RECURSO PENAL
RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
PENA DE PRISÃO
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - O chamado correio de droga integra-se na actividade do narcotráfico, no transporte intercontinental de produtos estupefacientes, que, no caso de transporte aéreo, facilita sobremaneira uma rápida e alargada disseminação.
II - Tendo um posicionamento de segunda linha em relação ao dominus negotii, pois é apenas executor pago ao transporte realizado, afigura-se, aparentemente, como “residual” a sua participação na actividade.
III - Porém, vem o Supremo Tribunal de Justiça desde há algum tempo, valorizando a importância do correio de droga como elo vital na cadeia de distribuição e na concretização do tráfico ilícito de estupefacientes, não merecendo um tratamento penal de favor.
IV - Assumindo-se, antes, como necessidade de primeira grandeza, a prevenção geral, visando a dissuasão desta actividade, que para o correio de droga, em termos financeiros, se revela muito atractiva.
V - Atingindo a cocaína transportada um peso de 2.898,700 kgrs, com um grau de pureza de 90,9%, sendo prementes as exigências de prevenção especial de socialização e muito elevadas as exigências de prevenção geral e os bens jurídicos protegidos, mostra-se justa equilibrada e proporcional, sem ultrapassar a medida da culpa, a pena de 5 anos e 1 mês de prisão em que a arguida foi condenada, em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

1.1. Nos presentes autos, a correr termos no Juízo Central Criminal de ... – J..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., requerendo o julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, foi a arguida AA, devidamente identificada nos autos, acusada pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, com referência à Tabela I-B, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/01.

1.2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 09 de dezembro de 2024, decidiu, além do mais, condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.°1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 1(um) mês de prisão.

1.3. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, recebido, foi enviado àquele Tribunal, onde foi processado, emitindo o Exmo. Procurador Geral Adjunto parecer pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

1.4. Por despacho de 28.02.2025 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi declarado não ser esse tribunal competente, em razão da matéria, para o conhecimento do recurso, e, em consequência, determinou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça é efectivamente o competente para apreciação do recurso (art.º 432º, n.º 1, al. c) e 2 do CPP).

1.5. Conclui a arguida AA, a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“I-O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do Acórdão condenatório proferida nos presentes autos, que condenou a Recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes na pena de 05 anos e 01 mês de prisão efectiva.

II- Sucede que a pena aplicada se revelou extremamente injusta e rigorosa contra a Recorrente, razão pela qual o presente Recurso põe em causa precisamente a medida da pena aplicada contra a Recorrente.

III- No dia 04/05/2024, a recorrente desembarcou no Aeroporto de Lisboa, foi detida, por trazer consigo três embalagens que continham cocaína (cloridrato), com o peso líquido inferior a três quilos, que estaria a ser transportada a troco de R$6.000,00 (equivale a €950).

IV-A recorrente, à data dos factos, encontrava-se numa situação financeira extremamente precária, uma vez que é mãe de quatro filhos menores (de 11, 8, 6 e 3 anos de idade), e era vítima de um crime de violência doméstica, pelo ex-companheiro, tendo sido atribuída uma medida protetiva, sem conseguir sustentar a si própria e os filhos.

V- A recorrente tem origem num contexto familiar com grandes dificuldades socioeconómicas, composto pela mãe e mais oito irmãos, tendo sido obrigada a abandonar os estudos aos 11 anos para trabalhar em limpezas e ajudar no sustento da família, o que se agravou quando a mãe teve um Acidente Vascular Cerebral pelos seus 12 anos.

VI-A recorrente teve a primeira filha aos 15 anos, de um relacionamento com histórico de violência doméstica, e posteriormente mais três filhos com outro companheiro, no qual também sofria de violência doméstica, o que a levou a fugir com os filhos, resultando extrema vulnerabilidade socioeconômica.

VII- Face à vulnerabilidade vivida, a recorrente foi aliciada por uma pessoa sua conhecida a fazer o transporte da droga a troco de uma quantia monetária, com o desfecho nos factos objeto deste processo.

VIII- A Recorrente confessou de forma integral e sem reservas os factos imputados no Despacho de Acusação.

IX- A Recorrente sabia que transportava estupefaciente, mas desconhecia a qualidade, o grau de pureza, a quantidade e a extensão do lucro do tráfico internacional de drogas em valores e doses.

X-A motivação pela qual a recorrente se predispôs a efectuar o transporte esteve associado a angariar dinheiro para suprir as graves dificuldades económicas sentidas no Brasil, diante da pobreza e evidente desigualdade social com a qual sempre se deparou.

XI-A recorrente nem sequer recebeu a vantagem patrimonial oferecida pela prática do crime de que vem acusada, que se diga, era de valor irrisório, inferior a €1.000,00; tampouco, tinha qualquer comparticipação no negócio do tráfico internacional de drogas.

XII-A recorrente não possui antecedentes criminais e tenciona regressar ao Brasil, recuperar a responsabilidade e os cuidados dos filhos, e compor o agregado familiar de uma irmã, para quem passará a trabalhar como caixa, ... e ....

XIII-Actualmente, a recorrente está no Estabelecimento Prisional de ..., apresenta bom comportamento, sem participações disciplinares, almeja a sua ressocialização e não vai voltar a cometer ilícito penal, buscando e desejando quando em liberdade retomar uma vida conforme a legalidade e normalidade da vida.

XIV-Pese embora os factos e o próprio crime denotem elevada ilicitude e acentuado desvalor, traduzem essencialmente forte perturbação na construção da personalidade e desnorte na condução do estilo de vida, marcada por uma vida de profunda desigualdade social e pobreza, pelo facto de ser vítima de violência doméstica.

XV-A defesa considera que a condenação da Recorrente foi fixada em um patamar superior ao mínimo legal apenas com base na quantidade de droga que era transportada, que é ligeiramente superior à média trazida por outros correios de droga.

XVI-A quantidade transportada não exorbita em muito a quantidade média de produtos estupefacientes transportada pelos cidadãos designados por correios de droga, até porque existem muitos casos de passageiros que são detidos com mais de 2kg, 3kg, 5kg, 7kg e até 9kg de cocaína nos aeroportos portugueses.

XVII- A quantidade, só por si, não pode servir para agravar demasiadamente a condenação imposta à Recorrente, conforme observamos pela mera leitura do Acórdão.

XVIII- Estamos diante de uma arguida primária, que sempre fez de tudo para estar inserida social, profissional e familiarmente.

XIX-A determinação da pena com base no parâmetro da quantidade de droga: se um quilo, dois quilos e meio ou cinco quilos ou até oito quilos, não nos parece ser o mais adequado, pois não estamos diante de um cálculo meramente aritmético.

XX-Não é o singelo facto de ter sido transportada uma quantidade ligeiramente superior à média habitualmente transportada pelos correios de droga que faz a Recorrente ser mais criminosa ou mais perigosa do que outros que transportam muito mais cocaína e ainda assim, tem a pena fixada muito próxima do limite mínimo de 04 anos.

XXI-A aplicação de uma pena mais próxima ao mínimo legal surtiria também o efeito pretendido de afastar a recorrente de erros futuros,pois que aprenderia na mesma a lição pretendida.

XXII-Por todo o exposto, a recorrente requer a revogação do Acórdão recorrido e substituição por outro que altere a medida concreta da pena, reduzindo-se a pena a que foi condenada e aproximando-se do limite legal mínimo, mas, nunca superior à pena de 4 anos e 6 meses.

Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser determinada uma substancial atenuação da pena aplicada, que se revelou excessiva e injusta, motivo pelo qual deve ser reduzida para o patamar mínimo legal ou até 04 anos e 06 meses.”

1.6. O Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República, junto do Juízo Central Criminal de ..., respondeu ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

“1 – Se é certo que a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade estão presentes nas finalidades da punição previstas no artigo 4.º, n.º 1, do Código Penal, também não é menos verdade que existe um “conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que não se pode prescindir para que não sejam defraudadas as expectativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos;

2 - O crime é grave, as necessidades de prevenção são elevadas, a ilicitude da conduta da arguida não é diminuta e o dolo é intenso, na modalidade de dolo directo.

No caso do transporte internacional de produto estupefaciente, em face do grande impacto social e forte alarme social que provoca na sociedade em geral, acentua as necessidades de prevenção especial.

3 – Quanto a arguida ser um “correio de droga”, ainda que tal possa diminuir um pouco a ilicitude, pois não sendo o dono do produto estupefaciente e, por outro lado, ter uma situação económica precária, todavia, tem um papel fulcral no tráfico internacional, sendo uma peça essencial nesse negócio, que urge combater.

4 – Relativamente à confissão da arguida, como acima se referiu, é enquadrada numa situação de flagrante delito na posse do estupefaciente, a prova era consistente e a aludida confissão não se revelou essencial para a descoberta da verdade.

5 – Entende-se que o Tribunal já fixou à arguida pena muito próxima dos seus limites mínimos e os argumentos elencados pela arguida, já foram devidamente ponderados pelo Tribunal, de modo criterioso, com observância das regras e princípios atinentes à determinação da medida da pena, bem como de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor ou contra a arguida.

6 – Motivo pelo qual, consideramos que a pena é adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece reparo.

Pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso interposto pela arguida AA.”

1.7. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, considerando que “não se descortinam razões que levem a considerar dever ser reduzida a sanção aplicada, sem que resultem comprometidas as finalidades das penas.

O mesmo é dizer que, contrariamente ao pretendido, a pena de 5 anos e 1 mês de prisão aplicada à recorrente se configura justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à personalidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura.”

Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2 do CPP.

Foram os autos aos vistos e à conferência.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação

2.1. De Facto:

A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição):

2.1.1. Factos Provados:

1. Em data não apurada, anterior a ........2024, AA foi abordada por indivíduos de identidade desconhecida, que lhe propuseram que transportasse cocaína, do Brasil para Portugal, por via aérea, a troco do recebimento de 6.000 reais, o que a mesma aceitou.

2. No Brasil, os aludidos indivíduos entregaram a AA três embalagens que continham cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2.898,700g.

3. No dia ........2024, AA embarcou no ..., em ..., no Brasil, no voo LA..46, levando consigo as referidas embalagens de cocaína.

4. A aeronave aterrou no Aeroporto de Lisboa no dia ........2024, cerca das 07h20m.

5. Após o desembarque, AA dirigiu-se ao circuito verde da zona de controlo alfandegária, a fim de sair do aeroporto.

6. Nessas circunstâncias, tinha consigo, dissimuladas junto às pernas, três embalagens que continham cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2898,700g e com 90,9% de grau de pureza.

7. AA tinha também consigo um telemóvel e a quantia de €650.

8. O telemóvel destinava-se, além do mais, aos contactos entre AA e as pessoas a quem entregaria a cocaína.

9. A referida quantia monetária destinava-se a custear as despesas da viagem de AA e da sua estadia em Portugal.

10. AA agiu com o propósito de receber e carregar consigo o supracitado produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conhecia, do Brasil para Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco de uma quantia monetária.

11. Actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Condições pessoais e antecedentes criminais da arguida

12. À data dos factos supra descritos, AA encontrava-se a residir com os seus quatro filhos, à data do julgamento com 11, 8, 6 e 3 anos de idade.

13 AA nasceu no ..., inserida em sistema familiar monoparental, sendo o 9.º elemento de uma fratria de 9, num agregado com grandes vulnerabilidades socioeconómicas, residindo em habitação abarracada, que a progenitora construiu após o falecimento do pai de AA, assassinado por um primo, quando aquela tinha meses de vida.

14. A progenitora trabalhava na área das limpezas e os menores desde cedo contribuíram para o sustento do agregado.

15. A nível da trajectória escolar, iniciou os estudos em idade regulamentar, tendo interrompido os mesmos aos 11 anos de idade, para começou a trabalhar nas limpezas de um restaurante e aos fins-de-semana, acompanhando a progenitora na limpeza de residências particulares.

16. O abandono escolar precoce não permitiu a obtenção de competências inerentes à aquisição da leitura e da escrita.

17. Quando AA tinha doze anos de idade, a progenitora teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC), com internamento hospitalar de dois anos, o que forçou a fratria a autonomizar-se sem supervisão parental.

18. Por volta dos 14 anos de idade, iniciou um relacionamento afectivo, tendo passado a residir no agregado familiar dos progenitores do companheiro.

19. Fruto deste relacionamento nasceu a sua primeira filha, quandoAA contava 15 anos de idade.

20. Cerca de um ano depois, AA decidiu terminar o relacionamento afectivo, pautado por episódios de violência doméstica que se foram agravando e regressar a casa da progenitora que se encontrava em processo de recuperação.

21. AA viveu com a progenitora e com a filha até aos 17/18 anos de idade.

22. É nesta etapa que, após iniciar novo relacionamento afectivo, decide ir viver com o companheiro, levando consigo a filha; deste relacionamento nasceram 3 filhos.

23. O relacionamento terminou em 2021, tendo AA solicitado uma medida de protecção por episódios de violência doméstica, que a levaram a abandonar o lar e arrendar uma habitação para residir com os filhos.

24. AA trabalhou na área das limpezas de residências particulares e como ajudante de ..., actividades laborais precárias que eram remuneradas em função da actividade que exercia.

25. É neste contexto de dificuldades de subsistência, com rendas em atraso que, por proposta de uma conhecida, que os factos supra descritos ocorrem.

26. AA tenciona regressar ao Brasil, ao agregado familiar de uma irmã, onde perspectiva iniciar actividade laboral como caixa, ..., de que a irmã é proprietária e reassumir o processo educativo dos filhos.

27. AA deu entrada no Estabelecimento Prisional de ..., em prisão preventiva, a ........2024, à ordem destes autos.

28. A nível institucional, AA tem sabido responder às solicitações institucionais com adequação de conduta e ausência de participações disciplinares.

29. Confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.

30. AA não tem antecedentes criminais registados.

2.1.2. Factos não Provados:

Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a decisão.

2.1.3. Motivação da decisão de facto:

Na motivação da decisão da matéria de facto diz-se no acórdão recorrido: “Motivação da decisão de facto:

A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida e a livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma.

A audiência de julgamento decorreu com o registo, em suporte digital, das declarações nela prestadas.

Tal circunstância dispensa o relato detalhado de tais declarações.

Todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos e exames periciais de que o Tribunal se serviu para fundar a sua convicção.

Concretizando:

A prova dos factos dados como provados assentou, essencialmente, nas declarações confessórias da arguida, que admitiu a respectiva prática, nos termos que constavam da acusação e que se deram como provados [facto provado 29.].

A arguida esclareceu ainda o montante que iria receber pelo transporte, o que se acolheu, valendo nesta parte o disposto no artigo 358.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

Estas declarações conjugaram-se com o auto notícia de fls. 7 e ss., com o auto de apreensão de fls. 19, imagens de fls. 18 e com os documentos de fls. 20 e ss.

No que tange à qualidade e quantidade de estupefaciente transportado pela arguida, atendeu-se ao exame toxicológico de fls. 136 e ao exame complementar junto fls. 150.

As condições pessoais da arguida apuraram-se com base no respectivo relatório social, junto a fls. 143 e ss. em que se confiou pela metodologia evidenciada e que a arguida declarou em audiência reflectir a sua situação pessoal.

A ausência de antecedentes criminais da arguida apurou-se com base no certificado de registo criminal, junto a fls. 142.”

2.2. De Direito

2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

Levando em conta as conclusões da motivação da arguida AA “o presente Recurso põe em causa precisamente a medida da pena aplicada contra a Recorrente.”

2.2.2. Determinação da medida da pena.

2.2.2.1. Defende a recorrente AA, que a pena de 5 (cinco) anos e 1 (um) mês de prisão, que lhe foi aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, se revelou extremamente injusta e rigorosa contra a Recorrente, razão pela qual o presente Recurso põe em causa precisamente a medida da pena aplicada contra a Recorrente -conclusão II -, concluindo que deveria ficar pelo mínimo legal, ou não ir além de 4 anos e 6 meses – conclusão XXII.

Para o efeito alega que “à data da prática dos factos se encontrava numa situação financeira extremamente precária uma vez que é mãe de 4 filhos menores (de 11, 8, 6 e 3 anos de idade), e era vítima de violência doméstica”… “tem origem num contexto familiar com grandes dificuldades socioeconómicas composto pela mãe e mais oito irmãos, tendo sido obrigada a abandonar os estudos aos 11 anos para trabalhar em limpezas e ajudar no sustento da família”… “teve a primeira filha aos 15 anos”… “face à vulnerabilidade vivida, a recorrente foi aliciada por uma pessoa sua conhecida a fazer o transporte da droga a troco de uma quantia monetária”…, “confessou os factos de forma integral e sem reservas”, … “aceitou praticar os factos com vista a angariar dinheiro para suprir as graves dificuldades económicas sentidas no Brasil” … “não possui antecedentes criminais”, … “no Estabelecimento Prisional tem bom comportamento”, … “a quantidade de droga, só por si, não pode servir para agravar demasiadamente a condenação imposta à Recorrente” … “é primária” … “não é o singelo facto de ter sido transportada uma quantidade ligeiramente superior à média habitualmente transportada pelos correios de droga que faz a Recorrente ser mais criminosa ou mais perigosa”…, “a aplicação de uma pena mais próxima ao mínimo legal surtiria também o efeito pretendido de afastar a recorrente de erros futuros”, pelo que deveria ser condenada numa pena mais próxima do mínimo legal não superior a 4 anos e 6 meses.

2.2.2.2. A recorrente foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto pelo art.º 21º do DL 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma, e punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Obtida a moldura penal, no processo de determinação da medida concreta da pena, há a considerar as finalidades da punição constantes do art.º 40.º do Código Penal e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CPP.

Estabelece o art.º 40º, n.º 1, do CP, que a aplicação de penas … visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E estatui, em termos “absolutos” o n.º 2 do mesmo preceito legal que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Determina o art.º 71º do mesmo diploma legal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – n.º 1 -, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, (a)o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – a) -, a intensidade do dolo ou da negligência – b) -, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram – c) -, as condições pessoais do agente e a sua situação económica – d) -, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – e) -, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, o que deverá ser expressamente referido na sentença.

Tudo decorrendo do art.º 18º n.º 2 da CRP que estipula que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Estabelecendo a última parte do n.º 2 do art.º 18.º da Lei Fundamental, pressupostos materiais para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, através do chamado princípio da proporcionalidade1, a considerar na determinação da medida concreta da pena.

Em sentido estrito, o princípio da proporcionalidade está estritamente ligado ao princípio da necessidade da pena criminal e, em face deste, a pena criminal será constitucionalmente admissível se for necessária, adequada e proporcional2.

Dispondo, ainda, o art.º 27º, n.º 1 da CRP, que todos têm direito à liberdade e à segurança. E determinando o n.º 2, que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

Nos termos do art.º 71º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. Prevenção e culpa são, pois, os factores a considerar para encontrar a medida concreta da pena, sendo a culpa nas palavras do Prof. Eduardo Correia, o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso3.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.º 72.º, n.º 1; são, numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável4.

Podem ser agrupados nas alíneas a), b) c) e e), parte final, do n.º 2 do art.º 71.º do C.P., os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), do mesmo preceito, os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), ainda, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos5.

Sendo justa “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa” como ensina o Prof. Figueiredo Dias, sintetiza ainda que “as finalidades e limite das penas criminais, podem resumir-se, a que (i)toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, que (ii)a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa que (iii)dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, que (iv)dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”6.

2.2.2.3. Sendo finalidade das penas a tutela dos bens jurídicos, como referido, e previsto no art.º 40º, n.º 1, do Código Penal, há que levar em conta o bem jurídico tutelado no tipo legal de tráfico de estupefacientes.

Como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstrato, não sendo necessária a verificação do dano, estamos, também, em presença de um crime pluriofensivo, tratando-se de um crime de perigo comum, pois a incriminação visa proteger uma multiplicidade de bens jurídicos, de carácter pessoal, - como a vida, a integridade física e a liberdade dos potenciais consumidores, geralmente as camadas mais jovens do tecido social -, de bem-estar da sociedade, a saúde publica, a economia do Estado - na medida em que cria uma economia paralela incontrolável -, a segurança - na medida em que acarreta a prática de outros crimes que lhe andam associados7.

“O escopo do legislador”, como se diz no Ac. do TC 426/91, de 06 de Novembro de 1991, publicado no DR, II série, n.º 78, de 02 de abril, de 1992, (seguido pelo Ac. do TC n.º 441/94, de 07.06.1994, publicado no DR, IIª série, n.º 249, de 27.10.19948, é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.”

Na verdade, são grandes as necessidades e exigências da prevenção geral e de defesa dos bens jurídicos protegidos, numa sociedade que vive fustigada pelo fenómeno do consumo e tráfico de droga, que, como já referido, gera, a montante e a jusante, outro tipo de criminalidade9.10.

Sendo, ainda, considerado, na definição da al. m) do art.º 1º, do Código de Processo Penal, o tipo legal de tráfico de estupefacientes como integrante do conceito de “criminalidade altamente organizada”.

Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela, como se lê no sumário do Ac. do STJ de 29.02.202411.

2.2.2.4. O “correio de droga” integra-se no mundo do narcotráfico no transporte intercontinental de produtos estupefacientes, sendo o seu posicionamento de segunda linha ou de segundo plano em relação ao dono do negócio, sendo apenas executor pago ao transporte realizado12.

O “correio de droga”, por não ser o dominus negotii, poderá ter sido, numa fase inicial, alvo de tratamento diferenciado, não sendo a sua acção punida tão severamente.

Porém, vem o Supremo Tribunal de Justiça13 “desde há muito, valorizando a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor”. Como se lê, ainda, no Ac. do STJ, de 11.10.202314, “o Supremo Tribunal de Justiça vem desde há muito enfatizando a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor. No caso do tráfico internacional de estupefacientes, por meio dos chamados “correios de droga” assume-se como um critério de grande intensidade a prevenção geral, visando forte dissuasão de actividade compensatória financeiramente para aqueles, sob pena de uma verdadeira invasão, já por si muito acentuada, de introdução de estupefacientes na Europa através de países da periferia Europeia Atlântica, como Portugal.”

Sendo certo que no caso de transporte aéreo entre continentes, facilitam sobremaneira o tráfico e a sua actividade.

2.2.2.5. No caso, a arguida recorrente de 03 para ........2024, transportou 3 três embalagens que continham cocaína (cloridrato) com o peso de 2.898,700 grs, com o grau de pureza de 90.9% de pureza, de ..., Brasil, para Portugal, com o fito de as entregar a terceiros, a troco de uma quantia monetária, sendo detida na zona de controlo alfandegário do aeroporto de Lisboa.

Alega agora sobretudo a recorrente, a confissão integral e sem reservas dos factos, a ausência de antecedentes criminais, o bom comportamento prisional, a inserção social, profissional e familiar, defendendo, ainda que a “a quantidade de droga, apesar de ligeiramente superior à média habitualmente transportada pelos “correios de droga”, não faz a recorrente mais criminosa ou mais perigosa.”

Diga-se, antes de mais, que, como é sublinhado no Ac. do STJ de 19.05.202115, “os recursos não são novos julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de natureza e medida da pena.

Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém, alterando a pena, se e quando detecta incorrecções ou lapsos no processo de aplicação desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Não decide “ex novo”, como se não tivesse já sido proferida uma decisão em primeira instância.

O recurso não pode, pois, eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, de discricionariedade reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.”

“A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”16.

E a fundamentação é nestes casos bem menos exigente, incidindo sobre outra decisão que motivou a convicção, não directamente sobre o objecto do processo.

Importa, então, verificar se a decisão impugnada realizou as operações que conduzem à determinação da medida concreta da pena de prisão em que foi condenado o recorrente, de acordo com as normas legais aplicáveis.

No acórdão recorrido, foi confirmada a prática pela recorrente, atenta a verificação de todos os elementos objectivos e o subjectivo, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-B do mesmo diploma legal.

A moldura abstrata legalmente prevista vai de 4 a 12 anos de prisão, sendo o ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao recorrente.

Seguiu-se-lhe a análise das finalidades das penas, conjugadas com a culpa do arguido, fundamento e limite de qualquer pena, tal como estabelecido no artigo 40º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

E depois, uma valoração das circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.

A este propósito considerou o acórdão recorrido que “a pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, emfunção da culpa do agente enquanto limite máximoda punição e aindadas exigências de prevenção, geral e especial, postaspelo caso em apreço –emcuja valoraçãoseatenderá atodasas concretas circunstânciasque, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor do agente (art. 71º n.º 2 do CP), designadamente:”

Quanto ao “a) o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente, releva, essencialmente, o peso relevante do produto estupefaciente transportado e o grau de pureza apresentado [o produto correspondia a 13.174 doses de consumo (calculadas de acordo com o mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março), o facto de a arguida actuar conjuntamente com outros indivíduos, numa operação de âmbito internacional e a natureza do estupefaciente em causa – cocaína – (com um grau de danosidade acrescido); releva ainda a posição da arguida - “correio de droga” - uma peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva, mas sem que se apurem expectativas de ganho demasiado significativas”.

Quanto à “b) a intensidade do dolo ou negligência”, diz-se que “o dolo foi directo e intenso.”

Quanto aos “c) sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram: obtenção de dinheiro, como móbil inevitável inerente à actividade de tráfico, encontrando-se a arguida numa situação económica muito débil.”

Sobre as “d) condições pessoais do agente e a sua situação económica: a arguida apresenta uma situação pessoal marcada por adversidades várias, que comprometeram aaquisição de competênciasescolares e laborais, encontrando-seà data dosfactos numa situação de elevada precaridade económica. Não dispõe de apoio familiar em Portugal, perspectivando tê-lo no país de origem.”

Quanto à “e) conduta anterior ao facto e posterior a este: a arguida não tem antecedentes criminais registados” e “confessou integralmente e sem reservas os factos”.

… …

Neste quadro, é sensível a culpa da arguida e prementes as exigências deprevenção especial e geral (dados os reflexos comunitários do crime perpetrado).”

E concluiu que “assim, tem-se por adequada a fixação da pena em cinco anos e um mês de prisão.”

Pode, assim, concluir-se, que o acórdão recorrido se mostra bem sustentado e realizou as operações tendentes à determinação da medida concreta da pena de prisão de forma criteriosa.

Sendo certo ainda que a arguida foi detida na posse do produto estupefaciente, não sendo de tão grande relevância a confissão.

Além disso, sobre todos os cidadãos incide o dever de conduzir a sua vida em sociedade respeitando a ordem instituída pelo Direito, não cometendo actos ilícitos, de qualquer natureza, e, nomeadamente, de natureza criminal.

Assim, o comportamento de acordo com o Direito, não é mais do que uma obrigação para todos os cidadãos, não tendo, propriamente, que ser premiada, a ausência de ilícitos criminais. Antes deverão ser sancionados, aqueles que prevaricam.

Donde, a falta de antecedentes criminais não é circunstância atenuante a ser valorada, ou a ser tão valorada como pretende o recorrente, “dado que o comportamento anterior conforme as regras legais é exigido a todo e qualquer cidadão, como modo de viver em sociedade”, como se lê no sumário do Ac. do STJ de 18.02.202117.

Não sendo indiferente “a quantidade de droga transportada”, a considerar no grau de ilicitude do facto, e este na determinação da medida concreta da pena.

Pelo que, considerando as finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, a pena de 5 (cinco) anos e 1 (um) mês de prisão aplicada à arguida recorrente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-B, anexa, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa.

Na verdade, a pena encontrada está em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes, que tem vindo a manter uma certa constância desde há já algum tempo18.

São exemplo os acórdãos do STJ de 11.10.2023, proferido no processo n.º 540/22.4 JELSB.L1.S1, de 02.12.2021, proferido no processo n.º 13/20.6GALLE, de 24.03.2022, proferido no processo n.º 134/21.8JELSB.L1.S1, de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/18.6JDLSB.S1, e os inúmeros acórdãos aí citados e ainda o acórdão do STJ de 21 de fevereiro de 2024, proferido no processo n.º 101/23.7JELSB.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt.

Não havendo reparo a fazer à decisão recorrida quanto à determinação e medida concreta da pena, pois a pena encontrada está em alinhamento com as demais aplicadas neste Supremo Tribunal de Justiça e dentro dos limites normalmente respeitados para casos semelhantes, em princípio, o tribunal de recurso deve abster-se de qualquer modificação19.

Mantendo-se a pena imposta pelo tribunal coletivo, prejudicada fica a eventual possibilidade de ser suspensa na sua execução, como decorre do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.

Não se verificando a violação de qualquer das normas ou princípios invocados pelo recorrente, mais não resta do que negar provimento ao recurso.

3 - Decisão

Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em,

-negar provimento ao recurso interposto pela recorrente AA, e confirmar, antes, o acórdão recorrido;

-condenar em custas a recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (art.º 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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Lisboa, 14 de Maio de 2025

António Augusto Manso (Relator)

Maria Margarida Almeida (Adjunta)

José Alberto Vaz Carreto (Adjunto)

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1-2-Ac. do STJ de 15.02.2024, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, proferido no proc. n.º 2020/22.5PAALM.S1, in www.dgsi.pt.

3-Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, Reimpressão, 1993 Vol. I, pág. 316, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

4-Figueiredo Dias, inAs consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

5-Figueiredo Dias, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

6-Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra, Gestelegal, p. 96.

7-v. ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção.

8-citado no Ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção.

9-Do que, aliás, é expressivo, como referido no Ac. do STJ de 11.10.2023, proc. 504/22.4JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt, “o salientado em documento assinado em Roma, a 11 de junho de 2021 por membros do Judiciário do Brasil, Argentina, Portugal e Itália apontando a necessidade de respostas penais diferenciadas para cada tipo de delito envolvendo as drogas.”

10-Daí que, alguma jurisprudência não aconselha a condenação pelo mínimo legal, nem a suspensão da execução da pena como se pode ler no sumário do Ac. deste STJ, de 15.01.2014, proc. 10/13.8JELSB.L1.S1, 3ªsecção, www.dgsi.pt. relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “as extremas exigências de prevenção geral que levam a rejeitar, face ao disposto no n.º 1 do art.º 50º do CP, a possibilidade de suspensão da execução desta pena de prisão. A suspensão da pena envolveria necessariamente enfraquecimento inadmissível da protecção do bem jurídico tutelado, sabido que é que este fenómeno constitui um meio intensivamente utilizado pelas organizações que controlam a produção de estupefacientes para a sua colocação expedita nos países de maior consumo e que Portugal surge como um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de droga provinda normalmente da América do Sul, quando se trata de cocaína.”

11-proferido no processo n.º 92/23.4JELSB.L1.S1., www.dgsi.pt.

12-Na sua origem, a figura do “correio de droga”, está associada às “cinturas humanas mais degradadas das grandes metrópoles sul americanas, mais tarde da Nigéria e de outros países do continente africano”, como referido no Ac. do STJ de 15.09.2010, proferido no processo n.º 1977/09.6JAPRT.S1, 3ª secção, citado no Ac. de 11.03.2020, proc. 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt.

13-como se refere no Ac. do STJ de 11.10.2023, proferido no processo n.º 40/23.1JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.

14-proferido no processo n.º 504/22.4JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.

15-proferido no proc. n.º 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt

16-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197, citado no ac. de 19.05.2021, 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt.”

17-proferido no processo n.º 122/18.1PAAMD.S1,

18-aplicando ou confirmando penas concretas entre os 5 e os 7 anos de prisão. v. ac. do STJ de 26.10.2023, proferido no processo n.º 202/22.9JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.

19-No mesmo sentido, ainda, conclui Souto de Moura, dizendo que, sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado” - A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena, pag.6, citado no Ac. do STJ de 02.12.2021, proferido no processo n.º 13/20.6GALLE.S1, www.dgsi.pt.