ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
JUROS DE MORA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITOS INDISPONÍVEIS
Sumário

1 - O conceito de negligência grosseira envolve dois pressupostos: por um lado, um comportamento que, do ponto de vista social, é inaceitável e não tem justificação para o cidadão comum; por outro, a exclusividade da conduta negligente na produção do evento.
2- Vencendo-se o direito à pensão no dia seguinte após a alta, os respetivos juros são devidos desde então e não desde a citação.
3 – Tendo-se formulado pedido de condenação na importância a fixar pelo quantum doloris e dano estético conforme resultado da perícia a realizar para o efeito, é admissível, em presença do disposto no Art.º 265º/2 do CPC, a concretização de tal pedido realizada que foi a mencionada perícia.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

FRUTOGAL – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTARES, LDA., aqui Ré, tendo sido notificada do conteúdo da Sentença, inconformada, vem apresentar o seu Recurso.
Pede a sua absolvição nos quantuns em que foi condenada total (ou parcialmente).
Apresentou as seguintes conclusões:
1ª) O âmbito deste Recurso tem como seu objeto:
- Reapreciação da matéria de facto considerada como não provada, sob a al. d) dos Não Provados, em face do fundamentado pela Sra. Juíza “a quo”, bem como pela audição da prova gravada;
- O que ficou a constar da antepenúltima e penúltima páginas, sob o título V – Decisão, nas alíneas a), b) (b.1, b.2 e b.3);
- Contabilização de juros de mora desde 21 de outubro de 2020;
- Custas a cargo desta R.
2ª) A matéria constante da alínea d) dos não provados quanto à trabalhadora AA, está em contradição com o que a Sra. Juíza “a quo” ao fundamentar aqui escreveu expressamente aceitando e quantificando a aludida trabalhadora com a categoria de operadora de máquinas.
3ª) Também pela audição das passagens da gravação da inquirição das arroladas testemunhas BB e da própria trabalhadora AA, fica certo e seguro que esta tinha a categoria de operadora de máquinas.
4ª) Deve assim passar para facto provado o seguinte:
“AA detinha a categoria profissional de operadora de máquinas, pelo que o Autor executava as suas tarefas na máquina embaladora com acompanhamento e supervisão de um operador experiente”.
5ª) Deve ser eliminada dos factos não provados “in totum” a al. d).
6ª) O evento sinistral única e exclusivamente ocorreu porque o A. com um comportamento anómalo, exclusivo e que nunca antes ao longo de meses praticou, iniciou a operação de limpeza da máquina no final do dia, sem previamente a parar no dispositivo existente para esse fim.
7ª) Esta tremenda asneira é grave erro técnico unilateral e voluntário do A. foi contrário a tudo o que lhe foi ensinado desde que começou a trabalhar com a máquina, bem como ao que lhe foi sempre meticulosa e repetidamente explicado pela operadora de máquinas AA e ainda pelo que lhe era diariamente permitido verificar e apreender quando realizada essa limpeza por todos os seus Colegas.
8ª) A conduta gravemente errada e dolosa do A. no dia, hora e local dos factos gera a qualificação jurídica da situação “sub judice” como de “descaracterização de acidente” com a absolvição “in totum” da Ré Recorrente de todo o âmbito das condenações lavradas na 1ª Instância, sob as alíneas a), b) e custas, as quais devem ser revogadas.
9ª) A Recorrente participou junto da seguradora o sinistro no dia seguinte ao do evento sinistral, ou seja, no dia 7 de fevereiro do ano de 2020, sendo totalmente estranha ao facto de o Ministério Público só ter marcado a tentativa de conciliação para o dia 1 de julho de 2021, bem como ao facto de o A. só ter metido a Ação no Tribunal do Barreiro, em 17 de outubro de 2022.
10ª) Tendo a Recorrente sido citada para Contestar a Ação no dia 3 de novembro de 2022, a sua mora (eventual) só se pode iniciar no dia 4 de novembro do mesmo ano de 2022 como se estatui no n.º 1 do art.805º do Cód. Civil.
11ª) Nunca o A. invocou quer na sua petição inicial, quer no seu autoassumido articulado do dia 31 de julho de 2024, sob o título de “ampliação do pedido” fez alusão ao n.º 1 do art.º 18º da Lei n.º98/2009, do dia 4 de setembro, pelo que esta inovação sentenciadora por iniciativa exclusiva do Sr. Juiz “a quo” está para além da sua função processual sentenciadora daí operando a nulidade desta parte decisória.
A fundamentação de direito do pedido é exclusiva missão processual do Autor.
Ao Sr. Juiz teria ficado a missão (que aqui não ocorreu) de no dever de gestão processual (art.º 6º do C.P.C.) notificar o A. para tal suprir em prazo.
12ª) O pecúlio dos 1.000,00€ sentenciados sob o desígnio de danos não patrimoniais não é admissível “in casu” e deve ser anulado-revogado, pois nunca na p.i. tal foi articulado como manda o n.º 2 do art.º 265º do C.P.C. e a jurisprudência aqui aludida sob o anterior ponto 6.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado das alegações do recurso vem apresentar a sua resposta debatendo-se pela manutenção da sentença.
COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., notificada da interposição pela co-ré do recurso de apelação da sentença vem responder à alegação da recorrente, requerendo, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso.
No âmbito da contra-alegação pugnou pela manutenção da sentença; em sede de ampliação, formulou as seguintes conclusões:
5. (Caso assim não se entenda) A recorrida vem requerer que, subsidiariamente e em ampliação do âmbito do recurso – ao abrigo do disposto no art.º 636º-1 do Código de Processo Civil –, seja apreciado o fundamento da imputabilidade da eclosão do acidente dos autos à violação das regras de segurança por parte da entidade patronal do autor, nomeadamente por, na altura do acidente, não ter ainda procedido à prévia avaliação dos riscos específicos na realização das tarefas executadas pelo sinistrado, nem ter elaborado qualquer ficha dos procedimentos de segurança necessários à utilização daquela máquina,
6. E por não ter equipado a máquina que o sinistrado estava a limpar com qualquer dispositivo que impedisse o acesso às suas partes móveis quando esta está a trabalhar ou que impedisse o seu funcionamento quando esta está a ser objeto de limpeza e o tampão que se encontra na parte inferior da tremonha está desenroscado e permite o acesso, sem qualquer limitação, ao senfim que entalou os dedos do sinistrado.
7. Com efeito, da matéria de facto dada como provada, designadamente dos seus pontos 28 a 32, consta:
8. “28 - A máquina que o sinistrado estava a limpar não estava equipada com qualquer dispositivo que impedisse o acesso às suas partes móveis quando esta estava a trabalhar.”
9. “29 - A máquina que o sinistrado estava a limpar não estava equipada com qualquer dispositivo que impedisse o seu funcionamento quando esta estava a ser objeto de limpeza e o tampão que se encontra na parte inferior da tremonha estava desenroscado e permitia o acesso, sem qualquer limitação, ao senfim.”
10. “30 - A Ré empregadora não procedeu a prévia avaliação específica dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores na realização das tarefas que estavam a serem realizadas pelo sinistrado.”
11. “31 - A Ré Empregadora não elaborou qualquer ficha dos procedimentos de segurança necessários à utilização daquela máquina”.
12. “32 - Até a data do acidente, a empregadora não forneceu informação e formação necessárias ao Autor para desenvolvimento da atividade em condições de segurança.”
13. Face a esta matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida resulta, inquestionavelmente, que a entidade patronal do autor, para além de lhe não ter ministrado formação adequada para a tarefa que este executava, também não procedera à prévia avaliação específica dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores na realização das tarefas que estavam por ele a ser realizadas, não as tendo planeado, nem tendo elaborado qualquer ficha dos procedimentos de segurança necessários à utilização daquela máquina, o que também consubstancia violação das regras de segurança previstas no art.º 15º da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, que impõe que o empregador assegure ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
14. Acresce que, da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida e constante dos seus pontos 28 e 29, acima transcritos, resulta que a entidade empregadora do autor não cumpriu o estipulado no art.º 16º do Dec.-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro, que determina que os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
15. Ora, se esses dispositivos existissem, a máquina nunca funcionaria – inadvertidamente ou não – sempre que o tampão estivesse desenroscado e, por consequência, os dedos do trabalhador nunca poderiam ser entalados pelo senfim, pelo que o acidente de trabalho em causa nunca teria ocorrido.
16. Ao permitir que os trabalhadores ao seu serviço, designadamente o autor, laborassem com a máquina sem qualquer dispositivo de segurança que impedisse o seu funcionamento quando do acesso às suas partes móveis, a ora apelante violou o disposto no art.º 16º do Dec.-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro, nos arts. 15º e 20º da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e no art.º 3º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro, sendo responsável pela eclosão do acidente de trabalho em causa, que resultou da falta de observância de regras sobre segurança no trabalho.
17. Assim, no caso de se vir a entender que não deve ser mantida a douta sentença recorrida nos seus exatos termos, deverá esta ser substituída por decisão que considere que a ora apelante violou, com a atuação e omissão acima referidas, o disposto no art.º 16º do Dec.-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro, nos arts. 15º e 20º da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e no art.º 3º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro,
18. Sendo assim a única responsável pela reparação do acidente em causa nos autos por este se ter ficado a dever a violação por esta das regras e condições de segurança exigíveis.
*
Os autos resumem-se como segue:
CC, representado pelo Ministério Público, instaurou a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra: FRUTOGAL – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTARES, LDA. e COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A..
O Autor alega, em síntese, que no dia 6 de fevereiro de 2020, trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré Frutogal, Lda. como operador de máquinas de empacotamento, quando colocou dois dedos da mão esquerda num orifício com cerca de 6cm de diâmetro numa máquina com a qual trabalhava para proceder à sua limpeza, os quais acabaram por ficar presos em virtude de a máquina inesperadamente ter voltado a funcionar. Do acidente acima descrito, resultou para si traumatismo dos 3.º e 4.º dedos (D3 e D4) da mão esquerda com feridas, tendo sido suturado e acabado por ser submetido a tratamento cirúrgico.
Termina pugnando pela condenação das Rés na pensão correspondente à incapacidade que se vier a fixar em sede de junta médica, bem como na indemnização pelas incapacidades temporárias que sofreu, tendo em conta que o acidente se deveu também a violação de regras de segurança e higiene no trabalho.
A Ré Frutogal – Indústria e Comércio de Produtos Alimentares, Lda. apresentou contestação alegando, em síntese, a caducidade do direito de ação. Mais alega que o Autor, ao ser admitido, afirmou ter muita experiência no trabalho. Alegou ainda que a máquina com a qual o trabalhador operava no dia dos factos tem um mecanismo simples, a empresa que a forneceu deu formação aos trabalhadores que então estavam na empresa, sendo dada formação aos trabalhadores que foram sendo admitidos pelos trabalhadores que já operavam com a mesma máquina. Nunca antes ou depois ocorreu qualquer acidente com aquela máquina. O Autor deveria ter desligado o equipamento antes de o limpar e não deveria ter introduzido os dedos no orifício onde os introduziu, o que apenas fez por negligência grave e grosseira da sua parte.
Termina pugnando pela improcedência da ação quanto a si.
A Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. apresentou contestação, alegando, em síntese, aceitar a existência do acidente, a sua caracterização como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, os períodos de incapacidade temporária e a incapacidade permanente parcial atribuídas ao Sinistrado, bem como a transferência da responsabilidade pelos acidentes de trabalho pelo valor de € 11.326,40 anuais. Mais alega que a sua responsabilidade é subsidiária, uma vez que o acidente se deveu à violação de regras de segurança e higiene no trabalho, aceitando a descrição do acidente constante da petição inicial.
Termina pugnando que a ação seja julgada improcedente quanto a si na parte que exceda a sua responsabilidade subsidiária.
O Autor respondeu à exceção de caducidade do direito de ação do Autor, pugnando pela sua improcedência.
Procedeu-se à prolação de despacho saneador no qual foi julgada improcedente a exceção de caducidade deduzida, fixado o objeto da ação, a matéria assente e a base instrutória.
Foi realizado desdobramento do processo, sendo realizada junta médica para avaliação da incapacidade permanente parcial, bem como relatório pericial para avaliação do dano corporal em matéria cível.
Em desenvolvimento do pedido apresentado e na sequência do relatório pericial para avaliação do dano corporal em matéria cível, o Autor apresentou um requerimento de ampliação do pedido, pedindo a condenação da Ré Frutogal – Indústria e Comércio de Produtos Alimentares, Lda. no valor de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, pelo quantum doloris sofrido e pelo dano estético de que padece.
Notificada da ampliação do pedido, veio a Ré Frutogal – Indústria e Comércio de Produtos Alimentares, Lda., em 01 de Outubro de 2024, contestar o mesmo, alegando que o mesmo é inadmissível.
Procedeu-se à realização da audiência final vindo a ser proferida sentença que julga a ação parcialmente procedente porque provada e, em consequência:
a) Reconhece o evento ocorrido com o Autor em 6 de fevereiro de 2020, como acidente de trabalho.
b) Condena a Ré FRUTOGAL – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTARES, LDA., a pagar ao Autor CC:
b1 – a quantia de € 2.206,78 (dois mil e duzentos e seis euros e setenta e oito cêntimos) correspondente ao valor devido a título das incapacidades temporárias desde 07 de Fevereiro a 20 de Outubro de 2020 (236 dias de incapacidade temporária absoluta e 21 dias de incapacidade temporária parcial de 5%);
b2 - no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 101,94 (cento e um euros e noventa e quatro cêntimos), no valor de € 1.390,05 (mil e trezentos e noventa euros e cinco cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 21 de Outubro de 2020 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
b3 – no pagamento do valor de € 1.000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-a do demais pedido.
c) Condena a Ré COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A.. a pagar ao Autor CC, a que deverão ser abatidos os valores já pagos a este título:
c1 – € 5.149,17 (cinco mil cento e quarenta e nove euros e dezassete cêntimos) correspondente ao valor devido a título das incapacidades temporárias desde 07 de Fevereiro a 20 de Outubro de 2020 (236 dias de incapacidade temporária absoluta e 21 dias de incapacidade temporária parcial de 5%);
c2 - no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 237,85 (duzentos e trinta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), no valor de € 3.243,32 (três mil e duzentos e quarenta e três euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 21 de Outubro de 2020 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
c3 – no pagamento da quantia de € 15,00 (quinze euros) a título de despesas de transporte.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – O acidente deve descaracterizar-se?
3ª – A mora inicia-se apenas em 4/11/2022?
4ª – A sentença é nula?
5ª – Não é admissível a atribuição da quantia de 1.000,00€ a título de danos não patrimoniais?
Da ampliação do objeto do recurso:
- No caso de se vir a entender que não deve ser mantida a sentença recorrida nos seus exatos termos, deverá esta ser substituída por decisão que considere que a ora apelante violou o disposto no art.º 16º do Dec.-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro, nos arts. 15º e 20º da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e no art.º 3º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro?
***
FUNDAMENTAÇÃO:
Impugna a Apelante a decisão que contém a matéria de facto no concernente ao ponto de facto não provado que enforma a alínea d).
É o seguinte o teor de tal ponto:
d) AA e DD não detinham a categoria profissional de operadoras de máquinas, pelo que o Autor executava as suas tarefas na máquina embaladora sem ter acompanhamento ou supervisão de um operador expediente.
Alega que tal matéria está em contradição com o que a Sra. Juíza “a quo” ao fundamentar escreveu expressamente aceitando e quantificando a aludida trabalhadora com a categoria de operadora de máquinas. Também pela audição das passagens da gravação da inquirição das arroladas testemunhas BB e da própria trabalhadora AA, fica certo e seguro que esta tinha a categoria de operadora de máquinas.
Pretende passar para facto provado o seguinte:
“AA detinha a categoria profissional de operadora de máquinas, pelo que o Autor executava as suas tarefas na máquina embaladora com acompanhamento e supervisão de um operador experiente”. E que se elimine dos factos não provados “in totum” a al. d).
A reapreciação da matéria de facto obedece a alguns requisitos, o primeiro dos quais, e por imposição do disposto no Art.º 130º do CPC, a utilidade para a decisão da causa. Utilidade que não se vislumbra no caso concreto, pois está em causa apenas saber qual a categoria daquelas trabalhadoras, circunstância irrelevante no caso.
Ainda assim, sempre se dirá, em complemento, que dali emerge que não está provado que aquelas trabalhadoras não detinham, a categoria em referência, ou seja, um facto negativo. Tal facto negativo, ainda que se reapreciasse a decisão, apenas poderia conduzir à inversão de não provado para provado que as trabalhadoras não detinham a mencionada categoria e não que a detinham. Aliás, foi nesse sentido a alegação efetuada no Art.º 10º da PI.
Termos em que improcede a questão em referência.
Uma palavra para a invocação de um lapso de escrita naquele ponto de facto, invocação efetuada pela Apelada Seguradora.
Refere a mesma que onde se lê “expediente” se quereria escrever “experiente”.
Considerando que aquele ponto de facto reporta ao Art.º 10º da PI, onde já consta o alegado erro, mas depreendendo-se do sentido do texto, que, efetivamente o termo adequado será “experiente”, concede-se na retificação.
***
OS FACTOS:
O Tribunal considera demonstrados os seguintes factos:
1 - O Autor foi admitido ao serviço da Ré empregadora em 09 de Outubro de 2019, para prestar funções como Operador de Máquinas de Empacotamento definida na Tabela anexa ao C.C.T. para o setor.
2 - No exercício da sua já aludida categoria profissional cabia, em concreto, ao trabalhador, aqui Autor, as seguintes funções:
a. Montagem e desmontagem dos equipamentos;
b. Afinação adequada dos mesmos aos produtos a serem neles utilizados;
c. Alimentação dos equipamentos com produtos destinados ao embalamento; d. Limpezas das máquinas, após os diários períodos de laboração.
3 - No dia 6 de fevereiro de 2020, o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização de “Frutogal – Indústria e Comércio de Produtos Alimentares, Lda.”, com o NIPC 501509100, como operador de máquinas de empacotamento.
4 - Nesse dia, cerca das 17H05, nas instalações da Ré Frutogal – Indústria e Comércio de Produtos Alimentares, Lda., sitas na Rua ..., em Lisboa, o Autor foi vítima de um acidente.
5 - Com efeito, nessa ocasião e local, trabalhava com uma máquina de empacotamento designada como embaladora 5, da marca COALZA, Mod. RS 250/300DS, efetuando as seguintes operações: Pegava em sacos de papel de 25kg de Bicarbonato de Sódio, abria-os, procedia ao seu despejo na tremonha do SENFIM, que está acoplada a tal máquina, através do qual o produto é elevado para outra tremonha, que se encontra a cerca de 3 metros de altura, que por sua vez despejava para uma distribuidora que tem acoplada uma balança de 500g e de 1 kg e que seguem por um tapete rolante para acondicionamento em caixa de cartão.
6 - À data do acidente, o Autor auferia a retribuição anual no montante de € 11.326,40, composta pelas seguintes parcelas:
a. Salário base € 710,50 x 14 meses;
b. Subsídio de alimentação € 125,40 x 11 meses.
7 - Do acidente acima descrito, resultou para o Autor traumatismo dos 3.º e 4.º dedos (D3 e D4) da mão esquerda com feridas, tendo sido suturado e acabado por ser submetido a tratamento cirúrgico.
8 - Do acidente e das lesões que se lhe seguiram resultaram para o sinistrado os seguintes períodos de incapacidades temporárias:
a. incapacidade temporária absoluta de 07 de Fevereiro a 29 de Setembro de 2020;
b. incapacidade temporária parcial de 5% de 30 de Setembro a 20 de Outubro de 2020.
9 - A consolidação médico-legal/alta ocorreu em 20 de Outubro de 2020.
10 - O Autor ficou afetado por uma incapacidade permanente parcial de 3%. 11 - O Autor gastou a importância de € 15,00 com transportes, na deslocação à Procuradoria da República do Barreiro por 2 vezes, mais precisamente para exame médico e tentativa de conciliação.
12 - A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida para a R. Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n.º ....
13 - Quando se encontrava a efetuar a operação de limpeza da máquina, na parte inferior da tremonha do SENFIM, junto à rosca, onde o produto se encontrava encaroçado, o Autor colocou dois dedos da mão esquerda num orifício com cerca de 6cm de diâmetro, os quais acabaram por ficar presos em virtude de a máquina inesperadamente ter voltado a funcionar.
14 - O Autor deveria ter começado por trancar o equipamento desligando o botão de acionamento, carregando no botão vermelho colocado em base amarela bem visível e assinalados à vista de todos.
15 - Na ocasião o Autor estava acompanhado pelas trabalhadoras AA e DD.
16 - Foi a operadora AA, colega do Autor, que estava muito próximo deste, neste momento, que em face deste evento desligou com rapidez o equipamento através do botão de emergência, evitando males muitos maiores para o Autor.
17 - Das lesões referidas resultaram para o Autor dores, físicas e psicológicas, assim como sequelas físicas, desde logo cicatrizes e dor ao toque das falanges distais de D 3 e D 4.
18 - Aquando da aquisição desta máquina, a empresa fornecedora - Embalauto – Serviços Técnicos de Embalagem, Lda. - formou todos os trabalhadores da Sociedade Ré que laboravam neste seu setor relativamente ao funcionamento da mesma.
19 - Nunca ocorreu com o Autor nem com qualquer outro trabalhador um qualquer outro acidente com tal máquina.
20 - Até ao momento do acidente do Autor nunca antes ocorrera qualquer evento, ou acidente com a mesma, pelo que a utilização por todos os trabalhadores, até àquele momento, não tivera qualquer problema.
21 - A máquina era na época usada (trabalhada) por cerca de seis diferentes trabalhadores da Ré Empregadora.
22 - O Autor beneficiou durante dias de formação para o manuseamento da máquina no trabalho.
23 - Nas fases iniciais do exercício de funções, o Autor estava acompanhado de um trabalhador/colaborador mais experiente, ou de um supervisor de forma a instruir, ensinar, guiar, aconselhar os mesmos quanto aos procedimentos de bom funcionamento das máquinas da limpeza das mesmas, bem como das medidas de segurança a serem tomadas em cada momento do processo produtivo, desde o início até ao final de cada jornada de trabalho.
24 – O Autor sabia que sempre que existe o bloqueio no botão de emergência, o equipamento não funciona uma vez que o acionou adequadamente em anteriores situações.
25 - A máquina onde se deu o acidente, Envasadora automática vertical RS250-DS, é propriedade da Ré Empregadora desde o final do ano de 2014 (aproximadamente), sendo um meio que esta Sociedade possui e usufrui como essencial para o seu processo produtivo e fabril.
26 - O funcionamento da máquina é muito simples e básico, exigindo-se do seu operador a mera colocação do produto a embalar no recetáculo (depósito).
27 - Na fase final do processo de embalamento, os resíduos do produto que permanecem no tubo de alimentação devem ser removidos. Neste processo de remoção, deve ser retirada a tampa de escoamento e colocado tabuleiro para retenção do produto.
28 - A máquina que o sinistrado estava a limpar não estava equipada com qualquer dispositivo que impedisse o acesso às suas partes móveis quando esta estava a trabalhar.
29 - A máquina que o sinistrado estava a limpar não estava equipada com qualquer dispositivo que impedisse o seu funcionamento quando esta estava a ser objeto de limpeza e o tampão que se encontra na parte inferior da tremonha estava desenroscado e permitia o acesso, sem qualquer limitação, ao senfim.
30 - A Ré empregadora não procedeu à prévia avaliação específica dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores na realização das tarefas que estavam a ser realizadas pelo sinistrado.
31 - A Ré Empregadora não elaborou qualquer ficha dos procedimentos de segurança necessários à utilização daquela máquina.
32 - Até à data do acidente, a empregadora não forneceu informação e formação necessárias ao Autor para desenvolvimento da atividade em condições de segurança.
33 - O quantum doloris do Autor foi fixado no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes e os tratamentos efetuados, nomeadamente a intervenção cirúrgica em 12 de Junho de 2020, e o período de recuperação funcional;
34 - O dano estético permanente foi fixado no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
***
O DIREITO:
Enfrentaremos de seguida a 2ª questãoO acidente deve descaracterizar-se?
Alega a Apelante que ocorreu “in casu” um irresponsável e tremendamente censurável “modus operandi” do Autor que violando tudo quanto vinha praticando desde meses atrás, realizou a operação de limpeza da máquina no final do dia, sem que previamente colocasse a mesma na posição de parada, como sempre fez e lhe foi ensinado pelas(os) seus Colegas que tal como ele realizavam esta diária operação de limpeza. Assim o factualmente ocorrido deve levar a efetiva descaracterização do evento sinistral.
A descaracterização do acidente pode fundar-se em alguma das variadas circunstâncias enunciadas no Art.º 14º da Lei 98/2009 de 4/09.
Em parte alguma da apelação vem invocada a concreta causa descaracterizadora.
Consignou-se na sentença a este propósito:
Alegou a Ré Empregadora que o evento fosse descaracterizado como acidente de trabalho, nos termos do artigo 14º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, ou seja, por o evento ter ocorrido exclusivamente por negligência grosseira do Sinistrado, ora Autor.
Conforme se demonstrou, em sede de audiência de julgamento, o Autor beneficiou de formação no trabalho dada por outros funcionários da Ré, tendo feito a tarefa da mesma maneira que aprendeu a fazer, ou seja, não se demonstrou que o Autor tenha procedido à limpeza da forma como o fez, colocando os dedos no orifício onde ficaram presos, e que originou o acidente, por sua iniciativa e ideia, mas porque lhe foi indicado por outros colegas de trabalho que aquela era a forma de o fazer.
Para que se verifique a apontada exclusão da responsabilidade emergente de acidente de trabalho é necessária a prova de que ocorreu um ato ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos e costumes da profissão, e, além disso, que o acidente tenha resultado exclusivamente desse comportamento.
A negligência grosseira pressupõe “três requisitos: uma ação especialmente perigosa (traduzida, v.g., na infração de um dever de cuidado especialmente importante ou de vários deveres menos significativos); aliada a um resultado de verificação altamente provável (à luz da conduta adotada); e, nessa medida, uma atitude especialmente censurável de leviandade ou de descuido, reveladora de “qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez”” (DIAS, Figueiredo; - Código Penal, Comentário Conimbricense, Coimbra Editora, I, 1999, pp. 112 – 113).
E a avaliação da verificação ou não da negligência depende do circunstancialismo que o sinistrado conhece ou é por este cognoscível.
Por outro lado, a falta grave e indesculpável deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta.
Acresce que a descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito que o autor se arroga e, como tal, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, a sua prova compete ao réu na ação, ou seja, à entidade empregadora ou à seguradora, como será este o caso (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil).
Com efeito, a culpa exclusiva, grave e indesculpável da vítima configura a natureza de facto impeditivo da responsabilidade infortunística, pelo que incumbe à Ré a sua prova.
Assim sendo, não se pode considerar que há negligência grosseira do trabalhador sinistrado se a tarefa foi realizada da forma como lhe foi indicado para fazer na formação no trabalho que lhe foi dada pelos seus colegas de trabalho, na formação “in job”.
Face ao exposto, não há descaracterização do acidente, considerando-se o mesmo um acidente de trabalho.
Tratando-se de impugnação do decidido, cingir-nos-emos à descaracterização fundada em negligência grosseira do sinistrado (Art.º 14º/1-b) da Lei 98/2009 de 4/09).
Na sua resposta, o Ministério Público, fundando-se no exposto na sentença, alegou que atenta a matéria de facto dada como provada e não provada, bem como a fundamentação de facto e de direito, dúvidas não se suscitam que não se mostram verificados os pressupostos para que se possa descaracterizar o acidente de trabalho dos autos.
A Apelada Seguradora não se pronuncia sobre esta concreta questão, antes sustentando a violação de regras de segurança por parte da Apelante.
Dispõe-se no Art.º 14º/1-b) da LAT que o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
E o nº 3 do Art.º 14º define o conceito de negligência grosseira como sendo o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
São dois os requisitos da figura: a negligência grosseira e a exclusividade1 da conduta.
Querendo descaracterizar o acidente a entidade responsável tem que convencer não só da temeridade comportamental, como também da exclusividade associada a esse comportamento e geradora do acidente.
Ora, considerando o acervo fático em presença, nem um, nem outro dos pressupostos se mostra evidenciado.
Recordemo-lo!
Quando trabalhava com uma máquina de empacotamento o A. sofreu traumatismo de vários dedos o que requereu sutura e tratamento cirúrgico.
Desenvolvia então as seguintes operações: Pegava em sacos de papel de 25kg de Bicarbonato de Sódio, abria-os, procedia ao seu despejo na tremonha do SENFIM, que está acoplada a tal máquina, através do qual o produto é elevado para outra tremonha, que se encontra a cerca de 3 metros de altura, que por sua vez despejava para uma distribuidora que tem acoplada uma balança de 500g e de 1 kg e que seguem por um tapete rolante para acondicionamento em caixa de cartão.
Quando se encontrava a efetuar a operação de limpeza da máquina, na parte inferior da tremonha do SENFIM, junto à rosca, onde o produto se encontrava encaroçado, o Autor colocou dois dedos da mão esquerda num orifício com cerca de 6cm de diâmetro, os quais acabaram por ficar presos em virtude de a máquina inesperadamente ter voltado a funcionar. O Autor deveria ter começado por trancar o equipamento desligando o botão de acionamento, carregando no botão vermelho colocado em base amarela bem visível e assinalados à vista de todos.
O conceito de negligência grosseira encerra uma carga de censura ético jurídica muito pesada, por traduzir um comportamento que, do ponto de vista social, é inaceitável e não tem justificação para o cidadão comum. Donde, muito embora se tratando de negligência, não é uma qualquer violação do dever de cuidado que lhe está associada. É uma conduta altamente reprovável à luz do mais elementar senso comum. Daí que a lei o defina como temerário em alto e relevante grau e que não resulte da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos2.
O comportamento acima escrito não padece de qualquer temeridade.
Muito embora o comportamento adequado passasse por desligar um certo botão e carregar noutro, tudo indica que a ação resultou da mecânica própria da execução de funções tantas vezes desempenhadas. Ou seja, a concreta conduta em presença não se apresenta como inaceitável e sem justificação para o comum cidadão.
O que tem como consequência não se ter como preenchido o conceito de negligência grosseira. Com o que se não subscreve a afirmação da Apelante segundo a qual existiu um irresponsável e tremendamente censurável “modus operandi” do Autor.
Mas os factos revelam igualmente que para o desfecho final contribuiu ainda a circunstância de a máquina que o sinistrado estava a limpar não estar equipada com qualquer dispositivo que impedisse o seu funcionamento quando esta estava a ser objeto de limpeza e o tampão que se encontra na parte inferior da tremonha estar desenroscado e permitir o acesso, sem qualquer limitação, ao senfim. Por outro lado, a Ré empregadora não procedeu à prévia avaliação específica dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores na realização das tarefas que estavam a ser realizadas pelo sinistrado. Com o que sempre ficaria afastada a já mencionada exclusividade.
Termos em que improcede a questão em apreciação.
*
Avançamos, assim, para a 3ª questãoA mora inicia-se apenas em 4/11/2022?
Alega a Apelante que fez a participação eletrónica do acidente no dia 7 de fevereiro do ano de 2020, ou seja, no dia imediato ao da ocorrência, que o auto de tentativa de conciliação na fase conciliatória só foi marcada pelos Serviços do Ministério Público, no dia 1 de julho do ano de 2021, que foi citada para contestar a Ação (metida no dia 17/10/2022), no dia 3 de novembro do ano de 2022. Ora, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir como estatuído sob o n.º 1 do art.º 805º do Cód. Civil. Assim, a fixação da mora deve-se iniciar no dia 4 de novembro de 2022.
Respondeu o Ministério Público que os juros fixados respeitam às indemnizações devidas ao sinistrado pelos períodos de incapacidades temporárias e permanente e resultam do disposto em normas imperativas (art.º 50.º, n.º 1 e 2, da LAT, e 135.º, do CPT).
Compulsada a sentença constatamos que, relativamente à ora Apelada, foi prolatado o seguinte segmento condenatório:
b) Condena a Ré FRUTOGAL – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTARES, LDA., a pagar ao Autor CC:
b1 – a quantia de € 2.206,78 (dois mil e duzentos e seis euros e setenta e oito cêntimos) correspondente ao valor devido a título das incapacidades temporárias desde 07 de Fevereiro a 20 de Outubro de 2020 (236 dias de incapacidade temporária absoluta e 21 dias de incapacidade temporária parcial de 5%);
b2 - no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 101,94 (cento e um euros e noventa e quatro cêntimos), no valor de € 1.390,05 (mil e trezentos e noventa euros e cinco cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 21 de Outubro de 2020 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
b3 – no pagamento do valor de € 1.000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-a do demais pedido.
Decorre daqui que a sentença fez incidir juros moratórios sobre o capital de remição, juros esses devidos desde 21/10/2020.
Foi reconhecida ao A. uma incapacidade permanente parcial, o que tem como consequência, como aliás foi declarado, a condenação numa pensão anual vitalícia que, no caso, deve ser paga sob a forma de capital de remição.
Dispõe o Art.º 50º/2 da Lei 98/2009 de 4/09 que a pensão começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
Esta ocorreu em 20/10/2020.
Nenhuma censura merece, pois, a sentença deste ponto de vista, dada a especial norma em concreto aplicável, norma que afasta a aplicabilidade do disposto no Art.º 805º do CC.
Improcede a questão em apreciação.
*
Debruçar-nos-emos seguidamente sobre a 4ª questãoNulidade da sentença.
Defende a Apelante que nunca o A. redigiu quer na sua petição inicial, quer no seu requerimento do dia 31 de julho do ano de 2024 sob o desígnio de ampliação do pedido, qualquer alusão ao n.º 1 do art.º 18º da Lei n.º 98/2009, do dia 4 de setembro. O Tribunal do Trabalho ao se substituir ao dever do A. de fazer constar do seu petitório a fundamentação de Direito da sua pretensão praticou ato processual que está para além do seu mister de sentenciar e daí a sua nulidade.
Parece, assim, que vem invocada a nulidade da sentença em virtude de não existir nas peças apresentadas pelo A. a referência ao Art.º 18º da Lei 98/2009, tendo-se o Tribunal substituído àquele.
Também aqui não vem invocado o fundamento jurídico em que se baseia a alegada nulidade da sentença.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no Art.º 615º/1 do CPC.
A alegação da Recrte. parece remeter para a alínea d) – conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento.
Ora, compulsada a petição inicial é uma evidência que ali se invoca a violação de regras de segurança por parte da empregadora. Veja-se o Art.º 12º onde são invocadas as normas violadas e o Art.º 26º onde é efetuado reporte ao Art.º 18º e 79º/3 da Lei 98/2009.
Invocação compreendida pela R. conforme se depreende de quanto exarou nos Art.º 35º e ss. da contestação.
E além disso, consignara-se no auto de tentativa de conciliação a discordância da Seguradora exatamente por entender que haviam sido violadas pela Empregadora regras de segurança e invocando-se expressamente o disposto no Art.º 18º/1 da LAT.
Quanto ao requerimento de 31/07/2024, sendo o mesmo apresentado como ampliação do pedido constante da PI não vemos razão para ali dever ser repetida a referência ao Art.º 18º.
Com o que a invocação da questão em análise roça a litigância de má-fé, e improcede.
*
Resta a 5ª questãoNão é admissível a atribuição da quantia de 1.000,00€ a título de danos não patrimoniais?
Funda-se a Apelante na circunstância de a condenação em 1.000,00€ dever improceder, porquanto a articulada ampliação para ser admitida teria que ser o “desenvolvimento do pedido primitivo” como está estatuído no nº 2 do art.º 265º do CPC. Em nenhum momento da PI é feita qualquer referência a uma sequência de factos (ou conceitos) que agora (e só agora) “ex novo” são pela primeira e única vez articulados nesta ampliação. Cabem nesta novidade articulada:
- Angústia no art.º 6º e art.º 14º
- Vivenciava diariamente o acidente, o que o impedia de dormir no art.º 7º
- Tristeza e apreensão quanto ao futuro – Art.º 8º
- Sofrimento psicológico no art.º 9º e 14º
- Desgosto e abalo psicológico – Art.º 17º
- Clausura hospitalar e residencial – Art.º 17º
- Saúde psicológica – Art.º 18º
- Danos lesivos da personalidade e bem estar emocional – art.º 18.
Logo não são admissíveis para a formulada ampliação porque todos eles eram objetivamente suscetíveis de terem sido articulados com a inicial petição mas não o foram. Os agora articulados prejuízos de afirmação pessoal, o quantum doloris e o dano estético porque são individualizáveis pela via processual de indemnização específica não cabem neste pedido de ampliação sob o título de danos não patrimoniais.
Contrapõe o Apelado que na petição inicial oportunamente apresentada, o A. descreveu o acidente, as lesões daí decorrentes e tratamentos efetuados, inclusive submissão a intervenção cirúrgica, e os factos a partir dos quais se pode concluir pela culpa da entidade empregadora. Mais, fez constar que das lesões do acidente resultaram para si «(…) dores, físicas e psicológicas, assim como sequelas físicas, desde logo cicatrizes e dor ao toque das falanges distais de D 3 e D 4, pelo que o A. também reclama ser indemnizado
quanto às mesmas, em importância a fixar na sequência do resultado de perícia médica a efetuar para o efeito.». Terminou peticionando que a R. empregadora fosse condenada a pagar-lhe importância a fixar pelo quantum doloris e dano estético, conforme resultado de perícia a realizar para o efeito.
Por último, nos termos do art.º 467.º, n.º 1, do CPC, requereu a sua submissão a perícia médica do dano civil para definição do quantum doloris e dano estético, formulando os respetivos quesitos. Na sequência do relatório da perícia requerida, o A./recorrido concretizou o seu pedido quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais, indicando na respetiva peça processual que requeria a ampliação do pedido.
Consignou-se na sentença:
Veio ainda o Autor pedir a condenação da Ré entidade patronal pelos danos não patrimoniais decorrentes do acidente ocorrido, porquanto o mesmo foi causado por violação de regras de segurança, nos termos do artigo 18º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro. O pedido já tinha sido formulado em sede de petição inicial, sendo concretizado, quanto ao valor, em € 10.000,00, após o resultado do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível junto de fls. 56 a 59 do Apenso A a estes autos, por requerimento de 31 de Julho de 2024.

O relatório da perícia de avaliação em dano corporal estabeleceu que o quantum doloris do Autor foi de grau 4 e o dano estético no grau 1. Tais danos são relevantes e dignos de tutela jurídica devendo por isso ser indemnizados.
O Autor peticionou a condenação da Ré no valor de € 10.000,00 para compensação destes danos. O Tribunal considera tal valor excessivo, tendo em conta que o dano estético que se mantém no tempo é o mais baixo da escala, o dano funcional está indemnizado em termos da indemnização laboral e o quantum doloris foi estabelecido pouco acima do meio da tabela.
Face ao exposto, considera-se adequado fixar a indemnização no valor de €
1.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos.
Como se vê a indemnização arbitrada teve na sua base apenas o quantum doloris e o dano estético.
Não incidiu sobre qualquer dos danos reportados na alegação e acima transcritos. É, pois, irrelevante a afirmação da Apelante segundo a qual aqueles danos não são admissíveis para a formulada ampliação porque todos eles eram objetivamente suscetíveis de terem sido articulados com a inicial petição mas não o foram.
Resta a indemnização arbitrada pelo quantum doloris e dano estético, relativamente aos quais se afirma que, porque são individualizáveis pela via processual de indemnização específica, não cabem neste pedido de ampliação sob o título de danos não patrimoniais.
Não explica a Apelante o que entende por serem estes danos individualizáveis pela via processual de indemnização específica e, sem explicação plausível não se compreende a afirmação.
Certo é que no pedido inicialmente formulado consta o de condenação no pagamento da importância a fixar pelo quantum doloris e dano estético conforme resultado da perícia a realizar para o efeito.
Bem se compreende, pois, que realizada a perícia, se tivesse apresentado a peça de 31/07/2024 e concretizado o pedido indemnizatório – 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais (quantum doloris e dano estético). Peça que em nada fere quanto se dispõe no Art.º 265º/2 do CPC, pois, traduz o desenvolvimento do pedido inicialmente formulado. No caso, a concretização dele.
Improcede, assim, a questão em apreciação.
*
Não obstante na introdução às conclusões se mencionar, enquanto objeto do recurso, as custas, certo é que nada vem alegado a sustentar uma tal matéria.
Assim, nada mais há a decidir.
***
Em face da improcedência da apelação, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objeto do recurso, incluindo no respeitante à respetiva admissibilidade.
***
Consta a vários passos da fundamentação da sentença que o acidente se deveu a violação de regras de segurança por parte da Empregadora.
Assim, sob a epígrafe “Da violação ou não de regras de segurança” consignou-se:
Ora, no caso concreto, ficou demonstrado que a Ré Empregadora não procedeu a qualquer avaliação de riscos quanto à utilização da máquina utilizada pelo Autor antes da ocorrência do acidente e não deu qualquer formação específica ao Autor em segurança e higiene no trabalho ou formação formal sobre a utilização da máquina em questão, assegurando apenas o que designou por “formação in job”, formação com outros trabalhadores, que por utilizarem práticas incorretas de limpeza da máquina, as transmitiram ao Autor, que as replicou, causando o acidente em análise dos autos.
Face ao exposto, entende-se que o acidente ocorreu porque foram violadas regras de segurança, nomeadamente porque não foi dada a formação adequada pela entidade patronal do Autor, que não assegurou assim as condições de segurança do mesmo no seu local de trabalho, estando assim preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 18º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
Sob a epígrafe “Da indemnização pelas incapacidades sofridas”:
Tendo em conta que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança, o valor das indemnizações deverá ser calculado nos termos do artigo 18º, n.º 4, alíneas a) e c) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, tendo-se ainda em atenção o disposto no artigo 79º, n.º 3 do mesmo diploma, no que concerne à responsabilidade da Ré Seguradora.
Sob a epígrafe “Do pedido pelos danos não patrimoniais”:
Veio ainda o Autor pedir a condenação da Ré entidade patronal pelos danos não patrimoniais decorrentes do acidente ocorrido, porquanto o mesmo foi causado por violação de regras de segurança, nos termos do artigo 18º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
Significa isto que toda a fundamentação vai no sentido de violação de regras de segurança por parte da Entidade Empregadora.
Fundamentação que a Apelante não questionou diretamente.
Recorda-se que o processo na 1ª instância se desenvolveu a partir das teses propostas por ambas as RR. - de um lado, descaracterização do acidente; de outro, violação de regras de segurança, tendo, claramente, o primeiro dos fundamentos sido arredado pela sentença e o segundo, como se vê pela transcrição supra, logrado acolhimento.
Contudo, estranhamente, os valores apurados a título de pensão e indemnizações por IT são os que decorreriam de um acidente meramente fundado no risco, não se descortinando sequer a razão para o valor da pensão constante da condenação da EP e não se tendo tido o cuidado de, no segmento condenatório, consignar a condenação da Seguradora nos termos do disposto no Art.º 79º/3 da LAT.
Que dizer?
Como é sabido estamos em presença de direitos indisponíveis (Art.º 78º da Lei 908/2009), pelo que urge retirar consequências da decisão na parte não impugnada e refazer todos os cálculos tendo como pressuposto a consolidada violação de regras de segurança, bem como fazer refletir na decisão final condenatória as consequências daquela conclusão. Tudo conforme permitido pelo Art.º 74º do CPT.
Foram ouvidas as partes e nenhuma delas se manifestou.
O salário anualmente auferido cifrava-se em 11.326,40€ e a IPP fixou-se em 3%.
Assim, em termos de IPP temos uma pensão anual de 339,79€ a cargo da EP (Art.º 18º/4-c))3, sendo a Seguradora responsável pela pensão anual de 237,85€, sem prejuízo do seu direito de regresso (Art.º 48º/3-c) e 79º/3)4.
Quanto às IT:
a) Incapacidade temporária absoluta de 07 de Fevereiro a 29 de Setembro de 2020, num total de 236 dias: a cargo da EP, a quantia de 7.323,37€ (Art.º 18º/4-c))5; a cargo da Seguradora, a quantia de 5.126,35€ (Art.º 48º/3-d) e 79º/3)6;
b) Um período de incapacidade temporária parcial de 5% de 30 de Setembro a 20 de Outubro de 2020, num total de 21 dias: a cargo da EP, a quantia de 32,58€ (Art.º 18º/4-c))7; a cargo da Seguradora, a quantia de 22,81€ (Art.º 48º/3-e) e 79º/3)8.
<>
As custas da apelação são da responsabilidade da Apelante (Art.º 527º do CPC).
*
***
*
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença nos segmentos decisórios a. e b.3, retificando-se, como sobredito, o lapso de escrita ínsito na alínea d) dos factos não provados.
Custas pela Apelante.
Mais se acorda em, oficiosamente, alterar os segmentos condenatórios b.1 e 2 e c.1 e 2 nos seguintes termos:
1 – Condena-se a R. FRUTOGAL-INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS DE ALIMENTARES, LDA. a pagar ao A.:
a. A título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, a quantia de sete mil trezentos e vinte e três euros e trinta e sete cêntimos (7.323,37€);
b. A título de indemnização por incapacidade temporária parcial, a quantia de trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos (32,58€);
c. A título de pensão por incapacidade permanente parcial, o capital de remição de uma pensão anual vitalícia no valor de trezentos e trinta e nove euros e setenta e nove cêntimos (339,79€) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 21 de Outubro de 2020 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
2. – Condena-se a R. COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, SA. a satisfazer, sem prejuízo do direito de regresso sobre a 1ª, o pagamento das seguintes prestações:
a. A título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, a quantia de cinco mil cento e vinte e seis euros e trinta e cinco cêntimos (5.126,35€);
b. A título de indemnização por incapacidade temporária parcial, a quantia de vinte e dois euros e oitenta e um cêntimos (22,81€);
c. A título de pensão por incapacidade permanente parcial, o capital de remição de uma pensão anual vitalícia no valor de duzentos e trinta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos (237,85€) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 21 de Outubro de 2020 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Notifique.

Lisboa, 18/06/2025
MANUELA FIALHO
LEOPOLDO SOARES
MARIA JOSÉ COSTA PINTO
_______________________________________________________
1. Requisitos desde há muito requeridos. Tal como dito no Ac. do STJ de7/05/2014, Proc.º 39/12.3T4AGD.C1.S1, a descaracterização do acidente de trabalho, prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º da LAT (Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro), exige a verificação de dois requisitos: que o acidente provenha de negligência grosseira do sinistrado e que esta sua conduta seja a causa exclusiva do mesmo.
E o mesmo dissemos no Ac. desta RLx. de 5/12/2018, proferido no âmbito do Proc.º 2799/13.5TTLSB
2. Nesta linha se vindo a decidir. Veja-se o Ac. do STJ 11/02/2015, Proc.º 1301/10.5T4AVR.C1.S1: A “negligência grosseira”, que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo, deve ser apreciada não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta, mas em concreto, em face das condições da própria vítima – segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais.
Neste sentido os Ac. do STJ de 19/11/2014, Proc.177/10.7TTBJA, da RLx. de 17/05/2023, Proc.º 360/12.0TTBGC, 3/05/2023, Proc.º 58/21.9T8CSC.L1-4, 25/05/2022, Proc.º 18905/19.3T8LSB.L1-4. Ou no Ac. desta RLx., de 25/10/2023, Proc.º 336/21.7T8SNT, também subscrito pelo ora 1º Adjunto: Para o conceito de negligência grosseira não basta qualquer atuação violadora do dever de cuidado; a lei exige que o comportamento que lhe subjaz seja particularmente grave, não só por ser elevado o grau de inobservância do dever objetivo de cuidado, como também por ser previsível a verificação do dano.
3. 11.326,40 x 0,03
4. 11.326,40 x 0,70 x 0,03
5. 11.326,40/365 = 31,03 x 236
6. 11.326,40/365 = 31,03 x236 x 0,70
7. 11.326,40/ 365= 31,03 x 21 x 0,05
8. 11.326,40 /365 = 31,03 x 21 x 0,70 x 0,05
9. Da autoria da Relatora