RECLAMAÇÃO DE NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Sumário

I- Apesar do recorrente apresentar transcrição do depoimento de uma testemunha, não se considera que haja recurso da matéria de facto quando o recorrente não questione tal decisão.
II- Sendo evidente, por força do conteúdo das conclusões do recurso que o reclamante pretendia recorrer de direito e não de facto, não pode o mesmo beneficiar do acréscimo do prazo de 10 dias previsto no artigo 80.º, nº 3 do CPT.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1-RELATÓRIO
AA, Reclamante nos autos supra referenciados, notificado da decisão que indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho que não admitiu o recurso, veio apresentar RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos do nº 3 do artigo 652º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi do nº 4 do artigo 643º do mesmo diploma.
Alega, em síntese, que, contrariamente ao que consta do despacho que indeferiu a reclamação, tanto nas alegações de recurso, pontos nº 56 a 85, como nos pontos mm) e seguintes das respetivas conclusões, são indicados os pontos da matéria de facto de que se discorda; os que, estando provados, o Reclamante entende que não o deviam ter sido, ou os que foram dados como não provados que mereciam diferente destino.
Por estas razões considera que cumpriu minimamente o ónus previsto do artigo 640º do CPC. e, consequentemente, pede que seja proferido acórdão que admita o recurso interposto
O Recorrido, notificado da reclamação para a conferência, pugnou pela manutenção do despacho que indeferiu a reclamação.
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2- OBJETO
A título liminar importa clarificar o seguinte:
Na decisão que indeferiu a reclamação apresentada foram apreciadas as seguintes questões:
i. admissibilidade da prática do ato, em prazo, com as alegações incompletas;
ii. a admissibilidade da prática do ato, fora do prazo, com as alegações completas; e
iii. a concessão do benefício do prazo previsto no n.º 3 do artigo 80, nº3 do Código de Processo de Trabalho
Respetivamente, foi decidido como:
i. Suprido o erro no envio do documento referente às alegações de recurso, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 146.º do CPC, respeitando-se, assim, o primado da substância sobre a forma;
ii. Prejudicada a apreciação do instituto do justo impedimento face ao decidido no ponto anterior; e
iii. Intempestivo o recurso interposto pelo facto de o Recorrente não ter apresentado recurso da matéria de facto, com cumprimento das formalidades previstas artigo 640.º do CPC.
Na medida em que o Reclamado Instituto de Segurança Social Ep. ao se pronunciar ao abrigo do n.º 3 do artigo 652.º do CPC, ainda que faça alusão ao instituto de justo impedimento e à prática incompleta do ato processual, não impugnou tais decisões, considera-se que apenas importa decidir a última questão apreciada ou seja:
-Se se pode conceder ao Reclamante o benefício do prazo previsto no n.º 3 do artigo 80, nº3 do Código de Processo de Trabalho, face ás alegações de recurso pelo mesmo apresentadas.
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3-FUNDAMENTOS
Ao interpor o recurso o Reclamante apresentou as seguintes conclusões:
a) Foi proferida Sentença, na acção interposta pelo recorrente – Sr. AA, contra o Instituto da Segurança Social, IP.
b) A mesma foi julgada parcialmente procedente, tendo a Ré condenada ao pagamento da quantia de 8.235,38€ ao recorrente, mais juros vencidos sobre o montante das prestações em divida, desde a data dos seus vencimentos parcelares até integral pagamento e absolvendo quanto ao resto.
c) Decisão com que o recorrente não se conforma e vem apresentar este recurso.
d) Resumidamente, estava em causa o pedido da condenação da ré no pagamento do diferencial relativo aos pedidos de Incapacidade Temporária Absoluta par o Trabalho (ITA), por doença profissional, na quantia de 12.440,13€, acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data do vencimento até integral pagamento.
e) Fundamentou por laboral em 2012, para a Cares -Companhia de Seguros, SA, com as correspondentes funções à categoria profissional de escriturário de nível IX, com a retribuição de 963,52€, com Subsídio de refeição de 9€.
f) Ao A. foi diagnosticado com doença profissional – Tendinite Quervin direita, em 31/07/2013, tendo sido atribuída uma pensão, com efeitos desde 7/05/2013, com valor mensal de 23,38.
g) Em 23/12/203, deu-se um agravamento da referida doença profissional, sendo atribuída uma Incapacidade permanente Parcial de 5,91%.
h) Foi dada alta pela Ré, devendo comparecer ao trabalho em 17/06/2013, sem lhe ser comunicado se existia cura clínica ou atribuição de IPP,
i) Contudo no retorno o Trabalho, no próprio dia 17/06/2013, sofreu uma recidiva, ficando sujeito a subsequentes períodos de incapacidade temporária, devidamente documentadas (CIT`S)
j) Em 16/06/2014, através de ofício foi informado pela Ré dos cálculos adaptados par o subsídio diário dos períodos de incapacidade temporária, não se conformando com as fórmulas de calculo utilizada, pela falta de incremento dos 75% na remuneração de referência proposta, conforme artigo 48º da LAT.
k) Regularmente citada, a Ré apresentou contestação por excepção peremptória de prescrição e por impugnação.
l) Foram acordados e provados os factos de interesse para a causa descritos na Sentença de 1 a 24.
m) Mantendo-se controvertido 3 questões para a decisão da causa:
n) Quanto á primeira questão o Tribunal a quo decidiu considerar 4 períodos de Incapacidade temporária:
1) O 1º Período ITA – entre 02/07/2012 e 06/07/2012, correspondente a 5 dias, sem objecção das partes;
2) O 2º Período ITA – entre 19/07/2012 e 28/09/2012, correspondente a 72 dias, sem objecção das partes;
3) O 3º Período ITA – o seu início nunca foi questionado -18/10/2012;
4) Não foi questionado que ao A. foi dada alta em 16/06/2013, por ofício de 05/06/2013
5) Assim, o 3º período de ITA decorreu entre os dias 18/12/2012 e 16/06/2013, corresponde a 244 dias;
6) Quanto a 4º período foi posto em causa a data do início da Incapacidade.
7) Foi dada razão Autor por se ter provado que em 18/06/2013, em consulta de medicina de Trabalho foi considerado inapto temporariamente em virtude das queixas terem regressado, na consulta do medico de família no centro de saúde de colares, foi enviado para consulta de especialidade por “sinais/sintomas nos ombros”, o certificado ainda estava activo, não sendo possível passar um novo.
8) A considerou a ITA por doença profissional de 19/06/2013 a 27/06/2013, sem necessidade de novo CIT.
9) O tribunal entende que se tratou de um erro administrativo por parte da Ré;
10) Assim, criou o alegado 4º Período de Incapacidade entre os dias 18/06/2013 a 23/01/2014, correspondente a 220 dias, o recorrente não se concorda com esta divisão entre o 3º e o 4º Período.
o) O Tribunal a quo decidiu quanto à segunda questão, os valores de referência para o cálculo do subsídio de doença profissional o seguinte:
p) Que o montante do subsídio é determinado pela aplicação da percentagem prevista no artigo 48/3 al. d) e) – cf 110º nº1 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.
q) Os critérios para a determinação da retribuição de referência são os constantes do artigo 11º nº4 da lei 98/2009 de 4 de Setembro.
r) Consequentemente:
s) Quanto ao 1º período de Incapacidade – 02/07/2012 a 06/07/2012 – 5 dias, considera-se o valor de referência de 39,87€, assumido pelas partes,
t) Pelo que o A. teria a receber o valor global de 199,35€ = (4.727,54 RAI/83 dias de trabalho *.0.70=39,87*5)
u) Este valor também o aplicável ao 2º período de incapacidade, a todo o período, conforme assumido pelas partes (19/07/2012 a 28/09/2012 – 72 dias);
v) Ou seja, o valor correspondente à indemnização é de 2.870,64€ (= 39,87€*72 dias de trabalho).
w) Contrariamente ao Tribunal a quo entendemos que se o disposto no artigo 24º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.
x) Não existe uma norma especifica no Cap. III – sob a epigrafe Doenças profissionais da referida Lei, para a recidiva ou agravamento da doença.
y) Portanto, e sem prejuízo das normas do 110º e 111º da mesma Lei, entende-se que se aplica com a devidas adaptações as normas relativas aos acidentes de trabalho constantes da lei 98/209 de 4 de Setembro e subsidiariamente, o regime da segurança social, in fine do nº2 do artigo 1º da referida lei.
z) Pelo que, neste caso em concreto, no caso de recidiva ou agravamento, mantém-se o direito á indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, entre a data da alta e a nova baixa, se esta vier, como veio, a ser dada no prazo de 8 dias, nos termos do artigo 24º n.1 al. b) da Lei 98/2009 de 4 de setembro.
aa) Por isso, não se concorda com a divisão do 3º e 4º período feita pelo Tribunal a quo, por entender que este artigo não se aplicava ao caso sub Júdice.
bb) Tendo sido dada como provado e fundamentado que foi atribuída alta a16/06/2023, e por recidiva em 17/06/2013, através de consulta medica em 18/06/2013, quer na medicina do trabalho, quer pelo medico de família foi atribui nova ITA.
cc) Pelo que, aplicando-se o artigo 24º, deve ser só tido em conta mais um período de ITA continuo, com a mesma remuneração de referência, com início em 18/10/2012 e a terminar em 23/01/2014, correspondente a 243 dias.
dd) Assim, mantendo-se o valor de referência calculado com base nas remunerações auferida pelo A. nos 12 meses imediatamente anteriores ao início do mesmo (outubro de 2012 a Setembro de 2012), ou seja, a remuneração anual ilíquida no valor de 5.282,87€.
ee) Como já determinado, o montante o subsídio é determinado nos termos do artigo 48º n.3 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, que na sua al. d) determina que resultando redução ou perca da capacidade de trabalho por parte do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações “por incapacidade temporária absoluta – indemnização diária igual a 70% de retribuição dos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente”.
ff) Ou seja, no nosso entendimento existe um 3º Período, com início em 18/10/2012 e a terminar em 23/01/2014, o que corresponde a 463 dias.
gg) Ou seja, entre 18/10/2012 e 17/10/2013, que corresponde a 365 dias deve ser calculada a remuneração de referência com base na percentagem de 70%, e no período subsequente a percentagem de 75%.
hh) Assim, apuramos um valor global para o 3º período de 18.393,53€.
ii) Ou seja,
a) 5.282,87€(RAI)/94,5 dias *70 = 39,13*365=14.282,45€
b) 5.282,87€(RAI)/94,5 dias *75 = 39,13*98= 4.111,08€
jj) O total global dos 3 períodos de ITA é de 21.464,52€.
kk) Quanto á 3ª questão – apurar os pagamentos já efetuados ao Autor o tribunal decidiu que
ll) Por conta dos períodos mencionados foi pago pela Ré a quantia de 11.013,49€, sendo que 9.491,59€ à entidade patronal, enquanto entidade centralizadora e 1.521,90€ directamente ao Autor. Só tendo sido entregue ao Autor a quantia total de 9.022,14€.
mm) Entendendo que por estarmos a falar de uma entidade centralizadora de pagamento, nos termos e por conta da cláusula 62ª da convenção Colectiva de trabalho aplicável, publicada no BTE nº 32 de 2008, mantida na cláusula 42º da CCT publicada no BTE nº 2 de 2012, e Portaria de extensão publicada no BTE nº 28 de 2009 (e portaria de extensão nº 134/2013, de 28.3, em DR nº 62/2013, Serie I, de28/03/2013), porém
nn)A cláusula a aplicar para o efeito à data dos factos, era a Cláusula 63ª (e não a 62ª) do Contrato Colectivo de Trabalho vigente à data, ou seja, o CCT celebrado entre a APS - Associação Portuguesa de Seguradores e a SINAPSA – Sindicato Nacional dos Profissionais de Seguros e Afins e outros, publicado no BTE, 1ª Serie, nº 32, de 29 de Agosto de 2008, com Portaria de extensão publicada no BTE nº 28, de 29 de Julho, o qual vinculava as partes, pese embora a empresa tenha “invocado a caducidade do mesmo”, e
oo) Não o referido, pela Cláusula 42ª do CCT publicada no BTE nº 2 de 2012, e Portaria de Extensão, publicada no BTE nº 28 de 2009 (e Portaria de extensão nº 134/2013, de 28.3, em DR nº 62/2013, Serie I,de 28/03/2013)”,
pp) Razões pelas quais, não só, mas também, foi elaborado o respectivo processo de contra-ordenação por parte da ACT – Autoridade para as condições de Trabalho contra a Ré – doc.52 dos autos que se requer a sua junção.
qq) Entendendo assim o Tribunal que se aplicava a al. f) o artigo 770º do Código Civil, sendo um pagamento liberatório, não sendo por isso responsabilidade da Ré.
rr) O Tribunal a quo para decidir e dar como provada esta questão fundamentou-se no depoimento da Senhora BB, directora do núcleo da segurança social, no sistema de controlo financeiro, ignorando toda a envolvente vertida e documentada nos autos, não só, mas nomeadamente no que a este ponto em particular diz respeito, e
ss) Razão pela qual, com a mesma não se concorda
tt). O depoimento foi transcrito no articulado nº 64 a 69.
uu) Porém existe documentação nos autos, que nos levam á reapreciação da prova dada por este depoimento.
vv) Nomeadamente, o facto de durante todos estes anos, nunca terem sido apresentados ao Beneficiário, ora aqui A., ou junto aos autos, estes extratos, ora verbalmente “alegados” com estes “alegados” desdobramentos feitos por parte da Ré.
ww) Este processo na Segurança Social, trata-se de um processo com vários recursos hierárquicos, e reclamações dirigido/as pelo Beneficiário, aqui A. ao ISS, I.P, aqui Ré, o qual culminou com a instauração da presente Acção Judicial, de forma a não ser ignorado e por conseguinte, desta forma, o A. consiga obter por esta ultima via a correção dos cálculos relativos aos valores de referência, assim como o reconhecimento da recidiva verificada em 17/06/2013, e ser ressarcido dos valores correspondentes as diferenças que continuam em divida.
xx) Por o Autor ter estado sem receber quaisquer valores compreendidos entre junho /2013 e Junho/2014, conforme a declaração – doc. 50, do autos que se requer a sua junção
yy) Pela Ré ter continuado a pagar as prestações “à sua entidade empregadora, Cares – companhia de Seguros, SA..”, conforme o ofício nº 162784 -22/05/2014 – doc. 51 dos autos que se requer a sua junção.
zz) Desrespeitando assim a Ré a vontade do Autor, que exerceu o seu direito nos termos o artigo 39º do DL nº 28/2004 de 4 fevereiro, que comunicou que “devem as prestações de doença, bem como quaisquer outras futuras prestações devidas pelo instituto da Segurança social IP, seja a que titulo for serem pagas directamente ao Beneficiário ora requerente, até comunicação em contrário, por transferência bancaria.
aaa) Por outro lado, a entidade empregadora não procedia ao pagamento dos referidos subsídios ao trabalhador, o que motivou o pedido fundamentado do pagamento directo, por parte da Ré ao Autor– doc. 52 dos autos que se requer a sua junção.
bbb) Pelo que, a Ré não podia desconhecer do cancelamento à entidade patronal.
ccc) Consequentemente não se trata de um pagamento liberatório nos termos do artigo 770º al. f.) do Código Civil.
ddd) O A. nunca recebeu qualquer ofício por parte da Ré a esclarecer quais os pagamentos efetuados no âmbito dos períodos em causa, e os quais requereu por várias vezes junto da Ré, quer por via de reclamações, quer por via de recursos hierárquicos.
eee) Em 19/06/2014, a Ré apenas informou o A. da forma dos cálculos que efectuara, e que desde essa data a entidade empregadora tinha deixado de ser considerada entidade centralizadora.
fff) Como se verifica, não colhe, as informações prestadas pela testemunha.
ggg) Porque através do testemunho continua-se sem saber desde quando deixaram de ser desdobrados os valores, apenas se sabe que houve dois pagamentos directos ao A., os quais aliás, diga-se de passagem, o próprio, desde sempre assumiu ter recebido directamente por parte da Ré em Abril e Maio 2014, vd doc. 52 dos autos.
hhh) Contudo, sabe-se por declaração da própria Segurança Social que este esteve sem receber entre junho de 2013 e junho de 2014 qualquer subsídio, conforme os documentos apresentados nos autos.
iii) Pelo que, deve ser responsabilizada pelo pagamento do valor em falta.
jjj) Devendo considerar-se o valor que efectivamente o Autor recebeu directa e indirectamente por parte da Ré a quantia de 9.022,14€.
kkk) Assim, permanece em falta a quantia de 12.442,38€ (21.464,52€-9022,14= 12442,3= doze mil quatrocentos e quarenta e dois euros e trinta e oito cêntimos).
lll) Acrescem os juros, desde os respectivos vencimentos, nos termos do artigo 135 do Código Processo de Trabalho (cfr artigo 155º).
mmm) Como foi e bem decido pelo tribunal a quo não se verifica a invocada prescrição dos juros, tendo a Ré sido citada pelo Tribunal Administrativo no ano de 2016, não tendo decorrido 5 anos (artigo 179º nº 2 da LAR, artigo 323º/1; 326º/1º e 327º/1º do Código Civil).
(…)”
***
Em relação a tais conclusões a decisão, relativamente à intempestividade do recurso foi assim fundamentada:
“(…)
A contagem dos prazos efetuado no despacho reclamado, mostram-se corretamente efetuado, face ao disposto nas disposições conjugadas dos artigos 26.º, nº, e), e 80.º, nº 2 e 3, ambos do CPT.
Importa apreciar se o Reclamante pode aproveitar do prazo de mais 10 dias (artigo 80.º, nº 3), ou seja, se o no recurso foi, efetivamente, requerida a reapreciação da matéria de facto.
Ora, no recurso em que se impugna a matéria de facto, é exigido ao recorrente que, tal como prevê o n.º 1 do artigo 640.º do CPC, especifique, sob pena de rejeição do recurso:
(…)
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Relativamente a esta última alínea foi proferido acórdão o Uniformização de jurisprudência n.º 12/2023, de 14 de novembro, nos seguintes termos:
“Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Exige ainda o mencionado artigo 640.º:
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) (…)
Vejamos então se o Recorrente cumpriu estes ónus, nomeadamente se indicou: os pontos da matéria de facto de que discorda; os que, estando provados, entende que não o deviam ter sido, ou os que foram dados como não provados que mereciam diferente destino.
Analisando o documento apresentado verifica-se que:
- Nos pontos 1.º a 26.º das alegações o Recorrente faz um resumo do processo e não põe em causa a sentença;
-No ponto 26.º a 28.º o Recorrente considera que no quarto período de incapacidade deve abarcar o dia 16.6.2013 e fixar-se por isso um período de ITA de 221 dias e não 2020, como consta da sentença;
-Do ponto 29.º a 34.º, referem-se os montantes subsídios fixados na sentença, no primeiro, segundo e terceiro períodos, cálculos que não questiona.
-A partir do ponto 35.º até ao ponto 53.º, apresenta a sua discordância relativamente forma como se efetuou o cálculo indemnizatório, pugnando pela aplicabilidade às doenças profissionais da norma relativa à recidiva nos acidentes de trabalho, concluindo que se deve considerar que ocorreu uma incapacidade de 463 seguidos e, como tal, o calculo do subsídio deve ter em conta o disposto no artigo 24.º n.3 da LAT;
-Do ponto de 54.º a 59.º põe em causa que seja aplicável ao caso em apreço o Contrato Coletivo do Trabalho indicando qual o aplicável.
-No ponto 60.º e seguintes o Recorrente alega não pode concordar que o pagamento efetuado pela Ré à sua entidade empregadora seja liberatório. Entende que tal pagamento, tal como consta da sentença, foi alicerçado no depoimento da senhora BB, depoimento esse que transcreve, em parte, considerando que mesmo, em confronto com os documentos juntos ao processo não é possível aferir desde quando a Ré deixou de entregar à entidade centralizadora os subsídios do Autor.
Nas conclusões o Recorrente transcreve, com ligeiras alterações, o conteúdo das alegações.
Da leitura das alegações é percetível que o recurso, versa, na sua maioria, sobre questões de direito e nessa parte são identificados os normativos que o Recorrente considera serem aplicáveis. Identifica-se também que aquele não concorda com matéria de facto, fazendo alusão ao depoimento de uma testemunha em confronto com os documentos juntos aos autos.
Porém, o Recorrente não identifica os pontos da matéria de facto de que discorda, não indica qualquer ponto da matéria de facto que, estando provada, não o deveria sido e não faz qualquer alusão aos factos não provados.
Apesar de o Recorrente efetuar os cálculos dos subsídios que considera que lhe são devidos, nas alegações e nas conclusões apresentadas não se consegue entender em que medida a reapreciação da prova pode interferir nos cálculos efetuados na sentença, até porque aí não é feita menção a quaisquer datas referentes ao dito desdobramento.
Em suma, pode-se afirmar que o Recorrente não deu cumprimento ao disposto no artigo 640.º do CPC e, por essa razão, não são percetíveis quais as alterações da matéria de facto que beneficiariam com a reapreciação da prova, limitando, desta forma, o entendimento da sua perspetiva tanto à contraparte como ao Tribunal ad quem.
Donde se conclui que, apesar da transcrição de excertos do depoimento de uma testemunha, o Recorrente não apresentou um recurso da matéria de facto.
Nesta medida, andou bem o Sr. Juiz, ao não admitir, por intempestividade, o recurso interposto, pois o prazo para a interposição do mesmo era de 15 dias e não de 25 dias.
Com este fundamento indefere-se a reclamação apresentada.
(…)”
Apreciação
No requerimento apresentado para conferência o Reclamante considera que no recurso apresentado “24(…) foi alegado pelo recorrente os pontos da matéria de facto de que discorda; os que, estando provados, entende que não o deviam ter sido, ou os que foram dados como não provados que mereciam diferente destino.
25. Entendendo-se assim que cumpriu minimamente o ónus previsto do artigo 640º do CPC.”
Reanalisada a questão em Conferência, entendemos que outra não poderia ser a decisão.
Com o devido respeito por opinião contrária, das conclusões de recurso não se pode considerar que, ainda que minimamente, o Reclamante tenha impugnado a matéria de facto o que, por si só, constitui fundamento para confirmar a decisão singular reclamada de não admissão do recurso por extemporaneidade
Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, relativamente à tempestividade da mesma, quanto às questões de direito ali colocadas, admite-se que, por regra, não se deva considerar extemporâneo o recurso, ficando para fase posterior a apreciação da sua admissibilidade, tal como, aliás, está sustentado na jurisprudência dos tribunais superiores.
Contudo, também importa salvaguardar as situações em que o recurso da matéria de facto é utilizado com o objetivo de obter o alargamento do prazo de interposição do recurso.
Tal acontece quando o recorrente não questione efetivamente a decisão ou, questionando-a, não inclui nas conclusões o seu propósito de a ver alterada em qualquer ponto factual, tornando-se manifesto que a não põe em causa.
É, no nosso entender, o que acontece com o recurso em apreço.
Da leitura das alegações e das conclusões de recurso (estas supratranscritas) é percetível que o Reclamante questiona a forma como o tribunal à quo analisou a matéria de facto provada e aplicou o Direito às questões controvertidas.
Não questiona a matéria de facto provada.
E não o faz, maxime, nos pontos nº 56 a 85 das alegações de recurso e nos pontos mm) e seguintes das respetivas conclusões, tal como refere na presente reclamação.
Com efeito, em tais segmentos da sua peça processual que agora autonomiza, o Recorrente não põe em causa que tenham sido efetuados pagamentos à Empregadora, mas tão só o facto de tais pagamentos se considerarem liberatórios, nos termos do artigo 770.º, alínea f) do Código Civil, bem como de se ter considerado que se está em presença de uma “entidade centralizadora”.
Repare-se que, como resulta da alínea yy) das conclusões do recurso (Pela Ré ter continuado a pagar as prestações “à sua entidade empregadora, Cares – companhia de Seguros, SA..”), o Reclamante admite terem sido efetuados os pagamentos.
Daí que a transcrição do depoimento da testemunha até surja descontextualizado do objeto do recurso.
Com efeito, em tais segmentos da sua peça processual que agora autonomiza, temos necessariamente que concluir que o Reclamante não apresentou recurso da matéria de facto, já que das respetivas conclusões, não é inequívoco que pretendesse impugnar tal decisão, pese embora a transcrição do depoimento de uma testemunha. E, porque o não fez a montante, naturalmente que não observou, a jusante, os ónus legais prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil para o efeito.
Uma vez que ressalta das próprias conclusões do recurso que o Reclamante pretendia recorrer de direito e não de facto, não pode o mesmo beneficiar do acréscimo do prazo de 10 dias previsto no artigo 80.º, nº 3 do CPT.
4- DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em indeferir a reclamação e manter a decisão reclamada.
Custas pelo Reclamante.
Notifique

Lisboa 18 de junho de 2025
Eugénia Guerra
Maria José Costa Pinto
Celina Nóbrega