RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
TRABALHO SUPLEMENTAR
TRABALHO NOCTURNO
Sumário

I. A majoração retributiva do trabalho suplementar tem em vista compensar o trabalhador pelo acréscimo de esforço e pela redução da auto-disponibilidade que a respectiva prestação envolve, sendo que o grau dessa majoração não lhe retira essa natureza, sendo trabalho suplementar tanto o prestado em dia normal de trabalho, como em dias de descanso e feriados, não se justificando a autonomização deste último para o efeito de aferir da regularidade e periodicidade dos valores percebidos a título de trabalho suplementar.
II. O trabalho que deva considerar-se nocturno prestado em dia de descanso e feriado partilha da mesma natureza do trabalho nocturno prestado em dia normal de trabalho, inexistindo justificação para a autonomização daquele primeiro com vista a aferir da regularidade e periodicidade dos valores percebidos a esse título.
III. A previsão de instrumento de regulamentação colectiva de que o subsídio de Natal corresponde «a um mês de retribuição» não contraria o disposto no art.º 262.º, do Código do Trabalho de 2009, daí que as prestações por trabalho suplementar, trabalho nocturno e subsídio de agente único, ainda que percebidas de modo regular e periódico, não relevem para o cômputo do subsídio de Natal.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. AA, BB, CC e DD intentaram acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra “Scotturb – Transportes Urbanos, Lda.” e contra “Viação Alvorada, Lda.”.
Peticionou o 1.º autor que as rés fossem solidariamente condenadas a pagar-lhe, nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal, a quantia total de € 3.354,71 (três mil trezentos e cinquenta e quatro euros e setenta e um cêntimos), referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (€ 1.392,97) e de trabalho nocturno (€ 1.961,74) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2011 a 2022.
Peticionou o 2.º autor que as rés fossem solidariamente condenadas a pagar-lhe, nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de e 22.898,13 (vinte e dois mil oitocentos e noventa e oito euros e treze cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (€ 21.036,68), de trabalho nocturno (€ 305,85) e de subsídio de agente único (€ 1.555,60) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 1990 e 2019.
Peticionou o 3.º autor que as rés fossem solidariamente condenadas a pagar-lhe, nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de € 22.487,07 (vinte e dois mil quatrocentos e oitenta e sete euros e sete cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (€ 21.036,62), de trabalho nocturno (€ 931,48) e de subsídio de agente único (€ 518,97) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2001 a 2022.
Peticionou, finalmente, o 4.º autor que as rés fossem solidariamente condenadas a pagar-lhe, nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de € 8.167,79 (oito mil cento e sessenta e sete euros e setenta e nove cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (€ 5.173,43) e de trabalho nocturno (€ 2.994,36) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2011 a 2022.
Peticionaram, ainda, que as rés fossem condenadas no pagamento dos juros de mora legais vencidos e vincendos até integral pagamento das quantias peticionadas.
Alegaram os autores que: (i) terem sido admitidos ao serviço da 1.ª ré para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único; (ii) são sindicalizados no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez, filiado na FECTRANS, e as rés são associadas na ANTROP, aplicando-se, por isso, às respectivas relações laborais, as disposições do Acordo de Empresa da ré Scotturb, publicado no BTE n.º 1, 1.ª Série, de 8 de Janeiro de 1997, e suas sucessivas alterações, e a partir de Agosto de 2022, o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a FECTRANS e a ANTROP, publicado no BTE n.º 27, de 22/07/2022; (iii) em Junho de 2022, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 286.º do Código do Trabalho, a ré Scotturb, informou que, conjuntamente com a empresa Vimeca Transportes, se apresentou, através da criação de nova entidade empresarial, a ré Viação Alvorada, Lda., ao concurso público para exploração do serviço de transporte público de passageiros da Área Metropolitana de Lisboa, tendo vencido a área geográfica do Lote 1; (iv) por força de tal factualidade, o serviço de transporte público assegurado pela ré Scotturb passaria a ser prestado pela ré Viação Alvorada, Lda., que desenvolveria a sua actividade nas instalações das empresas da ré Scotturb e da Vimeca Transportes com recurso aos meios e equipamentos destas empresas; (v) a exploração do serviço de transporte público de passageiros pela ré Viação Alvorada teve o seu início no dia 1 de Janeiro de 2023, operando-se, a partir de tal data, nos termos do n.º 1 do artigo 285.º do Código do Trabalho, a transmissão automática do estabelecimento, transmitindo-se para a ré Viação Alvorada a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores da ré Scotturb; (vi) a ré Scotturb é, assim, solidária com a ré Viação Alvorada pelos créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, sucedendo uma adesão à dívida, o adquirente co-assume ou assume cumulativamente a dívida do transmitente; (vii) têm um horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias, cumprindo com os serviços de carreiras impostos pelas rés em chapas numeradas/escalas de serviço diárias que variam consoante a vontade e interesse destas que, em termos abstractos, pode ser efectuada por qualquer trabalhador da empresa, sendo assim uma chapa geral de um determinado serviço específico; (viii) a sua remuneração é composta por uma parte certa e outra variável, sendo a parte certa da remuneração composta pela retribuição mensal base e a parte variável é composta pelo subsídio de agente único, trabalho suplementar e trabalho nocturno, as quais foram com regularidade pagas pela 1.ª ré como contrapartida do trabalho que lhe prestaram; (ix) para pagamento da remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal a ré Scotturb apenas teve em consideração a parte certa da retribuição e o subsídio de agente único, não tendo procedido ao pagamento dos demais abonos remuneratórios variáveis apesar de os mesmos terem sempre sido pagos com carácter de regularidade e periocidade mensal.
2. Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação, tendo as rés sido notificadas para contestar.
3. As rés contestaram a acção, alegando, em síntese, que: (i) os valores que os autores auferiram ao longo do período em causa nos autos mostram-se respaldados nos recibos de vencimento juntos, sendo que a natureza das prestações auferidas a título de trabalho suplementar nocturno e de trabalho suplementar diurno são distintas, o mesmo valendo relativamente ao trabalho prestado em dias de feriado e de descanso semanal; (ii) inexiste, assim, regularidade e periodicidade desse trabalho, concluindo que os valores pagos a tal título não integram a noção de retribuição para os efeitos pretendidos.
4. Por despacho proferido aos 5 de Setembro de 2024, a Mm.ª Juiz a quo, por entender que os autos continham todos os elementos que a habilitavam ao conhecimento do mérito da causa, notificou as partes nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, bem como para, querendo, alegarem por escrito o que alegariam em sede de audiência prévia.
5. As partes, pronunciando-se, não se opuseram a que fosse de imediato conhecido o mérito da causa e alegaram por escrito.
6. A Mm.ª Juiz a quo, mantendo o entendimento referido em 4. e julgando verificados os pressupostos de validade da instância, proferiu sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:
A) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA., a integrarem nas retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022, do Autor AA a média dos valores recebidos a título de:
a) trabalho suplementar em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal nos anos de 2011, 2016 e 2018, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento;
b) trabalho nocturno em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal no ano de 2018, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento
B) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA.., a integrarem nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022 do Autor BB a média dos valores recebidos a título de:
a) trabalho suplementar em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal nos anos de 1996, 1997, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal até integral pagamento;
b) Subsidio de agente único em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal nos anos 1996, 1997, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal até integral pagamento
C) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA., a integrarem nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022 do Autor CC a média dos valores recebidos a título:
a) trabalho suplementar em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal no ano de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2020, 2021, 2022, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal até integral pagamento;
b) Subsidio de agente único em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal nos anos 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2020, 2021, 2022, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal até integral pagamento;
D) Condeno as RÉS SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA., a integrarem nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até 27-07-2022 do Autor DD a média dos valores recebidos a título de:
a) trabalho suplementar em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal nos anos nos anos de 2012, 2013, 2016, 2017, 2018, 2019, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal até integral pagamento;
b) trabalho nocturno em 11 dos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal nos anos nos anos de 2017 e 2018, a liquidar no competente incidente de liquidação, até ao montante máximo peticionado acrescido de juros de mora vencidos desde da data do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal até integral pagamento
E) Absolvo as Rés SCOTTURB - TRANSPORTES URBANOS, LDA. e VIAÇÃO ALVORADA LDA. do demais peticionado».
7. Inconformada com a sentença da 1.ª instância, a ré “Viação Alvorada, Lda.” interpôs recurso1, rematando as suas conclusões com a seguinte síntese conclusiva:
«A. No que toca ao requisito da periodicidade e da sua repercussão nas expectativas de ganho do trabalhador, é evidente que a falta da cadência mensal exigível na realização do trabalho em dia de feriado e em dia de descanso semanal (obrigatório ou complementar) e, consequentemente, a falta do seu especial pagamento mensal com acréscimo de 200%, não permitia (e não permite) legitimar que o A. gerasse a expectativa dessa componente remuneratória considerar-se sua retribuição integrante do valor da retribuição de férias, do subsídio de férias e de natal vencidos durante esse período de tempo.
B. Os valores mensais acrescidos de 200% pelo trabalho prestado em dias de feriado e em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar não são passíveis de integrar o valor médio do demais trabalho suplementar apurado para efeito de incorporar o pagamento daquelas retribuições caso os AA. não demonstrem o seu abono 11 meses por ano, pelo que nesta parte improcede desde logo o pedido do AA. (pontos 6 a 11, das alegações acima).
C. Revertendo a jurisprudência acima Alegada para o clausulado do Acordo de Empresa celebrado entre a Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda, e a FESTRU (publicado no BTE, n.º 1, de 08.01.1997), aplicável às relações de trabalho sub iudice, verifica-se mutatis mutandis ser igual a ratio decidendi no que toca à interpretação das suas análogas cláusulas 46.ª (Remuneração por trabalho nocturno), 47.ª (Remuneração do trabalho suplementar) e 48.ª (Remuneração do trabalho em dia de descanso semanal ou feriado), para o que importa à boa decisão nos autos.
D. Ora nenhum dos cálculos apresentados pelos AA. nas tabelas anuais sob os artigos 34.º a 37.º, da p.i., obedece a esse critério que a citada jurisprudência vem consolidando ficando, por tal, impugnados todos os valores e cálculos aí apresentados, com os demais efeitos legais.
E. Isto porque, reitera-se, esses cálculos não autonomizam as quantias relativas aos abonos pelo trabalho suplementar em dia de feriado e de descanso semanal (cl.ª 48) o que significa que o valor de tais abonos terá sido indistintamente inserido na coluna dessas tabelas relativas aos abonos por trabalho suplementar (cl.ª 47.ª) e, assim, deles não se distingue, não permitindo apurar se o seu pagamento se verificou, ou não, 11 vezes por ano permitindo alcançar a cifra da sua média mensal anual;
F. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada no que toca ao decidido sobre aos valores peticionados a título de integração das retribuições variáveis, por ter desconsiderado as relativas ao trabalho em dia feriado e de descanso semanal, na retribuição de férias e nos subsídios de férias (e não nos subsídios de Natal como adiante se verá), cujo montante deverá ser remetido liquidar em sede de execução de sentença, nos termos apontados nos artigos 25.º a 28.º, da contestação.
(…)
H. Sempre improcederá o pedido de integração daqueles componentes remuneratórios variáveis no pagamento dos subsídios de Natal, bem como do subsídio de agente único, pois, conforme já determinava o artigo 250.º do Código do Trabalho de 2003 e determina o vigente n.º 1, do artigo 262.º, do Código do Trabalho de 2009, sob a epígrafe “Cálculo de prestação complementar ou acessória”: “Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo da prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.”.
I. O subsídio de Natal é uma prestação complementar, logo, exige-se para a não aplicação do comando do então artigo 250.º do Código do Trabalho de 2003 e do artigo 262.º do vigente que o Acordo de Empresa invocado a contrarie em sentido oposto, o que, manifestamente, não se verifica.
J. Acresce, por força do disposto nessas normas e no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto que aprovou o Código do Trabalho de 2003, que para efeitos de subsídio de Natal de 2003 em diante apenas se computa a retribuição base, nada mais sendo devido a tal título pelas RR. aos AA.
K. Esses normativos são aplicáveis no caso, já que parte dos subsídios de Natal em causa venceram-se depois da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, reportando-se a efeitos de factos ou situações ainda não totalmente passadas (artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003), considerando que Acordo de Empresa aplicável lhes é anterior, pois, foi publicado no ano de 1997.
L. A interpretação que funda a decisão recorrida não é pois aplicável ao caso sub iudice uma vez que o n.º 1, da cláusula 51.ª do Acordo de Empresa não afasta expressamente aqueles normativos, em sentido contrário, limitando-se a estipular que “Todos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano.”, pelo que deve nessa parte a sentença ser revogada e substituída no sentido propugnado pelas Recorrentes.
M. Também não é suficiente para se instituir como disposição expressa em contrário o genérico decalque do texto legal do n.º 2, do artigo 82.º, da então vigente LCT, e inseri-lo no n.º 2, da cláusula 41.ª, do AE/97, determinando que “A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras remunerações regulares e periódicas directa ou indirectamente feitas em dinheiro ou espécie.” (sic).
N. Assim, essa genérica reprodução convencional, como operada pelas partes outorgantes no AE/97, bem como a sua inalterada permanência até à vigência do AE/2022, demonstra que não cuidaram de contrariar a previsão dos artigos 250.º , n.º 1 e 262.º, n.º 1, dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, respectivamente, pelo que deve a sentença ser nessa parte revogada e substituída no sentido propugnado pelas Recorrentes».
Conclui a recorrente no sentido de dever «ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada parcialmente a decisão proferida pelo tribunal a quo como acima exposto, consequentemente, serem as RR. absolvidas de parte do pedido como acima alegado».
8. Os autores não ofereceram contra-alegações.
9. O recurso foi admitido por despacho datado de 27 de Fevereiro de 2025.
10. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de não dever ser concedido provimento ao recurso.
11. Ouvidas as partes, pronunciou-se a recorrente quanto ao parecer do Ministério Público, dele discordando e mantendo, essencialmente, o que já alegara no recurso que interpôs.
12. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. Objecto do Recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das recorrentes – art.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a conhecer: (i) se as prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno – o trabalho suplementar prestado em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado e o trabalho nocturno prestado em dia feriado e/ou de descanso complementar/semanal – não devem ser unificadas como retribuição indiferenciada pelo trabalho suplementar e pelo trabalho noctuno prestado para efeitos de aferir da respectiva regularidade e periodicidade, antes deles devendo ser autonomizada; (ii) se aos autores deve ser reconhecido o direito ao pagamento das diferenças de retribuição de subsídio de Natal correspondentes ao reflexo das quantias médias dos montantes por eles recebidos a título de remuneração do trabalho suplementar, trabalho nocturno e subsídio de agente único entre os anos de 2003 e 2022.
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III. Fundamentação de Facto
1. Nenhuma das partes, em particular as recorrentes, impugnou a decisão de facto provinda da 1.ª instância.
Sem prejuízo, é sabido que embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao art.º 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil revogado, a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos, pois que o direito se aplica a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e que, por isso, não podem ser juízos valorativos, conclusivos e/ou jurídicos.
De sorte que o actual art.º 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, nos diga que na sentença deve o juiz «discriminar os factos que considera provados», acrescentando, no seu n.º 4, que «[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência».
O art.º 663.º, n.º 2, do CPC, estatui que, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos arts. 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do art.º 607.º, relativo à discriminação dos factos, se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito, quer estes se evidenciem, desde logo, da matéria de facto provinda da 1.ª instância, quer sejam, em sede de recurso de facto, sugeridos pelas partes.
2. Analisada a matéria de facto provinda da 1.ª instância, constata-se que, nos pontos 10. e 13. foi dado como provado que:
«10. Aplica-se às relações laborais entre os Autores e as Rés as disposições do Acordo de Empresa da Ré Scotturb, publicado no BTE n.º 1, 1ª Série, de 08 de Janeiro de 1997, e suas sucessivas alterações, e a partir de Agosto de 2022, o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a FECTRANS e a ANTROP, publicado no BTE n.º 27, de 22/07/2022.
(…)
13. A exploração do serviço de transporte público de passageiros pela Ré Viação Alvorada teve o seu início no dia 01/01/2023, operando-se a partir de tal data, nos termos do n.º 1 do artigo 285.º do Código do Trabalho, a transmissão automática do estabelecimento, transmitindo-se para a Ré Viação Alvorada a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores da Ré Scotturb».
Ora, a aplicabilidade, a determinadas relações de trabalho, de um instrumento de regulamentação colectiva objecto de publicação em documento oficial – o Boletim de Trabalho e Emprego – não constitui um facto concreto mas uma afirmação de direito que deve extrair-se de outros factos provados, muito em particular os constitutivos da filiação das partes nas associações/sindicatos outorgantes daquele instrumento, e que, por isso, não deveria ter sido incluída no elenco de facto. Acresce que é na aplicabilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva que os autores fundam, também, os seus pedidos, daí que a sua relevância haja que relevar do ponto de vista do direito e em função dos factos donde justamente resulte serem aqueles aplicáveis.
Por outro lado e sem prejuízo de o dissenso das partes não radicar nos pressupostos da aplicação do instituto da transmissão de estabelecimento e dos efeitos daí derivados no contexto dos contratos de trabalho em presença, certo é que, ainda assim, a alusão ao dispositivo legal que o prevê não deve constar do elenco dos factos provados.
Desta feita, elimina-se do acervo dos factos provados o que constava do ponto 10. e altera-se a redacção do ponto 13., dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
«13. A exploração do serviço de transporte público de passageiros pela Ré Viação Alvorada teve o seu início no dia 01/01/2023, operando-se a partir de tal data a transmissão automática do estabelecimento, transmitindo-se para a Ré Viação Alvorada a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores da Ré Scotturb».
3. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são, pois, os seguintes:
1. O Autor AA foi admitido ao serviço da Ré Scotturb em 11/10/2010, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único.
2. O Autor DD foi admitido ao serviço da Ré Scotturb em 22/02/2011, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único.
3. O Autor BB foi admitido ao serviço da empresa Rodoviária Nacional em 31/01/1989, tendo o seu contrato de trabalho sido transmitido para a empresa Rodoviária de Lisboa e no ano de 1996 para Ré Scotturb, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único.
4. O Autor CC foi admitido ao serviço da empresa Rodoviária Nacional em 10/12/1990, tendo o seu contrato de trabalho sido transmitido para a empresa Rodoviária de Lisboa e no ano de 1996 para Ré Scotturb, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único, cessando o seu contrato de trabalho em 30/06/2023 devido à sua reforma por velhice.
5. Em 30 de Novembro de 1995, a Stagecoach Portugal, ora 1.ª Ré, tornou público o seguinte aviso:
Nos termos do número 3 do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 49.408, de 247 de Novembro de 1969, vem a sociedade Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários Lda. (adiante designada por Stagecoach Portugal), com sede na Rua ..., 1050 Lisboa, capital social de Esc: 50.000.000, Pessoa Colectiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número 6224, tornar público o seguinte:
1. A Stagecoach Portugal irá adquirir a actividade da empresa Rodoviária de Lisboa, S.A. (adiante designada por Rodoviária), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1996, nas seguintes áreas ou sectores:
- Centro de Actividades de Transporte (CAT) 1 e 2;
- Centro de Actividades de Manutenção (CAM), Direcção Administrativa e Financeira (DAF) e Centro de Actividades Comerciais (CAC), nas áreas de Sintra, Alvide e Abóboda.
2. Por este motivo, todos os trabalhadores com contrato de trabalho válido e em vigor, celebrado com a Rodoviaria, e que se encontrem profissionalmente afectos aos Centros e Direcção referidos no número anterior, serão transferidos para a Stagecoach Portugal.
3. Encontram-se pois nesta situação todos os trabalhadores afectos aos Centros de Actividade de Transporte (CAT) 1 e 2, bem como ao Centro de Actividades de Manutenção (CAM), Direcção Administrativa e Financeira (DAF) e Centro de Actividades Comerciais (CAC), nas áreas de Sintra, Alvide e Abóboda.
4. Os contratos de trabalho a transferir para a Stagecoach Portugal não irão sofrer qualquer alteração relativamente ao respectio conteúdo, designadamente quanto à remuneração que vinha sendo paga pela Rodoviária, incluindo diuturnidades, subsídios de férias e de natal, abono para falhas, ajudas de custo, subsídios de refeição, prémios de produtividade.
5. A remuneração respeitante ao mês de Janeiro de 1996, será paga pela Stagecoach Portugal, enquanto que as horas extraordinárias e eventuais suplementos reportados a Dezembro de 1995 e pagos em Janeiro de 1996, serão pagos pela Rodoviária.
6. A partir de Fevereiro de 1996, o salário base, bem como todos os suplementos eventualmente devidos, serão pagos pela Stagecoach Portugal.
7. Informa-se ainda os trabalhadores referidos em 3., que deverão reclamar os créditos vencidos e não liquidados de que sejam titulares relativamente à Rodoviária, até ao momento da transmissão dos referidos estabelecimentos, ou seja, até 31 de Dezembro de 1995
6. Nesse aviso informaram-se os trabalhadores, entre os quais o 2.º Autor que deveriam reclamar créditos vencidos e não liquidados até ao momento da transmissão de que fosse devedora a Rodoviária de Lisboa.
7. A 1.ª Ré adquiriu a actividade da empresa Rodoviária de Lisboa, S.A, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1996.
8. Data em que o Autor BB estava ao serviço Rodoviária de Lisboa, S.A.
9. Os Autores estão sindicalizados no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez, filiado na FECTRANS, e as Rés são associadas na ANTROP.
10. (eliminado).
11. Em Junho de 2022, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 286.º do Código do Trabalho, a Ré Scotturb, informou que, conjuntamente com a empresa Vimeca Transportes, se apresentou, através da criação de nova entidade empresarial, a Ré Viação Alvorada, Lda., ao concurso público para exploração do serviço de transporte público de passageiros da Área Metropolitana de Lisboa, tendo vencido a área geográfica do Lote 1.
12. Por força de tal factualidade, o serviço de transporte público assegurado pela Ré Scotturb passaria a ser prestado pela Ré Viação Alvorada, Lda., que desenvolveria a sua actividade nas instalações das empresas da Ré Scotturb e da Vimeca Transportes com recurso aos meios e equipamentos destas empresas.
13. A exploração do serviço de transporte público de passageiros pela Ré Viação Alvorada teve o seu início no dia 01/01/2023, operando-se a partir de tal data a transmissão automática do estabelecimento, transmitindo-se para a Ré Viação Alvorada a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores da Ré Scotturb. (alterado).
14. Os Autores têm um horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias, cumprindo com os serviços de carreiras impostos pelas Rés, em chapas numeradas/escalas de serviço diárias que variam consoante a vontade e interesse destas que, em termos abstractos, pode ser efectuada por qualquer trabalhador da empresa, sendo assim uma chapa geral de um determinado serviço específico.
15. Sendo as Rés que indicam aos Autores o traçado rodoviário e os destinos a atingir, dentro dos horários e escalas por ela pré-estabelecidos, determinando ainda qual o trabalhador concreto que irá efectuar a chapa de serviço geral naquele dia específico.
16. Até à transmissão de estabelecimento, os Autores sempre exerceram um horário de trabalho que lhe era imposto pela Ré Scotturb.
17. A remuneração dos Autores é composta por uma parte certa e outra variável.
18. Entre os anos de 2011 a 2022, pagou a 1.ª Ré ao Autor AA, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração e extracto de remuneração de segurança social, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos.
19. Entre os anos de 1990 e 2019, pagou a 1.ª Ré ao Autor BB, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração e extracto de remuneração de segurança social, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos.
20. Entre os anos de 2001 a 2022, pagou a 1.ª Ré ao Autor CC, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração e extracto de remuneração de segurança social, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos.
21. Entre os anos de 2011 a 2022, pagou a 1.ª Ré ao Autor DD, como contrapartida do trabalho por si prestado em dias úteis fora do horário normal, ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal (obrigatório ou complementar), ou em dias de descanso compensatório ou em dias feriados, os montantes que constam dos respectivos recibos de vencimento/remuneração e extracto de remuneração de segurança social, que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial, cujos teores aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos.
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IV. Fundamentação de Direito
1. A condenação solidária das apelantes reporta-se ao período compreendido entre os anos de 1996 e 2022, daí que para a apreciação das questões suscitadas por via de recurso seja de ponderar o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, o anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, contido no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações do Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e da Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e a Lei do Subsídio de Natal, aprovada pelo DL n.º 88/96, de 3 de Julho.
Haverá ainda a ter em consideração o Acordo de Empresa (AE) subscrito pela Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda. e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1, de 8 de Janeiro de 1997, com as alterações subsequentes publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 4, de 29 de Janeiro de 1999 e n.º 16, de 29 de Abril de 2000.
Na verdade, a FECTRANS sucedeu em todos os direitos e obrigações da FESTRU e, por sua vez, a “Scotturb - Transportes Urbanos, Lda.” corresponde à atual designação social da sociedade “Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda.”. A FECTRANS e a Scotturb (que assim representam as subscritoras do AE entre a FESTRU e a Stagecoach, Lda.) acordaram a revogação daquele AE, conforme acordo de revogação publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 25, de 8 de Julho de 2023.
Por seu turno a Associação Nacional e Transportes de Passageiros - ANTROP e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações – FECTRANS – celebraram a Convenção Colectiva de Trabalho que veio a ser publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 27, de 22 de Julho de 2022 e entrou em vigor 5 dias após a sua publicação (vide a cláusula 2.ª, n.º 1, do CCT), isto é a 28 de Julho de 2022.
A aplicabilidade dos indicados instrumentos de regulamentação colectiva resulta da filiação sindical dos autores e da identidade da primeira ré quanto ao AE entre a “Stagecoach Portugal Transportes Rodoviários, Lda.” e a FESTRU, bem como da associação patronal das rés quanto à Convenção Colectiva de Trabalho entre a ANTROP e a FECTRANS – facto 9. – em face do princípio da filiação plasmado no art.º 496.º, do Código do Trabalho, e como é aceite pelas partes.
Independentemente do exposto e uma vez que na sentença recorrida se considerou que a partir de 28 de Julho de 2022, data da entrada em vigor da Convenção Colectiva de Trabalho entre a ANTROP e a FECTRANS, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 27, de 22 de Julho de 2022, não deve ser incluída nas retribuições de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal a média dos valores auferidos pelos autores, ora recorridos, por força do regime convencional traçado nessa mesma Convenção Colectiva de Trabalho, o que foi reflectido no segmento absolutório do seu dispositivo (cfr., a alínea E), do dispositivo), é de considerar que, nessa parte, a sentença transitou em julgado – cfr. o art.º 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil – não sendo de convocar para a decisão da apelação este novo instrumento de regulamentação colectiva.
2. O art.º 82.º, da LCT, regendo a propósito do conceito de retribuição, previa que esta abrangia «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), compreendendo «a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador» (n.º 3).
A retribuição representava, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exigia regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que encerrava um duplo sentido: por um lado, apoiava a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado, assinalava a medida das suas expectativas de ganho.
O art.º 249.º, do Código do Trabalho de 2003, bem como o vigente art.º 258.º, do Código do Trabalho de 2009, não introduziram, neste domínio, alteração de relevo, mantendo a retribuição o seu substracto essencial – a contrapartida da actividade prestada pelo trabalhador – e subsistindo, ainda, relevantes a regularidade e a periodicidade enquanto critérios de incorporação no conceito de retribuição das prestações que o empregador satisfaça ao trabalhador.
O AE/1997, acima identificado, não acolhe conceito de retribuição que se demarque do previsto da lei, pois que ali se estabelece, na sua cláusula 41.ª2, que «[s]ó se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito, como contrapartida do seu» (n.º 1), sendo que a retribuição «compreende a remuneração base e todas as outras remunerações regulares e periódicas directa ou indirectamente feitas em dinheiro ou espécie» (n.º 2).
2.1. Pronunciando-se sobre o carácter regular e periódico das prestações auferidas e cuja repercussão nas retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal foram peticionadas pelos recorridos, a sentença da 1.ª instância seguiu a doutrina que emerge do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2015, de 1 de Outubro de 2015, proferido no Processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, publicado no DR 1.ª série, de 29 de Outubro de 2015.
Neste aresto de valor reforçado, que aliás acolhe jurisprudência que há muito era seguida no Supremo Tribunal de Justiça3, fixou-se um critério uniforme que definiu o sentido a conferir aos conceitos de regularidade e periodicidade previstos, sucessivamente, nos arts. 82.º, da LCT, 249.º, do Código do Trabalho de 2003, e 258.º, do Código do Trabalho de 2009: assumiriam natureza retributiva as prestações que fossem auferidas em todos os meses de actividade (11 meses) do período anual a atender.
As recorrentes não dissentem deste critério, do mesmo passo que não discutem que as prestações auferidas pelos apelados a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno e subsídio de agente único devam integrar o conceito de retribuição sucessivamente previsto nos já citados arts. 82.º, da LCT, 249.º, do Código do Trabalho de 2003, e 258.º, do Código do Trabalho de 2009, se percebidas com regularidade e habitualidade, na sequência do desempenho de trabalho suplementar, de trabalho nocturno ou de tarefas de cobrador-bilheteiro, daí que se não justifique discutir a associação dessas prestações ao conceito de retribuição e nem os critérios subjacentes à sua eleição enquanto parte integrante das retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal (sem prejuízo, quanto a este último, do que resultar da apreciação da segunda das questões que, pelas apelantes, é suscitada).
3. As antecedentes considerações, na medida em que enformam e delimitam aquele que é, nesta parte, o objecto do recurso, consentem, pois, que nos debrucemos sobre a primeira das questões que por ele nos é trazida, qual seja a de saber se as prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno pagas pela “Scotturb, Lda.” aos apelados, nos anos enunciados na decisão de facto, não devem ser unificadas como retribuição indiferenciada pelo trabalho suplementar e pelo trabalho noctuno prestado, antes delas se devendo demarcar, por assumir natureza distinta, a retribuição por trabalho suplementar e nocturno prestado em dia de descanso ou feriado.
3.1. A ora relatora foi adjunta em aresto proferido na sequência de recurso de apelação interposto da sentença proferida no Processo n.º 3742/23.9T8CSC. Foi relatora desse aresto, datado de 26 de Fevereiro de 202544, a Exma. Sra. Juiz Desembargadora Maria José Costa Pinto, que é adjunta nestes autos. Nesse aresto apreciou-se questão em tudo idêntica à que se agora também se nos coloca, devendo adiantar-se que não foram trazidas nesta instância recursória razões que nos levem a divergir do entendimento que, ali, foi seguido.
Nesta medida e porque são inteiramente de acolher, limitamo-nos a reproduzir os considerandos que ali se expuseram, sem prejuízo da menção que haja que fazer-se a outros dispositivos por ser distinto o lapso temporal a atender na presente acção.
«Como temos afirmado em anteriores arestos desta Relação5, quando se mostra necessário encontrar um valor que constitui a base de cálculo para atribuições patrimoniais colocadas na dependência da retribuição (no caso aferir o valor da retribuição por trabalho suplementar e nocturno), a determinação de tal valor faz-se "a posteriori" – operando sobre a massa das atribuições patrimoniais consumadas pelo empregador em certo período de tempo –, devendo o intérprete ter presente o fim prosseguido com a respectiva norma. Alcança-se assim a chamada "retribuição modular"6, no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando, em referência à unidade de tempo, a diversidade inorgânica das atribuições patrimoniais realizadas ou devidas.
O já referenciado critério legal [dos artigos 82.º, da LCT, 249.º, do Código do Trabalho de 2003 e] e 258.º e ss. do Código do Trabalho de 2009 (que coincide com o plasmado na cláusula 41.ª do AE aqui aplicável) constitui um instrumento de resposta ao problema da determinação "a posteriori" da retribuição modular, mas não é suficiente, nem se pode aplicar com excessiva linearidade, devendo o intérprete ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico ao fixar os componentes ou elementos que imputa na retribuição modular ou "padrão retributivo", para saber quais as prestações que se integram nesse conjunto e quais as que dele se excluem.
Cada norma legal ou cláusula que institui ou regula cada prestação requer uma tarefa interpretativa a fim de lhe fixar o sentido com que deve valer, o que significa que uma atribuição patrimonial pode ter que qualificar-se como elemento da retribuição (face ao[s arts. 82.º, da LCT, 249.º, do Código do Trabalho de 2003, e] 258.º do Código do Trabalho de 2009 e, no caso, à cláusula 41.ª do AE de 1997) e, não obstante isso, não dever imputar-se noutras prestações devidas ao trabalhador – como o são a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal – ou dever merecer o reconhecimento de uma pendularidade diversa da que caracteriza os restantes elementos da retribuição, nomeadamente a retribuição-base.
É neste plano da imputação das prestações pagas a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno no específico conceito de retribuição a atender para quantificar os valores devidos a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal que se situa a análise das questões suscitadas na apelação.
A sentença da 1.ª instância entendeu que o valor que a R. pagou aos AA. a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, quando pago em pelo menos 11 meses por ano, além de ter cariz retributivo, deve ser reflectido no pagamento dos subsídios de férias e nas férias». E, no caso vertente, também no subsídio de Natal, sendo que as apelantes não refutam este entendimento, sem prejuízo do por si defendido impacto que da entrada em vigor Código do Trabalho de 2003 resulta nesta última prestação (o subsídio de Natal).
E prossegue o citado aresto dizendo que «a cláusula 50.ª, n.º1 e 2, do AE/1997 estabelece, no que concerne ao “subsídio de férias”, que: “1- Até oito dias antes do início das suas férias, ou do primeiro período, no caso de férias interpoladas, os trabalhadores receberão da empresa um subsídio de montante igual à retribuição correspondente ao período de férias a que têm direito. 2- Sempre que possível, o subsídio de férias será incluído no processamento de remunerações imediatamente anterior às férias, respeitando-se o disposto no número anterior”.
Regulando apenas o subsídio de férias, e fazendo-o equivaler (é “de montante igual”) ao valor da retribuição correspondente ao período de férias “a que têm direito”, sem dar qualquer contributo para alcançar o montante desta, o AE não disciplina directamente a composição da retribuição de férias, pelo que, quanto à mesma, deverá lançar-se mão do regime legal».
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, «a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo».
Do mesmo passo, o art.º 255.º, do Código do Trabalho de 2003, previa, no seu n.º 1, que «a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo» (n.º 1).
Já no artigo 264.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, «[a] retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo», acrescentando o n.º 2 deste mesmo preceito que «[a]lém da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias».
Do cotejo de todos os citados dispositivos decorre, pois, que a lei estabeleceu e estabelece «uma relação de equivalência forçosa entre a retribuição do período de férias e a que “os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo” (para que o período de inactividade correspondente às férias não tenha impacto negativo sobre a retribuição a pagar ao trabalhador nesse mês)», de sorte que «a retribuição de férias deve continuar a contemplar os valores médios pagos ao trabalhador no ano anterior a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, sempre que este se revista das características da regularidade e periodicidade já enunciadas por ser de considerar, em tais situações, que os mesmos reflectem o que o trabalhador receberia “em serviço efectivo”.
Quanto ao subsídio de férias, [a previsão do art.º 6.º, n.º 2, do DL n.º 874/76, de 28 de Dezembro, a do n.º 2 do art.º 255.º do Código do Trabalho de 2003, e a] do n.º 2 do artigo 264.º do Código do Trabalho [de 2009], a nosso ver, abarca também no indicado subsídio a média da retribuição por trabalho suplementar e nocturno prestado de modo regular e periódico pelos ora recorridos no ano anterior, por constituir a mesma, sem dúvida, uma contrapartida do modo específico da execução do seu trabalho enquanto trabalhadores motoristas de transportes públicos ao serviço da R.. Não é, contudo, necessário este raciocínio quanto ao subsídio de férias na medida em que o AE, à semelhança do que sucedia no regime anterior aos Códigos do Trabalho, estabelece uma relação de equivalência entre o subsídio e a retribuição do período de férias, afirmando que o mesmo é de montante igual a esta.
Pelo que, no âmbito [do DL n.º 874/76, de 28 de Dezembro, do Código do Trabalho de 2003 e do Código do Trabalho de] 2009, a retribuição de férias dos recorridos deve continuar a contemplar os valores médios a eles pagos no ano anterior a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, sempre que este pagamento se revista das características da regularidade e periodicidade já enunciadas».
O mesmo se diga com respeito ao subsídio de Natal, sem prejuízo da apreciação que, infra, será tecida a propósito da segunda das questões que, no recurso, é suscitada pelas recorrentes e que melhor aí será desenvolvida.
Com efeito, na data em que foi publicado o AE de 1997 vigorava o DL n.º 88/96, de 3 Julho, que exceptuava a sua aplicabilidade aos trabalhadores abrangidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que regulasse o subsídio de Natal, a menos que este previsse a concessão de um subsídio de valor inferior a um mês de retribuição, o que de todo era o caso, já que o AE de 1997 dispunha, na sua cláusula 51.ª, n.º 1, que «[t]odos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano». Essa retribuição equivaleria à que decorria da cláusula 41.ª do instrumento de regulamentação colectiva, que como vimos não difere em substância do que se previa no art.º 82.º, da LCT, perspectivando-se o valor devido tendo em consideração o critério do cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais para efeitos de qualificação retributiva.
Com o Código do Trabalho de 2003 e com o Código do Trabalho de 2009 alterou-se o regime legal do subsídio de Natal, passando a neste englobar-se apenas a retribuição base e as diuturnidades (art.º 250.º, do Código do Trabalho de 2003, e art.º 262.º, do Código do Trabalho de 2009), a menos que disposições legais, convencionais ou contratuais dispusessem em sentido diverso, questão que será tratada adiante pois não se funda nela a questão que ora nos ocupa.
Na verdade, a questão que essencialmente as apelantes colocam consiste em saber se, para efeitos de aferir da respectiva regularidade e periodicidade, as prestações retributivas de trabalho suplementar e trabalho nocturno pagas aos recorridos não deviam ter sido unificadas como retribuição indiferenciada pelo trabalho suplementar ou nocturno prestado, defendendo, ao invés, que deveriam ter sido autonomamente avaliadas consoante hajam sido percebidas em dias feriados e de descanso.
Volvendo ao aresto que vimos de citar, «de acordo com a sua alegação, os valores mensais acrescidos de 200% pelo trabalho suplementar prestado em dias de feriado e em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar não são passíveis de integrar o valor médio do demais trabalho suplementar apurado para efeito de incorporar o pagamento daquelas prestações de férias e subsídio de férias caso os AA. não demonstrem o abono em 11 meses por ano desse específico trabalho suplementar, e nenhum dos cálculos apresentados pelos AA. nas tabelas da petição inicial obedece a este critério e autonomiza as quantias relativas aos abonos pelo trabalho suplementar em dia de feriado e de descanso semanal, apesar da jurisprudência em sentido inverso, não permitindo apurar se o seu pagamento se verificou, ou não, 11 vezes por ano.
Defendem, assim, que a sentença recorrida deve ser revogada no que toca ao decidido sobre aos valores peticionados – o que inclui o trabalho suplementar e o trabalho nocturno – a título de integração das retribuições variáveis na retribuição de férias e nos subsídios de férias [e também subsídio de Natal], por não ter autonomizado as relativas ao trabalho em dia feriado e de descanso semanal.
Adiantando, devemos dizer que não lhes assiste razão.
Com efeito, e desde logo, é irrelevante a censura que, na presente apelação, as recorrentes dirigem às tabelas constantes do articulado inicial dos AA. e aos cálculos por eles apresentados, pois que, nem as indicadas tabelas foram vertidas na decisão de facto, nem a sentença se funda nos cálculos que os AA. efectuaram na petição inicial.
A sentença elencou os factos que teve por provados e foi com base neles que emitiu a sua decisão final. E é também com fundamento em tais factos provados na sentença que este Tribunal da Relação deve emitir o seu veredicto, pois as recorrentes não impugnaram a decisão de facto da 1.ª instância com o necessário cumprimento dos ónus prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
No que diz respeito ao trabalho suplementar – sobre o qual as recorrentes incidem essencialmente a sua atenção – ficou provado na sentença o trabalho suplementar que cada um dos recorridos prestou nos anos a que se reporta o seu pedido, abarcando o trabalho suplementar diurno, nocturno, em dia de descanso complementar/semanal e em dia de feriado prestado para além da duração diária do trabalho normal (…).7
A sentença sob recurso afirmou que as distinções que devem ser feitas, para este efeito, são tão-só as constantes do instrumento de regulamentação colectiva (distinguir entre a remuneração do trabalho nocturno, a remuneração do trabalho suplementar e a remuneração por prestação de trabalho em dias de descanso e feriados), relevando apenas “a natureza da retribuição em causa, que se alcança pela especificidade que lhe deu causa, e não a forma diferenciada do seu cálculo”.
Afirmou também que “estando os Autores sujeitos a um horário móvel” (invocando as cláusulas 20.ª, n.º 18 do AE/1997, e facto provado 10.) “deverá ainda considerar-se trabalho suplementar o prestado, em dia de feriado e/ou de descanso semanal/compensatório, para além da duração diária do trabalho normal”.
E lembrou que o “regime de horário móvel compreende, pela sua natureza, como período normal de trabalho, os dias não úteis do calendário e os dias feriados”, não sendo de considerar o trabalho prestado nesses dias como trabalho suplementar, pelo que “as importâncias auferidas como acréscimos por serviço prestado em dias feriados, tendo-se como remuneratórias da privação do uso desses dias para os fins associados à instituição dos feriados, deverão considerar-se como remuneração do trabalho em dia de descanso semanal ou de feriado, com excepção dos prestados fora do horário móvel que, neste caso, se considerarão como trabalho suplementar".
Vindo a concluir que, no caso, “cabe apenas apurar se os Autores auferiram ou não, durante onze meses por ano, em separado, remunerações por trabalho suplementar (diurno ou nocturno ou em dia de descanso complementar/semanal ou em dia de feriado para além da duração diária do trabalho normal), remunerações do trabalho nocturno (ou trabalho em dias feriados e/ou de descanso semanal nocturno), e, em caso afirmativo, efectuar uma média quanto a cada uma delas para a respectiva integração na retribuição de férias e subsídio de férias de cada ano”.
E fê-lo com acerto.
Com efeito, não se vislumbra justificação para cindir e avaliar autonomamente prestações com a mesma etiologia: prestações que constituem correspectivo de trabalho suplementar, ou seja, de trabalho que se desenvolveu “fora do horário de trabalho” ou “para além da duração diária do trabalho normal”, nos termos prescritos [no art.º 2.º, n.º 1, do DL n.º 421/83, de 2 de Dezembro, no art.º 197.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003,] no artigo 226.º, n.º 1, do CT, e na cláusula 23.ª, n.º 1, alínea b) do AE, bem como prestações que constituem correspectivo de trabalho nocturno, ou seja, de trabalho que se desenvolveu em período considerado como nocturno à luz da cláusula 24.ª do Acordo de Empresa (…)», bem como à luz dos sucessivamente vigentes regimes previstos no art.º 29.º, n.º 1, do DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, do art.º 192.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, e do art.º 223.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009.
«É perante a individualidade das prestações pagas para remunerar a prestação de trabalho suplementar ou de trabalho nocturno, previstas como tal na lei e no AE, que se deve aferir se, pelo número de vezes em que são efectuados os pagamentos a tal título durante o ano, as mesmas se revestem de carácter periódico e regular.
A majoração retributiva do trabalho suplementar[, prevista no art.º 7.º, do DL n.º 421/83, de 2 de Dezembro, no art.º 258.º, do Código do Trabalho de 2003, e no art.º 268.º, do Código do Trabalho de 2009 (…)] tem em vista “compensar o acréscimo de esforço e a redução da auto-disponibilidade que a respectiva prestação envolve e, simultaneamente, onerar o recurso a esta modalidade de trabalho, contribuindo assim para reforçar os limites estabelecidos para a jornada diária e semanal de trabalho9, mas o grau dessa majoração não lhe retira essa natureza, sendo trabalho suplementar tanto o prestado em dia normal de trabalho, como em dias de descanso e feriados, maxime tendo em consideração que, estando os AA. sujeitos a uma horário móvel – como afirmou a sentença, sem que as recorrentes o refutassem –, podem ser para eles dias de trabalho integrados nas respectivas escalas.
Destas considerações resulta que o trabalho que deva considerar-se suplementar em regime de horário móvel, “por prestado para além da duração diária do trabalho normal” nos termos da cláusula 23.ª, n.º 1, al. b), do AE de 1997, partilha da mesma natureza – de trabalho suplementar –, quer seja prestado em dia normal de trabalho, quer seja prestado em dia de descanso e feriado, não se justificando a autonomização de ambos para efeitos de aferir da regularidade e periodicidade dos valores percebidos a título de trabalho suplementar. Numa ou noutra circunstância, trata-se de trabalho suplementar que se enquadra no conceito previsto na cláusula 23.ª do AE de 1997 e tem associado o gravame inerente ao esforço e penosidade que caracteriza a prestação de trabalho além do período normal de trabalho diário. A nosso ver, não é o facto de ter associada uma contrapartida monetária maior, nos termos da cláusula 48.ª, n.º 3, do AE, que justifica a sua autonomização para efeito de aferir da existência – ou não – da prestação regular e periódica de trabalho que deve qualificar-se como suplementar, com o consequente pagamento regular e periódico da respectiva contraprestação».
No que se reporta ao trabalho nocturno, visto que as recorrentes apenas foram condenadas a aboná-lo aos autores recorridos AA e DD, com referência, respectivamente, aos anos de 2018 e de 2017 e 2018, há a referir que o que se aduziu quanto ao trabalho suplementar vale, também, para esta concreta prestação. Conforme também ponderado no aresto que temos vindo a seguir, «a ratio legis do acréscimo previsto no art.º 266.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009 , reside “na necessidade de compensar o maior sacrifício pessoal, familiar e social que o trabalho nocturno exige (quando comparado com trabalho equivalente prestado durante o dia)10, sendo certo que a previsão da contrapartida majorada que resulta do instrumento de regulamentação colectiva quando o trabalho nocturno se desenvolve em dia de descanso ou feriado não interfere com a natureza e qualificação do trabalho como nocturno segundo a definição legal e do AE».
Ora, analisando a sentença recorrida verificamos que o trabalho nocturno se reporta essencialmente a trabalho nocturno prestado em dia feriado e/ou de descanso, pelo que não se coloca a questão da diferente natureza do trabalho nocturno que os pagamentos inerentes visam retribuir. De todo o modo, e ainda que assim não fosse, «o trabalho que deva considerar-se nocturno nos termos da cláusula 24.ª do AE, por prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte em dia de descanso e feriado, partilha da mesma natureza – de trabalho nocturno – do trabalho prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte em dia normal de trabalho, não se vislumbrando justificação para a autonomização de ambos com vista a aferir da regularidade e periodicidade dos valores percebidos a título de trabalho nocturno».
Também a propósito da jurisprudência da qual se socorrem as recorrentes com vista a sufragar o entendimento que defendem somos de acolher o ponderado no aresto que temos vindo de citar. Conforme ali dito, nenhum dos acórdãos que referem «versava especificamente sobre a matéria do reflexo das prestações percebidas a título de trabalho suplementar e nocturno prestado em dia de descanso e feriado, a par do demais trabalho suplementar e nocturno, nas retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal. Em tais arestos estava em causa, apenas, a ponderação diferenciada – ou não – dos valores majorados previstos no AE para as horas subsequentes à primeira de prestação de trabalho suplementar ou nocturno, perante a alegação da aí recorrente no sentido de que a regularidade e periodicidade das prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno por si pagas com majoração (de “h. extra 50% noturno” ou de “h. extra 25% noturno”) deveria ser autonomamente avaliada, pretensão que este Tribunal da Relação denegou.
Designadamente nos citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 1 de Fevereiro de 2023, de 15 de Fevereiro de 2023 e de 28 de Junho de 202311, apenas se indica, em obiter dictum, e citando o constante das sentenças de 1.ª instância aí sob censura, que as prestações que devem integrar a retribuição de férias e o subsídio de férias devem ser divididas “pela natureza da factualidade que lhes dá origem (e que as distingue das prestações comummente devidas em função da prestação de trabalho em circunstâncias normais), mesmo que se verifique uma concorrência de prestações, com a simplicidade do modo como as mesmas são previstas no AE”, ou seja, tendo como arrimo as categorias previstas no AE de remuneração do “trabalho nocturno”, remuneração do “trabalho suplementar” e remuneração do “trabalho em dia de descanso semanal ou feriado”.
Em tais arestos, o Tribunal da Relação decidiu que as prestações retributivas de trabalho suplementar e nocturno pagas com as majorações de “h. extra 50% noturno” e “h. extra 25% noturno” devem ser ponderadas unitariamente como retribuição pelo trabalho suplementar e pelo trabalho noctuno prestado nos anos ali em causa, para efeitos de aferir da respectiva regularidade e periodicidade, não se avaliando autonomamente os diferentes cambiantes do trabalho suplementar e nocturno prestado em função dos acréscimos distintos da 1.ª hora e das horas subsequentes. Mas, mesmo na estrita vertente do obter dictum, em que os arestos aludem à ponderação das prestações segundo a “natureza da factualidade que lhes dá origem”, jamais referenciam dever ser autonomamente ponderado o trabalho prestado em dia de descanso semanal ou feriado que tenha a especificidade de dever ser qualificado, também, como trabalho suplementar ou trabalho nocturno, pelo que, ao invés do que dão a entender as ora recorrentes, as anteriores pronúncias desta Relação não constituem agasalho para a sua tese».
Concluindo, será «perante a cadência dos valores efectivamente pagos pelo empregador pelo trabalho desenvolvido em termos de ser qualificado como nocturno ou como suplementar, independentemente do facto de, concomitantemente, tal trabalho ser prestado em dia de descanso ou feriado, que deve aferir-se do particular ritmo no pagamento (e verificar se atingiu o patamar dos onze meses por ano), sendo certo que o concreto valor das especiais prestações retributivas pagas pela prestação do trabalho suplementar ou nocturno naqueles específicos termos sempre se reflectirá nas médias que se alcançam relativamente a cada ano.
Os valores a ponderar são os montantes efectivamente percebidos pelos trabalhadores a estes títulos e constantes dos documentos referenciados nos factos [18. a 21.], sem prejuízo, naturalmente, de não poderem ser duplamente valorados quando se verifique concorrência da natureza do trabalho que os apurados pagamentos visam retribuir (vg. também como trabalho prestado em dia feriado ou de descanso)».
Em face do exposto, não merece provimento a apelação quanto à primeira questão, sem prejuízo do que se decidirá de seguida e que, como se verá, envolve juízo diverso do da etiologia do trabalho suplementar e do trabalho nocturno para efeito da sua integração nas retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
4. A segunda das questões suscitadas prende-se com o reconhecimento, que as apelantes discordam, do direito dos apelados ao pagamento das diferenças de retribuição de subsídio de Natal correspondentes ao reflexo, nele, das quantias médias dos montantes por eles recebidos a título de remuneração do trabalho suplementar, trabalho nocturno e subsídio de agente único entre os anos de 2003 e 2022.
4.1. O aresto que temos vindo de citar teceu considerações que são inteiramente transponíveis para o caso que ora nos ocupa, cumprindo salientar que, também nesta sede e pelas razões já apontadas, dele não nos afastaremos, com excepção, como veremos, do impacto que o lapso temporal em presença importará. Na verdade, naquele aresto, estavam apenas em causa prestações reportadas ao período compreendido entre 2010 e 2022, ao passo que, in casu, o hiato temporal é de maior amplitude, estendendo-se desde o ano de 1996 até ao ano de 2022.
No citado aresto ponderou-se como segue:
«À data em que foi publicado o AE de 1997 estava em vigor o Decreto-Lei n.º 88/96 de 3 Julho que exceptuava a aplicabilidade do diploma em que estava inserido aos trabalhadores abrangidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que regule especificamente o subsídio de Natal (n.º 2) com excepção das situações em que “o instrumento de regulamentação colectiva preveja a concessão de um subsídio de valor inferior a um mês de retribuição” (n.º 3), o que não é o caso.
Efectivamente, o AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 1 de 1997, dispunha na sua cláusula 51ª, n.º 1, que “[t]odos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano”.
Inexistindo norma legal ou convencional que melhor esclarecesse o que para efeitos de contabilização do subsídio de Natal deveria entender-se por “retribuição”, o intérprete podia lançar mão da qualificação retributiva emergente da norma convencional da cláusula 41.ª do instrumento de regulamentação colectiva, que é consonante com a do artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) então em vigor, perspectivando o valor devido tendo em consideração o critério do cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais para efeitos de qualificação retributiva.
Com o Código do Trabalho de 2003 alterou-se o regime legal do subsídio de Natal, vindo o artigo 254.º do diploma dispor no seu n.º 1, quanto ao valor do subsídio de Natal que «[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano».
Por seu turno o n.º 1 do artigo 250.º do Código do Trabalho de 2003 estabelecia que, «[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades». Este preceito tem um campo de aplicação potencial muito dilatado, valendo como “chave interpretativa” de várias disposições do Código que se referem à retribuição sem mais, a propósito do cálculo de determinadas prestações complementares12.
O subsídio de Natal é inequivocamente uma prestação “complementar”, na medida em que “não tem correspectividade directa com certa quantidade de trabalho”, pelo que o mês de retribuição a que se referia o artigo 254.º, n.º 1, é equivalente ao somatório da retribuição base e diuturnidades13.
Assim, face a este regime legal e uma vez que o «mês de retribuição» a que se refere o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 250.º do mesmo Código, nos termos do qual a respectiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades, conclui-se que, no domínio do Código do Trabalho de 2003, a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, se reconduz ao somatório da retribuição base e das diuturnidades14.
Os artigos 262.º e 263.º do Código do Trabalho de 2009 (…) contêm o mesmo regime. Se o artigo 263.º dispõe no seu n.º 1 que “[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano”, o art.º 262.º fornece a chave interpretativa para concretizar em que se consubstancia esta genérica referência a “um mês de retribuição”, indicando que “[q]uando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades”.
Assim, inexistindo disposição legal que contemple especificamente a situação dos ora recorridos e não havendo notícia nos autos de cláusula de contrato individual de trabalho que sobre esta matéria disponha, resta analisar se as disposições do instrumento de regulamentação colectiva aplicável contrariam a sobredita solução legal.
Como vimos, o AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 1 de 1997, dispunha na sua cláusula 51ª, nº 1, que “[t]odos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano”.
Perante esta solução convencional, e outras similares, entendia a jurisprudência à luz da LCT que «se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve considerar-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram» nos termos do artigo 82.º da LCT15, o que valia quer para a retribuição de férias e subsídio de férias, como acima se explicitou, quer para o subsídio de Natal.
À luz do Código do Trabalho de 2009 – e como já sucedia no âmbito do Código do Trabalho de 2003 –, em face da expressa previsão do seu artigo 262.º, não pode dizer-se, como outrora, que faltam outros elementos interpretativos e que o intérprete apenas se pode socorrer do conceito legal de retribuição previsto no artigo 258.º. Pelo contrário, deparamo-nos agora com a referida norma supletiva que circunscreve claramente o conceito de retribuição a atender quando ela constitua base de cálculo de prestações complementares.
É de notar que esta norma supletiva demanda expressamente, para que se não aplique, a existência de norma legal, convencional ou contratual que a contrarie (vide a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 262.º), o que claramente afasta resultados interpretativos que, injustificadamente, afastem a sua estatuição.
Ora, perante a singela referência da cláusula 51.ª do AE à correspondência do subsídio de Natal a “um mês de retribuição”, não se nos afigura que a previsão geral da cláusula 41.ª relativa à “retribuição do trabalho”, reportando-se à qualificação do que se considera retribuição em termos similares aos previstos [nos artigos 249.º, do Código do Trabalho de 2003, e 258.º do Código do Trabalho de 2009] (e não ao valor retributivo a ter em consideração como base de cálculo de outras prestações complementares ou acessórias), possa considerar-se como uma previsão convencional do contrário do regime legal que emerge [dos artigos 250.º, do Código do Trabalho de 2003, e 262.º do Código do Trabalho de 2009] para determinar especificamente o valor das prestações complementares dependentes da retribuição, como o é o subsídio de Natal.
Tenha-se presente que o Código do Trabalho de 2009 (como o de 2003), por um lado, não consagra a solução da correspondência do valor do subsídio de Natal ao valor da retribuição previsto no seu artigo 258.º e, por outro, demanda que a convenção coletiva disponha em sentido contrário para que deixe de se aplicar o regime supletivo do artigo 262.º quanto a prestações complementares como o é o subsídio de Natal.
Como bem dizem as recorrentes, a genérica reprodução convencional do preceito que consagra os princípios gerais da retribuição operada pelas partes outorgantes no AE de 1997, bem como a sua inalterada permanência até à vigência do CCT de 2022, demonstra que as partes não cuidaram de contrariar a previsão dos artigos 250.º, n.º 1 e 262.º, n.º 1, dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, valendo em pleno o regime deste último compêndio normativo ao menos nas situações a que apenas ele se aplica.
Tal não significa que não haja situações em que, procedendo à interpretação do instrumento de regulamentação colectiva em conformidade com as regras de interpretação da lei, se descortina no instrumento convencional a previsão do contrário do enunciado no regime legal16.
Mas não é o que sucede no caso sub judice, em que a cláusula 51.ª, que prevê o subsídio de Natal, contém a singela referência ao valor de “um mês de retribuição”, referência genérica esta que não contraria a norma supletiva do artigo 262.º do Código do Trabalho e não fornece qualquer subsídio para proceder à determinação quantitativa do valor retributivo a contabilizar na determinação do montante do subsídio de Natal.
Acresce que a análise sistemática do Acordo de Empresa conforta esta solução interpretativa.
Com efeito, a considerar-se que o subsídio de Natal previsto na cláusula 51.ª abrangia todas as prestações compreendidas na noção geral de retribuição constante da cláusula 41.ª, não se compreenderia por que razão o mesmo AE, na sua cláusula 22.ª, n.º 4, dispunha que “[o] pagamento da remuneração especial por isenção de horário de trabalho é também devido nos subsídios de férias e de Natal.” A ser assim, esta previsão seria desnecessária e injustificada, tornando-se espúria, o que não é conforme com o disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual na fixação do sentido e alcance da lei – aqui, entenda-se, do instrumento de regulamentação colectiva – “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”».
Conclui-se, assim, que a norma convencional que expressamente regula o subsídio de Natal não comporta sentido interpretativo contrário à norma que, no Código do Trabalho de 2003 e do Código do Trabalho de 2009, dispõe sobre a base de cálculo das prestações complementares.
O caso que ora nos ocupa contém, contudo, especificidade que não se colocava no aresto que temos vindo de citar, qual seja a de aos apelados BB e CC ter sido reconhecida, para além do mais, a repercussão, no subsídio de Natal, das médias auferidas a título de trabalho suplementar e subsídio de agente único nos anos, respectivamente, de 1996 a 2003 e 2001 a 2003, por estas prestações assumirem natureza retributiva. Recorde-se que ambos os autores, ora recorridos, foram admitidos em 1989 e 1990, respectivamente (ao contrário dos autores AA e DD, admitidos já após 2009).
Ora, se é certo que o art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, veio a prever que «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos à disciplina do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento», não menos certo é que o art.º 11.º, n.º 1, da mesma lei, veio a vedar a possibilidade de a entrada em vigor do Código do Trabalho operar a redução da retribuição que fosse devida aos trabalhadores.
Significa o que vimos de expor que, face à natureza retributiva das prestações de trabalho suplementar e de subsídio de agente único, a repercussão das médias auferidas a esse título no subsídio de Natal há-de persistir, com referência aos autores BB e CC, ainda na vigência do Código do Trabalho de 2003 por a esta vicissitude se não poder associar a redução da retribuição que sempre ocorreria caso fosse de convocar a aplicação do disposto no art.º 250.º, antes devendo, assim, manter-se os valores devidos desde o regime legal anterior.
Esta imposição mantém-se até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, visto não conter esta disposição semelhante à do art.º 11.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
Após a entrada em vigor deste último diploma – o que ocorreu em 17 de Fevereiro de 2009 –, o subsídio de Natal dos recorridos, agora de todos eles, comporta apenas as componentes remuneratórias mencionadas no art.º 262.º, estando do seu cômputo, pois, excluídas as médias das prestações relativas trabalho suplementar, trabalho nocturno e subsídio de agente único.
Procede, pois, em parte, a apelação.
5. As custas do recurso interposto da sentença final recaem sobre as recorrentes, na proporção de 2/3, atenta a isenção que beneficiam os recorridos (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
V. Dispositivo
Em face do exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, absolvendo as recorrentes dos pedidos formulados pelos recorridos no que concerne às diferenças salariais nos subsídios de Natal contempladas na condenação constante da sentença da 1.ª instância desde a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, no mais se confirmando esta sentença.
*
Custas a cargo das recorrentes, na proporção de 2/3, atenta a isenção que beneficiam os recorridos (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 18 de Junho de 2025
Susana Martins da Silveira
Francisca Mendes, com a seguinte declaração: Votei vencida, porque confirmaria a sentença recorrida (excepto quanto aos subsídios de Natal do ano 2022), conforme posição assumida, na qualidade de Adjunta, no proc. nº 1799/23.1T8CSC.L1. Conforme súmula do Acórdão proferido no referido proc. nº 1799/23.1T8CSC.L1: «Em relação ao subsídio de Natal, se é certo que os artigos 250º do CT/2003 e 262º do CT/2009 estabeleceram o princípio de que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias é apenas a retribuição base e diuturnidades, também é certo que excepcionam as situações em que as disposições legais, convencionais ou contratuais dispuserem em contrário».
Maria José Costa Pinto
_______________________________________________________
1. Ao qual a co-ré “Scotturb – Transportes Urbanos, Lda.” aderiu, nos termos do preceituado no art.º 634.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por requerimento ajuizado aos 9 de Maio de 2025, com a ref.ª 52239452.
2. Cuja redacção não foi alterada pelas subsequentes alterações ao AE/1997.
3. A título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2010, proferido no Processo nº 607/07.5TTLSB.L1.S1), de 15 de Setembro de 2010, proferido no Processo n.º 469/09.4, de 16 de Dezembro de 2010, proferido no Processo n.º 2065/07.5TTLSB.L1.S1), e de 5 de Junho de 2012, proferido no Processo nº 2131/08.0TTLSB.L1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
4. Publicado em www.dgsi.pt.
5. Entre outros, vide os Acórdãos da Relação de Lisboa de 19 de Junho de 2024, processo n.º 25994/21.9T8LSB.L1, de 10 de Janeiro de 2024, processo n.º 2253/22.4T8TVD.L1-4, de 21 de Fevereiro de 2024, processo n.º 9784/22.4T8LSB.L1-4 e de 09 de Maio de 2018, processo n.º 743/16.7T8TVD.L1-4, todos in www.dgsi.pt.
6. Vide Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de Pedro Furtado Martins, Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, 2.ª edição revista e actualizada, Lisboa, 2014, p. 609 e Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 18.ª edição, Coimbra, 2017, pp. 321-322. Vide ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2007, Recurso n.º 2188/06, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
7. No vertente caso, assim procedeu a sentença na respectiva fundamentação, por referência aos factos provados constantes dos pontos 18. a 21..
8. Segundo a qual se entende “por horário móvel aquele em que, respeitando a máxima diária e semanal, as horas de início e termo poderão variar de dia para dia”.
9. Vide Francisco Liberal Fernandes, in O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, Porto, 2018, pp. 355-356.
10. Vide Francisco Liberal Fernandes, in ob. citada, p. 349.
11. Proferidos nos processos n.ºs 1300/21.1T8CSC.L1, 2125/21.0T8CSC.L1 e 2332/22.8T8CSC.L1, todos eles inéditos, tanto quanto nos é dado saber.
12. Vide João Leal Amado, in Contrato de trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 306, a propósito do equivalente artigo 262.º do Código do Trabalho de 2009.
13. Vide Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 470.
14. Sublinhando a atitude de ruptura do Código do Trabalho de 2003 com o direito anterior, no que toca à limitação da base de cálculo do subsídio de Natal, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.03.14, Processo n.º 3825/05, de 2007.04.18, Processo n.º 4557/06 e de 2010.03.25, Processo n.º 1052/05, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
15. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2003, Revista n.º 4072/2002 da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
16. Cfr., o Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Junho de 2024, proferido no processo n.º 25994/21.9T8LSB.L1, in www.dgsi.pt.