CONTRATO DE TRABALHO
Sumário

1- O regime legal do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço não proíbe que o trabalhador tenha sido contratado em regime de comissão de serviço externa para desempenhar funções de Director Técnico numa empresa que não a contratante, mas através da qual esta desenvolvia a sua actividade em território estrangeiro e detinha 90% do seu capital social.
2- Cessando a comissão de serviço externa sem garantia de permanência, cessa o contrato de trabalho.
3- Omite de modo grave o dever de cooperação a Ré que chama à demanda uma sociedade estrangeira da qual detém 90% do capital social e, sucessivamente, indica moradas que já não correspondem à morada onde pode ser citada, protelando, assim, o andamento normal do processo.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
AA instaurou a presente acção declarativa de condenação contra U.E.M. – UNIDADE DE ESTRUTURAS METÁLICAS, S.A., pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, seja a Ré condenada ao pagamento da quantia global de 40.302,45€, correspondendo: 23.635,00€ a título das quantias que deveriam ter sido pagas a título de retribuição mensal (retribuição base, subsídio de alimentação e complemento de expatriação e de habitação); 1.200,00€ a título das quantias devidas ao Autor pelo seu aumento salarial em Setembro de 2017; 11.515,20€ a título das quantias em dívida anteriores a Julho de 2018; 1.452,25€ a título de impostos acordados; 2.500,00€ a título do subsídio de férias de 2018 não pago; salários vincendos a partir da citação; e juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.
Invocou para tanto, em síntese, que: em Maio de 2016, celebrou com a Ré um contrato de trabalho sem termo, em regime de comissão de serviço com destacamento, para exercer funções de engenheiro e a ter início em 01/06/2016; as funções desempenhadas pelo Autor ao abrigo do referido contrato envolviam o seu destacamento para Angola, para trabalhar junto da empresa angolana NORMETAL – Construção Modelar, Lda; nos termos da cláusula 9.ª do referido contrato ficou estabelecido que a retribuição bruta mensal do Autor seria de 2.500,00€ acrescida de um complemento de expatriação no valor de 27.500,00€ (2.500€ x 11 meses) e do complemento de alimentação no valor de € 11.000,00 (1.000 euros x 11 meses); ainda ficou estabelecido que o Autor teria direito a subsídio de férias e subsídio de Natal no valor de 100% do salário base; igualmente se estabeleceu que o autor poderia ainda receber um ou dois prémios anuais, a título de remuneração variável, nos termos do n.º 5 da cláusula nona do contrato de trabalho e, mais tarde estabeleceu-se ainda que o autor receberia 2.500,00€ para arrendar um imóvel para habitação, dado que era a NORMETAL, por incumbência da Ré que tinha a obrigação de lhe facultar um imóvel e não tinha nenhum disponível para o efeito, conforme consta do contrato assinado com a NORMETAL para efeitos de obtenção de visto em Angola; a partir de Setembro de 2016 até à presente data, a quantia de 2.500,00€ passou a ser transferida juntamente com o salário, no valor de 1.878,42€; a NORMETAL é uma sociedade cujo capital é inteiramente pertencente ou controlado pela Ré respondendo os respetivos gerentes ao mesmo Senhor BB; em Setembro de 2017 o Autor teve um aumento na sua retribuição mensal de 400,00€ e, independentemente da presença ou não do Autor em Angola, sempre lhe foi paga a quantia de 7.478,42€ mensais até ao aumento salarial de 400€, quantias que integram a sua retribuição mensal; em 18 de Julho de 2018 foi instaurado um processo disciplinar com intenção de despedimento ao Autor, do qual este foi informado, mediante entrega de carta datada do dia seguinte, 19 de Julho de 2018, na qual o Autor foi também informado que seria suspenso preventivamente durante o processo disciplinar, sem perda de retribuição; porém, a partir de Julho de 2018, durante a pendência do processo disciplinar, a Ré deixou de pagar a retribuição mensal ao Autor; em 4 de Setembro de 2018, o Autor apresentou uma carta solicitando o pagamento das quantias de Julho e Agosto de 2018 em dívida, bem como as quantias em dívida antes de Julho de 2018, carta que foi ignorada pela Ré; a relação laboral entre o Autor e a Ré persiste, não tendo havido conclusão do procedimento disciplinar; ficaram por pagar as retribuições respeitantes aos meses de Julho a Setembro de 2018, bem como as referidas quantias atrasadas; a entidade responsável pelo pagamento das retribuições ao Autor. era a Ré e não a empresa NORMETAL – Construção Modelar, Lda., apesar de ter sido esta que fazia o respetivo pagamento nos termos do contrato celebrado entre o Autor e a Ré.; o comportamento da Ré insere-se numa actuação de retaliação e de coacção contra o Autor, que abrangeu outros dois trabalhadores da empresa que eram mais próximos de um sócio da Ré com quem o sócio maioritário se incompatibilizou em Julho e que também ficaram sem receber o salário por ordem do Senhor BB; a partir do momento em que o Director Geral em Portugal comprou uma empresa que detém uma quota minoritária da U.E.M., o accionista maioritário o Sr. BB iniciou uma perseguição pessoal a este e também ao Autor uma vez que este foi contratado por aquele, tendo deixado de pagar o salário e instaurado um processo disciplinar com motivos falsos no dia 18 de Julho, o qual, apesar de decorridos mais de 30 dias após a resposta à nota de culpa, ainda não teve qualquer decisão; o Autor encontra-se numa situação financeira particularmente fragilizada, uma vez que em Junho de 2018 foi pai pelo que, considerando as preocupações e os custos que tal responsabilidade acarreta, o pagamento da sua retribuição é absolutamente necessário e urgente para a subsistência do seu lar familiar; e a Ré incumpriu o contrato, pelo que o Autor tem o direito de receber do Réu o valor das retribuições não pagas que reclama.
Realizou-se a audiência de partes não tendo sido obtida a conciliação.
A Ré contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a compensação de créditos e ainda impugnou os factos alegados pelo Autor, concluindo que nada lhe é devido por parte da Ré e que o que conhece são as condições do contrato que contratou com o Autor, sendo que apenas com a citação para a presente acção teve conhecimento da existência de outros documentos, com renegociações das condições estipuladas, documentos esses cuja autenticidade desconhece pelo que os impugna, que face à descoberta destes documentos e tendo sido detectadas uma série de irregularidades praticadas pelo Autor, foi elaborado um Relatório denominado “Contas Pessoais do Sr. AA com Normetal – Construção Modelar, Lda. Angola”, o qual teve em vista aferir das irregularidades detectadas pela entidade empregadora nos valores recebidos pelo Autor ao longo do vínculo laboral que este mantém com a UEM, SA e também com a Normetal Angola; conforme contratualizado, o Autor tinha direito a uma remuneração anual bruta de € 35.000,00, complementos de expatriação de € 27.500,00 e alimentação de € 11.000,00 e ainda a possibilidade de recebimento de um ou dois prémios anuais, a título de retribuição variável os quais poderiam ascender até € 14.000,00; em nenhum dos exercícios em que o Autor prestou trabalho à Normetal Angola, foi aprovado ou autorizado qualquer tipo de pagamento de bónus ou pagamento extra, pelo que qualquer pagamento/recebimento a este título nunca lhe seria devido; de acordo com o Relatório de Contas Pessoais, no decorrer do corrente ano, foram detectadas inúmeras irregularidades nos valores recebidos pelo Autor, em 2016, 2017 e 2018, seja a título de transferências com denominação de salários, transferências com outras denominações não justificadas ou compreensíveis, ou saídas de caixa por parte deste, tendo o Autor recebido em excesso, e sem qualquer tipo de justificação ou autorização, as quantias de € 18.366,00 em 2016, € 29.599,00 em 2017 e €65.539,00 em 2018, no total de €113.504,00; todas as transferências foram promovidas e autorizadas pelo Sr. Eng. CC, na qualidade de Director Geral da UEM – Unidade de Estruturas Metálicas, SA e Responsável pela operação angolana, a quem o Autor directamente reportava, não dizendo estas respeito aos valores contratualizados no contrato firmado entre a Ré (assinado pelo seu legal representante BB) e o Autor em 1 de Junho de 2016; os outros dois documentos de natureza laboral (contrato e adenda do próprio Autor com a Normetal Angola terão sido aparentemente assinados entre o Sr. Eng. CC (sem poderes para onerar a sociedade) e o Autor, em 1 de Junho de 2016 e 11 de Julho de 2016 respetivamente, sendo estes completamente desconhecidos por quem de direito, isto é, por quem detinha poderes para contratar, autorizar e aprovar aumentos salariais ou quaisquer tipo de promoções; tal contrato entre a Normetal Angola e adenda ao mesmo (com data de 11 de Julho de 2016, ou seja, um mês e 11 dias depois da celebração do único contrato assinado validamente com a UEM, SA), não foram assinados pelo Presidente do Conselho de Administração, mas apenas pelo Sr. Engenheiro CC, e curiosamente conferiam um acréscimo retributivo ao Autor, acréscimo esse que não foi autorizado sob forma alguma pelo Presidente do Conselho de Administração; ambos os documentos apenas e só foram assinados pelo Sr. Engenheiro CC que é trabalhador da empresa, e o era também à data da putativa celebração dos mesmos, ou seja, um contrato novo e uma adenda celebrada entre dois trabalhadores; tendo-se a Ré apercebido da existência das irregularidades supra referidas esta não liquidou os vencimentos dos meses de Julho a Setembro de 2018, no valor total de € 6.349,66, valor esse que reconhece como devido para todos os efeitos legais mas que deve ser compensado com o crédito da Ré no valor de € 113.504,00; para além das condições primitivamente definidas e com respaldo no contrato de trabalho celebrado entre as Partes, a Ré não acordou, com o Autor, quaisquer outras condicionantes, desconhecendo o complemento para habitação referido pelo Autor e o alegado aumento salarial, nunca tendo a Ré dado o seu aval a qualquer subida de vencimento; o Sr. Eng. CC não é, nem nunca foi Legal Representante da Ré nem tinha poderes para celebrar contratos com o Autor.
A Ré ainda deduziu reconvenção que fundamentou na alegação de o Autor ter recebido a mais a quantia total líquida de € 113.504,00, durante os 25 meses em que prestou trabalho, ao qual deve ser compensado o valor que a Ré reconhece ser devido no total de € 6.349,66, do que resulta a favor da Ré um crédito no valor de € 107.154,34. Mais alegou a Ré que o Autor bem sabia que as quantias que recebeu não foram contratualizadas directamente com a sua entidade empregadora mas sim com outro trabalhador, que não tinha poderes para representar a sociedade; o Legal Representante da Ré, não tinha conhecimento nem autorizou, expressa ou tacitamente, qualquer alteração ao contrato inicial, tendo sido todas as alterações feitas totalmente à sua revelia; o Autor sabia e tinha o dever de saber que o Sr. Eng. CC não tinha poderes para lhe apresentar qualquer renegociação da proposta inicial, pois não foi este que firmou consigo o seu contrato de trabalho; e a Ré não pode ser responsabilizada por dois trabalhadores terem decidido proceder, unilateralmente, a alterações contratuais que oneram substancialmente o património desta, o Autor actuou de forma abusiva, tendo aceite, conscientemente as transferências que lhe foram erradamente efectuadas, pelo que, não tendo direito às mesmas e sob pena de tal configurar uma situação de enriquecimento sem causa, deve proceder à restituição das mesmas.
Finalizou pedindo que a excepção peremptória seja julgada procedente por provada, absolvendo-se a Ré parcialmente do pedido ou, caso assim não se entenda:
b) A presente acção seja julgada parcialmente improcedente por não provada, absolvendo-se a Ré da instância;
c) O pedido reconvencional seja admitido e, em consequência, se declare que o Autor deve à Ré a quantia total de € 107.154,34.
O Autor respondeu concluindo que não deve quaisquer quantias à Ré, pelo que não deve proceder a compensação e que deve improceder o pedido reconvencional não só por atentar contra a verdade, como ainda por se traduzir numa pura emanação de deliberada e evidente má fé, devendo a Ré ser condenada como litigante de má fé em multa a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal e em indemnização ao Autor a fixar, a final, em montante não inferior aos honorários dos seus mandatários, conforme nota a apresentar a final.
Por despacho de 18.02.2019, foram considerados como não escritos os artigos 26.º a 43º da resposta apresentada pelo Autor.
E foi a Ré UEM notificada para se pronunciar sobre a condenação como litigante de má fé.
A Ré não se pronunciou.
A reconvenção foi admitida liminarmente.
Foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e absteve-se o Tribunal a quo de enunciar os temas da prova.
Foi fixado à presente causa o valor de € 147.456,79.
Posteriormente à propositura da presente acção (18.10.2018), em 31.12.2018 o Autor instaurou acção (Processo n.º 2/19.3T8BRR) contra a ré UEM - Unidade de Estruturas Metálicas, S.A. e contra MCG Metal Construction Group, Ld.ª, pedindo a condenação das Rés no seguinte:
1. Pagar ao a. os salários vencidos e vincendos que este deixou de auferir desde a data da cessação ilícita do seu contrato de trabalho, ou seja 24/12/2018, até à data da sua efectiva reintegração; 2. Pagar ao a. a quantia de 32.268,15€ (trinta e dois mil duzentos e sessenta e oito euros e quinze cêntimos) a título do IRT que deveria ter sido suportado pela r. e que esta não pagou; 3. Pagar ao a. a quantia de 13.090,00€ (treze mil e noventa euros) a título de prémios não pagos em 2018; 4. Pagar ao a. a quantia de 1.342,28€ (mil trezentos e quarenta e dois euros e vinte e oito cêntimos) a correspondente ao número mínimo anual de horas de formação profissional que não lhe foram proporcionadas (35 horas); 5.Pagar ao a. a quantia de 5.982,74€ (cinco mil novecentos e oitenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de férias não gozadas no ano de 2018 (24 dias); 6. Pagar ao a. a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos) a título de subsídio de Natal de 2018; 7. Pagar a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros) a título de despesas que o a. suportará com a viagem que terá de realizar a Angola para levantar os seus pertences; 8. Assegurar a reintegração do a. na r. com contrato de trabalho sem termo; 9. Alternativamente à reintegração, em escolha que relegou para final, a r. deverá indemnizar o a. nos termos do artigo 392.º do cód. do trab. pelo despedimento ilícito do a.; 10. Pagar ao a. a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais causados ao a. pela cessação ilícita do seu contrato de trabalho, nos termos dos artigos 483.º do cód. civ., 389.º, n.º 1, al. a), 28º e 29º do cód. do trab.;11. Juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento;
Ou, subsidiariamente, caso se julgue a cedência ocasional de trabalhador e/ou o contrato de comissão de serviço lícitos: 12. Julgar a denúncia da comissão de serviço ilegal, procedendo ao pagamento das quantias que este teria direito a receber caso não tivesse ocorrido a cessação do seu contrato de trabalho, desde o momento da efetiva cessação (24 de dezembro de 2018) até ao termo do prazo de um ano que decorre do contrato, ou seja, em 31 de maio de 2019, na quantia global de 58.302,69 € (cinquenta e oito mil trezentos e dois euros e sessenta e nove cêntimos), a que correspondem :a) 39.392,10€ (trinta e nove mil trezentos e noventa e dois euros e dez cêntimos) a título das quantias que deveriam ser pagas a título de retribuição mensal (inclui a retribuição base, subsídio de alimentação e complemento de expatriação e de habitação); b) 5.200,15€ (cinco mil e duzentos euros e quinze cêntimos) a título de IRT acordados e não pagos; c) 3.116,01€ (três mil cento e dezasseis euros e um cêntimo) a título de proporcional de subsídio de natal; d) 3.116,01€ (três mil cento e dezasseis euros e um cêntimo) a título de proporcional de subsídio de férias; e) 3.116,01€ (três mil cento e dezasseis euros e um cêntimo) a título de proporcional de férias; f)7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros, e quarenta e dois cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2019 e não gozadas. 13. Pagar ao a. a compensação resultante da aplicação do artigo 366.º do cód. do trab. ex vi da regulamentação da extinção do contrato de trabalho; 14. Pagar ao a. a quantia de 32.268,15€ (trinta e dois mil duzentos e sessenta e oito euros e quinze cêntimos) a título do IRT que deveria ter sido suportado pela r. e que esta não pagou; 15. Pagar ao a. a quantia de 13.090,00€ (treze mil e noventa euros) a título de prémios não pagos durante a execução do contrato de trabalho; 16. Pagar ao a. a quantia de 1.342,28€ (mil trezentos e quarenta e dois euros e vinte e oito cêntimos) a correspondente ao número mínimo anual de horas de formação profissional que não lhe foram proporcionadas (35 horas). 17. Pagar ao a. a quantia de 5.982,74€ (cinco mil novecentos e oitenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de férias não gozadas no ano de 2018 (24 dias); 18. Pagar ao a. a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos) a título de subsídio de Natal de 2018 vencido em 15/12/2018; 19. Pagar a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros) a título de despesas que o a. suportará com a viagem que terá de realizar a Angola para levantar os seus pertences; 20. Pagar ao a. a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais causados ao a. nos termos dos artigos 483.º do cód. civil e 28º e 29º do cód. trab.; 21. Juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.
Invocou para tanto, em síntese, o seguinte:
Em Maio de 2016, o r. contratou o a. para exercer as funções inerentes à categoria de Engenheiro em Angola, funções que envolviam a prestação de trabalho em Angola, para a empresa NORMETAL – Construção Modelar, Lda; contudo, para além do exercício de funções em Angola, o a. também prestava serviços em Portugal, sendo que ainda em Junho e Julho de 2018 foi representante da r. no projeto da construção de instalações para a empresa “St. Dominic’s Internacional School” e também estabeleceu contacto com outras empresas e projectos em Portugal, entre eles, os contactos realizados para eventual obra a desenvolver para o festival “Regata de Portugal”; a referida empresa angolana NORMETAL – Construção Modelar, Lda. (“NORMETAL”) é uma sociedade angolana cujo capital é inteiramente pertencente ou controlado pela r.; nos termos da cl. décima segunda do contrato junto como doc. 1, o a. foi contratado pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos sucessivos mínimos de 1 ano, com início a 1 de junho de 2016; o prazo estipulado correspondia à duração do exercício de funções ao abrigo de uma comissão de serviço que foi o tipo de contrato que a r. elegeu para revestir a contratação do a. sob suas ordens e direção, mas sobretudo para prestar serviços a outra empresa, a afiliada em Angola NORMETAL; em Julho de 2018, a partir do momento em que o Diretor Geral em Portugal comprou uma empresa que detém uma substancial quota da r., o acionista maioritário, Senhor BB, sentiu-se ameaçado e iniciou uma perseguição pessoal a este diretor bem como ao a. (talvez por este ter sido contratado por aquele director), tendo o Sr. BB deixado de lhe pagar o salário e instaurado um processo disciplinar, no dia seguinte, com motivos falsos; a instauração de processo disciplinar com intenção de despedimento contra o a. verificou-se em 19 de Julho de 2018, tendo o a. sido disso informado mediante a entrega de carta datada do mesmo dia; nesta carta o a. foi também informado de que durante o decorrer do processo disciplinar este seria suspenso preventivamente, sem perda de retribuição; porém, a partir de Julho de 2018, durante a pendência do processo disciplinar, a r. deixou de pagar a retribuição mensal ao a., bem como os demais créditos a que estava adstrita, para o que o Autor já instaurou uma acção, sob o n.º 3029/18.9T8BRR. onde reclama tais créditos, litigando a Ré com má-fé; o contrato de trabalho de comissão de serviço celebrado entre a. e r. destinou-se a que o trabalhador viesse desempenhar as funções de direcção junto de uma terceira empresa, o que viola a lei e mesmo que tal exercício de funções para terceiros ao abrigo de comissão de serviço fosse admitido por lei, sempre teria de ter por base um contrato de trabalho sem termo e não um contrato de trabalho sob condição resolutiva como foi o caso, uma vez que tal raciocínio assentaria no paradigma em que a cedência ocasional só é permitida ao abrigo de contratos sem termo; dada a relação de fidúcia existente nesta modalidade contratual, o presente regime exige que se destine a contratos nos quais sejam exercidas funções como cargo de administração ou equivalente, direção ou chefia, diretamente dependente da administração ou de diretor-geral, ao abrigo do art.º 161.º do cód. do trabalho e a verdade é que, na cláusula primeira do contrato constante do doc. 1 o a. foi contratado para exercer junto da r. as funções inerentes à categoria profissional de mero engenheiro e só junto da entidade cessionária é que ficou adstrito a desenvolver funções de director geral, típicas da comissão de serviço, pelo que deve ser considerado ilícito o contrato de comissão de serviço por o mesmo ter sido celebrado fora das condições excepcionais em que é admitido, considerando-se que o trabalhador está vinculado à r. por contrato sem termo; E só pode haver cedência ocasional de um trabalhador caso o mesmo esteja vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo, o que no presente caso não sucedeu; assim, uma vez que a r. fez a cedência ocasional do trabalhador, a mesma não podia mantê-lo contratado ao abrigo de uma precária comissão de serviço, estando obrigada a ter o trabalhador nos seus quadros; assim, se for entendido que a comissão de serviço não é ilícita, a contratação e o efectivo exercício da cedência ocasional do r. fez caducar a comissão de serviço por ser legalmente incompatível com um contrato que não seja o contrato sem termo; sendo o recurso ilícito à cedência ocasional tal confere ao trabalhador cedido o direito de optar pela permanência ao serviço do cessionário em alternativa a permanecer na cedente, sendo que, neste caso, a opção do Autor será a de permanecer na cedente, onde aliás prestou serviços da categoria de engenheiro para a qual foi contratado; em 23/10/2018, o a. recebeu uma carta registada com AR da r. comunicando-lhe a denúncia da comissão de serviço e, consequentemente, a cessação do seu contrato de trabalho com a r.; caso não se considere inválida a comissão de serviço por falta de pressupostos legais e caso não se considere esse tipo de contrato prejudicado pela cedência ocasional do trabalhador que obriga a que o contrato do a. seja sem termo, sempre deverá a denúncia ser considerada ilícita por não respeitar sequer os termos do contrato que pretende extinguir; caso seja decidido que a comissão de serviço foi realizada de forma lícita, tendo a r. denunciado o contrato de comissão de serviço sem aguardar o seu termo de um ano, está obrigada a pagar ao a. a remuneração a que este tem direito até ao final do período contratado, ou seja, até 23 de Maio de 2019; o a. geriu a sua vida em Angola e assumiu responsabilidades tendo sempre em consideração os períodos de um ano fixados no seu contrato; Angola é um país com um nível de vida muito caro, tendo a cidade de Luanda sido classificada em 2017 como a cidade mais cara do mundo, ocupando em 2018 a sexta posição no ranking; com vista a execução das suas funções na NORMETAL o a. arrendou uma casa em Angola por períodos de um ano, exactamente coincidentes com o contrato de comissão de serviço; era a NORMETAL, por incumbência da r., que tinha a obrigação de lhe facultar um imóvel, como consta da cláusula nona do contrato de trabalho; contudo, não tendo nenhum imóvel disponível para o efeito, ficou estabelecido que o a. receberia USD 2.500,00$ para arrendar um imóvel para habitação; as despesas do condomínio também eram suportadas pelo a., pelo que em 27 de Novembro de 2018 foram pagas algumas prestações na quantia total de 417.815,00 Akz, correspondendo este valor a 1.184,35€ sendo, porém, a prestação mensal do condomínio no montante de 83.563,00 Akz, correspondendo este a 237,02€; na eventualidade de a comissão de serviço não ser ilícita, caso decidisse fazer cessar a comissão de serviço com o a., deveria a r. ter tido o prazo de um ano sempre em conta, respeitando-o até ao seu termo, ou seja, até 31 de Maio de 2019; a contratação do a. compreendeu uma comissão de serviço ilícita por violação do artigo 161.º do cód. do trab., tendo sido também realizado um recurso ilícito à cedência ocasional de trabalhador nos temos dos artigos 289.º, n.º 1, al. a) e 292.º do cód do trab., radicando essa ilegalidade na nulidade do contrato de comissão de serviço e permanência do a. ao serviço da r.; o a. foi suspenso desde 19 de Julho de 2018 a 24 de Dezembro de 2018; da consulta do processo disciplinar realizada em 12/11/2018 percepcionou o Autor que o mesmo havia já caducado em resultado da declaração de que se encontrava em instrução, não tendo havido qualquer requerimento de prova por parte do trabalhador; tal caducidade (não invocada) foi o normal “deixar cair” de um processo disciplinar que teve uma forte defesa apresentada pelo a., o qual evidenciou ter provas para, sem margem para dúvidas, demonstrar a falsidade da acusação e das imputações que lhe foram feitas; na impossibilidade de despedir disciplinarmente, surge então o presente despedimento, baseado na ilícita utilização da comissão de serviço; o despedimento objecto da presente ação é o resultado do insucesso do processo disciplinar e o culminar de uma perseguição que o Senhor BB e a r. têm vindo a fazer ao a. desde Julho de 2018; a falta de pagamento das retribuições ao a. a partir de Julho de 2018 causou-lhe grandes dificuldades, já que foi pai nessa altura e é a sua cônjuge que, ainda em recuperação e a muito custo, suportou as despesas da família; com a cessação do contrato de trabalho foi também retirado ao a. o automóvel que lhe tinha sido fornecido pela empresa para deslocações e necessidades pessoais; o a. e a sua família têm vivido momentos bastante conturbados, vivendo permanentemente um estado de angústia face à súbita suspensão e à consequente denúncia ilegal a que foi o a. sujeito, tendo toda esta factualidade afetado a saúde e o bem-estar dos seus familiares mais próximos; além dos prejuízos já invocados e da difícil vivência diária do a., estando presentemente sem emprego e sem rendimento, ainda que este quisesse voltar ao trabalho tal verificar-se-ia bastante complicado, já que qualquer potencial entidade empregadora que entre em contacto com a r. para solicitar informações sobre o a. terá informações que o prejudicam e descredibilizam; todos estes comportamentos prosseguidos pela r. traduzem-se numa perseguição ao a., que ao acusar o a. de tais factos falsos causam um constante sentimento de angústia e de ansiedade no a., sendo esta uma situação insustentável o a. está há seis meses sem receber qualquer retribuição da empresa; o a. foi suspenso supostamente sem perda de retribuição, conforme foi afirmado pela r. na respetiva carta, mas a verdade é que não lhe pagaram mais nada; o dia da suposta cessação do contrato de trabalho chegou e, mais uma vez contrariamente ao que a r. afirmou, não foi paga ao a. qualquer quantia, sendo evidente que a r.. quer pôr o a. numa situação de miséria; tudo isto vai mantendo o a. numa situação de perturbação e sofrimento atrozes, fazendo-o temer pelo seu futuro profissional e pelo sustento da sua família; o a. é um jovem engenheiro promissor, cuja reputação fica ferida e marcada pela ação deliberada e voluntária da r. e da sua administração; embora todas as imputações que lhe são feitas sejam falsas, a verdade é que o seu despedimento ilícito vai ficar a marcar o seu percurso profissional e ao despedir ilicitamente o a., a r. está a dar origem a falatório e a suspeitas sobre a competência e idoneidade do mesmo; a perseguição feita ao a. passou por a r. ter insinuado que aquele se tinha apropriado de um computador e do telemóvel da empresa, que afinal eram seus, circunstâncias que fazem sofrer o a., que assim vive angustiado e com dificuldade em dormir, tendo inclusivamente desenvolvido sintomas de stress e de ansiedade, obrigando o a. a ser acompanhado por profissionais; as práticas da Ré contra o Autor constituem assédio, o que confere ao Autor o direito de ser indemnizado; se não fosse o comportamento ilícito da r., o a. teria prosseguido a sua atividade profissional e teria recebido o seu prémio normalmente, pelo que o recebimento desse prémio constitui um direito do a.; relativamente ao pagamento dos impostos, IRT e outros, conforme consta da cláusula primeira da adenda ao contrato celebrada em 11/07/2016, estas quantias deveriam ser suportadas pela r.; durante a execução do contrato do a., a r. nunca lhe assegurou qualquer formação profissional, pelo que deverá a r. pagar-lhe 1.342,2 correspondente ao número mínimo anual de 35 horas de formação que não lhe foram proporcionadas em 2018; a partir do mês de setembro de 2016, a quantia de 2.500,00$ respeitante ao arrendamento do imóvel, no valor de 1.878,42€ líquidos passou a ser transferida juntamente com a retribuição mensal do a.; independentemente da presença ou não do a. em Angola, sempre lhe foi paga a quantia de 7.478,42€ mensais até ao aumento salarial de 400,00€; durante os períodos de férias em Portugal que tiveram lugar em Junho, Julho e Dezembro de 2017 e Março de 2018, o a. continuou a receber a quantia de 7.478,42€ por mês, não obstante parte desta quantia estar contratualmente afecta a complementos de expatriação e de alimentação, a qual integra a sua retribuição; a entidade MCG METAL CONSTRUCTION GROUP, LDA., ora 2.ª r., é solidariamente responsável pelos créditos e demais quantias em dívida ao a., dada a relação de grupo existente entre esta e a outra r., nos termos do artigo 334.º do cód. do trab.
Realizada a audiência de partes no apenso, também não foi possível a conciliação.
A ré MCG – Metal Construction Group, Lda contestou por excepção invocando a incompetência territorial do tribunal, a caducidade do pedido, o erro na forma do processo, a existência de causa prejudicial e a sua ilegitimidade relativamente a parte do pedido. Mais impugnou os factos alegados pelo Autor sustentando a licitude da denúncia da Comissão de Serviço, que o “complemento de expatriação e de alimentação” não integram a retribuição do Autor, que as Rés são sociedades jurídicas distintas e que o Autor litiga com má fé.
A Ré UEM - Unidade de Estruturas Metálicas, S.A também contestou a acção impugnando os pedidos deduzidos pelo Autor, bem como excepcionou a eventual incompetência absoluta do Tribunal e requereu a apensação das acções.
Finalizou pedindo que:
a) Seja julgado válido o contrato de comissão de serviço celebrado entre A. e 1.ª Ré;
b) Seja julgada válida e regular a cessação da referida comissão de serviço;
c) A presente ação seja julgada parcialmente improcedente por não provada, condenando-se a 1.ª Ré no pagamento das quantias que aquela expressamente aceita, absolvendo-a dos restantes pedidos;
d) Seja aceite a intervenção principal provocada da sociedade Normetal – Construção Modelar Lda., citando-a e chamando-a para a presente ação, para deduzir articulado próprio ou associar-se ao presente articulado;
e) Seja pedida a apensação da acção que corre termos no J1 do Tribunal do Trabalho do Barreiro sob o n.º 3029/18.9T8BRR;
f) Seja declarada a responsabilidade solidária da empresa Soltarlógica Lda.
O Autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções, do pedido de condenação como litigante de má fé e opondo-se ao pedido de chamamento à demanda da Normetal Angola.
Por despacho de 10.09.2019 foi determinada a apensação da acção n.º 2/19.3T8BRR à presente acção e considerou-se prejudicada a excepção suscitada pela Ré MCG Metal Construction Group Lda relativamente à existência de causa prejudicial.
Foi admitida a intervenção acessória da sociedade Normetal- Construção Modelar, Ld.ª, tendo sido indeferida a intervenção da Soltarlógica, Ld.ª.
Em face da impossibilidade da citação da interveniente acessória, Normetal – Construção Modelar Lda, o Autor requereu que o incidente fosse declarado findo, bem como requereu o prosseguimento da causa principal nos termos do artigo 324.º do CPC, o que foi deferido.
Na sequência da apensação a estes autos do processo que correu termos com o n.º 2/19.3T8BRR foi proferido novo despacho saneador que julgou improcedentes as excepções da incompetência territorial, da caducidade do pedido e do erro na forma do processo deduzidas pela Ré MCG, bem como julgou improcedentes as excepções da incompetência absoluta do Tribunal por preterição do Tribunal Arbitral e da ilegitimidade suscitadas pela Ré UEM-Unidade de Estruturas Metálicas, S.A..
Face à apensação de acções foi reconfigurado o objecto do litígio e considerou-se que os temas da prova são constituídos pela factualidade relativa a cada um dos objectos identificados.
Foi junto aos autos anúncio de Processo Especial de Revitalização (PER) da Ré UEM- Unidade de Estruturas Metálicas, S.A., notificado o respectivo Administrador Judicial Provisório da pendência da presente acção e suspendeu-se a instância nos termos do artigo 17.º-E do CIRE quanto à referida Ré.
Mais foi determinado que, face à conexão das pretensões deduzidas na presente acção, os autos ficassem a aguardar o período de suspensão, ao que se opôs o Autor, invocando não se verificarem os pressupostos para a suspensão.
Posteriormente, o Autor, invocando ter decorrido o prazo de suspensão, veio requerer o prosseguimento dos autos, tendo sido designada data para a audiência final.
Procedeu-se a julgamento, as partes alegaram de direito por escrito, o Autor optou pela indemnização, em vez da reintegração e requereu a junção de documentos aos autos.
Em 06.06.2024 foi proferido despacho que indeferiu o requerimento do Autor para junção de documentos.
Na mesma data foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, o Tribunal decide:
a) Julgar parcialmente procedente a ação, condenando-se a ré UEM a pagar ao autor os seguintes valores:
- € 14.500,00, relativos a remuneração base não paga entre julho e 24 de dezembro de 2018;
- € 5.800,00, relativos a subsídio de alimentação não pago entre julho e 24 de dezembro de 2018;
- € 13.090,00 relativos a prémio que o autor, por força da cessação do contrato de trabalho, perdeu a possibilidade de receber;
- € 4.917,80 a título de proporcionais do subsídio de férias e do subsídio de Natal relativos a 2018;
- € 13.344,06, relativos ao complemento de habitação;
- A título de indemnização a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 164.º do Código do Trabalho, o valor de € 2.566,64;
- A título de horas de formação em dívida (35 horas), o valor de € 546,88.
b) Julgar, no mais, improcedente a ação e em consequência absolver a ré dos pedidos deduzidos pelo autor.
c) Absolver a ré MCG Metal Construction Groupe dos pedidos deduzidos pelo autor.
d) Absolver o autor do pedido reconvencional deduzido pela ré UEM.
e) Absolver ambas as partes dos pedidos de condenação por litigância de má fé deduzidos.
Aos valores em que a ré UEM é condenada acrescem juros, conforme peticionado pelo autor (desde a data da última citação até integral pagamento).
Custas relativas à ação pelo autor e pela ré UEM, na proporção do decaimento.
Custas do pedido reconvencional pela ré UEM.
Valor da ação: € 132.464,04.
Valor do pedido reconvencional: € 107.154,34.
Registe e notifique.”
Inconformado com a sentença, o Autor recorreu e formulou as seguintes conclusões:
(…)
Não consta do processo que a Recorrida UEM contra-alegou.
A Ré UEM – UNIDADE DE ESTRUTURAS METÁLICAS, SA, também recorreu da sentença e apresentou as seguintes conclusões:
(…)
O Autor contra-alegou e, sem formular conclusões, pugnou pela improcedência do recurso da Ré e condenação da mesma como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Foi proferido despacho que admitiu ambos os recursos.
Subidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, a Relatora determinou o cumprimento do disposto no artigo 655.º do CPC por se lhe afigurar a possibilidade de o recurso interposto do despacho proferido na audiência de julgamento, que não admitiu a junção de documentos requerida pelo Autor, ser extemporâneo.
O Autor pronunciou-se nos termos do requerimento de 25.11.2024 concluindo pela tempestividade do recurso em causa.
Em 16.12.2024 a Relatora proferiu decisão a não admitir o recurso do despacho que indeferiu a junção de documentos.
O Autor não requereu que sobre a decisão singular recaísse Acórdão.
Por lapso da Secção, os autos baixaram a título definitivo ao Tribunal de 1.ª instância, tendo, após despacho do Mmº Juiz a quo, subido novamente a este Tribunal.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que apenas o recurso do Autor, merece parcial provimento.
O Autor respondeu ao Parecer reafirmando dever ser dado provimento ao recurso que interpôs.
Colhidos que foram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, foram submetidas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
Recurso do Autor:
1.ª Da impugnação da matéria de facto
2.ª-Da ilicitude da comissão de serviço celebrada entre o Recorrente e a UEM-Unidade de Estruturas Metálicas, S.A. devendo aquele ser considerado trabalhador efectivo desta.
3.ª Da existência de uma cedência ocasional de trabalhador ilícita, sendo o Autor trabalhador efectivo da Recorrida UEM.
4.ª Se a denúncia da comissão de serviço é ilícita com a consequente ilicitude da cessação do contrato de trabalho e se, concluindo-se pela licitude da denúncia da comissão de serviço, o contrato de trabalho sempre se manteria até ao seu termo, devendo a Recorrida UEM ser condenada a pagar ao Autor as quantias devidas até ao termo do contrato de trabalho, ou seja, até 23 de Maio de 2019.
5.ª Se o Autor foi vítima de assédio moral por parte da Ré UEM.
6.ª Se são devidas ao Autor as indemnizações que peticiona a título de danos não patrimoniais.
7.ª Se a Recorrida UEM é responsável pelo pagamento de todas as componentes salariais do Recorrente inclusivamente as negociadas com o Director Geral da Recorrida, Eng. CC e com a Normetal -Construção Modelar, Lda.
8.ª- Se a UEM deveria ter sido condenada a pagar ao Autor os valores relativos aos impostos IRT.
9.ª Se a Ré UEM deveria ter sido condenada a pagar ao Recorrente a totalidade das quantias peticionadas a título de formação profissional.
10.ª Se a Ré UEM deveria ter sido condenada a pagar ao Recorrente o montante de (i) €2.500,00 a título de subsídio de férias de 2018, (ii) €5.982,74 a título de férias não gozadas em 2018 e (iii) €7.478,42 a título de subsídio de Natal de 2018.
11.ª- Se o Tribunal a quo errou ao considerar que a Ré MCG não é solidariamente responsável pelas quantias peticionadas pelo Autor.
12ª- Se a Recorrida UEM litigou com má fé devendo ser condenada em multa e em indemnização não inferior a €100.000,00.
Recurso da Ré UEM-Unidade de Estruturas Metálicas, S.A:
1.ª- Da nulidade da sentença.
2.ª Da impugnação da matéria de facto.
3.ª Se entre Julho e 24 de Dezembro de 2018 não são devidos ao Autor os subsídios de alimentação e de expatriação.
4ª- Se não é devido ao Autor o prémio fixado na sentença.
5.ª Se não é devido ao Autor o complemento de habitação, que este nem solicitou e a ser, a responsabilidade pelo pagamento do mesmo é da Normetal
Fundamentação de facto
A sentença considerou provada a seguinte factualidade:
1.Em maio de 2016, o a. celebrou com a r. um contrato de trabalho sem termo, em regime de comissão de serviço com destacamento, para exercer funções de engenheiro e a ter início em 01/06/2016, assinado pelo autor e por BB, com o clausulado constante do documento 1 junto com a petição inicial, o qual se dá por reproduzido;
(…)
2. As funções desempenhadas pelo a. ao abrigo do referido contrato envolviam o seu destacamento para Angola, para trabalhar junto da empresa angolana NORMETAL – Construção Modelar, Lda.;
3. Nos termos do referido contrato, ao abrigo da cl. oitava, ficou estabelecido que a retribuição bruta mensal do a. seria de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), acrescida de um complemento de expatriação no valor de 27.500,00€ (2.500€ x 11 meses) e do complemento de alimentação no valor de € 11.000,00 (1.000 euros x 11 meses);
4. Ficou estabelecido que o autor teria ainda direito a subsídio de férias e subsídio de Natal no valor de 100% do salário base, nos termos do n.º 2 da cl. nona do contrato de trabalho;
5. Igualmente se estabeleceu que o a. poderia ainda receber prémio de objetivos anual, a título de remuneração variável, nos termos do n.º 5 da cl. oitava do contrato de trabalho;
6. De acordo com a cláusula nona do contrato, o trabalhador / autor tem direito a um apartamento a disponibilizar pela Normetal Angola, a qual suporta as respetivas despesas, tendo o autor direito, em alternativa, a receber o montante de 2.500,00 USD, cabendo então a gestão de tal montante ao autor;
7. O autor celebrou em 1 de junho de 2016 contrato de trabalho por tempo determinado, com a Normetal – Construção Modelar, Ld.ª, assinado pelo autor e por CC, com o clausulado constante do documento 2 junto com a petição inicial, o qual se dá por reproduzido, nos termos do qual o autor teria direito aos montantes retributivos referidos na cláusula 6.ª do respetivo articulado;
(…)
8. A partir de setembro de 2016 o autor recebeu a quantia de 2.500,00€ juntamente com o salário, no valor de 1.878,42€ (mil oitocentos e setenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), no âmbito da regularização da situação do autor em Angola;
9. A NORMETAL era, à data, uma sociedade cujo capital era detido em 90% do capital pela r. e 10% por DD;
10. Em setembro de 2017 o a. passou a receber, pela Normetal, mensalmente, mais 400,00€;
11. Independentemente da presença ou não do a. em Angola, sempre lhe foi paga pela Normetal a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros, e quarenta e dois cêntimos) mensais até ao aumento salarial de 400€;
12. Durante os períodos de férias em Portugal que tiveram lugar em junho, julho e dezembro de 2017 e março de 2018, o a. continuou a receber a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros, e quarenta e dois cêntimos) por mês;
13. Em 18 de julho de 2018 foi instaurado um processo disciplinar com intenção de despedimento ao a., do qual este foi informado mediante entrega de carta datada do dia seguinte, 19 de julho de 2018;
14. Nesta carta o a. foi também informado que seria suspenso preventivamente durante o processo disciplinar, sem perda de retribuição;
15. A partir de julho de 2018, durante a pendência do processo disciplinar, a r. deixou de pagar a retribuição mensal ao a.;
16. Em 4 de setembro de 2018, o a. apresentou uma carta solicitando o pagamento das quantias de julho e agosto de 2018, no montante de 19.130,18€ (dezanove mil cento e trinta euros e dezoito cêntimos), bem como as quantias relativas ao período anterior a julho de 2018, no montante de 11.515,20€ (onze mil quinhentos e quinze mil euros e vinte cêntimos);
17. A r. continuou sem pagar a retribuição mensal ao autor;
18. O a. em junho de 2018 foi pai;
19. Entre junho e julho de 2018 o autor interveio por parte da r. no projeto da construção de instalações para a empresa “St. Dominic’s Internacional School” (alterado conforme decisão infra nos seguintes termos: “19. Entre junho e julho de 2018 o autor interveio, por parte da Normetal, Lda, no projeto da construção de instalações para a empresa “St. Dominic’s Internacional School”);
20. O autor foi destinatário de um email de EE, datado de 26 de junho de 2018, subordinado ao assunto “Regata de Portugal”, no qual era pedida a colaboração, relativo à preparação de 10 contentores marítimos de 20 pés e de um estrado elevado com cerca de 800m2;
21. Em 23/10/2018, o a. recebeu uma carta registada com AR da r., mediante a qual lhe foi comunicada a denúncia da comissão de serviço e, consequentemente, a cessação do seu contrato de trabalho com a r., com efeitos a 24 de dezembro de 2018;
22. O a. geriu a sua vida em Angola tendo em consideração os períodos de um ano fixados no seu contrato;
23. Luanda foi considerada a cidade mais cara do mundo no Estudo Global da Mercer em 2017;
24. Com vista à execução das suas funções na NORMETAL o a. arrendou uma casa em Angola por períodos de um ano, exatamente coincidentes com o contrato de comissão de serviço;
25. Com a cessação do contrato de trabalho foi retirado ao a. o automóvel que lhe tinha sido fornecido pela empresa;
26. Após a cessação da relação com a ré, o autor configurou que qualquer outra entidade empregadora que o pudesse contratar o autor iria / poderia solicitar informações à ré;
27. O autor viveu angustiado, na sequência da cessação da relação com a ré, tendo dificuldade em dormir, desenvolvendo sintomas de stress e ansiedade.
28. Em 2017, tendo o a. cumprido os objetivos que tinham sido previstos para este ano, a r. mandou pagar-lhe a quantia de 13.090,00€ (treze mil e noventa euros).
29. No ano de 2018, o autor não recebeu prémio;
30. Durante a execução do contrato com o a., a r. não lhe assegurou formação profissional;
31. No dia 11 de julho de 2016, o autor celebrou com a Normetal, Ld.ª, adenda ao contrato de trabalho, assinada pelo autor e por CC, cujo articulado consta do documento 7 junto com a petição inicial, o qual se dá por reproduzido;
(…)
32. O autor recebeu os valores previstos nos contratos e adenda até julho de 2018 (ver também, facto 29);
33. Os valores recebidos pelo autor foram pagos pela Normetal, Ld.ª;
34. O conselho de administração da ré UEM reuniu, no dia 20 de janeiro de 2017, tendo deliberado o que consta da respetiva ata, junto com a resposta à contestação como documento 3, o qual se dá por reproduzido;
35. CC assumia as funções de diretor Geral (área internacional – Angola) na ré UEM;
36. Previamente ao processo disciplinar que a ré UEM instaurou ao autor, foi solicitada e invocada, entre o mais, a entrega de telemóvel e de computador, conforme documento junto à petição inicial (apenso A) com o n.º 18, o qual se dá por reproduzido, que o autor invocou serem seus;
37. Foi elaborado o protocolo de entrega de elementos pelo autor, junto com a petição inicial (apenso A) com o n.º 19, o qual se dá por reproduzido;
38. O autor reportava diretamente a CC;
39. O autor não recebeu subsídios de férias e de Natal em 2018 e não gozou férias em 2018;
40. Entre junho de 2016 e junho de 2018 o autor recebeu da Normetal os valores que constam dos recibos juntos com a petição inicial da ação principal como documento 3 (fls 33 e ss), e juntos com a petição inicial da ação apensa, a fls. 61 a 73 do apenso, os quais se dão por reproduzidos, tendo sido realizados os descontos a título de IRT nesses documentos atestados;
41. Entre 31 de julho de 2018 e 30 de setembro de 2028 (2018), o autor recebeu da Normetal os valores que constam dos recibos juntos com a contestação da ação principal como documento 1 (fls. 60 e ss), os quais se dão por reproduzidos, tendo sido realizados os descontos a título de IRT aí referidos;
42. O Banco Millenium Atlântico realizou as operações bancárias ilustradas pelos documentos juntos com a contestação da ação principal a fls. 73 a 82, os quais se dão por reproduzidos.
43. BB conhecia o prémio de angariação (Normetal) e foi quem mandou pagar o prémio que respeitava a 2017 (aditado conforme decisão infra).
*
A sentença ainda considerou que “não se provaram quaisquer outros factos, dos articulados, com relevância para a decisão do presente processo. Nomeadamente, não se provaram quaisquer outros factos que se encontrem em contradição com os factos provados. A demais matéria constante dos articulados sobre a qual o Tribunal agora não se pronuncia, ou é irrelevante ou é conclusiva, versando matéria de direito.
Nomeadamente, não ficou demonstrada qualquer ato de sonegação de informação por parte do autor à ré, assim como não ficou demonstrado qualquer ato que possa objetivamente ser qualificado como irregular por parte do autor.
Não foi, igualmente, provada qualquer autorização expressa ou conhecimento concreto por parte da ré UEM dos contratos celebrados pelo autor com a Normetal.
Não foi provado que o autor se tenha deslocado a Angola para ir buscar bens seus depois da relação laboral terminar.
As aquisições societárias que o autor e algumas testemunhas referiram não assumem relevância nos presentes autos, pois o autor pretende associar tais vicissitudes a uma alegada perseguição do autor, o que não é mais do que um processo de intenções que não tem lugar no presente processo judicial. De resto, está assumida a instauração de processo disciplinar, assim como o seu teor, sendo certo igualmente que tal processo não findou com um despacho final, pois a relação laboral findou com outro motivo em dado momento (anterior ao termo do processo disciplinar). A relevância de tal processo disciplinar no contexto da ação será avaliada na fundamentação de direito.”
Fundamentação de direito
Comecemos por apreciar se a sentença é nula (recurso da Recorrida U.E.M. - Unidade de Estruturas Metálicas, S.A.).
A este propósito invoca a Recorrente que, relativamente ao prémio de 2018, a sentença é nula por excesso de pronúncia. Fundamenta o mencionado vício invocando, em suma, que não é devido o prémio fixado na sentença no montante de € 13.090,00, em consequência da cessação do contrato de trabalho, o prémio obedece a critérios definidos, quantificáveis e não quantificáveis, dependendo a sua atribuição do cumprimento dos objectivos indexados às contas da Normetal Angola, sucede que o Autor, nenhum facto alegou nos autos, não juntou qualquer documento, não apresentou fórmula de cálculo que demonstrasse ou indiciasse que, pelo menos, até Julho de 2018, teria cumprido alguns dos critérios e/ou objectivos que lhe permitissem auferir de tal prémio, que não se pode afirmar, como faz o Sr. Juiz a quo, que, por força da cessação do contrato de trabalho, o autor perdeu a possibilidade de o merecer considerando que o Autor desempenhou funções até Julho de 2018, quanto muito, seria fixado o valor do prémio referente aos objectivos e ao desempenho do Autor até Julho, caso este tivesse articulado factos nos autos nesse sentido, que não articulou e, por referência a esse período, fosse atribuído o correspectivo valor, que não obstante, o Sr. Juiz da instância, sem qualquer facto carreado para o processo sobre esta matéria e sem apurar, mesmo oficiosamente, qualquer circunstância concernente à avaliação do desempenho e dos objectivos alcançados pelo Autor no ano de 2018, limitou-se a condenar a Ré “por semelhança”, isto é, sem qualquer fundamento de facto ou direito, ao considerar o valor do prémio respeitante ao ano de 2017 quando é certo que os prémios são anuais, o que constitui, manifestamente, excesso de pronúncia que determina a nulidade da sentença.
Vejamos:
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta norma está em estreita relação com a 2.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC que estatui que o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Assim, como escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no “Código de Processo Civil Anotado”, 2.º Volume, Almedina, pág. 737, “Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.608.º-2) é nula a sentença em que o faça”.
E como elucida Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado”, Volume V, Coimbra Editora LIM. págs.143 e 144, “O juiz conheceu na sentença, de questão de que não podia tomar conhecimento. Quando isso suceder, a sentença é nula. (…) Proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso. Portanto, a nulidade prevista na 2.ª parte do n.º 4 do art.º 668.º desenha-se assim: A sentença conheceu de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz.
Mas não existe nulidade, se por lei o juiz tinha o poder ou o dever de conhecer ex officio da questão respectiva.”
No presente caso, o Autor peticionou a condenação das Rés UEM - Unidade de Estruturas Metálicas, S.A e MCG - Metal Construction Group, Lda, a pagar-lhe a quantia de 13.090,00€ a título de prémio não pago em 2018.
Para tanto alegou o seguinte:
“92 Em sede do n.º 5 da cláusula oitava do contrato de trabalho junto como doc. 1, estabeleceu-se que o a. poderia ainda receber um ou dois prémios anuais, a título de remuneração variável, cuja atribuição estaria sujeita à condição de este cumprir com os objetivos de faturação global, volume de negócios angariado, resultado consolidado antes de impostos e desempenho, conforme consta do anexo1 junto ao contrato referido.
93 Em 2017, tendo o a. cumprido com os objetivos que tinham sido previstos para este ano, a r. mandou pagar-lhe a quantia de 13.090,00€ (treze mil e noventa euros).
94 No ano de 2018 esta quantia a título de prémio apenas não foi paga ao a. porque este foi suspenso a meio do ano por decisão deliberada e unilateral da r..
95 Se não fosse o comportamento ilícito da r., o a. teria prosseguido a sua atividade profissional e teria recebido o seu prémio normalmente, pelo que o recebimento desse prémio constitui um direito do a..
(…).”
E sobre o mencionado pedido a sentença pronunciou-se assim:
“O autor tem direito a receber o prémio que solicita e não pago, no valor de € 13.090,00, uma vez que por força da cessação do contrato de trabalho o autor perdeu a possibilidade de o merecer (cláusula oitava, n.º 5, do contrato). Neste tocante o Tribunal tem por referência o prémio de 2017, valor que, de resto, foi o peticionado pelo autor.”
Ora, do exposto resulta que a sentença limitou-se a conhecer de questão que lhe foi submetida à apreciação pelo Autor e que consistia em saber se lhe era devido o prémio de 2018 que peticionou. É, assim, manifesto, que não se verifica o alegado excesso de pronúncia, improcedendo a arguida nulidade da sentença com este fundamento.
Questão diversa e que respeita à existência de eventual erro de julgamento e a analisar nessa sede dado que o Recorrente suscitou tal questão, é a de saber se ficaram provados factos que permitam a conclusão a que chegou a sentença recorrida e, a concluir-se pela positiva, se o montante a arbitrar a esse título, não deve ser o fixado pelo Tribunal a quo, mas o indicado pelo Recorrente.
*
Analisemos, agora, se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
Uma vez que ambos os Recorrentes impugnaram a matéria de facto, conhecer-se-á de ambas as impugnações nesta sede, iniciando-se a apreciação por aquela que foi apresentada pelo Autor/Recorrente.
(…)
*
Apreciemos, agora, da alegada ilicitude da comissão de serviço celebrada entre o Recorrente e a UEM-Unidade de Estruturas Metálicas, S.A., devendo aquele ser considerado trabalhador efectivo desta.
Sobre a questão escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“Nos presentes autos, o autor e a ré UEM celebraram um contrato inicial. Atribuíram lhe o nome de “Contrato de trabalho em regime de comissão de serviço com destacamento”.
A ré UEM exerce a sua atividade e detém capital da Normetal, Ld.ª, sociedade que exerce a sua atividade em Angola.
O autor e a ré pretenderam a contratação com o objetivo de o autor desenvolver a sua atividade de diretor, reportando ao diretor geral da ré UEM, em Angola, trabalhando em Angola no desenvolvimento da atividade da Normetal, Ld.ª.
A ré sustenta que se trata de um contrato de trabalho em comissão de serviço externa.
Aliás, isso mesmo é explicitado na clausula segunda do contrato celebrado.
Tendo em consideração os considerandos do contrato celebrado e o seu articulado, afigura-se que estruturalmente a relação que as partes estabeleceram foi efetivamente de comissão de serviço.
Com efeito, o autor foi contratado para exercer funções de chefia diretamente dependente de diretor geral, funções que supõem especial relação de confiança (cf. artigo 161.º do Código do Trabalho).
A especificidade da questão é a que se prende com a circunstância de o autor ir desempenhar as funções de chefia numa sociedade diversa daquela que o contratou.
É verdade que o autor iria desempenhar as funções de chefia num sujeito jurídico (sociedade) diversa do sujeito que o contratou. Porém, esse sujeito, sem embargo da autonomia jurídica, é a via de atuação da ré num território estrangeiro, no caso Angola.
A lei não exige expressamente que o contrato em comissão de serviço seja executado na estrutura da sociedade que contratou o trabalhador. Na verdade, os requisitos de validade do contrato são os que constam do n.º 3 do artigo 162.º do Código do Trabalho, não sendo feita referência à questão que agora se aborda.
Por outro lado, o contrato celebrado contém um conjunto de considerandos que enquadram a situação que as partes pretenderam juridicamente desenhar. E lá se encontra a referência à estratégia da ré de atuar e reforçar a sua presença em Angola, assim como a contratação do autor para a execução desse desiderato.
Em Angola atua uma sociedade diversa da ré. A sociedade Angolana constitui o sujeito que protagoniza no sistema Angolano a estratégia de internacionalização da ré. O autor foi contratado pela ré para exercer funções de chefia nesse mercado desenvolvendo a atividade da Normetal, Ld.ª.
Uma situação com a fisionomia específica que se acaba de explicitar não impede o recurso à figura da comissão de serviço. Não impede, pois, a lei não proscreve tal possibilidade. E não impede, pois, a figura da comissão de serviço é a que se adequa ao modelo de situação jurídica que as partes quiseram configurar: um trabalhador que, contratado por uma sociedade, desenvolve a estratégia de expansão dessa sociedade num país estrangeiro, desempenhando funções de chefia no contexto da sociedade que nesse país concretiza aquela estratégia.
As partes assumiram um contrato de trabalho em comissão de serviço com destacamento, conforme decorre do clausulado, em particular das cláusulas quarta e décima segunda (cláusulas que se reportam à cessação do destacamento e à cessação do contrato), sendo que o destacamento pretende abarcar a dimensão de deslocação para o estrangeiro do autor para exercer funções na Normetal, em concretização da comissão de serviço acordada.
Realce-se, por outro lado, que, diversamente do que esboça o autor, não está em causa uma situação de cedência ocasional de trabalhador. Com efeito, a concreta intenção das partes foi, desde o início da relação contratual, o desenvolvimento da atividade do autor em funções de chefia em Angola, nos termos apurados, o que afasta o caráter ocasional da situação: não se trata de uma situação ocasional; trata-se da situação que as partes pretenderam a título principal e, pode dizer-se num dado sentido, exclusivo (voltar-se-á a esta questão). Nessa medida, entende o Tribunal que não tem aplicação o regime consagrado pelos artigos 288.º e ss do Código do Trabalho.
Até aqui, fica a ideia de que a situação dos autos corresponde a uma situação de comissão de serviço externa, como se disse.
Infirmará esta ideia o facto de o autor ter realizado algumas tarefas em Portugal, conforme ficou apurado (nomeadamente, o projeto no colégio St. Dominic’s)?
Entende o Tribunal que não.
É certo que a cláusula primeira do contrato refere que o trabalhador exercerá as funções inerentes à categoria de engenheiro ao serviço e sob as ordens, instruções e hierarquia
da UEM Portugal. E também é verdade que ficou provado que o autor desempenhou atividade em projetos em Portugal (conforme apurado).
Sem embargo, todo o clausulado do contrato, enquadrado pelos respetivos considerandos, evidenciam o que vem a ser explicitado na cláusula segunda: um contrato de trabalho em comissão de serviço externa.
Acresce que as partes expressamente consignaram que o contrato não envolve a garantia de permanência do autor ao serviço da ré finda a comissão de serviço, conforme decorre da cláusula décima segunda, o que só faz sentido em contexto de comissão de serviço externa.
E acresce também que o contrato, admite a possibilidade de outras funções (cf. cláusula terceira).
Ora, interpretando a globalidade do contrato, afigura-se que a possibilidade de o autor poder realizar algumas tarefas para além das relacionadas com a sua atividade em Angola, no contexto da definição de intenções que as partes verteram no contrato celebrado, não desvirtua, entende o Tribunal, a relação assumida por autor e ré. Trata-se de uma extensão do objeto contratual que não fundamenta por si só a imposição de um contrato de trabalho sem termo subjacente à comissão de serviço.
Na verdade, a mera realização das tarefas apuradas, por si só, não fundamentaria a existência de um contrato de trabalho. E o contrato de trabalho em comissão de serviço envolve elasticidade suficiente para acolher atividades que, dada a inerente natureza residual e compatibilidade com a específica fisionomia da concreta comissão de serviço (comissão de serviço em Angola, a qual não impede que o trabalhador, uma vez em Portugal, possa realizar alguma tarefa compatível com a sua permanência em território nacional), não legitimam a afirmação de outra relação laboral, para além daquela que as partes a título principal e praticamente em exclusivo (retomando o que se explicitou supra) pretenderam assumir.
Considera, portanto, o Tribunal que as partes celebraram efetivamente um contrato de trabalho em comissão de serviço subordinado ao regime da comissão de serviço externa.”
Discordando deste entendimento, defende o Recorrente, em suma, que a comissão de serviço celebrada entre o Autor e a Ré UEM é ilícita estribando-se na seguinte argumentação:
Atenta a natureza do contrato de comissão de serviço, o contrato celebrado com o Recorrente não podia ter por fim o exercício de funções de direcção noutra empresa que não a empregadora ora Recorrida, pois embora o artigo 161.º do Código do Trabalho não o proíba expressamente, resulta do sistema que as empresas só podem contratar para elas próprias, não para outras empresas uma vez que é com a primeira que tem de se estabelecer a especial relação de confiança regulada na Lei para a celebração do contrato, referindo-se a Lei para as situações de cessação da comissão de serviço a um regresso à actividade desempenhada antes ou a outra, mas sempre dentro da empresa; no presente caso, a precariedade do vínculo resulta de uma realidade que, a final, não existe na empresa contratante; quando o nº 1 do art.º 162º do Código do Trabalho se refere a “trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito” está implicitamente a assumir que a comissão de serviço é para ser exercida na própria empresa e a sociedade angolana e a sociedade portuguesa são pessoas jurídicas distintas; o artigo 161.º do Código do Trabalho é uma norma excepcional, pelo que é insusceptível de interpretação extensiva e de aplicação analógica; segundo a cláusula primeira do contrato constante do doc. 1 junto às petições iniciais de ambos os processos, o Recorrente foi contratado para exercer junto da Recorrida as funções inerentes à categoria profissional de mero engenheiro civil e só junto da entidade cessionária é que ficou adstrito a desenvolver funções de director técnico, típicas da comissão de serviço, do que resulta que, não só o recurso à comissão de serviço é ilícito por ser obrigatório que a contratação seja para exercício de funções na própria empresa, como, por outro lado, a ilicitude advém ainda do facto de a relação de confiança a estabelecer ser com uma empresa terceira, a angolana, e não com a empresa portuguesa onde as funções do Recorrente eram de mero engenheiro civil; e o trabalhador não trabalhou apenas na empresa angolana, tendo trabalhado, ainda em diversas ocasiões, directamente para a empresa portuguesa como engenheiro civil pelo que prestou a sua atividade profissional de eng.º civil para a empresa Recorrida fora do espectro das relações de confiança acrescida estabelecidas para o trabalho em Angola que o tribunal considerou justificarem a comissão de serviço.
Concluiu que o contrato de comissão de serviço celebrado entre a Recorrente e a 1.ª Recorrida é ilícito por ter sido celebrado fora das condições excepcionais em que é admitido, pelo que deve ser considerado que o Recorrente está vinculado à 1.ª Recorrida por contrato sem termo.
Vejamos:
Em 01.06.2016, BB, na qualidade de representante legal da UEM - Unidade de Estruturas Metálicas, S.A. e o Autor celebraram um denominado “Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento”.
Dos respectivos considerandos resulta que a contratação do Recorrente foi suportada, essencialmente, nas seguintes circunstâncias: a UEM estar a ganhar alguma quota de mercado em território angolano, onde desenvolve a sua actividade através de uma sociedade de direito angolano; o Autor ser Engenheiro Civil, ter experiência na área de construção, experiência essa com alguns anos de trabalho específico em território angolano; a UEM Portugal ter interesse em reforçar a sua presença no mercado angolano, necessitando de reforçar os meios humanos afectos aos objectivos referidos; o Autor, ter know how, experiência e perfil para assumir funções de Director Técnico e exercer a sua actividade em Angola; o Autor conhecer os objectivos definidos para a actividade do Grupo Normetal em Angola- Normetal Construção Modelar, Lda, com os quais se comprometeu; o Autor aceitar e conhecer que é contratado com o pressuposto exclusivo e essencial de desempenhar funções em Angola e aí desenvolver a actividade do Grupo económico em que a UEM Portugal se insere; e o mercado de trabalho angolano não ter atingido ainda o nível de auto-suficiência necessário nesta área e, nomeadamente não dispor de mão de obra qualificada para desempenho da actividade que pretende, o que torna imprescindível recorrer ao mercado de trabalho internacional.
E no âmbito de mesmo contrato as partes declararam e assumiram que não existe qualquer relação profissional ou seja de que natureza for entre o Grupo em que a UEM Portugal se integra que seja anterior ao contrato, sendo o Autor contratado com o intuito de colaborar com o projecto da UEM Portugal em território angolano, sem prejuízo de vir a prestar trabalho noutro local onde o grupo Normetal tenha filiação ou sucursal, o que o trabalhador consentiu e que, actualmente, o projecto da UEM Portugal é desenvolvido em território angolano pela Normetal-Construção Modelar, Lda, sociedade que deu o seu prévio consentimento ao destacamento do Autor.
E embora não conste do clausulado do mencionado contrato, da factualidade provada resulta que a NORMETAL era, à data, uma sociedade cujo capital era detido em 90% pela UEM e 10% por DD (facto provado 9).
Em suma, o Recorrente, atentas as suas qualificações, foi contratado pela Ré UEM, em regime de comissão de serviço, para assumir funções de Director Técnico na Normetal Angola, em cujo Grupo económico se insere a UEM e através da qual a UEM desenvolve a sua actividade em território angolano, com vista a prosseguir os objectivos da UEM naquele país.
Afirma o Recorrente que não podia ter sido contratado pela UEM em regime de comissão de serviço para exercer as suas funções numa empresa terceira, a Normetal Angola.
Nos termos do artigo 161.º do Código do Trabalho, na versão dada pela Lei n.º 23/12 de 25 de Junho, aqui aplicável, “Pode ser exercido, em comissão de serviço, cargo de administração ou equivalente, de direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor-geral ou equivalente, funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos, ou ainda, desde que instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança em relação a titular daqueles cargos e funções de chefia.”
Como escreve a Professora Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra “Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais”, 3.ª Edição, Revista e Actualizada ao Código do Trabalho de 2009, Almedina, pág. 327:” No âmbito do Código do Trabalho actual, a figura da comissão de serviço é apresentada na secção do Código dedicada às modalidades de contrato de trabalho, em subsecção própria (Subsecção IV, arts.161.º a 164.º). Trata-se ainda nestes casos, da perspectiva mais adequada, uma vez que se trata de uma situação laboral especial, residindo, no caso, a especificidade, no carácter fiduciário do vínculo laboral e na facilidade de o fazer cessar por iniciativa do empregador.
O princípio subjacente à figura da comissão de serviço e que orienta o seu regime jurídico é o do reconhecimento do carácter fiduciário de algumas situações jurídicas laborais.
Não obstante a não ser de aceitar como caraterística geral dos contratos de trabalho, como se estabeleceu oportunamente, em alguns casos, o vínculo laboral baseia-se, efectivamente, numa relação de confiança pessoal entre o empregador e o trabalhador que decorre do tipo de função que o segundo é chamado a desempenhar (uma função de chefia ou uma função de secretariado pessoal),e é esta circunstância que justifica o enquadramento especial deste tipo de vínculos de trabalho.”
E na pág. 329 da mesma obra escreve-se: “Pela sua própria razão de ser, o âmbito de incidência da figura da comissão de serviço é limitado às funções laborais cujo desempenho pressupõe uma relação de especial confiança entre o empregador e o trabalhador. Nos termos do artigo 161.º do CT, essas funções podem ser as seguintes: cargos de administração ou equivalentes; cargos de direcção ou de chefia directamente dependentes da administração ou de director-geral, ou equivalente; funções de secretariado pessoal dos titulares dos cargos enunciados anteriormente; outras funções previstas em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho e cuja natureza pressuponha uma especial relação de confiança.”
Por seu turno, dispõe o n.º 1 do artigo 162.º do mesmo Código, que “Pode exercer cargo ou funções em comissão de serviço um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito.”
A propósito desta norma escreve a mesma autora, nas pags.328 e 329 da obra citada:
“Do regime legal da comissão de serviço (verbia gratia, do art.º 162.º n.º 1 do CT) decorre que a figura pode revestir duas modalidades:
- a comissão de serviço externa, para recrutamento de novos trabalhadores, com os quais é celebrado um contrato de trabalho neste regime para o desempenho de uma função de especial confiança: é esta modalidade que justifica o tratamento da figura como contrato de trabalho especial (art.º 162 n.º 1 parte final e n.º 2);
- a comissão de serviço interna, modalidade em que o empregador recorre a trabalhadores da empresa para o desempenho de funções de especial confiança pessoal através deste regime; nestes casos, o contrato de trabalho destes trabalhadores sofre uma vicissitude modificativa, por acordo das partes, enquanto durar a comissão de serviço (art.162.º n.º 1 parte final).”
Assim, pode exercer cargo ou funções em comissão de serviço trabalhador que pertença, ou não pertença à empresa que contrata, isto porque o elemento em que assenta o contrato de trabalho em comissão de serviço é a confiança.
No caso dos autos, atento o teor da Cláusula Segunda do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento, não existem dúvidas que o contrato de trabalho celebrado com o Autor revestiu a modalidade de comissão de serviço externa.
Contudo, tratou-se de um contrato de trabalho em comissão de serviço externa para desempenhar funções de Direcção Técnica numa empresa que não a contratante, mas através da qual a contratante desenvolvia a sua actividade em território angolano.
E não obstante a peculiariedade da situação, analisado o regime da comissão de serviço, entendemos ser de acompanhar a sentença recorrida quando conclui que a lei não proíbe essa possibilidade. Porém, naturalmente que essa possibilidade deverá restringir-se aos casos em que há um elo de ligação entre a empresa contratante e aquela onde se vai inserir o trabalhador contratado em regime de comissão de serviço.
No presente caso, apesar de a Normetal, Lda e a UEM serem pessoas jurídicas distintas, não se pode olvidar que a UEM tem uma participação no capital social da Normetal, Lda de 90% e ambas estão inseridas no mesmo grupo económico, sendo certo que, como decorre do mencionado contrato, a Normetal, Lda prossegue os objectivos da UEM em Angola. A isto acresce a circunstância de o Recorrente ter sido contratado para exercer um cargo de chefia directamente dependente do director-geral (área internacional) da UEM.
Por isso, neste quadro de domínio da UEM sobre a Normetal, Lda e de subordinação do Recorrente ao Director Geral da UEM, tal como a sentença não vislumbrou, também nós não descortinamos entraves legais a que a UEM tenha celebrado com o Recorrente o contrato em causa, pois não se tratou de contratar o Recorrente para um universo alheio à UEM mas, sim, para uma empresa por ela controlada maioritariamente, o que equivale a dizer que o Autor foi contratado como trabalhador da Ré UEM para exercer funções de chefia, com reporte ao Director Geral da UEM e com vista ao prosseguimento dos objectivos desta sociedade no estrangeiro.
Por fim, importa ainda referir que o Recorrente interveio em projectos em Portugal, fazendo-o por parte do Grupo Normetal conforme decorre do facto provado 19.
E mesmo que o tivesse feito em representação da UEM, do ponto 3 Cláusula Sexta do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento, o Recorrente reconheceu e aceitou que faria as deslocações que se mostrassem convenientes ou necessárias, a pedido da UEM Portugal, de acordo com os projectos que estivessem em curso no Grupo Normetal, o que bem se compreende pois o Recorrente comprometeu-se a prosseguir os interesses da UEM, embora numa empresa angolana em que aquela tinha uma participação de 90% do capital social desta última.
Assim, como entendeu a sentença recorrida, a intervenção do Recorrente em projectos a decorrer em Portugal, até pela sua natureza residual, não desvirtua os termos do contrato celebrado entre o Recorrente e a UEM, não sendo de acompanhar a afirmação do Recorrente de que a UEM não podia usar a comissão de serviço para Angola como subterfúgio para explorar o trabalho do Recorrente e depois mandá-lo embora.
Resta, pois, concluir que não merece censura o entendimento do Tribunal a quo no sentido da licitude da comissão de serviço celebrada entre o Autor e a UEM.
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Alega ainda o Recorrente que estamos perante uma cedência ocasional de trabalhador ilícita, pelo que este é trabalhador efectivo da Recorrida UEM.
Como já vimos, a sentença considerou que, no caso, não está em causa uma situação de cedência ocasional de trabalhador, posto que a vontade das partes foi, desde o início da relação contratual, o desenvolvimento da actividade do autor, a título exclusivo, das funções de chefia em Angola, o que, em seu entender, afasta o carácter ocasional da situação.
Sustenta o Recorrente, por sua banda, que a Recorrente fez uma cedência ocasional de trabalhador sem que o mesmo estivesse vinculado ao empregador por contrato de trabalho sem termo, o que viola o disposto no artigo 289.º n.º 1, al. a) do Código do Trabalho e uma vez que fez a mencionada cedência, não podia ter contratado o Recorrente ao abrigo de uma precária comissão de serviço. Assim, conclui que, para além da ilicitude da comissão de serviço, a contratação e o efectivo exercício da cedência ocasional fez caducar a comissão de serviço ou, pelo menos, tornou ilícita a possibilidade de resolver o contrato após a cessação da mesma mediante indemnização, por ser legalmente incompatível com um contrato que não seja sem termo.
A questão assim colocada pelo Recorrente está, no nosso ver, de certo modo prejudicada pela solução acolhida na questão que antecede. Na verdade, concluindo-se, como se concluiu, pela licitude do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço não pode legitimamente o Recorrente pretender que a sua execução, por dela derivar o seu destacamento para Angola enquadrado no âmbito de sociedade que aí desenvolvia o projecto da Recorrida UEM, se enquadre no regime da cedência ocasional de trabalhadores.
Seja como for, sempre se dirá que o artigo 288.º do Código do Trabalho define a cedência ocasional de trabalhador nos seguintes termos:
“A cedência ocasional consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direcção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial.”
E de acordo com co artigo 289.º do Código do Trabalho:
“1-A cedência ocasional de trabalhador é lícita quando se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) O trabalhador esteja vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo;
b) A cedência ocorra entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns;
c) O trabalhador concorde com a cedência;
d) A duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao máximo de cinco anos.
2 - As condições da cedência ocasional de trabalhador podem ser reguladas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com excepção da referida na alínea c) do número anterior.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.”
Como se sumaria no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.02.2021, Processo 6364/19.5T8SNT.L1-4, consultável em www.dgsi.pt, “I -A cedência ocasional de trabalhadores consiste na disponibilização temporária e eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo laboral inicial (Acórdão do STJ, de 02-05-2007, 07S361, Nº Convencional: JSTJ000, Relator Bravo Serra, Nº do Documento: SJ2007050203614, acessível em www.dgsi.pt).”
Sobre os elementos essenciais desta figura, escreve-se na obra citada supra, pag.778;
“ i) Do ponto de vista do conteúdo e do objectivo que prossegue, a cedência ocasional é um mecanismo de disponibilização de um trabalhador pelo seu empregador a uma outra entidade, em cuja organização o trabalhador passa a desenvolver a sua actividade.
ii)Do ponto de vista das condições subjectivas e objectivas a que obedece, a cedência ocasional só pode abranger os trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado, tem, necessariamente, que revestir natureza eventual (no sentido de em que é ocasional, i.é. não regular) e tem que ser temporária. O carácter não regular da cedência não impede, todavia, que o trabalhador seja cedido mais do que uma vez ou a mais do que a uma entidade (art.291.º n.º 6).
iii)Do ponto de vista da situação jurídica do trabalhador durante a cedência ocasional, ele mantém o vínculo contratual com o empregador cedente (a cuja organização regressa finda a cedência) mas observa-se uma repartição dos poderes laborais, com a atribuição do poder directivo à entidade cessionária, no seio da qual o trabalhador é inserido, e a manutenção do poder disciplinar na titularidade do cedente, uma vez que este é o empregador.
Entende-se que a titularidade do poder disciplinar pelo cedente não colide com a possibilidade delegação do exercício deste poder no cessionário, uma vez que a lei não o proíbe. Contudo, para este efeito, será necessário subscrever a aplicação analógica do art.329.º n.º 4 a esta situação, uma vez que o cessionário não é um superior hierárquico do trabalhador. Por outro lado, esta delegação do exercício do poder disciplinar é de admitir tanto para a faceta prescritiva como para a faceta sancionatória deste poder, mas, nesta última faceta, estará sempre fora de causa a aplicação da sanção disciplinar de despedimento, pelo seu efeito expulsivo.”
Ainda sobre a cedência ocasional de trabalhador, em anotação ao artigo 288.º escreve Guilherme Dray, no “Código do Trabalho Anotado” 8.ª Edição, 2013, Almedina, pag.812: “ À luz deste preceito, para que haja cedência ocasional de trabalhadores é necessário que se verifiquem três elementos: em primeiro lugar, que o trabalhador seja cedido de um empregador para outra entidade, que sobre aquele exerce o poder de direcção; em segundo lugar que a cedência seja temporária; por fim que se mantenha o vínculo laboral entre o trabalhador e o empregador cedente. (…)Relativamente à integração do trabalhador no quadro de pessoal do cedente, admite-se que a mesma continua a resultar do artigo 289.º, n.º 1 al. a), que exige que o trabalhador cedido esteja vinculado ao trabalhador cedente por contrato de trabalho sem termo; quanto á natureza eventual da cedência deixou de existir qualquer referência legal a este elemento, ainda que se julgue que a cedência ocasional, por oposição ao regime do trabalho temporário, deva por natureza ser excepcional.”
Ora, no caso, como já dissemos, tratou-se de contratar o Recorrente mediante um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para desempenhar as funções relativas ao cargo de Director Técnico numa empresa participada pela contratante, sendo certo que o trabalhador reportava ao Director-Geral da contratante. Não se tratou de disponibilizar um trabalhador da Ré UEM, com vínculo por tempo indeterminado, isto é, que já fazia parte da organização da UEM, para exercer as suas funções numa empresa terceira. E existindo comissão de serviço, como existia, não há cedência ocasional de trabalhador.
Acresce que, ao contrário do que parece afirmar o Recorrente, dos factos provados não resulta que haja sido admitido ao serviço da Recorrida UEM para, em Portugal, desenvolver a sua actividade, mormente nos vários projectos a que alude, e que só depois haja sido destacado para Angola. Dos factos provados resulta que o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço data de Maio de 2016, com início em 1 de Junho de 2016 e que os projectos em que o Recorrente interveio em Portugal reportam-se ao ano de 2018, o que inviabiliza se possa concluir, como pretende o Recorrente, pela celebração ab initio, de um contrato de trabalho com a Recorrida UEM seguido de uma sua cedência à Normetal, ilicitamente denominada de “comissão de serviço”. Saliente-se, ainda, que pela sua natureza puramente residual e considerando o contexto em que se inseriram, também os projectos em que o Recorrente esteve envolvido jamais poderiam ter por efeito a caducidade do contrato de trabalho em comissão de serviço.
Consequentemente, acompanha-se a sentença recorrida quando afirma que não há cedência ocasional de trabalhador e, muito menos, ilícita, pelo que não é possível concluir que o Recorrente é trabalhador da UEM com contrato de trabalho por tempo indeterminado.
*
Apreciemos, agora, se, como defende o Recorrente, a denúncia da comissão de serviço é ilícita com a consequente ilicitude da cessação do contrato de trabalho e se, concluindo-se pela licitude da denúncia da comissão de serviço, o contrato de trabalho sempre se manteria até ao seu termo, devendo a Recorrida UEM ser condenada a pagar ao Autor as quantias devidas até ao termo do contrato de trabalho, ou seja, até 23 de Maio de 2019.
Sobre a questão refere a sentença recorrida:
“Por outro lado, tratando-se de uma comissão de serviço externa, a relação pode terminar nos termos do disposto no artigo 163.º do Código do Trabalho.
As partes estabeleceram a duração de um ano renovável, para a relação que acordaram, nos termos das cláusulas quarta e décima segunda. Porém, na cláusula décima oitava, as partes remeteram os termos da cessação da comissão de serviço precisamente para o regime do artigo 163.º do Código do Trabalho. É esse, pois, o regime aplicável.
O que vem de se dizer pode ser resumido na síntese que segue.
O Tribunal, em face dos factos provados, considera que as partes celebraram o contrato de trabalho em comissão de serviço externa. Os valores que a ré UEM assumiu pagar são os que constam desse contrato. Tal contrato cessa nos termos do regime consagrado no artigo 163.º do Código do Trabalho.
(…).
O autor tem ainda direito a receber a indemnização a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 164.º do Código do Trabalho. Nessa medida, e tendo em consideração a duração do contrato de trabalho (entre 1 de junho de 2016 e 24 de dezembro de 2018), tem o autor direito a receber a indemnização no valor de € 2.566,64.”
A este propósito refere o Recorrente, em suma, que tendo a Recorrida denunciado o contrato de comissão de serviço sem aguardar o termo de um ano, esta seria ilícita e que, por ter denunciado o contrato de comissão de serviço antes do seu termo de um ano, a mesma estava obrigada a pagar ao Recorrente a remuneração a que este tem direito até ao final do período contratado, ou seja, até 23 de Maio de 2019 e que, mesmo que se concluísse pela licitude da denúncia da comissão de serviço, o contrato de trabalho manter-se-ia até ao seu termo, devendo a Recorrida UEM ser condenada a pagar ao Autor as quantias devidas até ao termo do contrato de trabalho.
Vejamos:
Nos termos da Cláusula Quarta (Duração e Cessação do Destacamento), do contrato celebrado com a UEM, o destacamento tem a duração de um ano com início em 23 de Maio de 2016 e termo a 23 de Maio de 2017, podendo ser renovado por iguais períodos.
Dispõe a Cláusula Décima Segunda do mesmo contrato, sob a epigrafe Duração do Contrato:
“1. O presente contrato em regime de comissão de serviço externa sem garantia de permanência após a cessação, é celebrado pelo período de um ano com início a 1 de Junho de 2016.
2. O presente contrato renovar-se-á automaticamente por período de um ano, salvo se o mesmo for cessado nos termos da cláusula décima oitava.
Por seu turno, estipula a Cláusula Décima Oitava (Cessação da Comissão de Serviço)
1. Qualquer um dos contraentes pode fazer cessar a todo o tempo a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, mediante a concessão do competente aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até 2 anos ou período superior, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
2. A falta de aviso prévio prevista no número anterior não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo-se a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º do Código do Trabalho.
3. A cessação da comissão de serviço por iniciativa do empregador que não corresponde a despedimento por facto imputável ao TRABALHADOR, confere-lhe o direito à indenização prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho.”
Conforme refere a sentença recorrida, as partes apelaram ao regime do artigo 163.º do Código do Trabalho para a cessação da comissão de serviço.
De acordo com a referida norma:
“1 - Qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior.
2 - A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.
Quanto aos efeitos da cessação da comissão de serviço rege o artigo 164.º do Código do Trabalho nos seguintes termos:
“1 - Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:
a) Caso se mantenha ao serviço da empresa, a exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço, ou a correspondente à categoria a que tenha sido promovido ou, ainda, a actividade prevista no acordo a que se refere a alínea c) ou d) do n.º 3 do artigo 162.º;
b) A resolver o contrato de trabalho nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão de serviço, com direito a indemnização calculada nos termos do artigo 366.º;
c) Tendo sido admitido para trabalhar em comissão de serviço e esta cesse por iniciativa do empregador que não corresponda a despedimento por facto imputável ao trabalhador, a indemnização calculada nos termos do artigo 366.º
2 - Os prazos previstos no artigo anterior e o valor da indemnização a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1”
Conforme decorre da factualidade provada, em 23/10/2018, o Autor recebeu uma carta registada com AR da Ré, mediante a qual lhe foi comunicada a denúncia da comissão de serviço e, consequentemente, a cessação do seu contrato de trabalho com a Ré, com efeitos a 24 de Dezembro de 2018 (facto provado 21). Ora, tratando-se de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço externa, sem garantia de permanência (cfr. Cláusula Décima Segunda) isto é, o contrato não previu que, quando cessada a comissão de serviço, o Recorrente permaneceria na empresa, a denúncia da comissão de serviço implica, necessariamente, a cessação do contrato de trabalho, pelo que, não estava a Recorrida UEM obrigada a pagar ao Recorrente créditos laborais até 23 de Maio de 2019 nem até ao trânsito em julgado da sentença como defende.
Salvo o devido respeito, não tem fundamento legal o entendimento do Recorrente no sentido de que, “no presente caso, ainda que se entenda pela licitude da denúncia da comissão de serviço, a verdade é que o contrato de trabalho se manteria até ao seu termo, pois a entidade empregadora não tinha qualquer direito de o fazer cessar.”
Ainda invoca o Recorrente que a estipulação de um prazo mínimo para o contrato se prolongar além da comissão de serviço, apenas é legítimo se for motivado por uma das causas elencadas no art.º 140º do Código do Trabalho, o que não sucede no presente caso, pelo que o trabalhador, por este motivo, era efectivo na empresa já que não há justificação para o exercício das funções de engenheiro civil em Portugal ser a prazo
Salvo o devido respeito, não colhe este argumento do Recorrente pela simples razão de que as partes acordaram poder fazer cessar, a todo o tempo, a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, mediante a concessão do competente aviso prévio.
Por fim, sendo lícita a denúncia da comissão de serviço, não há que integrar a actuação da Recorrida num despedimento ilícito como sustenta o Recorrente.
Improcede, pois, esta pretensão do Recorrente.
*
Vejamos, agora, se o Recorrente foi vítima de assédio moral por parte da Ré UEM.
Do que se percebe, no que respeita ao assédio moral, a sentença refere o seguinte:
“Por outro lado, a instauração de um processo disciplinar corresponde ao exercício de um direito da entidade empregadora que não se confunde com assédio, como parece sugerir o autor nos articulados apresentados.
Nessa medida, não tem o autor direito às demais indemnizações peticionadas.”
Por sua banda, reafirma o Recorrente que vivenciou uma situação de perseguição, de imputações falsas e difamatórias, foi vítima de um processo disciplinar injustificado, de coacção e de assédio por parte da Ré UEM, pelo que deve esta ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 30.000,00 (peticionados na presente acção).
Vejamos.
O empregador deve respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade (artigo 127.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho).
E o artigo 15.º do Código do Trabalho, dispõe que “O empregador, incluindo as pessoas que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral”.
Por seu turno, estatui o artigo 29.º do Código do Trabalho:
“1 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
2 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior.
3 - À prática de assédio aplica-se o disposto no artigo anterior.
4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.”
Sobre esta figura escreve-se no sumário do Acórdão do STJ de 03.12.2014. proc. 712/12.6TTPRT.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt: “I - O assédio moral implica comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.
II - De acordo com o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.
III - Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.”
Como esclarece o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.10.2023, Processo 19979/21.2T8LSB.L1-4, consulta em www.dgsi.pt, “1.-O assédio moral a que se refere o n.º 2 do art.º 29.º do CT abrange todo o comportamento não pretendido, quer tenha o objectivo de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, desestabilizador, quer, não tendo esse objectivo, gere o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil ou desestabilizador; trata-se de um processo, não um mero acto isolado, pressupondo um conjunto mais ou menos encadeado de actos e condutas que ocorrem de forma sistemática.
(…).”
Porém, como esclarece o Acórdão do mesmo Tribunal, de 01.03.2018, Processo 4279/16.8T8LSB.L1.S1, igual pesquisa, “(…) VI- Não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado.”
Nos termos do n.º 3 do artigo 29.º do Código do Trabalho, “À prática de assédio aplica-se o disposto no artigo anterior.”
E de acordo com o artigo 28.º do Código do Trabalho “A prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.”
Regressando ao caso, entendemos que o quadro factual não permite afirmar a existência de uma situação de assédio moral, pois dele não se retira um comportamento da Recorrida premeditado, com alguma duração, humilhante ou vexatório ou uma acção de discriminação de modo a perturbar o Autor e a afectá-lo na sua dignidade, potenciadora de um ambiente intimidativo e desestabilizador ao ponto de o Recorrente visualizar a sua saída da empresa como único remédio para a situação que está a vivenciar.
No presente caso, o que resulta da factualidade provada é que a Ré UEM moveu um processo disciplinar contra o Recorrente (o que, segundo afirma, também sucedeu com outros trabalhadores da Recorrida) que, no âmbito do processo disciplinar, o Autor foi suspenso preventivamente, que durante a pendência do processo disciplinar, cujo fim se desconhece, mas que perdeu relevância dado que a Ré denunciou a comissão de serviço, a Ré UEM deixou de pagar a retribuição ao Autor, violando o dever previsto no artigo 127.º n,º 1 al. b) do Código do Trabalho e que, em 23.10.2018, a Ré comunicou ao Autor a denúncia da comissão de serviço e, consequentemente, a cessação do contrato de trabalho com efeitos a 24 de Dezembro de 2018. É isto que se nos oferece a factualidade provada, o que não basta para caracterizar a situação como sendo de assédio moral ou mobbing.
Consequentemente, não merece censura a sentença recorrida quando conclui que não é devida ao Autor a indemnização a que alude o artigo 28.º do Código do Trabalho.
Sucede, porém, que, embora não seja devida ao Recorrente indemnização pela alegada prática de assédio moral, ainda assim, importa apurar se lhe é devida indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência de actuação da Ré UEM e que o Recorrente contabiliza no montante de €15.000,00.
Ora, ficou provado que, após a cessação da relação com a Ré, o Autor configurou que qualquer outra entidade empregadora que pudesse contratar o autor iria / poderia solicitar informações à ré (facto 6); e que o autor viveu angustiado, na sequência da cessação da relação com a ré, tendo dificuldade em dormir, desenvolvendo sintomas de stress e ansiedade (facto 7).
Dispõe o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil que, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
Contudo, a fixação da indemnização pressupõe que se verifiquem todos os requisitos da responsabilidade por actos ilícitos (artigo 483.º do Código Civil).
Como escrevem Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, no “Código Civil Anotado”, Volume I, 3.ª Edição Revista e Actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, pág. 444, “Reduzindo todos estes requisitos à terminologia técnica corrente na doutrina, dir-se-á que a responsabilidade pressupõe nesta zona:
a) O facto; b) A ilicitude; c) A imputação do facto ao lesante; d) O dano; e) Um nexo de causalidade entre o facto e o dano.”
Ora, de acordo com a factualidade apurada, o facto que provocou angústia, dificuldade em dormir, desenvolvimento de sintomas de stresse e ansiedade foi a cessação do contrato de trabalho. Contudo, como já dissemos supra, o contrato cessou validamente mediante denúncia nos termos acordados entre as partes e com cumprimento do aviso prévio. Por isso, no caso, não está provado o facto ilícito praticado pela Recorrida UEM desencadeador dos estados emocionais sofridos pelo Recorrente.
E o Recorrente não impugnou tais factos requerendo a sua alteração no sentido de prever que o stress e ansiedade sofridos tiveram uma causa diversa da cessação do contrato de trabalho.
Acresce que não ficou provado o alegado despedimento ilícito o que inviabiliza que o stresse e ansiedade sofridos pelo Recorrente tenham decorrido de algo que nem existiu; aliás, como resulta da factualidade provada e já dissemos, os estados emocionais negativos sofridos pelo Recorrente decorreram da cessação do contrato de trabalho que não foi ilícita.
Nessa sequência, não pode proceder a sua pretensão de lhe ser arbitrada uma indemnização por danos não patrimoniais.
*
Analisemos, agora, se a Recorrida UEM é responsável pelo pagamento de todas as componentes salariais do Recorrente inclusivamente as negociadas com o Director Geral da Recorrida Eng. CC e as atribuídas pela Normetal -Construção Modelar, Lda.
A este propósito considerou a sentença recorrida o seguinte:
“Os valores pelos quais a ré responde são apenas aqueles que verteu no contrato que
celebrou com o autor.
É certo que as partes acordaram que a Normetal seria a responsável pelos pagamentos
desses valores e de outros eventualmente existentes (cláusula quinta). Porém, a Normetal não é parte no contrato celebrado e a ré UEM apenas responde pelos valores que assumiu expressamente.
Uma vez que a Normetal não é ré nestes autos, os pedidos relativos aos valores que o autor invoca como tendo sido contratados com a Normetal não poderão ser deduzidos procedentemente contra a ré UEM (não importando tal asserção uma qualquer avaliação da procedência ou improcedência dos mesmos, questão sobre a qual o Tribunal não tem nestes autos de se debruçar).
Assim, só o prémio previsto pelo contrato com a ré UEM e só os valores acordados poderão ser ponderados na presente ação.
Aumentos salariais acordados com a Normetal (ou com CC) assim como
valores a título de IRT não são da responsabilidade da UEM.
Refira-se que o autor celebrou contrato com a UEM, tendo celebrado posteriormente acordos com a Normetal. Tais acordos poderão vincular a Normetal (admite-se). Não vinculam, porém, a ré UEM, pela simples razão de não os ter subscrito. Acresce que a delegação de competência em CC é posterior à adenda que a Normetal celebrou
com o autor, sendo certo que a entidade eventualmente vinculada pela atuação de CC é a Normetal (entidade que efetuou os pagamentos e com quem o autor celebrou outros convénios, para além do celebrado com a UEM).”
Nos termos do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento, a remuneração do Recorrente foi fixada na Cláusula Oitava. De acordo com a referida Cláusula o Trabalhador auferiria a remuneração bruta mensal de € 2.500,00 acrescida de um complemento de expatriação no valor de €27.500,00 (€2.500,00 x 11 meses) e do complemento de alimentação no valor de €11.000,00 (€1.000,00 x 11 meses)
Acresciam o subsídio de férias e o subsídio de Natal igual a 100% do salário base.
E o trabalhador poderia ainda receber prémios anuais, a título de remuneração variável, cuja atribuição ficava sujeita às condições seguintes:
a) Prémio de Objectivos: no pressuposto de cumprimento dos objectivos que constam definidos no documento anexo (Anexo I), o Trabalhador receberá um montante, na proporção do objectivo atingido, que pode ascender ao correspondente a um máximo do equivalente a €14.000,00.
De acordo com o ponto 7 da mesma Cláusula, o valor destes prémios seria liquidado até ao dia 30 do mês seguinte àquele em que as contas anuais fossem aprovadas no âmbito societário da NORMETAL ANGOLA.
Ficou ainda consagrado na Cláusula Nona (Habitação e comunicações) que o Recorrente, durante o destacamento, teria direito a utilizar para sua habitação em Luanda um apartamento mobilado, que lhe seria disponibilizado pela Normetal Angola, a qual suportaria as despesas razoáveis inerentes, a saber: despesas de condomínio e de fornecimento de água, electricidade. (Valor de Plafond Previsto-2.500 USD-valor equivalente em Kwanzas ao câmbio da banca comercial-Em contrapartida, o Trabalhador podia optar para modalidade de receber o Plafond de Habitação sendo da inteira responsabilidade do mesmo essa gestão.
E as comunicações telefónicas ou equivalentes efectuadas em serviço da empresa seriam suportadas pela Normetal Angola.
Ou seja, no que respeita à habitação e comunicações foram criadas obrigações para a Normetal Angola que não foi parte no Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento.
E no mesmo Contrato (Cláusula Oitava, n.º 3) ficou estipulado entre a Recorrida UEM e o Recorrente que os valores relativos à remuneração acordada seriam pagos mensalmente pela Normetal Angola, sem que, sublinhe-se, a Normetal Angola, tivesse qualquer intervenção neste contrato.
Também na Cláusula Décima (despesas locais e de deslocação) prevê-se que para despesas correntes a Normetal Angola disponibilizará ao Trabalhador, em numerário, a quantia de 100.000 Kwanzas durante 11 meses, bem como que a Normetal suportará o preço das viagens entre Angola e Portugal. Mais se estatuiu, agora na Cláusula Décima Primeira, que as deslocações em serviço seriam, sempre que possível, efectuadas em veículo automóvel da Normetal Angola, sendo esta que suportaria todas as despesas com o veículo.
Assim, da análise do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento ressalta que, para além das obrigações acordadas entre os intervenientes no contrato (UEM e Recorrente), ainda foram impostas obrigações à Normetal Angola, sem que esta sociedade fosse interveniente em tal contrato.
E dos factos provados resulta que foi a Normetal Angola quem procedeu aos pagamentos ao Autor, apesar de, como já se disse não ter tido qualquer intervenção no Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento.
E eis que, na mesma data (01.06.2016) o Autor celebrou com a Normetal Angola, representada por CC, Director Geral da UEM (área internacional – Angola) um contrato de trabalho por tempo determinado, cujas cláusulas 1.ª a 6.ª correspondem, no essencial, ao que já constava do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento.
Sucede ainda que, aos 11 de Julho de 2016, o Recorrente e a Normetal-Construção Modelar, Lda, representada por CC, assinaram uma adenda ao contrato de trabalho em cujos considerandos fizeram as partes constar, além do mais, que a UEM é proprietária da Normetal (considerando 2) e na qual acordaram:
- Na Cláusula 1.ª, acrescentar um ponto à cláusula oitava do contrato de comissão de serviço, bem como um ponto à cláusula sexta do contrato de trabalho celebrado com a Normetal (cláusulas relativas à remuneração do Autor) com o seguinte teor:
1. Fica acordado entre as partes que caso o valor seja pago integralmente a partir de Angola, o valor dos impostos, IRT e outros será assumido pela Normetal Angola.
Na cláusula 2.ª (Prémios)
O Trabalhador poderia receber um ou dois prémios anuais, com as condições definidas no Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço;
O Trabalhador poderia ainda receber comissão de angariação correspondente a 5% do lucro líquido, após impostos, que resultasse dos recebimentos correspondentes a negócios concretizados e por angariação do trabalhador em Angola.
Mais aditaram aos contratos de trabalho anteriores, que o trabalhador teria direito a gozar 30 dias de férias a partir da data da assinatura do contrato, com renúncia pela empregadora ao período de carência inicial de 6 meses.
Dos factos provados resulta que, a partir de Setembro de 2016, o autor recebeu a quantia de 2.500,00€ juntamente com o salário, no valor de 1.878,42€ (mil oitocentos e setenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), no âmbito da regularização da situação do autor em Angola (facto 8); Em setembro de 2017 o Autor passou a receber, pela Normetal, mensalmente, mais 400,00€ (facto 10); Independentemente da presença ou não do a. em Angola, sempre lhe foi paga pela Normetal a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros, e quarenta e dois cêntimos) mensais até ao aumento salarial de 400€ (facto 11); Durante os períodos de férias em Portugal que tiveram lugar em junho, julho e dezembro de 2017 e março de 2018, o a. continuou a receber a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros, e quarenta e dois cêntimos) por mês (facto 12);O autor recebeu os valores previstos nos contratos e adenda até julho de 2018 (ver também, facto 29) (facto 32); Os valores recebidos pelo autor foram pagos pela Normetal, Ld.ª (facto 33).
Ora, como já se referiu supra, o Director Geral da UEM para a área Internacional-Angola, tinha poderes para vincular a Normetal Angola. Resta saber se também podia vincular a UEM e obrigá-la aos termos da adenda e no que respeita ao aumento do salário do Autor verificado em Setembro de 2017 (€400,00).
No artigo 8.º da petição inicial dos presentes autos o Autor alegou: “Refira-se aqui que a NORMETAL é uma sociedade cujo capital é inteiramente pertencente ou controlado pela r., respondendo os respetivos gerentes ao mesmo Senhor BB conforme demonstra certidão comercial que evidencia a titularidade da grande maioria do capital a favor da r. e o remanescente a favor de mandatários (cfr. cit certidão que exibe 90% do capital em nome da r. e 10% de DD, bem como procuração conferida por este último a favor dos Senhores BB e FF, quadros da r., com poderes dispositivos sobre a restante parte do capital, que se juntam como docs. 8 e 9 e aqui se dão por integralmente reproduzido.”
Do documento 8 resulta que a Normetal Angola, aquando da sua constituição, tinha um capital social de Kz 4.250.000,00, como sócios e quotas: 1.º UEM-Unidade de Estruturas Metálicas, S,A., com uma quota no valor nominal de Kz. 3.825,000,00; 2.º GG, com uma quota no valor de kz 425,000,00. Gerência; exercida pelo sócio GG e pelo não sócio HH.
Pela Ap. 103/150219 GG cessou as funções de gerente e pela Ap. 104/150219 foi designado gerente FF.
Pela Ap. 100/150824 GG cedeu a sua quota a DD.
Por procuração datada de 06.07.2015, DD, constituiu seus procuradores BB e FF, a quem conferiu os poderes de, isoladamente, bastando apenas uma assinatura de qualquer um dos procuradores, e em seu nome e representação, alienar, prometer alienar, bem como ceder, gratuita ou onerosamente a quota que aquele detém na Normetal, Lda, podendo para o efeito, proceder à outorga de escritura de cessão de quota, nos termos e condições que entender, transmitindo-a a favor de quaisquer pessoas, singulares ou colectivas de qualquer identidade e nacionalidade, inclusive aos próprios, que os procuradores escolham…
Mais autorizou que os procuradores celebrassem negócio consigo mesmos.
Ora, sendo a UEM a sócia maioritária da Normetal Angola, justificado está que, no Contrato de Trabalho em Comissão de Serviço com Destacamento, tenha sido acordado um conjunto de obrigações para a Normetal Angola sem que esta tenha tido qualquer participação no mesmo; tratou-se apenas do exercício da posição de domínio da UEM sobre a Normetal Angola. E nesse quadro percebe-se a razão pela qual o Recorrente se obrigou a “exercer funções não compreendidas na actividade contratada, desde que o interesse das empresas o exija e tal não implique modificação substancial da sua posição.” (Cláusula Primeira, ponto 3).
E não obstante na Cláusula Terceira do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço, ponto 1 as partes terem acordado no destacamento do Recorrente para Angola para o exercício de cargo de Director Técnico, a verdade é que ficou provado que o Autor reportava ao Director Geral da UEM Portugal.
E no ponto 2 da mesma Cláusula, as partes ainda acordaram que, sem prejuízo da autonomia funcional inerente ao cargo ocupado pelo Trabalhador, a UEM Portugal e a Normetal Angola reservam-se o direito de indicar, sempre que entenderem adequado, as medidas necessárias ou úteis para o desenvolvimento do negócio no aludido mercado. A UEM e a Normetal Angola poderão, ainda, requerer ao trabalhador o desempenho de outras tarefas para as quais o Trabalhador tivesse competências e não implicassem desvalorização profissional.
Ou seja, embora o Recorrente também seguisse instruções e orientações da Normetal Angola, a verdade é que reportava ao Director Geral da UEM e este era, sem dúvidas, o elo de ligação da Ré UEM em Angola.
E se é certo que não ficou provado que o Director Geral da UEM, quando assinou o contrato e a Adenta, como representante da Normetal Angola, tinha procuração para vincular a UEM, mesmo assim, é de afirmar que, na celebração desses contratos, actuou como representante da Ré UEM. Ou seja, a sua qualidade de representante da Ré UEM não decorre de uma procuração, que não se provou existir, decorre, sim da sua qualidade de representante à luz do n.º 1 do artigo 800.º do Código Civil, norma que determina que “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.” E era a ele que o Autor, enquanto trabalhador da UEM, reportava na qualidade de representante da Ré, pelo que, dentro da regras da boa fé que devem presidir à celebração dos contratos (artigo 126.º do Código do Trabalho), é óbvio que o Director Geral da Ré UEM, objectivamente, criou no Autor a expectativa legítima de que as obrigações assumidas seriam cumpridas, fosse pela Normetal Angola, fosse pela UEM. Trata-se de uma questão de boa fé negocial considerar que o Director Geral, CC, obrigou a Ré UEM e, aliás, resulta do n.º 2 do artigo 800º do Código Civil que não se aplica o nº1 do mesmo preceito se a responsabilidade for excluída ou limitada por acordo dos interessados, o que, no caso, não existiu.
A Ré UEM ainda argumenta que a Normetal Angola assumiu uma dívida de retribuição do Autor. É certo! Tal resulta dos contratos de trabalho juntos aos autos e dos recibos de vencimento, bem como da factualidade provada (cfr. facto 33).
Sucede que, tal facto não desonera a Ré UEM do pagamento de tais quantias. O que confere é ao credor, no caso ao Autor, uma garantia acrescida conforme decorre do artigo 595.º n.º 2 do Código Civil.
Concluindo, a Ré UEM responde pelas retribuições acordadas entre o Autor e a Normetal Angola, com a ressalva de que essa responsabilidade apenas se estende até à data em que produziu efeitos a denúncia da comissão de serviço e cessou o contrato de trabalho, ou seja, 24 de Dezembro de 2018.
Procede, nesta parte, a pretensão do Recorrente.
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Vejamos, agora, se a Ré UEM deveria ter sido condenada no pagamento ao Recorrente do complemento para habitação e despesas de condomínio no montante de €2.500,00, previsto na cláusula nona do contrato junto como documento 1, conhecendo-se, em simultâneo, a questão suscitada pela Recorrente UEM de não ser devido ao Autor o complemento de habitação, que este nem solicitou e a ser, se a responsabilidade pelo pagamento do mesmo é da Normetal, Lda.
A Ré alegou que a Normetal Angola apenas tinha obrigação de proceder ao pagamento do Plafond de Habitação (por opção do autor) durante o período de destacamento, o qual cessou em Julho de 2018, data em que o Autor foi suspenso e regressou a Portugal, pelo que tendo cessado o destacamento cessou aquela obrigação a partir de Julho de 2018 e que, de resto, o Autor não peticionou nos autos qualquer valor a título de complemento de habitação.
Na Cláusula Nova do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento as partes acordaram:
1.Durante o destacamento o Trabalhador terá direito a utilizar para sua habitação em Luanda um apartamento mobilado, que lhe será disponibilizado pela Normetal Angola, a qual suportará as despesas razoáveis inerentes, a saber: despesas de condomíno e de fornecimento de água, electricidade. Valor de Plafond Previsto -2500 usd-valor equivalente e Kuanzas ao câmbio da banca comercial-em contrapartida, o trabalhador pode optar para modalidade de receber o Plafond de Habitação sendo da inteira responsabilidade do mesmo essa gestão.”
A Ré /Recorrente afirma que o Recorrente/Autor não solicitou esse complemento e a ser devido a responsabilidade do pagamento é da Normetal, Lda.
Na presente acção o Autor peticionou a condenação da Ré UEM a pagar a quantia de 23.635,00€ a título das quantias que deveriam ter sido pagas a título de retribuição mensal (retribuição base, subsídio de alimentação e complemento de expatriação e de habitação).
Nos artigos 48.º a 51.º da petição inicial do processo apensado o Autor alegou:
“48 - Com vista a execução das suas funções na NORMETAL o a. inclusivamente arrendou uma casa em Angola por períodos de um ano, exatamente coincidentes com o contrato de comissão de serviço.
49 - Note-se que era a NORMETAL por incumbência da r. que tinha a obrigação de lhe facultar um imóvel, como consta da cláusula nona do contrato de trabalho junto como doc. 1.
50 - Contudo, não tendo nenhum imóvel disponível para o efeito, ficou estabelecido que o a. receberia USD 2.500,00$ para arrendar um imóvel para habitação.
51 - Note-se para efeitos do que supra se descreveu, as despesas do condomínio também eram suportadas pelo a., pelo que em 27 de novembro de 2018 foram pagas algumas prestações na quantia total de 417.815,00 Akz, correspondendo este valor a 1.184,35€ (mil cento e oitenta e quatro euros e trinta e cinco cinco cêntimos), sendo, porém a prestação mensal do condomínio no montante de 83.563,00 Akz, correspondendo este a 237,02€ (duzentos e trinta e sete euros e dois cêntimos) (cfr. discriminativo com valor das despesas de condomínio e comprovativo de pagamento que se juntam como doc. 12 e que aqui se dá por integralmente reproduzido).”
E nos artigos 99. º a 105.º da mesma petição inicial alegou:
“99 Está ainda previsto nos contratos juntos como docs. 1 e 2 que o a. deveria ter recebido a quantia mensal de USD.: 2.500,00$ (correspondente a 2.215,33€) para arrendar um imóvel para habitação, dado que era a NORMETAL por incumbência da r. que tinha a obrigação de lhe facultar um imóvel e não tinha nenhum disponível para o efeito, conforme consta do contrato assinado com a NORMETAL para efeitos de obtenção de visto em Angola (cfr. cl. décima do doc. 1 e n.º 3 da cl. sexta do cit. contrato que consta como doc. 2).
100.º A partir do mês de setembro de 2016, a referida quantia de 2.500,00$ respeitante ao arrendamento do imóvel, no valor de 1.878,42€ líquidos (mil oitocentos e setenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), passou a ser transferida juntamente com a retribuição mensal do a. (cfr. docs. 1 e 2).
101.º Independentemente da presença ou não do a. em Angola, sempre lhe foi paga a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros, e quarenta e dois cêntimos) mensais até ao aumento salarial de 400,00€ (cfr. recibos de vencimento que constam de doc. 13).
102.ºCom efeito, durante os períodos de férias em Portugal que tiveram lugar em junho, julho e dezembro de 2017 e março de 2018, o a. continuou a receber a quantia de 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros, e quarenta e dois cêntimos) por mês, não obstante parte desta quantia estar contratualmente afeta a complementos de expatriação e de alimentação (cfr. docs. 1 e 2).
103 O facto de as quantias que foram pagas ao a. a título de retribuição terem sido sempre regulares, mesmo nos meses em que este se encontrava de férias em Portugal ou noutro lugar, atribui-lhes o estatuto de retribuição nos termos dos arts. 258º e 260º do código do trabalho.
104 O a. tem assim o direito a receber como se de salários se tratassem as referidas quantias retributivas que a r. deliberadamente fez com que não fossem pagas ao a..
105 Na sequência do supra exposto, o a. tem direito ao pagamento das seguintes quantias:
- Os salários vencidos e vincendos que este deixou de auferir desde a data da cessação ilícita do seu contrato de trabalho, ou seja 24/12/2018, até à data da sua efetiva reintegração, nos termos do artigo 390º do cód. do trab..
- 32.268,15€ (trinta e dois mil duzentos e sessenta e oito euros e quinze cêntimos) a título do IRT que deveria ter sido suportado pela r. e que esta não pagou;
- 13.090,00€ (treze mil e noventa euros) a título de prémios de 2018 não pagos durante a execução do contrato de trabalho;
- 1.342,28€ (mil trezentos e quarenta e dois euros e vinte e oito cêntimos) correspondente ao número mínimo anual de horas de formação profissional que não lhe foram proporcionadas (35 horas), mas também não lhe foram pagas;
- 5.982,74€ (cinco mil novecentos e oitenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de férias não gozadas no ano de 2018 (24 dias);
- 7.478,42€ (sete mil quatrocentos e setenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos) a título de subsídio de Natal de 2018;
- 2.000,00€ (dois mil euros) a título de custas de viagem, visto e aluguer de automóvel que o a. suportará com a viagem que terá de realizar a Angola para levantar os seus pertences.”
E no petitório, a título subsidiário, formulou os seguintes pedidos:
“Ou, subsidiariamente, caso se julgue a cedência ocasional de trabalhador e/ou o contrato de comissão de serviço lícitos, o que por mera hipótese se admite sem conceder:

12. Julgar a denúncia da comissão de serviço ilegal, procedendo ao pagamento das quantias que este teria direito a receber caso não tivesse ocorrido a cessação do seu contrato de trabalho, desde o momento da efetiva cessação (24 de dezembro de 2018) até ao termo do prazo de um ano que decorre do contrato, ou seja, em 31 de maio de 2019, na quantia global de 58.302,69 € (cinquenta e oito mil trezentos e dois euros e sessenta e nove cêntimos), a que correspondem:
a) 39.392,10€ (trinta e nove mil trezentos e noventa e dois euros e dez cêntimos) a título das quantias que deveriam ser pagas a título de retribuição mensal (inclui a retribuição base, subsídio de alimentação e complemento de expatriação e de habitação);
Ora, como já vimos, não se verificou uma cedência ocasional de trabalhador, nem uma comissão de serviço ilícita, tendo esta cessado validamento com efeitos a 24 de Dezembro de 2018. Consequentemente, não são devidas as quantias que o Recorrente peticiona a título de complemento de habitação a partir dessa data.
Assim, apenas é devido o complemento de habitação relativo ao período compreendido entre 18 de Julho e 24 de Dezembro de 2018, no valor de 13.344,06, conforme decidiu a sentença, montante que não foi posto em causa.
*
Analisemos agora, se a Recorrida UEM deveria ter sido condenada a pagar ao Recorrente o valor dos impostos sobre os rendimentos.
Nos termos da Adenda ao contrato de trabalho, ficou acordado que os valores do imposto IRT seria assumido pela Normetal Angola.
Ficou provado que entre junho de 2016 e junho de 2018 o autor recebeu da Normetal os valores que constam dos recibos juntos com a petição inicial da ação principal como documento 3 (fls 33 e ss), e juntos com a petição inicial da ação apensa, a fls. 61 a 73 do apenso, os quais se dão por reproduzidos, tendo sido realizados os descontos a título de IRT nesses documentos atestados (facto 40); e que entre 31 de julho de 2018 e 30 de setembro de 2028 (2018), o autor recebeu da Normetal os valores que constam dos recibos juntos com a contestação da ação principal como documento 1 (fls. 60 e ss), os quais se dão por reproduzidos, tendo sido realizados os descontos a título de IRT aí referidos (facto 41).
A Ré UEM não provou, como lhe competia (artigo 342.º n.º 2 do Código Civil) que pagou ao Recorrente os valores descontados a título de IRT.
Assim, deve a Ré UEM ser condenada a pagar os mencionados valores e que decorrem dos recibos de vencimento juntos aos autos.
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Vejamos, agora, se a Ré UEM deveria ter sido condenada a pagar ao Recorrente a totalidade das quantias peticionadas a título de formação profissional.
Da factualidade provada decorre que “Durante a execução do contrato com o a., a r. não lhe assegurou formação profissional;”
Considerando que o contrato de trabalho cessou em 24 de Dezembro de 2018 e que a Ré UEM é apenas responsável pelos valores remuneratórios acordados no Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento, entendeu a sentença recorrida que o Autor tem direito a receber as horas de formação em dívida (35 horas), no valor de € 546,88 (tendo por referência o valor hora relativo ao salário base).
Nos termos do artigo 271.º do Código do Trabalho a retribuição horária é calculada tendo por base o valor mensal auferido pelo trabalhador vezes 12 meses por ano (€2.500,00 x 12) que é dividido pelo período normal de trabalho semanal (52s x 44h), obtendo-se, assim, o valor hora de € €13,11.
Assim, é devida ao Recorrente a título de créditos de formação não ministrada o valor global ilíquido de € 1.424,53 (35horas x 3 anos) + (44h:12 meses) x € 13,11.
Tendo o Autor pedido o valor de € 1.342,28, atento o disposto no artigo 609.º n.º 1 do CPC, é este o valor devido, em vez do valor de € 546,88 fixado na sentença recorrida.
Procede, nesta parte, o recurso.
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Analisemos, agora, se a Ré UEM deveria ter sido condenada a pagar ao Recorrente o montante de (i) €2.500,00 a título de subsídio de férias de 2018, (ii) €5.982,74 a título de férias não gozadas em 2018 e (iii) €7.478,42 a título de subsídio de Natal de 2018.
Nesta sede, a sentença recorrida entendeu que o autor tem direito a receber os proporcionais do subsídio de férias e do subsídio de Natal relativos a 2018, no valor total de € 4.917,80.
Na acção principal o Autor pediu a condenação da Ré no pagamento do subsídio de férias de 2018 no valor de €2.500,00. E no processo apensado pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de 5.982,74€, a título de férias não gozadas no ano de 2018 (24 dias) e no pagamento da quantia de 7.478,42€, a título de subsídio de Natal de 2018;
A Ré UEM aceitou que estava em dívida o subsídio de Natal do ano de 2018 no valor de €2.500,00 (art.105.º da contestação apresentada no processo apensado).
Ficou provado que o autor não recebeu subsídios de férias e de Natal em 2018 e não gozou férias em 2018.
De acordo com a adenda ao contrato de trabalho o Recorrente tinha direito a 30 dias de férias.
Assim, atento o disposto nos artigos 263.º n.º 1 e 264.º n.º 2 do Código do Trabalho, são devidos ao Recorrente € 2.500,00 a título de subsídio de férias do ano de 2018, € 2.500,00 a título de subsídio de Natal do ano de 2018 e € 2.465,70 de férias não gozadas em 2018 (€82,19 x 30), no total de € 7.465,70.
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Apreciemos, agora, se o Tribunal a quo errou ao considerar que a Ré MCG não é solidariamente responsável pelas quantias peticionadas pelo Autor.
A este propósito escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“Por outro lado, e uma vez que o autor não trouxe aos autos qualquer facto que evidencie ou sugira a relação de grupo que alega existir entre a UEM e a MCG - Metal Construction Group, Ld.ª, não pode o Tribunal assumir tal relação.
Assim, a ré MCG é absolvida dos pedidos contra si deduzidos pelo autor.”
Afirma o Recorrente, em suma, que a Ré MCG deve ser condenada como devedora solidária.
Vejamos:
Na petição inicial apensada o Autor alegou:
116.º.A entidade MCG METAL CONSTRUCTION GROUP, LDA., ora 2.ª r., é solidariamente responsável pelos créditos e demais quantias em dívida ao a., dada a relação de grupo existente entre esta e a outra r., nos termos do artigo 334.º do cód. do trab. (certidão permanente que se protesta juntar como doc. 20 e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
117 O a. tem assim direito a demandar ambas as rr. para obtenção do pagamento das quantias a que tem direito.”
Do quadro factual não decorre a alegada relação de grupo existente entre a UEM e a MCG que permita a aplicação do disposto no artigo 334.º do Código do Trabalho, pelo que não merece censura a decisão do Tribunal a quo quanto à absolvição desta Ré.
Improcede o recurso nesta parte.
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Do recurso da Ré UEM-Unidade de Estruturas Metálicas, S.A:
Comecemos, então, pela questão de saber se, entre Julho e 24 de Dezembro de 2018 não são devidos ao Autor os subsídios de alimentação e de expatriação.
Na sentença refere-se o seguinte:
“O autor deixou de receber valores em julho de 2018. O contrato cessou em 24 de dezembro de 2018.
Assim sendo, o autor tem direito a receber, por força da relação laboral com a ré UEM, e ponderando o contrato celebrado com a ré UEM, bem como o regime legal aplicável (artigos 258.º e ss do Código do Trabalho), as remunerações que decorrem do contrato celebrado com a ré UEM e que não recebeu, desde julho de 2018 até 24 de dezembro de 2018 (data em que cessou a relação entre as partes.
O autor tem direito a receber € 14.500,00, relativos a remuneração base não paga entre julho e 24 de dezembro de 2018 (cláusula oitava, n.º 1, do contrato).
(…).
O autor tem direito a receber € 5.800,00, relativos a subsídio de alimentação não pago entre julho e 24 de dezembro de 2018 (cláusula oitava, n.º 1, do contrato).
Salvo o devido respeito, não vemos que a sentença recorrida tenha condenado a Ré UEM no subsídio de expatriação.
Relativamente ao subsídio de alimentação invoca a Recorrente, em síntese, que entre 19 de Julho de 2018 e o termo do contrato que ocorreu a 24 de Dezembro do mesmo ano, o Autor não trabalhou, conforme decorre dos factos provados 13,14 e 21, pelo que não lhe é devido, que o subsídio de alimentação não tem natureza retributiva e que é um complemento a par com o complemento de expatriação. Conclui que se trata de complementos que se encontram associados à situação de expatriação não integrando o conceito de retribuição base e que, naquele período, o Autor não esteve na situação de destacado, esteve suspenso preventivamente e, como tal, não tem direito a qualquer componente retributiva, nem de expatriação, nem de alimentação os quais são dependentes da própria prestação laboral.
No que respeita ao subsídio de alimentação importa referir o seguinte:
Ficou provado que em 18 de julho de 2018 foi instaurado um processo disciplinar com intenção de despedimento ao a., do qual este foi informado mediante entrega de carta datada do dia seguinte, 19 de julho de 2018 (facto 13); Nesta carta o a. foi também informado que seria suspenso preventivamente durante o processo disciplinar, sem perda de retribuição (facto 14); A partir de julho de 2018, durante a pendência do processo disciplinar, a r. deixou de pagar a retribuição mensal ao a.(facto 15); em 4 de setembro de 2018, o a. apresentou uma carta solicitando o pagamento das quantias de julho e agosto de 2018, no montante de 19.130,18€ (dezanove mil cento e trinta euros e dezoito cêntimos), bem como as quantias relativas ao período anterior a julho de 2018, no montante de 11.515,20€ (onze mil quinhentos e quinze mil euros e vinte cêntimos) (facto 16); A r. continuou sem pagar a retribuição mensal ao autor (18).
Ou seja, desde Julho de 2018 até à cessação do contrato que ocorreu a 24 de Dezembro de 2018, a Ré deixou de pagar a retribuição ao Autor.
Nos termos do artigo 329.º n.º 5 do Código do Trabalho “Iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.”
Por seu turno, estatui o artigo 354.º do Código do Trabalho que “1 - Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição”.
Estas normas não esclarecem sobre o que se deve entender por “retribuição”.
E nesse sentido, esclarece o Acórdão deste Tribunal e Secção de 05.12.2012, Proc. 2918/11.6TTLSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt“(...) II - Não esclarecendo o art.º 329º nº5 do CT/2009 o que deve entender-se por retribuição, deve atender-se ao conceito geral plasmado no art.º 258º nº1.
III - Sendo pago com carácter de continuidade e regularidade, o subsídio de alimentação faz parte da retribuição, no entanto, apenas é devido quando o trabalhador preste efectivamente trabalho, ou quando está disponível para a prestação prometida e isto porque, apesar de ao longo dos anos constituir um complemento importante do rendimento e não depender do local onde o trabalhador toma a sua refeição, não deixa de ser um sucedâneo da atribuição em espécie da refeição pelo empregador, daí que não seja indiferente se o trabalhador está efectivamente a prestar o seu trabalho ou em situação de disponibilidade para o efeito, ou se não está a prestar o seu trabalho, por estar de férias ou numa situação de falta justificada, ou mesmo de licença, situações em que, embora o contrato de trabalho esteja em vigor, ocorre uma suspensão do mesmo para os referidos fins.
IV - No caso da suspensão preventiva do trabalhador, o contrato de trabalho mantém-se em vigor.
V – A suspensão preventiva corresponde a uma faculdade concedida ao empregador, que se prende única e exclusivamente com razões do seu próprio interesse, que ele pode exercer ou não, e exercê-la-á quando entenda que a presença do trabalhador se mostrar inconveniente, nomeadamente para o apuramento dos factos ou devido ao mal estar provocado, tudo dependendo dos factos imputados ao trabalhador.
VI - Contudo, e por se tratar de uma faculdade, deve o empregador assegurar ao trabalhador a retribuição na sua totalidade, já que a suspensão não é nem equivale ao despedimento, só este pondo termo à relação laboral, se e enquanto não for declarado ilícito.”
Acompanhamos este entendimento, pelo que, sem mais considerações, por desnecessárias, improcede o recurso da Ré nesta parte.
*
Vejamos, agora, se não é devido ao Autor o prémio fixado na sentença.
Sobre o prémio de 2018 entendeu a sentença o seguinte:
“O autor tem direito a receber o prémio que solicita e não pago, no valor de € 13.090,00, uma vez que por força da cessação do contrato de trabalho o autor perdeu a possibilidade de o merecer (cláusula oitava, n.º 5, do contrato). Neste tocante o Tribunal tem por referência o prémio de 2017, valor que, de resto, foi o peticionado pelo autor.”
Defende a Recorrente, em suma, que atento o teor do ponto 5 da Cláusula Nova e do Anexo I, o prémio obedece a critérios definidos, quantificáveis e não quantificáveis, dependendo a sua atribuição do cumprimento dos objectivos indexados às contas da Normetal Angola. Sucede que, o Autor, nenhum facto alegou nos autos, não juntou qualquer documento, não apresentou fórmula de cálculo que demonstrasse ou indiciasse que, pelo menos, até Julho de 2018, teria cumprido alguns dos critérios e/ou objectivos previstos no referido anexo I que lhe permitissem auferir de tal prémio. Conclui no sentido de que os objectivos não foram cumpridos e que tal prémio não é devido e que quanto muito seria fixado o valor do prémio referente aos objectivos e ao desempenho do Autor até Julho, caso este tivesse articulado factos nos autos nesse sentido, que não articulou e, por referência a esse período, fosse atribuído o correspectivo valor.
O prémio está previsto na Cláusula Oitava, ponto 5 do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento, na Cláusula Sexta, al. d) do Contrato de Trabalho celebrado com a Normetal e na Cláusula 2ª da Adenda ao Contrato de Trabalho.
Ora, salvo o devido respeito, entendemos que há lapso do Tribunal a quo quando refere que o Autor perdeu a possibilidade de o merecer por força da cessação do contrato de trabalho.
Na verdade, a perda dessa possibilidade ocorreu pelo facto de o Autor, na sequência do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, ter sido suspenso preventivamente, pois a cessação do contrato foi válida. A suspensão preventiva é que impediu o Autor de alcançar o prémio. Ou seja, com a suspensão preventiva, que, como vimos, é uma faculdade do empregador, o Autor perdeu a chance de obter o prémio. E assim sendo, cabia à Ré alegar e provar que o Autor não teria atingido os objectivos mesmo que não tivesse ocorrido a suspensão.
Não merece, pois, censura a sentença nesta parte.
Improcede, pois, o recurso da Ré UEM.
*
Por fim, impõe-se apreciar se a Recorrida UEM litigou com má fé devendo ser condenada em multa e em indemnização não inferior a €100.000,00.
Sobre a alegada má fé das partes pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
“A presente ação reporta-se a uma situação de intensa litigiosidade entre as partes.
Contudo, tal litigiosidade não se confunde com má fé processual. Não vislumbra o Tribunal qualquer indício de má fé de qualquer uma das partes que fundamente uma qualquer condenação a esse título. Nessa medida, os pedidos deduzidos quanto a esta matéria improcedem.”.
Invoca o Recorrente que a Recorrida UEM litiga com má fé e que tal litigância manifestou-se expressamente em duas situações distintas: (i) o chamamento para o processo de uma interveniente acessória participada da 1.ª Recorrida sediada em Angola indicando como morada de citação uma sede onde bem sabia que a interveniente não poderia ser notificada, provocando atraso de quase três anos no processo; (ii) aduzindo factos que sabia perfeitamente serem falsos e que contrariavam documentos autenticados da autoria da 1.ª Recorrida com o objectivo único e ilegítimo de se furtar a pagar quantias que manifestamente eram devidas ao Recorrente.
Vejamos:
O artigo 542.º do CPC dá-nos a noção de má fé processual nos seguintes termos:
“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
Como elucida o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.02.2012, consultável em www.dgsi.pt “I - Litiga de má-fé a parte que alega factos que sabe perfeitamente serem contrários à verdade com a intenção de obter uma decisão no litígio que lhe seja favorável.
II - O acesso ao direito consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa não compreende, nomeadamente, uma oposição que altere a verdade dos factos, disso tendo perfeita consciência a respectiva parte.”
E de acordo com o Acórdão do mesmo Tribunal de 11.9.2012, igual pesquisa: “1. A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.
2. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art.º 456º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, todavia, se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé.
(…)”.
Também sobre a litigância de má fé trata o Acórdão do mesmo Tribunal de 12.11.2015, igual pesquisa em cujo sumário lemos:
“(…)
IX – A litigância de má-fé pressupõe a verificação de alguma das situações previstas no art.º 542º do Novo CPC, de onde ressalta a dedução de oposição cuja falta de fundamento se não devia ignorar, desde que a parte tenha agido com dolo ou negligência grave.
X – Lide dolosa não se confunde com lide imprudente ou temerária e só aquela, com que a parte actua ou litiga com dolo, ou com negligência grave, merece censura e condenação fundada em litigância de má-fé.
(…)”.
Por fim, veja-se ainda o sumário do Acórdão do STJ de 2.6.2016, in www.dgsi.pt: “I – É bem antiga a preocupação no combate aos comportamentos processuais desvaliosos e entorpecedores da realização da justiça, consagrando já o direito romano e, depois, o direito pátrio, uma multiplicidade de institutos destinados a sancioná-los.
II – Com tais mecanismos sempre se visou sancionar apenas a ilicitude decorrente da violação de posições e deveres processuais, o também chamado ilícito processual, gerador de uma “responsabilidade de cunho próprio”, assente em deveres de lealdade, colaboração e probidade das partes.
III - Após a revisão processual de 1995, o quadro normativo em matéria de litigância de má fé passou a ser bem mais exigente, impondo a repressão e punição não só de condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes (anterior art.º 456º, n.º 2, e actual 542º, n.º 2, do CPC).
IV - No entanto, deve continuar-se a ser cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
V-(…).”
Em suma, podemos afirmar que litiga de má fé a parte que, dolosamente ou com negligência grave, adopta uma postura processual contra a verdade e ciente de que a sua pretensão não tem protecção legal.
E actuar dolosamente ou com negligência grave significa actuar deliberada e intencionalmente contra os princípios da boa fé no que respeita à violação das regras processuais, nomeadamente omitindo o dever de colaboração exigido às partes com vista à célere e justa composição do litígio.
Começando pelo segundo argumento invocado pelo Recorrente, entendemos que, tal como refere a sentença recorrida, estamos no plano de densa litigiosidade em que a Ré UEM sustentou a posição de que apenas é responsável pelas quantias a que se obrigou por força do Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço com Destacamento e que os acordos celebrados entre a Normetal Angola e o Autor não a vinculam por não ter delegado poderes para tanto no representante daquela sociedade para celebrar o Contrato de Trabalho por Tempo Determinado e a Adenda ao Contrato. E o certo é que não obstante a vasta documentação analisada, não vislumbrámos que a Ré UEM tenha delegado poderes no seu Director Geral para, em representação da Normetal Angola, celebrar contratos e adendas e modificar cláusulas do contrato celebrado com aquela Ré. E repare-se que concluiu-se pela responsabilidade da Ré UEM pelos valores acordados com a Normetal, não porque se tenha provado a referida delegação de poderes mas, sim, com fundamento no princípio da boa fé contratual.
Acresce que a existência de processo disciplinar movido pela UEM contra o Autor e as alegadas perseguições, coacção e assédio, que não ficaram provadas, a terem existido, assumem uma dimensão extra processual e não suportam o comportamento da Ré UEM como litigante de má fé.
Consequentemente, nesta perspectiva, não é possível concluir pela má fé da Ré UEM.
Porém, igual conclusão não se pode retirar quando analisamos o comportamento processual da UEM relativamente ao chamamento à acção da Normetal Angola.
Vejamos:
A 08.03.2019 a Ré UEM apresentou contestação no processo apensado na qual requereu a intervenção provocada da sociedade Normetal - Construção Modelar, Lda indicando como morada da sede a Rua José da Silva Lameira, n.º 21, Município de Ingombota, Província de Luanda, Angola. Como fundamento para tal chamamento invocou, além do mais, que ficou convencionado que esta sociedade seria a responsável pelo pagamento da retribuição do Autor, durante o período em que este permanecesse em Angola.
Por despacho de 23.01.2020 foi deferida a intervenção provocada da Normetal Construção Modelar, Lda, despacho que foi corrigido em 03.02.2020, posto que tinha sido admitida a intervenção acessória daquela sociedade e não a sua intervenção principal.
Em 03.02.2020 foi enviada carta rogatória ao Tribunal Provincial de Luanda, sito no Palácio Dona Ana Joaquina, Rua Major Kanhangulo, Luanda, para citação da Normetal, Lda, indicando-se a morada Rua José da Silva Lameira, Nº.21, Município de Ingombota - Luanda, Angola.
Foram enviadas insistências em 15.07.2020 e 16.09.2020, sem sucesso.
Em 09.10.2020 veio o Autor, ao abrigo do disposto no artigo 324.º do CPC, requerer o prosseguimento dos autos, alegando existirem elementos comuns entre as administrações das Rés e da interveniente acessória, pelo que esta tomou conhecimento da citação e dos respectivos documentos, apenas não tendo oferecido a sua contestação porque não quis.
Em 15.10.2020 foi proferido despacho que, face à ausência de citação da interveniente acessória Normetal, Lda, determinou a notificação das partes para, querendo, requererem o que tivessem por conveniente, sob pena de aplicação do disposto no artigo 323.º n.º 2 do CPC.
Em 27.10.2020, a Ré UEM veio alegar, além do mais, que, 8.(…) no caso concreto, não se podia desde já concluir pela inviabilidade da citação pessoal, porquanto e por forma a satisfazer cabalmente o seu dever de colaboração processual e em conformidade com o artigo 7.º do Código de Processo Civil, a R. realizou diligências com vista à localização da morada actual da Normetal-Construção Modelar, Lda. Das diligências efectuadas foi possível apurar que a morada da Normetal-Construção Modular, publicitada nas plataformas informáticas, é na Av.Lenine 88, Luanda Angola, tendo juntado documento 1.
10.Assim, existindo uma morada alternativa que, tanto quanto é possível aferir das pesquisas efectuadas pela R. se afigura como a morada efectiva da sede social da Normetal-Construção Modelar, Lda, deverá, para efeitos de citação, ser a considerada.”
E, nessa sequência, requereu a citação da Normetal na Avenida Lenine 88 Luanda Angola e que, caso se frustrasse a citação por via da carta rogatória, se citasse editalmente a interveniente.
Por despacho de 02.11.2020 foi determinada a emissão de nova carta rogatória nos termos requerido pela Ré UEM.
Em 03.11.2020 foi enviada nova carta rogatória para o mesmo tribunal indicando-se a mesma morada Rua José da Silva Lameira, Nº.21, Município de Ingombota - Luanda, Angola.
O Autor respondeu ao requerimento da Ré de 27.10.2020, invocando, em síntese, que as cartas rogatórias foram enviadas para as moradas indicadas pela Ré UEM e que esta assistiu passivamente durante meses às tentativas de citação da interveniente acessória para um endereço que já sabia ser supostamente errado, não tendo nunca colaborado com o Tribunal para que se procedesse à correcta citação da sociedade, corrigindo o endereço alegadamente incorreto, litigando com má fé, sendo certo que o presente processo não avança por causa de uma citação que não é mais do que um mero formalismo, inventado pela ré sobre si própria ou sobre a sua extensão, para atrasar o normal efeito da justiça e que, no caso, não há lugar à citação edital.
Requereu que se considerasse findo o incidente com o prosseguimento dos autos nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do CPC.
A 09.11.2020 o Autor requereu, novamente, a condenação da Ré UEM como litigante de má fé, alegando, além do mais, que a nova morada indicada pela Ré não corresponde à morada da sociedade, não sendo possível realizar qualquer citação naquele endereço, que a morada indicada pela Ré corresponde a um antigo escritório sito na Avenida Lenine 88, Luanda, Angola, cujo contrato de arrendamento foi denunciado em Março de 2017 e que não é utilizado pela citanda desde aí, circunstância que resulta do doc. 3 junto à contestação, através do requerimento com a ref.ª 21193689, de 11 de dezembro de 2018, onde se pode ler “4.3 Documentação legal e societária A morada que consta em toda a documentação institucional e legal da Normetal Angola como sendo a sua sede legal na rua Lenine Centro, (imóvel entregue em março de 2017). Em base a este facto seria conveniente e urgente, alterar a morada, junto em todos os órgãos públicos em Angola, para a morada da sua sede atual que é a Via Expressa – Estrada de Cabolombo – Km 16 – Kikuxi.”
Requereu, novamente, a condenação da Ré UEM como litigante de má fé e em multa a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal e no pagamento de uma indeminização a liquidar em execução de sentença mas de montante não inferior ao correspondente aos honorários do mandatário do Autor nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 542.º e na al. a) do n.º 1 do art.º 543.º do CPC.
Em 23.11.2020, A Ré respondeu invocando não ter intencionalmente invocado uma morada incorrecta, que a morada que indicou em último lugar é a que consta das plataformas informáticas e que não corresponde à que consta da certidão comercial junta aos autos.
Concluiu pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé.
Em 11.05.2021, o Autor veio requerer que o incidente fosse declarado findo e indicou testemunhas para prova de que a morada indiada pela Ré UEM já não corresponde à morada da Normetal desde Março de 2017.
Em 24.05.2021, a Ré UEM veio insistir para que fosse enviada carta rogatória para citação da Normetal na Av. Lenine, 88 Luanda, Angola, o que foi deferido.
Em 08.06.2021 foi enviada a carta rogatória para o mesmo Tribunal indicando-se como morada da Normetal Avenida Lenine 88, Luanda, Angola.
A 7.12.2021 o ilustre mandatário do Autor requereu que o Tribunal informasse sobre o estado dos autos com vista a dar conhecimento do mesmo ao Autor, tendo sido informado que os autos aguardavam a citação da interveniente acessória, sem prejuízo do autor impulsionar os autos nos termos do artigo 324.º do CPC.
A 16.02.2022 o Autor requereu fosse ordenado o prosseguimento dos autos nos termos do disposto no artigo 324.º do Cód. Proc. Civ., conforme já havia sido requerido por requerimento apresentado em 09/10/2020 com a ref.ª 27352490, em 05/11/2020 com a ref.ª 27620123 e em 11/05/2021 com a ref.ª 29217410.
A 7.4.2022 foi ordenado o prosseguimento dos autos, sem que tivesse ocorrido a citação da interveniente acessória.
Ora, a Ré UEM detinha 90% do capital social da Normetal Angola. No Contrato de Trabalho por Tempo Determinado e na Adenda está identificada a morada da sede e dos escritórios da Normetal Angola, moradas que foram sucessivamente indicadas pela UEM. Aliás, não se percebe porque razão não foram indicadas ab initio as duas moradas, tendo a UEM optado por indicar a morada da sede e só na falta de resposta à citação nessa morada é que indicou a morada dos escritórios.
Ora, sendo do conhecimento geral das pessoas do foro, que o cumprimento das cartas rogatórias, na maioria das vezes, é moroso e, por vezes, infrutífero, só por negligência grave da Ré UEM se pode justificar ter indicado uma morada de cada vez e, além disso, que tivesse indicado moradas onde a Normetal não seria citada.
Mais, dominando a UEM a Normetal, é inaceitável que não tivesse, desde logo, indicado a exacta morada daquela sociedade, considerando que a morada não corresponde a nenhuma das indicadas, mas a que consta do documento a que alude o Recorrente, o que, obviamente a UEM não podia ignorar, tanto mais que foi esta Ré que chamou a Normetal à demanda.
Assim, impõe-se concluir que a UEM omitiu, de modo grave, o dever de cooperação contribuindo, assim, para o protelamento injustificado dos presentes autos, comportamento que integra má fé e pelo qual deve ser condenada em multa de 10UC e em indemnização à parte contrária consistente no reembolso das despesas em que tenha incorrido o Autor, incluindo os honorários aos seu ilustre Advogado (artigo 543.º n.º 1 al. a) do CPC).
Em suma, procede parcialmente o recurso do Autor e improcede o recurso da Ré UEM.
Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
- Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente/Autor e pela Reorrente/Ré, nos termos sobreditos.
- Julgar parcialmente procedente o recurso do Autor e, em consequência, alterar a sentença nos seguintes termos:
- Condenar a Ré UEM- Unidade de Estruturas Metálicas, S.A, a pagar ao Autor o valor dos impostos IRT-Angola descontados ao Autor e a que aludem os recibos juntos aos autos.
- Condenar a mesma Ré a pagar ao Autor a título de créditos de formação profissional a quantia de €1.342,28.
-Condenar a Ré UEM a pagar ao Autor o subsídio de férias de 2018 no valor de € 2.500,00, o subsídio de Natal de 2018 no valor de € 2.500,00 e as férias não gozadas no ano de 2018, no valor de €2.465,70, tudo no total de € 7.465,70.
- Revogar a al.e) do dispositivo da sentença recorrida na parte em que absolve a Ré UEM do pedido de condenação como litigante de má fé e condenar esta Ré como litigante de má fé na multa de €10UC e numa indemnização a favor do Autor correspondente ao reembolso das despesas incluindo os honorários do seu ilustre Advogado.
- Determinar, ao abrigo do artigo 543.º n.º 3 do CPC, a audição das partes sobre o valor da indemnização a arbitrar ao Autor.
- Julgar improcedente o recurso da Ré UEM- Estruturas Metálicas, S.A. e confirmar a sentença recorrida nessa parte.
- Manter, no mais, a sentença recorrida.
Custas do recurso do Autor por ambas as partes na proporção do decaimento.
Custas do recurso da Ré UEM, pela própria.
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Lisboa, 18 de Junho de 2025
Celina Nóbrega
Paula Santos
Susana Silveira