com o impacto que este acto da empresa poderá ter no seu futuro, na sua carreira profissional e vida pessoal.
***
A título de Factos Não Provados consignou-se:
1. O referido em L. esteve relacionado com o problema na gravidez que determinou o internamento da Autora;
2. Ainda no período de licença, a Autora teve uma reunião remota com o novo director MM que lhe confirmou que manteria as suas funções integrais quando regressasse;
3. A Autora foi afastada e excluída de determinadas actividades e/ou tarefas, perdendo responsabilidades de Unit Manager, como seja deixando de ter acesso à ficha de avaliação do colaborador QQ que reportava a si, não sendo
convocada para reuniões estratégicas de provas de conceito com áreas de negócio e reuniões de contratação de serviços para a equipa, que foram delegadas e elaborar o
orçamento da equipa, de participar em reuniões, tendo tais funções passado a ser desenvolvidas por TT (colaborador vindo de outra área de negócio);
4. A Autora foi excluída de actividades que pudessem dar visibilidade do seu trabalho, como sejam a concretização dos OKRs que lhe foram atribuídos, acompanhamento e participação em iniciativas estratégias para a sua equipa;
5. A Autora foi excluída do programa de Mentoring da empresa, apesar de ter feito vários pedidos de acesso ao mesmo aos Recursos Humanos e à sua superior hierárquica todos sem resposta até hoje;
6. Foram retiradas à Autora tarefas de supervisão, nomeadamente pelo facto de o colaborador QQ ter ficado no sistema a reportar a PP e nunca
ter deixado de lhe de reportar, como acontecia na prática do dia-a-dia até então;
7. Este comportamento foi igualmente apreendido pela sua equipa que a chegou a questionar se iria sair da Ré;
8. Durante o período de suspensão, a Autora foi contactada por vários colegas questionando sobre a sua saída, que havia já sido anunciada como um facto consumado;
9. Em momento anterior à decisão de despedimento, proferida no dia 02 de Maio de 2024, a Autora recebeu outros contactos telefónicos de colegas a quem tinha sido informado que a Autora já não trabalhava na Ré;
10. O referido em A.1. criou na Autora a suspeita de que o presente processo disciplinar e respectiva decisão de despedimento foi algo fabricado pela própria Ré,
que tinha como objectivo afastá-la do seu cargo;
11. A inexplicável e ilícita decisão de despedimento da Autora, a mal intencionada versão da Ré, quanto aos alegados fundamentos que lhe deram pretenso suporte,
foram e são do conhecimento da equipa da Autora e bem assim da generalidade das pessoas que trabalham com ela bem como das pessoas que trabalham no meio;
12. A reputação da Autora, o seu bom nome, foram afectados pelas insinuações descabidas e sem fundamento que a Ré fez e que (ela sim sem qualquer respeito pelo sigilo) divulgou por outros trabalhadores;
13. Esta situação já está a condicionar algumas decisões familiares, uma vez que Autora tem dois filhos de tenra idade que já estão a ser afectados pelo sucedido;
14. O referido em K.1. reporta um benefício com a valoração média de € 75,00;
15. O referido em J.1. equivale a um benefício mensal no valor de € 520,00 mensais;
16. Após a data referida em S., a Autora desenvolveu projectos em colaboração com a unidade de Energy Management, com a refinaria de Matosinhos e com a área de Tech, Data & Transformation, cuja definição do enquadramento e modo de
concretização lhe competiu;
17. Grande parte dos trabalhadores a quem é atribuído um veículo exerce funções comerciais, que requerem deslocações frequentes e, por vezes, inesperadas;
18. A Autora devolveu o veículo à Empregadora no dia 2 de Julho de 2024;
19. O valor referido em Q.1. ascende ao montante anual de € 603,07 (seiscentos e três euros e sete cêntimos);
20. O custo de aquisição do telemóvel atribuído à Autora foi de € 381,00 (trezentos e oitenta e um euros);
21. O tarifário móvel da Trabalhadora tem o custo de €3,40 (três euros e quarenta cêntimos) por mês.
***
Mais se consignou:
«
Não se elenca como provada ou não provada qualquer outra alegação efectuada pelas partes, por a mesma consubstanciar mera impugnação, extractação de documentos, explanação de matéria de direito e/ou matéria conclusiva, se referir a conceitos vagos, genéricos e/ou jurídicos, se relacionar com matérias cuja ponderação já não se justifica nos autos, em função de decisões previamente prolatadas, e não se debruçar sobre factos essenciais à boa decisão da causa (cfr. artigos 5º, 552º, n.º1, alínea d) e 572º, alínea c), todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto pelos artigos 1º, n.º2, alínea a) e 49º, n.º2, do Código de Processo do Trabalho).
Ora, o ónus de, na fundamentação da decisão, o juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, apenas respeita aos factos (provados ou não provados) que sejam relevantes para a decisão da causa, que não a todos e quaisquer factos que, independentemente da sua relevância, tenham sido alegados pelas partes.
Igualmente se desarraigaram, na medida do possível, os factos supra elencados como provados e não provados das considerações conclusivas e/ou adjectivas que os acompanhavam na alegação das partes, para que o elencado espelhe apenas factos essenciais concretos relevantes para a decisão da causa.
Assim, nenhuma outra alegação apresentada assume relevância que determine a sua submissão a juízo probatório específico, o que expressamente se declara».
***
A convicção do Tribunal logrou o seguinte teor:
«
(…)» - fim de transcrição.
****
É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC 4 ex vi do artigo 87º do CPT).
Mostra-se interposto um recurso pela Ré no qual suscita três questões.
Cumpre frisar que a Autora não recorreu nem ampliou o âmbito do recurso, sendo que o dispositivo em causa logrou o seguinte teor:
«
«
Nestes termos, tudo visto e ponderado, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
i. Declara-se que a atribuição e utilização, em exclusivo, de viatura automóvel, para uso profissional e pessoal, suportando a Ré as respectivas despesas, integra a retribuição da Autora;
ii. Declara-se que a atribuição e utilização, em exclusivo, de telemóvel, suportando a Ré as respectivas despesas, integra a retribuição da Autora;
iii. Absolve-se a Ré do demais contra si peticionado.

Custas por Autor e Ré.
Registe e notifique» - fim de transcrição.
A primeira questão suscitada pela recorrente consiste na impugnação da matéria de facto.
(…)
***
A segunda questão a apreciar consiste em saber, se ao contrário do dirimido na verberada sentença, deve considerar-se que a atribuição e utilização, em exclusivo, de viatura automóvel, para uso profissional e pessoal, suportando a Ré as respectivas despesas, não integra a retribuição da Autora.
Sobre o assunto a sentença considerou:
«
Da fixação da retribuição mensal em € 5.697,87:
Pretende a Autora que se fixe a sua retribuição mensal como ascendendo ao valor de 5.697,87, tendo por referência o valor da sua retribuição base (€ 4.415,00) e os cálculos por si
efectuados relativamente ao valor mensal a que entende ascender a utilização da viatura automóvel (liquidada por si em € 293,92 mensais), a utilização de telemóvel (por si liquidada em € 30,62 mensais) e o prémio de produtividade (por si calculado em € 958,33).
Cumpre apreciar e decidir.
Do preceituado pelo artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa resulta constituir o direito à retribuição um direito fundamental do trabalhador,
dispondo aquele normativo que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
Por seu turno, o Código do Trabalho estabelece, no seu artigo 258º, ser a retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e
periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
A retribuição constitui, assim, a contrapartida patrimonial da actividade prestada (ou disponibilizada) pelo trabalhador, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 11º e 258º, do Código do Trabalho, assumindo-se como um dos elementos essenciais do contrato de trabalho.
Caracteriza-se por ser obrigatória, regular e conexionada com a força de trabalho colocada à disposição da entidade patronal.
Em sentido estrito, compreende a denominada retribuição-base - correspondente à parcela retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido – as diuturnidades e demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da actividade (como, por exemplo, a compensação a título de isenção de horário de trabalho, subsídio de turno, subsídio de trabalho nocturno, subsídio de isolamento, subsídio de risco, complemento por isenção de horário).
Estas prestações, habitualmente denominados “complementos salariais”, assumem igualmente carácter de obrigatoriedade. Assim, além da retribuição base, são normalmente ajustadas outras parcelas retributivas que cabem igualmente no conceito de retribuição. - Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, 11.ª Edição, págs. 576 e s..
Esta noção de retribuição já se mostrava assente – entre doutrina e jurisprudência – na vigência da LCT (Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969), dispondo esta, no seu artigo 82º, constituir retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas e dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
Abrangia, como claramente se explicitava no seu n.º 2, a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, estabelecendo, ademais, no seu n.º 3, uma presunção de que todas as prestações da entidade patronal constituíam retribuição.
O assim estabelecido na LCT foi mantido no Código do Trabalho de 2003 ( no seu artigo 249º) e no Código do Trabalho de 2009 ( no seu artigo 258º), onde se preceitua dever considerar-se retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (n.º 2), presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.º 3).
Temos, assim, como elementos característicos do conceito de retribuição: (i) trata-se de um direito do trabalhador; (ii) que decorre do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos; (iii) como contrapartida do trabalho prestado ou da disponibilidade para
a prestação de trabalho (tem que haver correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador); (iv.) paga de forma regular e periódica; (v) com carácter patrimonial. – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Dezembro de 2009, com o número de processo 1881/07.9TTLSB.L1-4, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
A retribuição é, destarte, constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade empregadora está obrigada a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador, em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.
Quanto às atribuições patrimoniais de carácter variável, para estas integrarem o conceito de retribuição, para além de constituírem a contrapartida do trabalho, devem ser auferidas regular e periodicamente.
No que respeita à característica de periodicidade e regularidade da retribuição, tal significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo, dessa forma, relevância ao nexo existente entre as retribuições e as necessidades pessoais e familiares daquele. - Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª edição, ano de 2005, páginas 455-457.
Com efeito, com a expressão regular, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E, ao exigir o carácter periódico, a lei considera que a prestação deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Janeiro de 1993, in CJSTJ- I-226 apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2017, com o número de processo 393/16.8T8VIS.C1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
A questão da regularidade e periodicidade é, assim, essencial para que uma determinada atribuição patrimonial concedida ao trabalhador seja considerada retribuição e, nessa medida, para se aferir se deve ser considerada para efeitos do cálculo do montante a pagar a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal.
Ainda que a questão tenha sido discutida e controversa no passado, a verdade é que se mostra agora jurisprudência assente que, para que uma prestação seja considerada como
regular e periódica, se revela necessário que seja paga, durante o período de um ano, pelo menos durante 11 meses. – Neste sentido, vide Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 14/2015, de 01 de Outubro de 2015, publicado no DR 1.ª série, de 29/10/15, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Novembro de 2015, com o número de processo 548/12.4TTGDM.P1, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 2016, com o número de processo 3921/13.7TTKSB.L1.S1, de 03 de Novembro de 2016, com o número de processo 3921/13.7TTKSB.L1.S1, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
Atento o cariz sinalagmático do contrato de trabalho, a regularidade e periodicidade não constitui o único critério a considerar, sendo ainda necessário que a atribuição patrimonial constitua uma contrapartida do trabalho e não se destine a compensar o trabalhador por quaisquer outros factores.
Destarte, ainda que se verifique a regularidade e periodicidade no pagamento, a prestação não constituirá retribuição se tiver uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, como acontece, por exemplo, com as ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação, ou outra forma de compensação de despesas ou gastos tidos pelo trabalhador ao serviço do empregador, salvo na parte em que essas importâncias excedam os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato, ou devam considerar-se pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador (cfr. artigo 260º do Código do Trabalho).
Este o enquadramento legal e jurídico da retribuição e das suas diferentes componentes.
Sustenta a Ré que a disponibilização da viatura automóvel se refere a mera disponibilização de viatura de serviço e não verdadeira retribuição, sendo até possível que o trabalhador abdique de tal utilização, mas sem que isso corresponda a qualquer pagamento compensatório.
Defende, assim, que a atribuição de viatura é feita apenas para utilização como viatura de serviço e não como forma de pagamento, argumentando que a possibilidade de utilização fora dos horários de trabalho, aos fins-de-semana, férias e feriados, resulta de uma mera tolerância da sua parte.
Doutrina e jurisprudência vêm entendendo, de forma quase uniforme, que o valor de uso de uma viatura atribuída pelo empregador para o trabalhador usar na sua vida particular ou particular e profissional, suportando aquele as respectivas despesas de manutenção, acontecendo tal uso de forma regular, por forma a inculcar em ambos os sujeitos do contrato de trabalho a ideia de que se trata de um direito e não de mera liberalidade, integra a retribuição do trabalhador. - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994 e de 23 de Novembro de 1994, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I1-1994, respectivamente, Tomo II, págs. 281 a 284 e tomo II, págs. 297 à 300.
De facto, a atribuição de uma viatura automóvel ao trabalhador para uso total, com natureza regular e periódica (podendo dela usufruir todos os dias, sem restrições), não pode deixar de se considerar como constituindo uma vantagem de natureza económica e parte integrante da retribuição, nos termos estabelecidos pelo artigo 258º, do Código do Trabalho.
Analisada a factualidade supra elencada como provada temos que dela resulta que, desde a data da sua admissão e até à data do seu despedimento (incluindo aos fins-de-semana, nos períodos de férias e até de doença), a Autora usufruía da viatura automóvel que lhe havia sido entregue pela Ré, sem quaisquer restrições de utilização.
A Autora fez uso profissional e pessoal ininterrupto dessa viatura até ao momento em que ocorreu o seu despedimento, de forma exclusiva, sendo que utilizou o veículo que lhe foi atribuído pela Ré nas suas deslocações pessoais, em dias normais de trabalho, fora do horário de trabalho, fins-de-semana, feriados e férias, sem limite.
Os factos demonstram, igualmente, que era a Ré que suportava as despesas de combustível (através da atribuição da possibilidade do cartão Galp Frota, com um plafond, assumido por ambas as partes, de € 2.400,00 anuais), as despesas de seguro, de manutenção do veículo e de aquisição da viatura).
Mais se apurou que a utilização da viatura em causa pela Autora para deslocações não profissionais (fins-de-semana, feriados e férias) sempre foi do conhecimento da Ré e por esta consentida.
Não se esquece que a retribuição assume a natureza de um dever do empregador (cfr. artigo 127º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho) e que dela se excluem as prestações que sejam efectuadas pelo empregador com animus donandi.
É, precisamente, neste aspecto que a Ré se fixa, defendendo que a utilização que a Autora vinha fazendo da viatura automóvel, fora do horário e dos dias de trabalho — fins de semana, feriados e férias - com o inerente pagamento de todas as despesas por sua parte, assenta numa tolerância, feita com espírito animus donandi, não fazendo parte da retribuição que à Autora era devida pelo seu trabalho.
Entende, assim, que a todo o tempo lhe é permitido retirar a utilização de tal viatura ao trabalhador, na medida em que esta se trata de viatura de serviço e a sua utilização, com o pagamento das despesas inerentes à sua aquisição, circulação e utilização não assume natureza retributiva.
Sucede, porém, que a Ré atribuiu à Autora um cartão Galp Frota, suportava todas as despesas de seguros e de manutenção do veículo automóvel que lhe atribuiu e, sabendo do uso particular que esta dava à viatura, nada fez para o impedir ou restringir.
Este tipo de comportamento, analisado à luz de regras de experiência comum e de raciocínio lógico – tendo, até, em conta aquele que é o objecto social da Ré e o seu escopo social (obtenção do lucro) – não se mostra susceptível de ser interpretado e integrado como mera tolerância.
Recorde-se, ademais, que o legislador, não se olvidando das dificuldades que se poderiam fazer sentir na qualificação do que é ou não é retribuição, estabeleceu, no n.º 3 do artigo 258º, do Código do Trabalho, um presunção, prevendo que integra a retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Ficou demonstrado que durante mais de três anos a Ré permitiu este tipo de uso por parte da Autora, tendo dele pleno conhecimento e continuando a suportar todas as despesas inerentes a esse uso contínuo e sem restrições por parte da Autora.
Temos, assim, que os factos apurados demonstram a existência de uma prestação da Ré à Autora, cabendo àquela ilidir, em face do estabelecido pelo artigo 258º, n.º 3, do Código do Trabalho, o carácter retributivo desta prestação ( em conformidade com o estabelecido pelo artigo 350º, n.º 2, do Código Civil).
À Ré incumbia a prova de que essas prestações por si suportadas e recebidas pela Autora não tinham carácter retributivo e não eram contrapartida do trabalho prestado, ou seja, cabia-lhe provar que a atribuição do veículo automóvel e que o seu uso particular pelo trabalhador não passava de uma mera liberalidade ou de uma mera tolerância por sua parte.
Ponderada a factualidade que nos autos se apurou, conclui-se não ter a Ré cumprido com o seu ónus de prova, na medida em que dos factos provados resulta que a viatura em causa foi atribuída à Autora no momento da sua contratação, por força dessa sua contratação, com atribuição de uso exclusivo e utilização total, com o pagamento de todas as despesas inerentes pela Ré.
Ora, mostra-se já jurisprudência firmada que a atribuição do direito, ao trabalhador, de utilização do veículo na sua vida particular, incluindo fins de semana, feriados e férias e ao suportar a entidade empregadora todos os encargos, designadamente com a sua manutenção, seguro e combustível, torna essa prestação com carácter de obrigatoriedade.
Sendo uma prestação em espécie, com carácter regular e periódico e com valor patrimonial, assume, pois, natureza de retribuição e beneficia da garantia da irredutibilidade estabelecida pelo artigo 129º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03
de Março de 2021, com o número de processo 28857/17.9T8LSB.L1.S1 e de Acórdão nele mencionados de 13 de Fevereiro de 2019, com o número de processo 7847/17.7T8LSB.L1. S1 e de 30 de Abril de 2014, com o número de processo 714/11.00TTPRT.P1. S1, disponíveis para consultas in www.dgsi.pt.
Tudo ponderado, conclui-se que o trabalhador ao ter consigo à sua disposição uma viatura nos moldes que nos autos se comprovaram, que podia usar em termos profissionais e pessoais, durante o trabalho e depois desse tempo, nomeadamente aos fins de semana e férias, com as inerentes despesas todas pagas, não pode deixar de ser vista como assumindo carácter retributivo, tanto mais que a Ré sabia das condições em que a viatura era utilizada (aos fins de semana, feriados e férias) e efectuava os pagamentos inerentes (incluindo da proporção que nada tinha a ver com o trabalho), no que não pode deixar de ser, à luz da interpretação de um cidadão médio, integrado em comportamento que vai além de uma mera tolerância.
Recorde-se que a tolerância é o acto de agir com condescendência e aceitação perante algo que não se quer ou que não se pode impedir.
Não é esse o caso dos autos, pois que se a Ré o quisesse podia ter impedido, ab initio, a utilização do veículo nos termos em que a Autora o fez durante mais de dois anos (nas férias, aos fins de semana) ou, no limite, podia não ter procedido ao pagamento das despesas inerentes nesses períodos temporais.
Conclui-se, assim, que a atribuição da viatura automóvel, com o pagamento de todas as despesas e custos fixos inerentes, em conformidade com que nos autos se comprovou, assume natureza retributiva e integra, destarte, a retribuição variável devida à Autora por força do contrato celebrado com a aqui Ré» - fim de transcrição.
Neste particular, em sede conclusiva, a recorrente sustenta:
«
8.º
A atribuição e utilização de viatura automóvel para uso profissional não constitui cumprimento do dever de retribuir, mas da obrigação de cooperação creditória, pelo que o valor correspondente a essa utilização não integra a retribuição da Apelada.
9.º
A Apelante disponibilizou à Recorrida veículo automóvel, no quadro regulamentar fixado pela norma transversal NT-036 - Atribuição e Utilização de Viaturas no Grupo Galp, que circunscreve a utilização de viaturas cedidas ao desempenho da actividade profissional.
10.º
A Apelante não controlou o uso daquele veículo, por isso se conformando com o respectivo aproveitamento para fins pessoais, durante períodos de não trabalho, sem que isso o converta em cumprimento do dever contratual de retribuir o trabalho.
11.º
A Recorrida também percepcionou a utilização pessoal do veículo como acto permissivo, de condescendência, da Apelante, razão por que manteve consigo o mesmo automóvel após a cessação do contrato de trabalho, o que não faria a estar em causa prestação retributiva, que deixou de auferir no momento do termo da relação laboral».
Tendo em conta a matéria assente [nomeadamente em:
J.1. A Autora tinha atribuição de carro (um Peugeot 3008, de matrícula ---81---), incluindo pagamento de seguro, IUC e despesas de manutenção da viatura;
K.1. A Autora tinha atribuição de telemóvel e plafond de chamadas telefónicas, com o número... integrado na conta da Ré e equipamento fornecido pela mesma (Samsung Galaxy A72);
L.1. A viatura referida em J.1. foi atribuída à Autora com uso total, incluindo em fins-de-semana, feriados, pontes e férias e períodos de baixa médica ou hospitalar;
M.1. À Autora eram atribuídos os plafonds disponíveis a título de gasóleo, portagens e uso de serviços da empresa (serviços de limpeza) disponíveis no cartão Galp Frota, num plafond anual no montante de € 2.400,00;
N.1. A Ré atribui aos trabalhadores uso de telemóvel, suportando o custo de certo tarifário, cujo objectivo principal é permitir comunicações telefónicas pelos trabalhadores no exercício das respectivas funções;
O.1. A Ré não controla a utilização quotidiana dos instrumentos de trabalho que disponibiliza aos trabalhadores;
P.1. A Ré suporta mensalmente o montante devido a título de renda do veículo atribuído à Autora, na qual se inclui o pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC) e de despesas de manutenção, no valor de € 244,06;
Q.1. A Ré suporta o custo do seguro automóvel para o veículo referido em J.1.] será assim?
A nosso ver, é evidente que a utilização, nos moldes assentes, da viatura e cartão pela Autora na sua vida privada, naquelas condições, representava para ela uma manifesta vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ela despenderia se utilizasse viatura própria) e tinha natureza regular e periódica, uma vez que dela podia usufruir todos os dias.
Desta forma, a atribuição da viatura e cartão, que consubstanciava uma prestação em espécie, regular e periódica, com valor patrimonial, tem de presumir-se como fazendo parte integrante da retribuição.
Nesse particular, em nosso entender, a Ré não conseguiu ilidir a supra mencionada presunção, provando nomeadamente que tal atribuição se tratava de uma mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância da sua parte.
E nem se venha esgrimir (no sentido da ilisão ) que na Ré, vigora a norma transversal NT-036 - Atribuição e Utilização de Viaturas no Grupo Galp, a qual regula as condições de atribuição e utilização de veículos automóveis pelos respectivos trabalhadores”.
É que o ali referido [nomeadamente em 2. Finalidades e Condições Gerais de Atribuição e Utilização de Viatura
2.1. A atribuição do uso de viatura de empresa (adiante referida como viatura) destina-se a fins profissionais e decorre das necessidades de deslocação inerentes ao exercício de determinadas funções, não constituindo nem integrando a remuneração do colaborador] é contrariado pela vivência do dia a dia em termos da execução contratual.
Assim, neste ponto cumpre ter em conta o denominado princípio geral da primazia da realidade (vide sobre o mesmo, embora aplicado a nível diverso, Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I. Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 172,, bem como arestos do STJ de 2.10.2002 e de 29.9.1999, Publicados, respectivamente, no ADSTA, nº 497, 2003 e na CJSTJ, Ano VII, Tomo III, pág. 248 a 251, encontrando-se este último também no ADSTA, nº 461,pág 784 e segs).
Nesse ponto, diremos tão só que as coisas são o que são e a realidade é o que é e não aquilo que as partes dizem que é ou pretendem que seja.
Efectivamente, verificando-se uma contradição evidente entre o que está escrito e o que ocorre no dia a dia deve prevalecer esta última realidade.
Aliás, cabe recordar que na invocada norma transversal NT-036 - Atribuição e Utilização de Viaturas no Grupo Galp, também consta:
2.6. O colaborador pode prescindir da atribuição de viatura de empresa, ato que não é remível a dinheiro, mas que não inviabiliza a atribuição, para utilização, em contexto profissional e em viatura pessoal, de Single Card, cartão Galp Frota e/ou Galp Electric no montante do respetivo plafond anual.
Caso o colaborador prescinda da atribuição de viatura de empresa e da atribuição de Single Card, cartão Galp Frota e/ou Galp Electric, a empresa assumirá custos de deslocação em transporte, em contexto profissional, até ao montante máximo do seu plafond anual.
O assumir destas despesas bem como a atribuição do cartão, a nosso ver, com respeito por opinião distinta, inculca que o transporte e inerentes despesas do trabalhador a tal título eram uma obrigação que a Ré assumia não se podendo encarar como mera liberalidade ou concessão por tolerância.
Cabe, pois, considerar que a utilização privada da referida viatura nos moldes apurados, constituía uma prestação em espécie que fazia parte integrante da retribuição da Autora.
Saliente-se, aliás, ser jurisprudência uniforme que o valor de utilização de uma viatura atribuída pelo empregador para o trabalhador usar na sua vida particular ou particular e profissional, suportando aquele as respectivas despesas de manutenção, acontecendo tal uso de forma regular, por forma a inculcar em ambos os sujeitos do contrato de trabalho a ideia de que se trata de um direito e não de mera liberalidade, integra a retribuição do trabalhador.5
Tal como se refere em aresto do STJ, de 21 de Abril de 2010, no âmbito do processo nº 2951/04.4TTLSB.S1, Nº Convencional: 4.ª Secção, Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, acessível em www.dgsi.pt:
“Sobre a questão de saber se o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva, este Supremo Tribunal tem seguido a orientação de que a atribuição de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo da entidade patronal, para o serviço e uso particular do trabalhador, constitui ou não retribuição conforme se demonstre que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância (cf. Acórdão, de 5 de Março de 1997, em Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, tomo I, p. 290; e Acórdãos, de 3 de Maio de 2000, Revista n.º 342/99, de 24 de Outubro de 2001, Revista n.º 3917/2000, de 20 de Fevereiro de 2002, Revista n.º 1963/2001, de 15 de Outubro de 2003, Revista n.º 281/2003, e de 19 de Outubro de 2004, Revista n.º 2601/2004, todos da 4.ª Secção). “ – fim de transcrição.
No mesmo sentido aponta aresto do STJ, de 25 de Junho de 2015, proferido no processo nº 1256/13.4TTLSB.L1.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro António Leones Dantas, acessível em www.dgsi.pt.6
Cumpre ainda formular idêntico raciocínio no tocante à atribuição do cartão de combustível e inerentes despesas atinentes à viatura, nos moldes provados,que, igualmente, se reputam como fazendo parte, em conjunto com a atribuição da viatura, da retribuição da apelada.
Improcede, pois, o recurso nesta vertente.
****
A terceira vertente do recurso consiste em saber se, ao invés do dirimido na sentença recorrida, a atribuição e utilização, em exclusivo, de telemóvel, suportando a Ré as respectivas despesas não integra a retribuição da Autora.
Sobre o assunto a sentença discreteou:
«
A igual conclusão se chega no que respeita ao telemóvel e respectivo plafond de chamadas, na medida em que os autos comprovam a sua entrega com a admissão da Autora e o seu uso, profissional e pessoal, sem restrições e controlo.
Cumpre, uma vez mais, chamar à colação o estabelecido pelo artigo 258º, n.º 3, do Código do Trabalho, na medida em que a Ré não logrou provar que tal atribuição se não relacionava com a prestação de trabalho da Autora.
A atribuição de telemóvel e de plafond de chamadas, nos termos que nos autos se comprovou, não pode deixar de se considerar uma vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que a Autora despenderia se utilizasse telemóvel próprio), tendo a mesma natureza regular e periódica, na medida em que tal utilização era diária e tal plafond era mensal.
Deparamo-nos, assim com uma prestação em espécie, regular e periódica, com um valor patrimonial e que como tal tem de presumir-se, em face do estabelecido pelo artigo 258º, do Código do Trabalho, como fazendo parte da retribuição da recorrente.
Pendia sobre a Ré o ónus de prova de que esta atribuição patrimonial não era contrapartida do trabalho prestado pela Autora e, como se extrai dos factos que nos autos se provaram, não cumpriu a Ré esse seu ónus de prova.
Conclui-se, assim, que o uso de telemóvel e de plafond de chamadas assume natureza retributiva e integra, destarte, a retribuição variável devida à Autora por força do contrato celebrado com a aqui Ré» - fim de transcrição.
Segundo a recorrente em sede conclusiva:
«
12.º
A Recorrente atribuiu à Apelada aparelho de telefone móvel, com o objectivo principal, declarado pelo Tribunal a quo, de permitir comunicações telefónicas pelos trabalhadores, no exercício das respectivas funções, tendo depoimentos prestados nos autos revelado a inexistência de telefones fixos nas instalações da actual sede da Apelante.
13.º
O objectivo primacialmente servido pela entrega daquele aparelho mostra que através desse meio, a Apelante criou condições para que o trabalho fosse realizado, não que fosse pago.
14.º
A Apelante também não controla a utilização diária, pelos trabalhadores, dos aparelhos de telefone móvel disponibilizados, o que sempre lhe estaria legalmente vedado.
15.º
Assim procedendo, a Recorrente conformou-se com a utilização para fins não profissionais dos mencionados aparelhos, conduta que não altera a natureza da atribuição para lhe conferir carácter retributivo.» - fim de transcrição.
Com relevo directo para a apreciação dessa problemática provou-se que:
K.1. A Autora tinha atribuição de telemóvel e plafond de chamadas telefónicas, com o número... integrado na conta da Ré e equipamento fornecido pela mesma (Samsung Galaxy A72);
N.1. A Ré atribui aos trabalhadores uso de telemóvel, suportando o custo de certo tarifário, cujo objectivo principal é permitir comunicações telefónicas pelos trabalhadores no exercício das respectivas funções;
O.1. A Ré não controla a utilização quotidiana dos instrumentos de trabalho que disponibiliza aos trabalhadores».
A nosso ver, tendo por base essa factualidade não se pode, sem mais, concluir que a atribuição à Autora de telemóvel para uso profissional, cujo uso pessoal não era controlado, consubstanciava uma prestação em espécie que fazia parte integrante da sua retribuição.
Argumentar-se-á com a presunção contida no nº 3º do artigo 258º do CT7 de 2009, sendo que a atribuição de telemóvel nos aludidos moldes pode considerar-se uma vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que a Autora despenderia se utilizasse telemóvel próprio), sendo que tinha natureza regular e periódica, pois, afigura-se diária.
Desta forma, dir-se-á que a atribuição do telemóvel e inerente tarifário era uma prestação em espécie, regular e periódica, com um valor patrimonial evidente, e que como tal tem de presumir-se, nos termos das supra citadas normas, como fazendo parte da retribuição da recorrente.
Mas será que nesse particular a Ré logrou elidir a presunção decorrente daquelas normas?
Entendemos afirmativamente.
Provou-se que a Ré atribui aos trabalhadores uso de telemóvel, suportando o custo de certo tarifário, cujo objectivo principal é permitir comunicações telefónicas pelos trabalhadores no exercício das respectivas funções.
Ora, com respeito por opinião distinta, não vislumbramos que a matéria provada permita considerar que a sua utilização para fins pessoais assumisse autonomia relativamente ao seu uso no exercício funcional.
Cumpre atentar que nos tempos que correm o telemóvel (com acesso à internet) é notoriamente um instrumento de trabalho, além de banal, imprescindível.
Argumentar-se-á que não se provou que a recorrente estabelecesse um limite mensal para a utilização do telemóvel, limite esse estipulado para cobrir as necessidades atinentes ao exercício da sua actividade profissional, tendo a trabalhadora que suportar o respectivo pagamento se excedido determinado plafond.
Contudo, mesmo dando de barato que a recorrente confiava que a Autora fazia/ faria uma gestão criteriosa da utilização do telemóvel (vg: utilização de dados e chamadas para o estrangeiro), sendo por esse motivo que não operava qualquer discriminação entre o uso profissional e o pessoal, afigura-se-nos razoável conceder que - não sendo essa uma prestação resultante da lei ou de negociação pré estabelecida8 9entre ambos, enquanto componente retributiva - o uso que dele fizesse a Autora no âmbito da sua vida pessoal/particular não constituía por parte da Ré mais do que uma liberalidade de conforto para a trabalhadora.
Frise-se ainda que não se provou que da sua utilização a nível particular resultasse para ela uma vantagem patrimonial assinalável na qualidade de utilizadora.
Acrescente-se que o facto de a empregadora não controlar o seu uso a nível pessoal, a nosso ver, salvo melhor opinião, não aponta necessariamente no sentido de que tal atribuição consubstanciasse um direito da Autora, mas antes que a utilização a título pessoal mais não era do que um acto de mera tolerância da empregadora/recorrente.
Em suma, cumpre considerar que o (eventual) benefício decorrente da utilização profissional, extensiva à vida pessoal, do telemóvel não pode, sem mais, reputar-se como contrapartida ou prestação expectável devida por via da actividade contratada, não se devendo, em consequência, considerar que (a concessão e utilização do telemóvel) constituía retribuição.
Procede, assim, o recurso nesse ponto.
****
Em face do exposto, acorda-se em:
- determinar o aditamento à matéria provada de um facto S.1 com o seguinte teor:
S.1 “Na Ré vigora a norma transversal NT-036 - Atribuição e Utilização de Viaturas no Grupo Galp, a qual regula as condições de atribuição e utilização de veículos automóveis pelos respectivos trabalhadores com o teor constante do documento nº 3 junto pela Galp, que aqui se dá por reproduzido, na resposta à contestação-reconvenção da trabalhadora.
- julgar o recurso parcialmente procedente e absolver a Ré da pretensão da Trabalhadora atinente à declaração de que a atribuição e utilização, em exclusivo, de telemóvel, suportando a Ré as respectivas despesas, integra a sua retribuição.
No mais acorda-se em manter a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
DN (processado e revisto pelo relator - nº 5º do artigo 138º do CPC).

Lisboa, 18-06-2025
Leopoldo Soares
Paula Pott
Sérgio Almeida
_______________________________________________________
1. Em 9.5.2024.
2. Nos seguintes moldes:
«Na sequência do assim alegado, a Ré veio, por requerimento entrado em juízo sob a Ref.ª Citius 40033839 (49551129), confessar o pedido de declaração de ilicitude do despedimento, assumindo ter incumprido com a formalidade essencial prevista pelo artigo 381º, alínea d), do Código do Trabalho.
Por requerimento entrado em juízo sob a Ref.ª Citius 40033842 (49568176) veio a Autora declarar aceitar a confissão assim apresentada e reiterar a sua opção pela sua reintegração.
Apreciando e decidindo.
Compulsados os autos, conclui-se estarem reunidos os pressupostos formais de validade da instância, relativos à competência do tribunal, à qualidade das partes e à adequação do meio processual.
Em face da posição livremente assumida pela Ré, estando o objecto da lide na livre disponibilidade das partes, julgo válida a confissão, por si expressa, do pedido elencado em a), e, em consequência, ao abrigo do disposto pelas disposições conjugadas dos artigos 283º, n.º1, 2.ª parte, 284º, 290º, n.º 1 e 3 e 277º, alínea d), do Código de Processo Civil, julgo ilícito o despedimento de AA.
*
Estabelece o artigo 390º, do Código do Trabalho, que ao trabalhador despedido ilicitamente assiste o direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, onde se incluem férias, subsídios de férias e de Natal ( cfr. artigo 390º, n.º2, alínea b), do Código do Trabalho).
*
Tudo ponderado, julga-se ilícito o despedimento da Autora AA e, em face da opção por si tomada, condena-se a Ré a proceder à sua reintegração, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhes todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, devendo, caso se aplique, proceder-se às deduções previstas no artigo 390º, nº 2 do Código do Trabalho.
Notifique.».
3. Realizadas em 18 de Outubro de 2024 e 21 de Novembro de 2024.
4. Diploma aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
5. Vide vg: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1994-06-15 e de 1994-11-23, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II-1994, respectivamente, Tomo II, págs. 281 a 284 e Tomo III, págs. 297 a 300.
6. Que logrou o seguinte sumário:
“1 – A justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da atuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua atividade.
2 – Na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes, tendo o quadro de gestão da empresa como elemento estruturante de todos esses fatores.
3 − A atribuição de uma viatura automóvel ao trabalhador para uso total constitui uma vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ele, até essa data, normalmente despendia com a sua própria viatura), tem natureza regular e periódica, uma vez que dela podia usufruir todos os dias e deve-se considerar-se parte integrante da retribuição, nos termos do artigo 258.º do Código do Trabalho.
4 − O valor da retribuição em espécie correspondente à utilização permanente de veículo automóvel tem valor equivalente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura (no qual não se inclui o uso profissional);
5 − Em face da insuficiência de elementos para determinar o montante indemnizatório, relativo ao valor de uso de veículo automóvel nada obsta a que se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para momento posterior a incidir apenas sobre apenas sobre aquele valor.
6 – (…).” – fim de transcrição.
7. Norma que comanda:
Princípios gerais sobre a retribuição
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
8. Nomeadamente do contrato referido nos factos A, B e C -
A. A 15 de Setembro de 2021, Autora e Ré celebraram acordo escrito denominado Contrato de Trabalho, mediante o qual a segunda declarava admitir a primeira ao seu serviço, com efeitos a 15 de Setembro de 2021 e sem termo, e esta se obrigava a prestar-lhe a sua actividade com a categoria de Consultor Técnico I, com o conteúdo descrito no Anexo I;
B. Sob o Anexo I do contrato referido em A. ficou consignado que o Consultor Técnico I exerce funções com autonomia técnica e efectua estudos e pareceres de natureza técnica e/ou científica que exigem conhecimentos adequados à sua formação académica ou curriculum profissional, podendo supervisionar técnicos de nível inferior e representar a empresa em assuntos da sua especialidade;
C. Sob a Cláusula Sexta do acordo referido em A. ficou estabelecido que a retribuição mensal é composta por retribuição-base no valor de € 3.800,00, sujeita a descontos legais, tendo o trabalhador direito a um subsídio de refeição, cumpridos os requisitos legais para o seu pagamento - ou seja no documento nº 1 junto pela entidade empregadora com o seu articulado motivador.
9. Vide a clª 6ª do contrato inicialmente celebrado.