COMPETÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
RENÚNCIA
REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA
Sumário

I – Tendo sido ordenada pelo Tribunal da relação uma notificação á vítima para que diga se lhe interessa o pagamento da indemnização, não se trata de produzir prova sobre a condição social do arguido, trata-se apenas até por meio de uma simples notificação perguntar à vítima se renuncia à indemnização e completar o acórdão recorrido.
II - Para tanto e porque o acórdão não foi dado sem efeito pretendendo-se apenas que seja completado para que se atribua (ou não) indemnização à vítima, é competente para o efeito o Tribunal Coletivo que produziu o Acórdão recorrido, com voto de vencido do Relator.
III - É, pois, competente para conseguir o elemento que faz falta no acórdão, o coletivo que deliberou no sentido conhecido pela Relação e não o coletivo que estava constituído antes de deliberarem.
IV - É a única lógica da realidade viva do processo e o que resulta do ordenado por este Tribunal Superior.

Texto Integral

Decisão Singular proferida, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos levanta-se o conflito negativo de competência entre o Juiz que presidiu ao coletivo que procedeu à audiência de julgamento no âmbito dos presentes autos, e a Juiz titular do processo que atualmente compõe o coletivo do Juízo Central Criminal de Loures- Juiz 5 de cuja decis\ao se recorreu para o Tribunal da Relação.
Foi observado o disposto no art. 36.º n° 1 do CPP.
Em causa está determinar qual o coletivo de juízes com competência para proceder à reabertura da audiência de julgamento nos termos e para os efeitos deliberados no acórdão de 25-5-2023 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu
“ - Negar provimento ao recurso interposto por AA.
- Revogar parcialmente o acórdão recorrido, concretamente na parte em que absolveu o arguido da pretensão cível deduzida por não estarem verificados os pressupostos de atribuição da reparação nos termos dos art.ºs 82º-A, CPP, e 16º, n.º 2, da Lei 108/2015, e determinar a reabertura da audiência para notificação da vítima/Assistente para declarar se se opõe à fixação de compensação a que alude o art.º 82º-A, do CPP, após o que deverá ser proferido novo acórdão, onde seja fixado o quantitativo da indemnização devido à vítima (salvo se esta a tal se opuser), assim se concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público”.
Considera a atual Mmª Juíza titular dos autos não ser funcionalmente competente para determinar a reabertura da audiência de julgamento determinada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, fundamentando o seu entendimento nos seguintes termos:

Nos presentes autos, o arguido AA foi julgado e condenado por acórdão de 21 de Junho de 2022, na pena única 3 anos e 2 meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime agravado de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artº 165º nº 1 e 2 e 177 º nº 1 c) do C.Penal e um crime agravado de importunação sexual p. e p. pelo artº 170º e 177º nº 1 c) do C.Penal.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por Acórdão em 25.05.2023, decidiu:
”Revogar parcialmente o Acórdão recorrido, concretamente na parte em que absolveu o arguido da pretensão civil deduzida, por não estarem verificados os pressupostos da atribuição da reparação nos termos do artº 82º-A do CPP e 16ºnº2 da Lei 108/2015 , após o que deverá ser proferido novo Acórdão onde seja fixado o quantitativo da indemnização devido à vitima (salvo se esta a tal se opuser), assim se concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.”
Em obediência ao decidido pelo Tribunal da Relação foi ordenado que os autos fossem conclusos à Mmª Juiz subscritora do Acórdão de 1º instância a fim de dar cumprimento ao ordenado pelo Tribunal Superior.
A Mmª Juiza, fez saber aos autos, que apesar de ter sido a relatora do Acórdão, por vencimento do Mmº Juiz Dr. BB, presidente do tribunal coletivo que presidiu ao julgamento dos autos.
Nesta sequência, veio o Mmº Juiz Dr. BB, informar os autos que entende não ser de sua competência proceder à reabertura da audiência.
Vieram os autos conclusos à juiz titular deste J5, e foi proferido despacho que consta de fls. 1580, onde se entendeu que de acordo com o decidido pelo Tribunal da Relação não restam dúvidas que a audiência terá de ser reaberta e pelo mesmo coletivo, que deverá proferir novo Acórdão a colmatar a insuficiência apontada, tanto mais que o Acordão, foi apenas parcialmente revogado, não podendo pois ser a audiência reaberta e analisada apenas questão civil, por outro coletivo que não apreciou a matéria de facto que obviamente tem implicação direta no montante da reparação a fixar.
Foi contudo, e para agilizar os procedimentos, ordenada a notificação da vítima, para se pronunciar se se opunha à atribuição de reparação nos termos do disposto no artº 82º-A do CPP .
A vítima veio dizer que não se opunha - cfr. Fls. 1584.
Foram novamente remetidos os autos ao Mmº Juiz Dr. BB que por despacho de fl. 1587 renova a sua interpretação que não lhe compete proceder à reabertura do julgamento dar cumprimento ao decidido pelo Tribunal da Relação.
Alegou para tanto que
“Em nosso entendimento, os argumentos invocados pelo Ilustre Colega não são de acolher. Desde logo, porque o julgamento não foi anulado, nem tão pouco o Acórdão proferido e a decisão do Tribunal da Relação é expressa e concludente que se deve proceder à reabertura da audiência e não a realização de um novo julgamento.
Entendemos salvo melhor opinião e com todo o respeito pela opinião contrária, que cabe ao mesmo colectivo reabrir a audiência e de acordo com a analise da prova, decidir e dar cabal cumprimento à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que determina tão-somente, a reabertura da audiência para apreciar a apontada questão e proferir novo Acórdão que suprima os vícios apontados.
Perante a reiterada posição do Mmº Juiz que presidiu ao julgamento e da Mmª Juiz, que proferiu acórdão impõe-se a este tribunal proferir decisão que ultrapasse este impasse, porque existe uma decisão do Tribunal da Relação, transitada em julgado que tem necessariamente de ser acatada nos seus precisos termos.
Com o devido respeito pela opinião do Exmº colega, entendo, que não pode de forma alguma ser outro colectivo de juízes a reabrir a audiência de julgamento, como pretende, desde logo, porque não é essa a decisão do Tribunal da Relação, e equivaleria a que o mesmo e único julgamento fosse feito por dois coletivos de juízes diferentes.
A decisão, apenas revogou parcialmente o Acórdão recorrido, não se nos afigura sequer legal que outro coletivo proceda ao julgamento de uma parte dos factos, relativos aos danos e montante da reparação a atribuir à vítima.
Independentemente da validade ou não, dos fundamentos invocados pelo Mmº Juiz que presidiu ao julgamento nas suas tomadas de posição, designadamente que o julgamento foi realizado por um coletivo de juízes “ad Hoc” e como tal não temos dúvida que os termos subsequentes do processo cabem ao J5 deste Tribunal, mas a decisão de afetar este julgamento ao coletivo de juízes presidido pelo Exmº Sr. Juiz BB, teve a intervenção e resulta de decisão do CSM, e não se trata de competência para os termos subsequentes do processo, mas sim de concluir a fase de julgamento, em rigor ainda não terminada, nos termos decididos e ordenados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Obviamente, entendemos não ter legitimidade para comentar ou fazer qualquer juízo valorativo, dos argumentos explanados pelo Ilustre colega, o certo é, que este tribunal não pode realizar uma “parte” do julgamento feito por outro coletivo.
Como é sabido, os tribunais de 1ª Instância devem obediência às decisões proferidas pelos tribunais superiores. A realização de parte ou de novo julgamento por este tribunal, como pretende o Exmº colega, implicava necessariamente uma violação grave de vários princípios legais e Constitucionais e um acto de desobediência á decisão superior, o que decididamente não iremos fazer, não obstante o colega afirmar que a competência para cumprir a decisão do Tribunal da Relação é o J5 deste Tribunal com o coletivo de juízes que o compõem.
Assim, e porque a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa está transitada, declaro incompetente este Tribunal para dar cumprimento à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo competente para o efeito o Tribunal Coletivo que produziu o Acórdão recorrido, a quem é dirigida a decisão daquele venerando Tribunal.
Remeta à relatora do Acórdão
A mesma pronunciou-se de seguida nos precisos termos:
Conforme resulta dos autos, o tribunal coletivo perante o qual decorreu o julgamento em primeira instância não foi por mim presidido, mas sim pelo hoje juiz desembargador BB - cf. acta de 26.4.2022 sob a refª.152494815.
Magistrado que na qualidade de presidente do tribunal coletivo que se constituiu para o julgamento nos autos subscreveu o despacho de 27.9.2024 sob a refª. 162247171, nos termos do qual verteu o entendimento de que “a competência para a subsequente tramitação do processo cabe, naturalmente, ao coletivo a quem o processo está atribuído” e não àquele que ad hoc julgou o objeto do processo.
A circunstância de eu, juiz adjunta do tribunal colectivo perante o qual decorreu o julgamento, ter sido a relatora do acórdão proferido em 1ª instância, resultando do facto de o presidente do tribunal ter votado vencido, não altera a qualidade com que um e outro interviemos no mencionado tribunal, nem me transmite as suas atribuições legais.
Nessa medida, creio que não me cabe desencadear quaisquer diligências processuais com vista ao cumprimento do determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Estando, outrossim, em crer que o impasse surgido no processo apenas pode ser ultrapassado por via de incidente de conflito de competência.
Notifique.
CUMPRE DECIDIR:
O Tribunal da Relação ordenou que se averiguasse se a vitima renunciava indemnização a que nos termos legais tem direito. Faltavam, pois, formalidades legais e para completar as mesmas, para isso ordenou a baixa dos autos à primeira instância.
Conforme foi decidido em sede de recurso, a decisão foi mantida, não havendo lugar a qual outra produção de prova, devendo apenas ser proferido “novo acórdão, onde seja fixado o quantitativo da indemnização devido à vítima salvo se esta a tal se opuser devendo tal ser-lhe perguntado.
-É verdade que, de acordo com o disposto no art. 32ºnº 9 da Constituição da República Portuguesa, como uma das garantias do processo penal. “O juiz que irá intervir em determinado processo penal é aquele que resultar da aplicação de normas gerais e abstratas contidas nas leis processuais e de organização judiciária sobre a repartição da competência entre os diversos tribunais e a respetiva composição” (cfr. acórdão do STJ de 11.11.2010, proferido no processo nº 49/00.3JABRG.G1, in dgsi.pt).
Deste modo, a competência para a subsequente tramitação do processo cabe, naturalmente, ao coletivo a quem o processo está atribuído, não havendo sequer fundamento legal para a nova intervenção do coletivo ad hoc, sob pena de manifesta inconstitucionalidade por violação do referido princípio do juiz natural.
Notifique as partes e conclua o processo à Mmª Senhora Juíza titular.
A Mmª. Juíza relatora do acórdão proferido em 1ª. Instância alegou
Conforme resulta dos autos, o tribunal coletivo perante o qual decorreu o julgamento em primeira instância não foi por mim presidido, mas sim pelo hoje juiz desembargador BB - cf. acta de 26.4.2022 sob a refª.152494815.
Magistrado que na qualidade de presidente do tribunal colectivo que se constituiu para o julgamento nos autos subscreveu o despacho de 27.9.2024 sob a refª. 162247171, nos termos do qual verteu o entendimento de que “a competência para a subsequente tramitação do processo cabe, naturalmente, ao coletivo a quem o processo está atribuído” e não àquele que ad hoc julgou o objecto do processo.
A circunstância de eu, juiz adjunta do tribunal colectivo perante o qual decorreu o julgamento, ter sido a relatora do acórdão proferido em 1ª instância, resultando do facto de o presidente do tribunal ter votado vencido, não altera a qualidade com que um e outro interviemos no mencionado tribunal, nem me transmite as suas atribuições legais.
Nessa medida, creio que não me cabe desencadear quaisquer diligências processuais com vista ao cumprimento do determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Estando, outrossim, em crer que o impasse surgido no processo apenas pode ser ultrapassado por via de incidente de conflito de competência.
Notifique”.
CUMPRE DECIDIR
Como também entendido em decisão proferida em 2 de Maio de 2024 no processo 105/11.2TELSB-A.L1 sobre similar conflito negativo de competência, está-se perante um conflito de competência “ atípico e impuro” e “ Pese embora a atipicidade do conflito decidendo – o dissenso entre ambos os juízes coloca-se ao nível jurisdicional – o mesmo é gerador de um real conflito de competência, que impõe decisão nos termos do artigo 12º, nº 5, al. a) do CPP tendo em conta o impasse processual que já se estabeleceu.
Analisando os autos, verificamos que o que se pretende é uma notificação á vítima para que diga se lhe interessa o pagamento da indemnização, não se trata de produzir prova sobre a condição social do arguido, trata-se apenas até por meio de uma simples notificação perguntar á vitima se renuncia à indemnização e completar o acórdão recorrido completando-o.
Para tanto e porque o acórdão não foi dado sem efeito pretendendo-se apenas que seja completado para que se atribua (ou não) indemnização á vitima , é competente para o efeito o Tribunal Coletivo que produziu o Acórdão recorrido, a quem é dirigida a decisão deste Tribunal da Relação.
Não se trata de realizar novo julgamento, nem a expressão abertura de audiência, tem por objectivo a realização de novo julgamento.
É, pois, competente para conseguir o elemento que lhe faz falta no acórdão, o coletivo que deliberou no sentido conhecido pela Relação.
Assim, o cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação é da competência do Tribunal coletivo que produziu o acórdão recorrido. É a única lógica da realidade viva do processo e o que resulta do ordenado por este Tribunal Superior.
Remeta os autos ao tribunal Coletivo que elaborou o AC para continuar a tramitação dos mesmos até final por ser o competente.
Não é devida taxa de justiça.

Lisboa 13.05.25
(Decisão Elaborada e revista)
Adelina Barradas de Oliveira