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DESPEDIMENTO DISCIPLINAR
MEIOS ILÍCITOS DE PROVA
MEIOS TECNOLÓGICOS DE VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
DISPOSITIVOS DE GEOLOCALIZAÇÃO
Sumário
I. O empregador nunca pode utilizar quaisquer meios tecnológicos de vigilância à distância com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. II. Apenas pode utilizá-los com a finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem, sendo certo que, quando se verifique esta situação, os dados pessoais registados através da utilização dos meios tecnológicos de vigilância à distância só podem ser utilizados no âmbito do processo penal ou para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal. III. Sendo os dispositivos de geolocalização, mormente os de GPS, equipamentos tecnológicos que permitem controlar remotamente os trabalhadores, de forma continuada e melhorada, os mesmos constituem um meio de vigilância à distância para os sobreditos efeitos.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra IMAGENS E DESTINOS, UNIPESSOAL, LDA., juntando decisão proferida no processo disciplinar contra si instaurado pela Ré, onde lhe foi aplicada a sanção de despedimento com justa causa.
A Ré apresentou articulado em que alegou os fundamentos da decisão de despedimento, tendo também juntado o processo disciplinar.
O Autor apresentou contestação, arguindo a nulidade do procedimento disciplinar e impugnando a existência de justa causa de despedimento, designadamente por a factualidade invocada assentar em alegados registos de GPS que foram obtidos ilicitamente. Pede a declaração de ilicitude do despedimento e, em reconvenção, a condenação da Ré a pagar-lhe o valor das horas de formação profissional não prestada e indemnização por danos não patrimoniais, pela inactividade a que foi sujeito, em quantia não inferior a 5.000,00 €. A final, optou pela indemnização de antiguidade.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a nulidade do procedimento disciplinar.
Oportunamente, procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: «Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo a acção parcialmente procedente e, consequentemente: a) declaro lícito o despedimento do Autor, AA, por procedência da justa causa; b) condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de 328,30€ (trezentos e vinte e oito euros e trinta cêntimos) a título de crédito de horas de formação; c) no mais, vai a Ré absolvida. Custas pelo Autor e Ré.»
O Autor interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. A douta sentença considerou provado que “Em finas de setembro de 2023 do ano transato (2023), a sociedade comercial denominada Via GPS, Lda. procedeu à instalação de um sistema de software de gestão de frota e localização GPS numa determinada viatura (com a matrícula ..-OB-.., Renault Master), pertencente à Ré entidade empregadora.”, o que não resulta da prova produzida nos autos. 2. O referido sistema de GPS foi instalado em meados de outubro de 2023, conforme decorre do depoimento prestado pela testemunha BB no ficheiro áudio 2286-24.6T8FNC_2024-10-02_09-45-58 -, na passagem 00:00:59 a 00:01:37. 3. Até outubro de 2023, a Recorrida nunca necessitou de qualquer sistema de software de gestão de frota e de localização GPS de veículos, mesmo tratando-se de uma empresa que está no mercado do turismo, com transporte de passageiros em passeios turísticos, pelo menos de 2015. E bem assim nunca precisou do referido sistema para o exercício eficaz do seu poder de direção e fiscalização no que diz respeito à atividade desenvolvida pelos seus motoristas, nomeadamente pelo Recorrente, o que se entende, pois tinha muitos outros mecanismos ao seu dispor que permitem avaliar especificamente o desempenho do Recorrente, sem que tivesse de ser invadida a sua esfera privada, como por exemplo, questionários de satisfação/avaliação dos clientes. 4. A Recorrida apenas quis instalar o referido sistema de software de gestão de frota e de localização GPS num determinado veículo, o veículo alocado ao Recorrente e à sua Colega CC – também esta alvo de processo disciplinar nos mesmos moldes e termos. 5. Pelo que não deve ser dado como provado os factos elencados no ponto 9 a 11 da matéria provada. 6. O Tribunal a quo considerou documentalmente os elementos do processo disciplinar, nomeadamente quanto ao sistema de GPS instalado no veículo utilizado pelo Recorrente, afirmando que inexistem dúvidas quanto à natureza e veracidade das listagens juntas aos autos, porquanto as mesmas correspondem àquelas que foram impressas na sede da entidade empregadora, aquando da formação com vista à consulta dos dados. No entanto, tal convicção não resulta, de forma inequívoca e sem margem para dúvidas, da prova produzida nos autos. 7. Conforme refere a testemunha BB no ficheiro áudio 2286-24.6T8FNC_2024-10-02_09-45-58 -, nas passagens 00:25:19 a 00:26:13, 00:32:03 a 00:32:43, 00:33:20 a 00:37:58 e, por fim 00:40:01 a 00:44:26, em que menciona expressamente que foram impressos relatórios no dia em que deu a formação à Recorrida, no entanto, atento o tempo já decorrido, não consegue afirmar com certeza que os relatórios impressos são exatamente os mesmos que constam dos autos. 8. Resulta do conhecimento geral, qualquer relatório/mapa, ainda que baseado em dados transmitidos, pode ser alvo de manipulação, sendo que resulta do próprio depoimento da testemunha BB que afirmou reconhecer que os relatórios eram os da sua empresa e desenhados por si, no entanto, também disse e afirmou que a extração dos mesmos pode ser feita em ficheiro PDF ou ficheiro Excel– podendo neste último - os dados serem alterados e o ficheiro ser trabalhado, não existindo um registo da plataforma de quantas vezes se acedeu ao ficheiro. 9. Resulta igualmente do conhecimento geral, diversos fatores podem interferir no bom funcionamento de qualquer aparelho eletrónico, ainda para mais um aparelho que, para o seu correto funcionamento, depende da comunicação de satélites que orbitam a Terra, tais como as condições meteorológicas, o local concreto em que se encontra o aparelho e mesmo diversos fenómenos atmosféricos, não sendo possível à data da audiência confirmar se os ficheiros impressos correspondem às reais informações constantes do sistema. 10. O Tribunal a quo considerou que a utilização do sistema de GPS pelo empregador, em veículo automóvel utilizado pelo trabalhador no exercício das respetivas funções, não pode ser qualificado como meio de vigilância à distância no local de trabalho, porquanto apenas permite a localização do veículo em tempo real, referenciando-o em determinado espaço geográfico, não permitindo saber o que faz o respetivo condutor. Para tanto, alega que estamos perante uma situação do âmbito penal, pelo que impera o disposto no n.º 4 e 5 do artigo 28.º da Lei 58/2019. 11. Resulta claro que o sistema de registo GPS apenas se encontra instalado num único veículo da Recorrida, uma vez que todos os demais veículos com sistema de localização dizem respeito aos veículos “rent a car” e não veículos de passageiros, sendo que a instalação do sistema motivou-se como forma de “angariar prova” para o desempenho do trabalhador, quer a nível de quilómetros percorridos e paragens efetuadas, quer a nível de velocidade alcançada. 12. A recolha desta georreferenciação após o horário de trabalho coloca em risco a privacidade do trabalhador e é considerada, pela Autoridade de Controlo (CNPD), uma prática excessiva e desproporcional, suscetível de aplicação coima. Não obstante, ainda que o sistema GPS de geolocalização seja considerado legítimo para efeitos de proteção de pessoas e bens, a verdade é que o Recorrente deveria sempre ter sido informado e a Recorrida deveria garantir a possibilidade de ser o próprio trabalhador a controlar o processamento dos seus dados pessoais, de acordo com os seus períodos de trabalho, pausas e descanso, não ficando sujeito a uma monitorização por parte desta, fora do seu período normal de trabalho. 13. Tem sido entendimento da CNPD e prática em outros países da Europa, que deve ser dada a possibilidade ao trabalhador de ligar e desligar (switch on/switch off) o dispositivo de GPS, consoante está ou não ao serviço, situação que nunca se verificou no caso em apreço. 14. Ainda que se admita a colocação de um autocolante que identifica que o veículo em questão tem o referido sistema GPS, a verdade é que a Recorrida nunca informou o Recorrente qual a finalidade pretendida com a utilização deste equipamento de localização geográfica à distância, deixando até escapar nestes autos que estava à procura de “provas” referente ao desempenho do trabalhador para defender-se de eventuais reclamações. 15. Deste modo, o facto de não existir captação ou registo de imagem ou som no sistema de GPS instalado no veículo, não significa que o seu uso não afete os direitos de personalidade do trabalhador, na medida em que, este meio de vigilância à distância localiza não só o veículo em tempo real e no local geográfico onde este se encontra como, por sua vez, localiza o trabalhador que o conduz. 16. Resulta do n.º 4 do artigo 28.º da Lei 58/2019 que as imagens gravadas através da utilização de sistemas de videovigilância, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal, e o n.º 5 do mesmo preceito refere que as imagens obtidas só podem ser utilizadas para efeitos de responsabilidade disciplinar na medida em que o sejam no âmbito do processo penal. No caso em apreço, não estamos perante um ilícito penal, desde logo, porque não só não foram juntos ao processo disciplinar registos captados por um radar de velocidade devidamente certificado e reconhecido, como não existe qualquer notificação de contraordenação aplicada à Recorrida imputável ao Recorrente. 17. Em todo o tempo de trabalho do Recorrente como motorista de passageiros, nunca o mesmo foi interpelado com queixas de excesso de velocidade. 18. Não resultou provado que estava afixado na sede da entidade empregadora que aquele veículo de serviço estava sob sistema de vigilância à distância e que o trabalhador Recorrente tenha sido informado, uma vez que conforme resultou das declarações prestadas pelo Gerente da Recorrida o aviso constava para todos os veículos da “rent- a-car”. Onde não se inclui o veículo de serviço de transporte de passageiros. E mesmo que tivesse sido devidamente informado da monotorização em sistema de GPS, sem conceder, sempre se dirá que não podem os relatórios emitidos ser utilizados no âmbito do processo disciplinar, até porque o ora Recorrente nunca foi alertado de qualquer infração, nem nunca foi alvo de contraordenação. 19. Atento o exposto quanto ao sistema de GPS, não deve ser dado como provado os factos elencados nos pontos 14, 16 e 17 da matéria provada, porquanto assentam em relatórios emitidos cuja veracidade está visivelmente comprometida. 20. A douta sentença considerou provado que “O Autor trabalhador conduziu acima dos 90 km/h nos troços para os quais os limites de velocidade é de 50 km/h, tal como sucedeu por diversas vezes no dia 20/12.”, sendo que sustenta o Tribunal a quo a sua decisão quanto a este ponto da matéria de facto novamente nos relatórios emitidos e como se o Recorrente fosse o único a utilizar o veículo, justificando ainda que este colocava, conscientemente, em causa os deveres de realizar o seu trabalho com zelo e diligência. Tal convicção não resulta da prova produzida nos autos. 21. A verdade é que o sistema de velocidade apenas está programado para detetar a velocidade acima de 90 km/h, isto é, na via rápida, o que se verifica pelo depoimento da testemunha BB no ficheiro áudio - Diligencia_2286-24.6T8FNC_2024-10-02_09-45-58 -, na passagem 00:27:43 a 00:30:15. 22. Os relatórios juntos aos autos apenas se reportam à condução em troços designados como vias rápidas, tais como VR1, R101, sendo certo que há determinadas moradas que ali constam que se colocarmos as referidas coordenadas, o GPS indica uma posição que parece sobrepor-se a habitações ou terrenos particulares, mas que, ao analisar o contexto da situação, nota-se que se trata claramente de uma circulação em uma via rápida adjacente. 23. Tal ocorre devido à margem de erro inerente aos sistemas de GPS, que pode variar entre alguns metros e dezenas de metros, dependendo de diversos fatores externos. O que demonstra, desde logo, as limitações do sistema de GPS que podem levar a interpretações incorretas sobre a posição exata do veículo. 24. Deste modo, mais uma vez, tendo os registos do sistema GPS referente à velocidade sido a única fonte de aquisição de todos os factos imputados ao Recorrente, e a sua única prova, reitera-se que estes factos, por terem sido levados ao processo de forma ilícita, e se tratarem de dados imprecisos, não podem servir de fundamento a uma decisão de despedimento- 25. Não resultou provado que o Recorrente tenha, de forma consciente e deliberada, infringido os seus deveres, nem tão pouco que alguma vez tenha colocado em causa a segurança dos passageiros que transporta ou até de outros veículos que ali circulam. Tanto que, em nenhum momento, foi alertado por parte da sua entidade empregadora, para situações de excesso de velocidade. 26. O conceito de culpa com dolo exige que o trabalhador atue com intenção deliberada de violar a lei, prevendo e aceitando as consequências do ato. No caso destes autos, não existem elementos probatórios que permitam concluir pela existência de uma intenção deliberada ou consciente do trabalhador Recorrente em infringir as normas de trânsito. 27. Uma condução em excesso de velocidade, com uma margem que nunca ultrapassa os 100 km/h, pode decorrer de fatores alheios ao dolo, tais como distração momentânea, erro de avaliação ou condições externas (por exemplo, características da via). 28. O trabalhador Recorrente nunca foi alvo de nenhum tipo de contraordenações rodoviária, nem tão pouco de aplicação de sanções disciplinares conservatórias anteriores. 29. A sentença ora recorrida defendeu ainda que o trabalhador Recorrente não provou qualquer facto que permitisse concluir pela licitude da sua conduta, sendo que, ao invés se apuraram factos que não permitem vislumbrar qualquer justificação. 30. O Recorrente não pode ser confrontado com a prova da licitude da sua conduta, uma vez que a presunção de inocência constitui um princípio fundamental, com aplicação plena no âmbito das relações laborais. Por analogia ao disposto no artigo 342.º do Código Civil, compete à Recorrida empregadora, enquanto Autora da alegação de excesso de velocidade, o ónus de demonstrar a existência e a gravidade dos factos que imputa ao trabalhador Recorrente, bem como o nexo de causalidade entre a conduta deste e os prejuízos alegados. 31. Não se pode exigir ao trabalhador Recorrente que prove um facto negativo – a ausência de culpa ou de conhecimento de elementos específicos (como as velocidades ou os relatórios mencionados) – sendo a entidade empregadora quem tem o dever de apresentar evidências concretas que sustentem as suas acusações. 32. O trabalhador Recorrente afirmou, de forma clara e consistente, que desconhecia tanto estas velocidades e como os relatórios que lhe foram imputados, tendo impugnado a veracidade de tais documentos. A simples afirmação de desconhecimento por parte do trabalhador Recorrente é coerente com o princípio de que ninguém pode ser obrigado a confessar ou produzir prova contra si mesmo. 33. Em todo o caso, sempre se dirá que, em caso de dúvida razoável quanto aos factos imputados ao trabalhador Recorrente, deve prevalecer a interpretação mais favorável a este, em conformidade com o princípio in dubio pro operario, orientador das relações laborais. 34. A inexistência de um histórico de condutas passiveis do exercício do poder disciplinar por parte do trabalhador Recorrente reforça a ausência de fundamentos consistentes para quebrar a confiança e aplicar a sanção mais gravosa. 35. Em quase dois anos de vínculo laboral, e ainda com diversas prestações de serviço anteriores para a mesma empregadora, o trabalhador Recorrente sempre desempenhou as suas funções sem incidentes relevantes ou reclamações, reforçando a presunção de que, até prova em contrário, é uma pessoa digna de confiança, pelo que não cabe ao trabalhador Recorrente o ónus de demonstrar essa confiança, sobretudo quando esta foi construída ao longo de um histórico laboral consistente e sem máculas. 36. A confiança no trabalhador Recorrente não pode ser posta em causa de forma arbitrária com base em acusações de limites de velocidade ultrapassados, cuja dúbia veracidade dos relatórios ficou demonstrada, especialmente quando estas não foram precedidas por quaisquer advertências ou sanções disciplinares menos gravosas, como determina o princípio da proporcionalidade. 37. No caso em apreço, a aplicação direta da sanção mais gravosa, sem qualquer advertência prévia ou avaliação das condições que levaram à ocorrência dos factos, desrespeita o princípio da progressividade das sanções, que prevê que sejam utilizadas sanções conservatórias antes de se recorrer à mais extrema – o despedimento. 38. Qualquer trabalhador tem o direito de ser previamente advertido ou orientado quanto a eventuais deficiências no seu desempenho, permitindo-lhe melhorar e evitar a repetição de comportamentos considerados inadequados, o que não se verificou nestes autos. 39. Em nenhum momento, foi oferecida ao trabalhador Recorrente qualquer oportunidade para corrigir ou justificar os factos que pudessem estar na origem de eventuais incidentes de que vem acusado, o que demonstra que a Recorrida empregadora agiu de forma precipitada. 40. Os registos de GPS apresentados quanto ao registo de velocidade, na hipótese de serem imprecisos e alterados, não podem fundamentar que, no caso do Recorrente seja aplicada uma sanção tão grave como a do despedimento. Sendo certo que, a sanção aplicada ao Recorrente, ainda que se considerasse que o mesmo tenha ultrapassado os limites de velocidade na via rápida em 8km o que, repita-se, não se concede, é francamente desproporcional e não implica, de forma alguma, a impossibilidade de subsistência da relação laboral. 41. Pelo que não podem ser dados como provados os factos elencados no ponto 18 e 21 da matéria provada quanto à alegada condução em excesso de velocidade. 42. A douta sentença viola, neste aspeto, o disposto no artigo 351º do Código do Trabalho. 43. Todo o processo disciplinar movido ao Recorrente assenta na utilização de um aparelho GPS, altamente violador dos mais elementares direitos e garantias dos trabalhadores sujeitos a tal controlo. 44. E motiva-se essencialmente em retaliação, tudo porque o Recorrente e a Colega CC recusaram denunciar o contrato de trabalho em detrimento de voltar ao regime anterior de recibos verdes. 45. O sistema de GPS apurar a localização exata, em momento determinado, do veículo onde se encontra instalado e, consequentemente, da pessoa que nele se desloca, devendo o mesmo ser considerado um mecanismo de vigilância à distância e passível de interferir com o constitucionalmente consagrado direito de reserva da intimidade e da vida privada (artigo 26.º da CRP), e como tal, ser enquadrado no regime consagrado pelos artigos 20.º e 21.º do CT. 46. Neste mesmo sentido se tem vindo a pronunciar parte da doutrina e jurisprudência, conforme se verifica pelos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22.04.2013 e do Tribunal da Relação de Évora de 08.05.2014, no que vão acompanhados por extensa doutrina na matéria. 47. O GPS é um mecanismo de controlo à distância e que deve, portanto, ser enquadrado no regime previsto para estes meios no Código do Trabalho, claro é que é proibido utilizá-lo para controlar o desempenho profissional do trabalhador (Cfr. Artigo 20.º, n.º 1 do CT). 48. A Comissão Nacional de Protecção de Dados publicou a Deliberação n.º 7680/2014, em que refere precisamente que “A precisão da georreferenciação diz-nos se uma pessoa está em casa, no centro comercial, na pastelaria, no cinema ou no mercado, no jardim ou na rua em frente a um número de porta concreto. Acresce ainda que as diferentes tecnologias podem ser combinadas de modo a potenciar um melhor serviço.” 49. Indicou a Comissão um elenco de condições de legitimidade para a instalação, utilização e tratamento dos dados recolhidos por aparelhos GPS, balizando-as pelo disposto no artigo 7º, n,º 2 da LPD e 20º do Código do Trabalho, fixando requisitos quanto às finalidades dos tratamentos e quanto à idoneidade dos meios para alcançar os fins pretendidos, defendendo que, em todo o caso, a utilização dos GPS deve ser sujeita a autorização prévia da Comissão, o que não aconteceu no caso da Recorrida, que, desde logo admite, que apenas colocou autocolante no veículo que informa a instalação do dispositivos, não tendo tido qualquer autorização para a sua utilização. 50. No caso dos autos, a Recorrida quis, intencionalmente, fazer um controlo dos dados transmitidos pelo aparelho GPS, aliás, procedeu à instalação do sistema devido a “reclamações” que recebia, conforme é referido pela testemunha BB na passagem transcrita. 51. A própria Comissão afasta expressamente a possibilidade de utilização para prova de cumprimento de qualquer contrato ou de desempenho do trabalhador, sendo que é a própria Ré/Recorrida que declara que uma das finalidades da instalação do referido aparelho foi, precisamente, monitorizar o desempenho dos trabalhadores, que utilizavam os veículos, nomeadamente o Recorrente a sua colega CC – também alvo de processo disciplinar-, onde o aparelho se encontrava instalado, ou seja, para poder visualizar os tempos de paragem, as paragens efetuadas, a distância percorrida em quilómetros, a velocidade, e, assim, garantir que os trabalhadores estavam a fazer determinadas paragens, como forma de aferição do cumprimento das ordens e instruções da entidade empregadora. 52. Pelo que ainda que a finalidade da instalação do referido aparelho não fosse a monitorização do desempenho dos trabalhadores (o que no caso em apreço, repita-se, não se verifica, como a própria Recorrida defende que precisava de “provas”), esta não se poderia socorrer das informações obtidas por aquela- via para outras finalidades que não as permitidas por lei, ou seja, para a proteção ou segurança de pessoas e bens (Cfr. artigo 20.º, n.º 2 do CT). 53. Sendo incorreto afirmar que o GPS apenas permite saber a localidade em que um veículo se encontra, visto que, nos próprios relatórios que a Recorrida juntou como documentos com a nota de culpa enviada à Recorrente aparecem discriminadas as concretas vias em que o veículo se encontrava. 54. O GPS é, então, um mecanismo de controlo à distância e que deve, portanto, ser enquadrado no regime previsto para estes meios no Código do Trabalho, claro é que é proibido utilizá-lo para controlar o desempenho profissional do trabalhador (Cfr. artigo 20.º, n.º 1 do CT), pelo que a utilização dos aparelhos GPS feita pela Recorrida é ilegal, contrária à boa-fé e desprovida de qualquer sentido de ética. 55. A utilização deste sistema GPS por parte da Recorrida é ilegal e abusiva e constitui uma violação dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, nomeadamente do Recorrente. 56. Ademais, as reclamações juntas ao processo disciplinar pela Recorrida, primeiro foram comunicadas por terceiro, com um decurso de tempo de cerca 4 meses desde a alegada verificação das mesmas, conforme se pode comprovar pelo email junto sob documento 8 da nota que culpa, em que a testemunha DD faz uma reclamação por escrito a 31 de Janeiro de 2024 sobre factos que terão ocorrido em Setembro de 2023. E segundo porque o email junto aos autos como documento 1 da nota de culpa, trata-se de um email de um cliente que, em nenhum momento, identifica o trabalhador ou faz referência a limites de velocidade ultrapassados. 57. Pelo que não podem ser dados como provados os factos elencados no ponto 19 da matéria provada. 58. O Tribunal a quo considerou que verificou-se ausência de prova que o Recorrente tenha sido esvaziado e funções no decurso do processo disciplinar. No entanto, consta dos autos nomeadamente do documento 10 junto com a contestação que o Recorrente quando o se apresentou ao trabalho, após o regresso das férias em Fevereiro de 2024, foi impedido pela Ré empregadora de desempenhar as suas funções, tendo esta referindo apenas para o efeito “aqui não há mais trabalho para ti”, sendo que a Recorrida colocou-o na via pública, junto ao veículo de serviço, sem lhe atribuir qualquer trabalho, deixando-o durante o seu horário de trabalho sem condições, sem wc, ao sol e ao frio. Tal é o que resulta da denúncia efetuada pelo Recorrente junto da autoridade regional para as condições do trabalho, pelo que resulta demonstrado este facto elencado pelo Recorrente. 59. A sentença ora recorrida não deveria ter confirmado o despedimento do Recorrente, mas sim ter declarado a ilicitude do mesmo, com todas as consequências legais, pois o mesmo se baseou, apenas, em meios de prova ilícitos, cuja veracidade não se pode deixar de considerar como duvidosa. 60. Face ao carater ilícito do despedimento do Recorrente, deverá a Douta Sentença deverá ser revogada na parte em que não considera ilícito o despedimento do Autor/Recorrente e absolve a Ré/Recorrida dos consequentes pedidos, e, consequentemente, confirmando o carácter ilícito do despedimento do Autor/Recorrente e condenado a Ré/Recorrida na totalidade do pedido efetuado por este, a saber: a) todas as retribuições que o Autor/Recorrente deixou de auferir desde 10 de Maio de 2024 até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido dos respetivos juros vencidos e vincendos, sem prejuízo do disposto no art.º 98º-N, nºs 1 a 3, do CPT; b) dias de férias, subsídio de férias e de Natal, desde 10/05/2024 até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido dos respetivos juros, vencidos e vincendos; c) indemnização em substituição da reintegração, nos termos do nº 1 do artigo 391º do CT, acrescida de juros legais desde a data da propositura da ação até integral pagamento, a qual deverá ser fixada por este Douto Tribunal pelo montante não inferior a 30 dias de retribuição por cada ano de duração do contrato; d) 72 horas de formação não ministrada, acrescida dos respetivos juros à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da propositura da presente ação até integral pagamento - € 376,56 [(€ 850 x 12): (52x37,5) = € 5,23; € 5,23x72]; e) quantia não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 389º do CT.»
A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, formulando as seguintes conclusões: «A) A douta sentença proferida nos autos que declarou lícito o despedimento do Autor, AA, por procedência da justa causa é correta, tanto na forma como no conteúdo, revelando correta apreciação da matéria de facto dada como provada, com interesse para a decisão e uma adequada aplicação do direito ao caso vertente, pelo que deve ser mantida. B) Não é legalmente admissível que nas alegações de recurso e respetivas conclusões, o Recorrente suscite questões distintas daquelas que foram levadas e tratadas em juízo, com o intuito de compor tudo aquilo que em sede própria não alegou e, concomitantemente não provou. C) Os factos dados por provados pelo Tribunal recorrido, designadamente, e para o que ora releva, os que o Recorrente pretende sejam dados por não provados - pontos 9 a 11, 14, 16, 17, 18, 19, e 21 - atenta a prova produzida e não produzida, respetivamente, nos presentes autos, devem ser mantidos inalterados. D) Os registos juntos aos autos, designadamente os do excesso de velocidade, constam de ficheiros obtidos, a partir do sistema de software de gestão de frota e localização GPS instalado pela sociedade comercial denominada Via GPS Lda., na viatura com a matrícula ..-.B-.. Renault Master, pertencente à Ré, aqui Recorrida e conduzida pelo Recorrente - conforme ficou declarado pelo gerente daquela, a testemunha BB, cujo depoimento ficou gravado através do sistema de gravação digital, integrado na aplicação informática "H@bilus/Citius", em uso no Tribunal recorrido, a que corresponde o ficheiro áudio 2286-24.6T8FNC_2024-10-02_09-45-58. E) Sistema esse, que retrata a localização da uma determinada viatura e trata da gestão da frota da empresa e tudo quanto respeita à viatura, tipos de paragem, tempos de andamento, materiais e combustíveis da viatura. F) O GPS apenas permite a localização de veículos em tempo real, referenciando-os em determinado espaço geográfico. Não se dirigindo diretamente à vigilância do campo de ação dos trabalhadores, não permite saber o que fazem os respetivos condutores, mas, tão somente, onde se encontram e se estão parados ou em circulação. G) Tal meio de prova não se confunde, assim, com meios de vigilância à distância, os quais remetem para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas. H) Em momento algum nestes autos, esteve em causa os tempos de descanso do trabalhador, aqui Recorrente mas e nomeadamente se o trabalhador conduzia ultrapassando os limites legais de velocidade, dentro do seu horário de trabalho! I) A utilização do GPS, nos moldes constantes da factualidade provada, de forma alguma afeta a esfera de intangibilidade dos valores de privacidade relembrando-se, que o que se discutiu no processo disciplinar foi a questão de saber se o trabalhador passava ou não nos pontos turísticos obrigatórios das excursões que realizava, se parava ou não em determinados pontos e quando parava se observava os respetivos tempos, e se cumpria com os tempos das excursões, bem como, se conduzia ou não dentro dos limites legais de velocidade, tudo dentro do seu horário de trabalho, e não o que estava em concreto a fazer nos locais em que foi referenciado, sendo certo que o que estava efetivamente a fazer não foi sequer alegado/invocado pela empregadora. J) A utilização do GPS, em situações como a dos autos, atento o objeto social da sociedade comercial, aqui empregadora Recorrida - atividade de agência de viagem, principalmente ligada à venda de viagens, de percursos turísticos, de transportes e alojamento (…) e, bem, assim ao transporte rodoviário de passageiros7 -, e da categoria profissional do trabalhador, aqui Recorrente - como motorista de passageiros8 - por um lado, e pela circunstância de facilitar ações de socorro em caso de avaria, acidente ou quaisquer outras situações de risco, tal como contribuir para a prevenção de acidentes, por outro lado, se afigura aqui inequivocamente pertinente, adequada, proporcional e não excessiva, tendo em conta a globalidade dos interesses em jogo. K) Sendo os dados e registos proveniente de GPS fidedignos e lícitos, toda a matéria de facto dada como provada decorrente dos mesmos, assim se deve manter, como sejam os factos constantes nos pontos 14, 16, 17, 18, e 21. L) Como consequência da aludida matéria de facto dada como provada conjugada com a prova testemunhal produzida nestes autos, e a não produzida, respetivamente, o Tribunal recorrido também deveria ter, ainda, considerado provado o seguinte: [22.] As paragens em determinadas localidades previstas nos itinerários da excursão eram encurtadas pelo Trabalhador, sem qualquer motivo fundamentado que o justificasse e, em manifesta, desobediência das ordens emanadas pela entidade empregadora; [23.] O tempo previsto para uma determinada excursão como a” East Tour” ou “West Tour” previstas realizar entre as 9h e as 17h terminavam muito antes desta hora, sem qualquer motivo fundamentado que o justificasse e, em manifesta, desobediência das ordens emanadas pela entidade empregadora; [24.] As viagens referentes aos passeios turísticos em apreço terminavam antes da hora prevista para as mesmas, pelo facto de o trabalhador não passar por determinados pontos turísticos, ou aí estacionar ou quando aí estacionava ocorria por tempo inferior ao indicado pela empresa e, ainda, porque o motorista, AA, aqui Recorrente conduzia em excesso de velocidade em determinados troços do respetivo itinerário. M) Conjugando a prova documental - registos do sistema GPS - e testemunhal - vd. depoimento da testemunha EE depoimento que se encontra gravado através do sistema de gravação digital, integrado na aplicação informática "H@bilus/Citius", em uso no Tribunal recorrido, a que corresponde o ficheiro áudio 2286-24.6T8FNC_2024-10-02_11-11-33 entre o minuto [00:41:14] e o minuto [01:01:08] – produzidas, donde decorre à saciedade a desobediência pelo Recorrente das ordens emanadas pela entidade empregadora no que respeita aos locais de passagem e tempos de paragem e tempos das excursões, com a não produzida, uma vez que o Recorrente não provou quaisquer factos que permitam concluir pela licitude da sua conduta, ficou demonstrado que: - As viagens referentes aos passeios turísticos em apreço terminavam antes da hora prevista para as mesmas, que era as 17h; - O Trabalhador aqui Recorrente, no dia 19 de dezembro de 2023 e nas outras datas enunciadas nestes autos, com referência aos percursos constantes da matéria de facto dada por provada, era o motorista que conduzia a viatura com a matrícula 93 0B 62 (o que aliás nunca foi impugnado pelo Autor, ora Recorrente), não passou por determinados pontos turísticos, ou aí estacionou para os turistas saírem e visitarem os mesmos ou, quando aí estacionou ocorreu por tempo inferior ao indicado pela empresa (30 minutos) e, ainda e conduzia ultrapassando os limites legais de velocidade. N) Resulta à saciedade, por dedução lógica, que foi o conjunto destes comportamentos perpetrados pela único motorista dos percursos em apreço, a ora Recorrente que levou a que: - As paragens em determinadas localidades previstas nos itinerários eram encurtadas, sem qualquer motivo fundamentado que o justificasse e, em manifesta, desobediência das ordens emanadas pela entidade empregadora; - O tempo previsto para uma determinada excursão como a “East Tour” ou “West Tour” previstas realizar entre as 9h e as 17h terminavam muito antes desta hora, sem qualquer motivo fundamentado que o justificasse e, em manifesta, desobediência das ordens emanadas pela entidade empregadora. O) É grave um motorista que tem pontos turísticos para passar e parar e aí não passa nem para ou quando para, fá-lo por tempo inferior ao determinado pela sua empregadora, terminando as respetivas viagens antes dos tempos para as mesmas definidos não cumprindo com o horário da excursão turística e, concomitantemente, com o seu horário de trabalho. P) O Tribunal ad quem deve determinar, ainda provado que [25] o Trabalhador não mantinha limpo o veículo por si conduzido, conforme prova produzida nos autos – vd. declarações da testemunha EE que como já se referiu cumulava as funções de motorista e guia prestando os seus serviços para a entidade empregadora, ora Recorrida, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema de gravação digital, integrado na aplicação informática "H@bilus/Citius", em uso no Tribunal recorrido, a que corresponde o ficheiro áudio 2286-24.6T8FNC_2024-10-02_11-11-33 entre o minuto [01:01:15] e o minuto [01:03:35]. Q) Todas as conclusões do Recorrente como sejam as contidas nos números 9, 22, 23, 27, 56 devem dar-se por não escritas, uma vez que as questões aí vertidas apenas foram suscitadas em sede de recurso, ainda que de forma emaranhada, não tendo sido consequentemente produzida qualquer prova nos autos que as sustente. R) É pelo conjunto dos factos que no entender da Recorrida devem se ter por provados que o despedimento do trabalhador, aqui Recorrente é lícito. S) Tais práticas manifestamente reiteradas, graves e que tendo o Recorrente conhecimento das suas funções e das regras existentes e do trabalho destinado não se coibiu de não os observar. T) Quebrando a confiança imprescindível à manutenção da relação laboral, e, em conformidade, afigurando-se esta inviável, pois que a empregadora não pode ser alheia a este tipo de situações nem as tolerar. U) O comportamento que traduz um incumprimento por parte do trabalhador de um dever contratual que lhe assiste presume-se culposo, presunção essa, porém, que não abrange o comportamento culposo grave a que alude o artigo 351º, n.º 1, do Código do Trabalho. V) À luz das circunstâncias descritas e que resultaram demonstradas, o despedimento é sanção adequada à culpabilidade do Autor trabalhador, aqui Recorrente (artigo 357º, n.º 4 do Código do Trabalho). W) Na verdade, era exigível ao Autor trabalhador, ora Recorrente assim como a qualquer outro trabalhador com as suas funções e colocado naquelas circunstâncias, que tivesse orientado a sua conduta no sentido de observar todas as regras com vista ao trabalho destinado pela sua empregadora, in casu, condução dentro dos limites legais de velocidade, por forma a garantir a segurança, saúde e guarda das pessoas que transporta, em seu nome e, em representação da empregadora, bem como, a realização de uma determinada excursão dentro do tempo fixado para a mesma, com passagem e paragem, dentro dos tempos estabelecidos, nos pontos turísticos àquela respeitantes, tudo previamente definido pela entidade empregadora. X) Os comportamentos do Recorrente tornam, em termos objetivos e ponderando qualquer outra entidade patronal colocada perante o conjunto dos factos apurados nos autos, impossível a subsistência da relação laboral já que a manutenção destes, com o juízo de prognose de continuação de tais condutas, determinaria, eventualmente, o receio sistemático de que viessem a ocorrer novas faltas. Y) Não é pelo facto de não ter antecedentes que a um trabalhador não mereça ver aplicada a sanção de despedimento por justa causa, tanto para mais quando uma das sua condutas aferidas no procedimento disciplinar e nestes autos se demonstrou suscetível de afetar a segurança dos trabalhadores da entidade empregadora e dos seus clientes. Z) Nem é pela circunstância de não ter havido qualquer acidente ou de à Recorrida não ter sido aplicada qualquer contraordenação, em consequência da velocidade imprimida que a valoração do comportamento deixa de ser negativo em si e de abalar a relação de confiança subjacente à relação laboral. AA) Conclui-se, assim, que os factos apurados e relativos ao comportamento do Autor trabalhador, ora Recorrente constituem justa causa de despedimento, pelo que este é lícito. BB) A decisão recorrida face à prova dada por provada pelo tribunal recorrido e pela que a que ora o Tribunal ad quem venha a dar como provada, conduz a que o despedimento do trabalhador Recorrente seja confirmado lícito.»
Observado o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, pelo Ministério Público foi emitido Parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Atento o teor das conclusões do recurso e da resposta ao mesmo, bem como o disposto nos arts. 635.º e 636.º do CPC, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- impugnação da matéria de facto quanto aos pontos indicados por Apelante e Apelada;
- existência de justa causa de despedimento pelo fundamento julgado procedente (recurso) e/ou pelo fundamento julgado improcedente (resposta ao recurso).
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1. A Ré empregadora dedica-se à actividade de agência de viagem, principalmente ligada à venda de viagens, de percursos turísticos, de transportes e alojamento, numa base de vendas por grosso ou a retalho, a particulares e a empresas e, bem assim, ao transporte rodoviário de passageiros, entre outras.
2. O Autor trabalhador foi admitido pela Ré em 01.09.2022 e nela desempenha as funções inerentes à categoria profissional de motorista de passageiros, auferindo a retribuição mensal ilíquida de € 850,00, a que acresce o subsídio de alimentação.
3. No âmbito das suas funções de motorista, o Autor trabalhador devia:
• Cumprir com as instruções emanadas pela sua entidade empregadora;
• Conduzir os veículos pesados de passageiros destinados ao transporte rodoviário dos mesmos pelos percursos das viagens individuais ou em grupo (ditas excursões) fixados pela sua entidade empregadora, de acordo com as regras de segurança impostas pelo Código da Estrada;
• Após a conclusão das viagens, abastecer o veículo;
• Zelar pelo bom estado de funcionamento, conservação e limpeza da viatura;
• Promover e executar todos os actos conducentes à melhoria da produtividade da empresa.
4. Em 8 de Janeiro de 2024, a empregadora decidiu instaurar um procedimento disciplinar tendo em vista averiguar se os factos a que aludia a queixa se verificaram tendo, para esse efeito, nomeado um instrutor.
5. Em 5 de Fevereiro de 2024, por correio registado com aviso de recepção, foi remetida ao Autor trabalhador Nota de Culpa e comunicada a suspensão preventiva.
6. O Autor trabalhador remeteu a Resposta à Nota de Culpa, em 15 de Fevereiro de 2024, via correio electrónico e via postal, por correio registado com aviso de recepção, esta última recepcionada em 20 de Fevereiro de 2024.
7. Em 30.04.2024 foi elaborado o relatório final.
8. Em 03.05.2024 a Ré empregadora comunicou ao Autor trabalhador a sua decisão final, fundamentada no relatório final, de proceder ao despedimento sem indemnização ou compensação.
9. Em finais de Setembro do ano transacto (2023), a sociedade comercial denominada Via GPS, Lda. procedeu à instalação de um sistema de software de gestão de frota e localização GPS numa determinada viatura (com a matrícula ..-OB-.., Renault Master), pertencente à Ré entidade empregadora.
10. Tal sistema retrata a localização de uma determinada viatura.
11. E trata da gestão da frota da empresa e tudo quanto respeita à viatura, tipos de paragem, tempos de andamentos, materiais combustíveis da viatura.
12. Em 19 de Dezembro de 2023, a Ré empregadora tomou conhecimento, através de mensagem de correio electrónico, de uma queixa remetida por uma cliente que integrou uma viagem de grupo denominada “East Tour”, nessa mesma data realizada, por não ter sido dado cumprimento ao itinerário constante da brochura.
13. A excursão “East Tour” tem como itinerário: 1. Camacha 2. Pico Areeiro 3. Ribeiro Frio 4. Faial, 5. Santana 6. Portela 7. Ponta de São Lourenço e 8. Machico – compreendido entre as 9h e as 17h.
14. (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
15. Para percorrer a distância de Machico ao Funchal são necessários, pelo menos, 20 minutos.
16. (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
17. (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
18. (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
19. Em 31 de Janeiro de 2024, um parceiro comercial da entidade empregadora enviou mensagem de correio electrónico de que “no dia 12-9-23 (…) após o almoço a excursão foi feita sempre a correr. Pausas muito curtas durante as paragens que estão incluídas, como paragens obrigatórias da excursão, e também velocidade excessiva durante o retorno ao hotel, segundo o cliente às vezes parecia rally”.
20. A Ré empregadora reuniu com o Autor trabalhador e a sua colega CC, guia, no final do ano de 2023.
21. (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
- à Ré empregadora foram dirigidas outras reclamações relativamente à execução do trabalho pelo trabalhador;
- os referidos factos supra elencados eram do conhecimento da trabalhadora CC e esta como Guia/Técnica de Turismo que diariamente trabalhava com o trabalhador não os comunicava à empregadora;
- o Autor trabalhador sempre descurou a limpeza dos veículos que conduzia;
- o Autor trabalhador não comunicava ao empregador se o veículo que conduzia apresentava algum problema técnico;
- a Ré empregadora alertou, nomeadamente, no final do ano transacto (2023), o trabalhador para a necessidade de dar cumprimento rigoroso às funções para as quais foi contratado, designadamente, no que respeita à satisfação do cliente, de acordo com o serviço pelo mesmo adquirido e de que em última instância tais comportamentos, pelo mesmo perpetrados, colocarem em risco a segurança dos passageiros e dos próprios trabalhadores da entidade empregadora, alertando-o para que não os repetisse;
- (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
- (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
- (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
- o trabalhador não mantinha limpo o veículo por si conduzido ou sequer informava a entidade empregadora dos problemas técnicos apresentados pela viatura.
3.3. Posto isto, cumpre apreciar a impugnação da matéria de facto quanto aos pontos indicados por Apelante e Apelada no recurso e na resposta ao mesmo, respectivamente.
Estabelece o art.º 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O Apelante pretende que sejam considerados como não provados os seguintes factos:
9. Em finais de Setembro do ano transacto (2023), a sociedade comercial denominada Via GPS, Lda. procedeu à instalação de um sistema de software de gestão de frota e localização GPS numa determinada viatura (com a matrícula ..-OB-.., Renault Master), pertencente à Ré entidade empregadora.
10. Tal sistema retrata a localização de uma determinada viatura.
11. E trata da gestão da frota da empresa e tudo quanto respeita à viatura, tipos de paragem, tempos de andamentos, materiais combustíveis da viatura.
14. No dia em causa, antes do horário previsto para a conclusão do itinerário em apreço (às 17h00), o trabalhador já se encontrava bem distante do último ponto obrigatório da excursão referida. Ou seja, o último ponto era em Machico - pelo qual nem sequer passou - e às 16h58 já se encontrava no Caminho de Santo António, Quinta do Leme, Santo António, Funchal.
16. O Autor trabalhador, no exercício das suas funções, também em outras datas não cumpriu com o horário fixado para a execução das viagens, a saber:
• 07.12.2023 – viagem denominada «West Tour», cujo itinerário é o seguinte: 1. Câmara de Lobos 2. Cabo Girão 3. Ribeira Brava 4. Encumeada 5. Paul da Serra 6. Porto Moniz 7. Seixal e 8. São Vicente – compreendido entre as 9h e as 17h5 – verifica-se que o trabalhador, às 16h30, ou seja, meia hora antes da hora designada para terminar a viagem, efectuou o pagamento de combustível que abasteceu o veículo que conduzia, numa bomba de gasolina, localizada em São Martinho, no Funchal.
• 12.12.2023 – viagem denominada «West Tour», cujo itinerário é o seguinte: 1. Câmara de Lobos 2. Cabo Girão 3. Ribeira Brava 4. Encumeada 5. Paul da Serra 6. Porto Moniz 7. Seixal e 8. São Vicente – compreendido entre as 9h e as 17h – verifica-se que o trabalhador às 16h51, ou seja, antes da hora designada para terminar a viagem efectuou o pagamento de combustível que abasteceu o veículo que conduzia, numa bomba de gasolina, localizada em São Martinho, no Funchal.
• 20.12.2023 – viagem denominada «West Tour», cujo itinerário é o seguinte: 1. Câmara de Lobos 2. Cabo Girão 3. Ribeira Brava 4. Encumeada 5. Paul da Serra 6. Porto Moniz 7. Seixal e 8. São Vicente – compreendido entre as 9h e as 17h – verifica-se que o trabalhador às 17h03, ou seja, 3 (três) minutos após a hora designada para terminar a viagem já se encontrava a efetuar o pagamento de combustível que abasteceu o veículo que conduzia, numa bomba de gasolina, localizada em São Martinho, no Funchal.
• 22.12.2023 – viagem denominada «East Tour», cujo itinerário é o seguinte: 1. Camacha 2. Pico Areeiro 3. Ribeiro Frio 4. Faial 5. Santana 6. Portela 7. Ponta de São Lourenço e 8. Machico – compreendido entre as 9h e as 17h – verifica-se que o trabalhador às 17h19, ou seja, 19 (dezanove) minutos após a hora designada para terminar a viagem, já se encontrava a efectuar o pagamento de combustível que abasteceu o veículo que conduzia, numa bomba de gasolina, localizada em São Martinho, no Funchal.
17. Os tempos das paragens nos pontos turísticos indicados pela empregadora são inferiores aos mínimos, isto é, ao invés de ocorrerem durante trinta minutos, ocorreram em muito menos tempo do que o previsto:
• Em Ribeira Brava no dia 07.12.2023 – Estacionamento de 15m46s entre as 10:52:05 e 11:07:51;
• Em Eira do Serrado no dia 07.12.2023 – Estacionamento de 12m19s entre 12:17:21 e 12:29:40;
• Em Véu da Noiva no dia 07.12.2023 – Estacionamento de 17m24s entre as 14:46:31 e 15:03:55;
• Em Ribeira Brava no dia 12.12.2023 – Estacionamento de 11m30s entre as 11:18:02 e 11:29:32;
• Em Ribeira da Janela no dia 12.12.2023 – Estacionamento de 11me59s entre as 12:30:48 e 12:42:47
• Em Porto Moniz no dia 12.12.2023 – Estacionamento de 12m22s entre as 14:50:56 e 15:03:18;
• Em Ribeira Brava no dia 20.12.2023 – Estacionamento de 16m22s entre as 10:58:03 e 11:14:25;
• Em Eira da Achada no dia 20.12.2023 – Estacionamento de 14m2s entre as 12:20:08 e as 12:34:10
• Em Véu da Noiva no dia 20.12.2023 – Estacionamento de 14m8s entre as 14:33:34 e 14:47:42;
• Em Faial no dia 22.12.2023 – Estacionamento de 14m31s entre as 14:25:58 e 14:40:29.
18. O Autor trabalhador conduziu acima dos 90km/h nos troços para os quais os limites de velocidade são de 50km/h, tal como sucedeu por diversas vezes no dia 20.12.
19. Em 31 de Janeiro de 2024, um parceiro comercial da entidade empregadora enviou mensagem de correio electrónico de que “no dia 12-9-23 (…) após o almoço a excursão foi feita sempre a correr. Pausas muito curtas durante as paragens que estão incluídas, como paragens obrigatórias da excursão, e também velocidade excessiva durante o retorno ao hotel, segundo o cliente às vezes parecia rally”.
21. A conduzir acima do limite legal previsto para a via, que conhecia, o Autor trabalhador colocava em causa os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções da empregadora respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador, promover e executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho.
Por seu turno, a Apelada pretende que sejam considerados como provados os seguintes factos:
[22.] As paragens em determinadas localidades previstas nos itinerários da excursão eram encurtadas pelo trabalhador, sem qualquer motivo fundamentado que o justificasse e, em manifesta desobediência das ordens emanadas pela entidade empregadora;
[23.] O tempo previsto para uma determinada excursão como a “East Tour” ou “West Tour”, entre as 9h e as 17h, terminava muito antes desta hora, sem qualquer motivo fundamentado que o justificasse e em manifesta desobediência das ordens emanadas pela entidade empregadora;
[24.] As viagens referentes aos passeios turísticos em apreço terminavam antes da hora prevista para as mesmas, pelo facto de o trabalhador não passar por determinados pontos turísticos, ou aí estacionar, ou, quando aí estacionava, ocorria por tempo inferior ao indicado pela empresa e, ainda, porque o motorista, AA, conduzia em excesso de velocidade em determinados troços do respetivo itinerário;
[25] O trabalhador não mantinha limpo o veículo por si conduzido.
Vejamos.
Antes de mais, cumpre notar que a decisão sobre a matéria de facto pressupõe que recaia sobre factos.
Assim, coerentemente, dispunha o n.º 4 do art.º 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art.º 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado ou não provado em resultado da prova produzida são os factos e não os conceitos ou efeitos jurídicos ou as conclusões ou juízos de valor a extrair dos factos à luz das normas jurídicas aplicáveis1.
Em conformidade, a solução jurídica das questões a decidir deve resultar da aplicação e interpretação do direito – pelo tribunal – aos factos concretos que as partes aleguem e provem.
Ora, o enunciado constante do ponto 21. da factualidade considerada provada, ao afirmar que o comportamento do trabalhador integra violação dos deveres contratuais aí enumerados, para mais por reporte às expressões constantes de norma legal, contém em si mesmo a qualificação jurídica dos factos e a consequente solução de direito, que de modo algum pode resultar das provas produzidas, antes devendo ser extraída pelo tribunal a partir da apreciação dos concretos factos provados à luz do direito aplicável.
Por seu turno, os enunciados que a Recorrida pretende que se considerem como provados sob os n.ºs 22., 23. e 24., e que o tribunal recorrido deu como não provados, não passam de juízos conclusivos e valorativos sobre factos concretos dados como provados, cuja suficiência ou insuficiência para o efeito não pode resultar também das provas produzidas mas incumbe ao julgador apreciar.
Assim, uma vez que nem sequer constituem objecto idóneo da actividade instrutória, entende-se que os enunciados em questão devem ser eliminados dos pontos 3.1. e 3.2., conforme o caso.
O Apelante assenta a impugnação dos demais pontos da matéria de facto provada, essencialmente, na ilicitude dos meios de prova que os sustentam, concretamente os registos de GPS relativos à alegada localização do veículo por si conduzido no espaço e no tempo e às alegadas velocidades observadas em cada momento / local.
Vejamos.
Estabelece o Código do Trabalho, na parte que interessa:
Artigo 20.º
Meios de vigilância a distância
1 - O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 - A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.
4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.
Artigo 21.º
Utilização de meios de vigilância a distância
1 - A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
2 - A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir.
3 - Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.
4 - O pedido de autorização a que se refere o n.º 1 deve ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, não estando este disponível 10 dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer.
5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 3.
Por outro lado, importa ter em conta que o art.º 4.º do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados), enuncia as seguintes definições:
- «Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, directa ou indirectamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via electrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;
- «Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efectuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;
- «Definição de perfis», qualquer forma de tratamento automatizado de dados pessoais que consista em utilizar esses dados pessoais para avaliar certos aspectos pessoais de uma pessoa singular, nomeadamente para analisar ou prever aspectos relacionados com o seu desempenho profissional, a sua situação económica, saúde, preferências pessoais, interesses, fiabilidade, comportamento, localização ou deslocações.
Por seu turno, estipula o art.º 28.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de Agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica interna, do citado Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD):
Relações laborais
1 - O empregador pode tratar os dados pessoais dos seus trabalhadores para as finalidades e com os limites definidos no Código do Trabalho e respectiva legislação complementar ou noutros regimes sectoriais, com as especificidades estabelecidas no presente artigo.
2 - O número anterior abrange igualmente o tratamento efectuado por subcontratante ou contabilista certificado em nome do empregador, para fins de gestão das relações laborais, desde que realizado ao abrigo de um contrato de prestação de serviços e sujeito a iguais garantias de sigilo.
3 - Salvo norma legal em contrário, o consentimento do trabalhador não constitui requisito de legitimidade do tratamento dos seus dados pessoais:
a) Se do tratamento resultar uma vantagem jurídica ou económica para o trabalhador; ou
b) Se esse tratamento estiver abrangido pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do RGPD.
4 - As imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal.
5 - Nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal.
6 - O tratamento de dados biométricos dos trabalhadores só é considerado legítimo para controlo de assiduidade e para controlo de acessos às instalações do empregador, devendo assegurar-se que apenas se utilizem representações dos dados biométricos e que o respectivo processo de recolha não permita a reversibilidade dos referidos dados.
Do normativo em apreço decorre que o empregador nunca pode utilizar quaisquer meios tecnológicos de vigilância à distância com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Apenas pode utilizá-los com a finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem, sendo certo que, quando se verifique esta situação, os dados pessoais registados através da utilização dos meios tecnológicos de vigilância à distância só podem ser utilizados no âmbito do processo penal ou para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal. Neste particular, crê-se que à previsão do art.º 28.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 58/2019 basta que os factos objecto de apuramento de responsabilidade disciplinar possam ter relevância criminal, mas independentemente de ser instaurado procedimento criminal2.
Note-se ainda que, na vigência do aludido Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho (RGPD), e da mencionada Lei n.º 58/2019 que assegura a execução daquele na ordem jurídica interna, deixou de ser necessário pedir autorização ou fazer alguma notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados com vista à utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, cabendo ao empregador enquanto responsável pelo tratamento de dados pessoais dos trabalhadores a responsabilidade pelo cumprimento dos requisitos exigidos pelo Regulamento ou outra legislação nacional que seja aplicável, designadamente o Código do Trabalho.
Assim, não obstante deva entender-se que o n.º 1 do art.º 21.º do Código do Trabalho está tacitamente revogado, o empregador deve observar o previsto nos n.ºs 2, 3 e 4 da mesma disposição legal, devidamente adaptados, e, por outro lado, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 20.º do mesmo diploma legal, deve informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, e, se for o caso, afixar os seguintes dizeres: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo3.
De acordo com a Deliberação n.º 7680/2014 da Comissão Nacional de Protecção de Dados, de 28 de Outubro de 201444, aplicável aos tratamentos de dados pessoais decorrentes da utilização de tecnologias de geolocalização no contexto laboral, sendo os dispositivos de geolocalização equipamentos tecnológicos que permitem controlar remotamente os trabalhadores – de forma continuada e melhorada, conforme as funcionalidades aí descritas –, os mesmos constituem inequivocamente um meio de vigilância à distância para efeitos das sobreditas disposições legais5, sendo a sua utilização legítima no âmbito das relações de trabalho apenas com as finalidades de «proteção e segurança de pessoas e bens» ou «quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem».
Aí se conclui: «83. Em suma, são admitidos os tratamentos de dados relativos à geolocalização, no caso dos veículos automóveis, para as seguintes finalidades: Gestão da frota em serviço externo6: nas áreas de atividade de assistência técnica externa/ao domicílio; distribuição de bens; transporte de passageiros; transporte de mercadorias; segurança privada. Proteção de bens: transporte de materiais perigosos e transporte de materiais de valor elevado. 84. Quando a instalação de dispositivos de geolocalização tem o intuito específico de proceder a participação criminal em caso de furto, embora os dados de geolocalização sejam automaticamente registados, o empregador não pode aceder aos dados de geolocalização, a menos que a viatura seja roubada. 86. Por último, reitera-se, conforme prescrito no n.º 1 do artigo 20.º do CT, que os dados relativos à geolocalização não podem ser usados para controlar o desempenho do trabalhador, mas apenas para as finalidades acima descritas. 87. Se do tratamento destes dados resultarem indícios da prática de crime, pode essa informação ser utilizada para sustentação da participação criminal respetiva. Nos casos em que tal ocorra, admite-se que a entidade empregadora possa também utilizar aquela informação no âmbito de procedimento disciplinar, quando aqueles factos forem de per si violadores dos deveres do trabalhador. Deste modo, considera a CNPD garantir-se a defesa dos legítimos interesses do empregador, ao mesmo tempo que se assegura não haver desvio de finalidade, não sendo os dados pessoais usados para controlo do desempenho do trabalhador.»
Na verdade – relembra-se –, nos termos do art.º 4.º do RGPD, os «dados pessoais» incluem informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável por dados de localização e a «definição de perfis» inclui qualquer forma de tratamento automatizado de dados pessoais que consista em utilizar esses dados pessoais para avaliar certos aspectos pessoais de uma pessoa singular, nomeadamente para analisar ou prever aspectos relacionados com o seu desempenho profissional, localização ou deslocações 7.
Assim, na medida em que os aparelhos de GPS instalados em viaturas de trabalho permitem o apuramento do preciso itinerário que o condutor observou, a que a horas, minutos e segundos passou em cada ponto do mesmo, os tempos de marcha e as distâncias percorridas entre um e outro ponto, os tempos de paragem em certos pontos, a velocidade imprimida passo a passo, etc., e apesar de poderem ser um instrumento legítimo de gestão de frota em serviço externo e de protecção e segurança de pessoas e bens, a verdade é que podem ser também um instrumento ilegítimo de controlo do desempenho profissional do trabalhador, ou seja, do grau de conformação da sua prestação aos parâmetros contratuais respeitantes a local de trabalho, horário de trabalho, observância de regras estradais, mormente atinentes a velocidade, etc..
Deste modo, ainda que o aparelho de GPS tenha sido instalado com a finalidade de gestão de frota em serviço externo e/ou de protecção e segurança de pessoas e bens, sempre que seja utilizado para aquilatar do cumprimento, pelo trabalhador, de horários, tempos ou paragens que deva observar, de itinerários que deva percorrer e de regras de trânsito, ou outras, que deva respeitar, terá que concluir-se que tal utilização é ilícita8, sem prejuízo de os dados pessoais registados poderem servir de prova no âmbito de processo penal ou no apuramento de responsabilidade disciplinar que tenha relevância penal, nos termos acima explicitados9.
Retornando à situação dos autos, atendendo a que a Ré se dedica à actividade de transporte rodoviário de passageiros, entre outras, seria, à partida, legítima a instalação de aparelho de GPS na viatura conduzida pelo Autor, com a finalidade de gestão de frota em serviço externo e/ou de protecção e segurança de pessoas e bens, nos termos constantes dos pontos 1, 9, 10 e 11 da matéria de facto provada, mas desde que, enquanto responsável pelo tratamento de dados pessoais do trabalhador, observasse os requisitos estabelecidos no Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD) e na legislação nacional aplicável, designadamente Lei n.º 58/2019 e Código do Trabalho.
Ora, desde logo, não se mostra provado que a Ré tenha informado o Autor sobre a existência e finalidade do aparelho de GPS instalado na viatura que o mesmo conduzia, em violação do disposto nos arts. 20.º, n.º 3 do Código do Trabalho e 28.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2019, o que basta para que deva considerar-se ilícita tal instalação, independentemente da finalidade visada10.
Acresce que, de qualquer modo, a Ré apenas poderia utilizar os dados relativos à geolocalização do veículo para os fins legalmente admissíveis, ou seja, de gestão de frota em serviço externo e/ou de protecção e segurança de pessoas e bens, e nunca para controlar o desempenho do trabalhador, mormente o cumprimento, pelo mesmo, de horários, tempos ou paragens, itinerários e regras de trânsito ou outras, enfim, toda a factualidade imputada ao Autor no processo disciplinar e que se deu como provada nos presentes autos, sendo certo que a mesma era insusceptível de procedimento penal.
Em face do exposto, sendo ilícita a instalação do aparelho de GPS no veículo conduzido pelo Autor e a utilização dos dados relativos à geolocalização para efeitos de aferir o seu desempenho profissional, não podem estes ser admitidos nos autos em apreço como meio de prova dos factos imputados ao trabalhador, sendo nessa medida um meio de prova ilícito.
Posto isto, voltando à matéria de facto impugnada pelo Recorrente, verifica-se que o entendimento acabado de referir não prejudica e até pressupõe a factualidade dada como provada sob os pontos 9., 10. e 11., a qual, nos termos decorrentes da sentença, resulta da generalidade da prova produzida, com especial enfoque no depoimento da testemunha BB, responsável pela instalação do equipamento de GPS no veículo adstrito ao Autor.
Já a factualidade constante dos pontos 14., 16., 17. e 18. foi apurada com base nos registos de dados do aparelho de GPS juntos ao processo disciplinar, conforme expressamente referido na sentença, inexistindo quaisquer outros meios de prova produzidos que permitam dá-la como assente.
Por conseguinte, entende-se que os pontos aludidos devem ser eliminados do acervo dos factos considerados como provados. Sempre se dirá, ademais, que os factos constantes do ponto 16., no que se refere ao dia 20/12/2023, e do ponto 17., nem sequer foram imputados ao Autor na nota de culpa, e o constante do ponto 18. foi-o de modo diferente e menos gravoso, o que sempre teria de ser valorado à luz do disposto nos arts. 357.º, n.º 4 e 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho
Finalmente, quanto ao provado sob o ponto 19., na medida em que apenas se reproduz o teor do documento em causa, inexiste fundamento para qualquer alteração.
Conforme já referido, a Apelada pretende ainda que seja considerado como provado o seguinte facto:
[25] O trabalhador não mantinha limpo o veículo por si conduzido.
Diz-se na sentença recorrida: «A Ré imputa ainda ao Autor a não limpeza do veículo e o não reporte do seu estado técnico, mas não o demonstrou, o que se adianta. Acerca desta matéria depuseram as testemunhas EE e CC, declarando diversamente o estado de limpeza do veículo, não tendo sido possível firmar convicção acerca do alegado. Ora, a matéria relevante para o processo disciplinar deve ser clara e precisa, em termos de tempo, modo e lugar, sem o que não se mostra possível considerar a mesma e no caso, tal precisão não ocorreu, nem decorreu de qualquer depoimento produzido em audiência ou elemento junto ao processo disciplinar que pudesse ser considerado. Deste modo, da articulação da prova produzida, não firmámos convicção séria e segura da ocorrência dos factos imputados ao Autor trabalhador, razão pela qual se deu tal factualidade como não provada.»
A Recorrida assenta a pretensão de que o facto em apreço seja dado como provado com base no depoimento da referida testemunha EE, na parte em que diz que, apesar de não ter entrado na viatura conduzida pelo Autor, estando a porta aberta olhava para dentro e via chão sujo e espelhos sujos, sem qualquer outro detalhe.
Ora, além do mais, a viatura, para precisar de ser limpa, como todas as viaturas, em algum momento havia de ter chão sujo e espelhos sujos, não significando o retratado pela testemunha que o Autor não tenha procedido à limpeza antes da prestação de serviço.
A afirmação da testemunha, atenta também a razão de ciência invocada, não permite por si só, e muito menos impõe, que se altere a decisão quanto ao facto em apreço, tanto mais que a testemunha CC depôs em sentido distinto.
Improcede, pois, a pretensão da Apelada.
3.4. Cabe, então, decidir se, em face da factualidade apurada, se verifica a ilicitude do despedimento do Autor, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido.
Nos termos do art.º 351.º do Código do Trabalho, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento (n.º 1).
Acrescenta o n.º 2, a título exemplificativo, alguns comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento.
Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (n.º 3).
Deste modo, são requisitos de justa causa de despedimento:
- um comportamento culposo e ilícito (activo ou passivo) do trabalhador, necessariamente consubstanciador de violação grave dos seus deveres profissionais;
- a imediata impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral com o empregador;
- e o nexo causal entre aquele comportamento e esta impossibilidade de manutenção do contrato.
Assim, em última análise, o que é preciso saber é se os factos imputados ao trabalhador e que se tenham provado e sejam relevantes são aptos para criar uma situação de inexigibilidade para o empregador, no sentido de não ser aceitável para o concreto incumprimento do contrato por aquele outra consequência jurídica que não seja a resolução pelo empregador. Mais: é preciso que tal inexigibilidade e adequação do despedimento sejam apreciadas objectivamente, isto é, do ponto de vista dum empregador normal com características idênticas a nível do quadro de gestão da empresa, do grau de lesão dos interesses, do carácter das relações com o trabalhador ou entre este e os seus companheiros, etc..
Compulsada a matéria de facto provada, dela decorre que, em 03.05.2024, a Ré comunicou ao Autor a decisão, fundamentada no relatório final, de proceder ao despedimento do mesmo sem indemnização ou compensação.
Mais se provou que, em 19 de Dezembro de 2023, a Ré tomou conhecimento, através de mensagem de correio electrónico, duma queixa remetida por uma cliente que integrou uma viagem de grupo denominada “East Tour”, nessa mesma data realizada, por não ter sido dado cumprimento ao itinerário constante da brochura, a saber: 1. Camacha 2. Pico Areeiro 3. Ribeiro Frio 4. Faial, 5. Santana 6. Portela 7. Ponta de São Lourenço e 8. Machico – compreendido entre as 9h e as 17h; e ainda que, em 31 de Janeiro de 2024, um parceiro comercial da Ré enviou mensagem de correio electrónico de que “no dia 12-9-23 (…) após o almoço a excursão foi feita sempre a correr. Pausas muito curtas durante as paragens que estão incluídas, como paragens obrigatórias da excursão, e também velocidade excessiva durante o retorno ao hotel, segundo o cliente às vezes parecia rally”.
Não obstante, nem os factos denunciados nem quaisquer outros que revestissem relevo disciplinar se apuraram, pelo que, improcedendo os motivos invocados para o despedimento do Autor, este é ilícito por força do disposto no art.º 381.º, al. b) do Código do Trabalho.
Nos termos do art.º 391.º do Código do Trabalho, atenta a opção do trabalhador, deve a Ré ser condenada a pagar-lhe uma indemnização de montante a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, tendo-se em conta o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial e não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
Considerando que o Autor foi admitido pela Ré em 01.09.2022 e auferia, a título de retribuição base, a quantia mensal ilíquida de 850,00 €, ou seja, abaixo do actual valor do salário mínimo na Região Autónoma da Madeira (915,00 €), terá de ser este a ser tido em conta, atendendo ao princípio da actualização da indemnização à data da sua fixação (art.º 566.º, n.º 2 do Código Civil) e a que a indemnização de antiguidade é um sucedâneo da condenação do empregador a reintegrar o trabalhador na empresa, além do mais, com a retribuição mínima a que teria direito.
Assim, ponderando, por um lado, que a retribuição a considerar é a mínima legal, e, por outro lado, que toda a factualidade disciplinarmente relevante não se provou, e, para mais, assentava em meio de prova ilícito, julga-se adequado fixar a indemnização de antiguidade em 30 dias, conforme peticionado pelo Autor, o que neste momento importa em 2.745,00 € [915,00 € x 3].
Por outro, atento o preceituado no art.º 390.º do Código do Trabalho, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor as retribuições deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, incluindo férias e subsídios de férias e de Natal, tendo-se em conta o aludido aumento do salário mínimo para 915,00 € a partir de Janeiro de 2025, deduzidas do subsídio de desemprego que haja sido atribuído ao trabalhador.
A tais quantias acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a presente data quanto à indemnização de antiguidade agora calculada e desde as datas dos respectivos vencimentos quanto às retribuições deixadas de auferir.
Procede, pois, o recurso, excepto quanto à indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que a matéria de facto provada não evidencia que estes se tenham verificado.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
- alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima constantes;
- declarar a ilicitude do despedimento do Autor;
- condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização de antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, tendo-se em conta o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, que neste momento importa em 2.745,00 € [915,00 € x 3], acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento;
- condenar a Ré a pagar ao Autor as retribuições deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, incluindo férias e subsídios de férias e de Natal, tendo-se em conta o aumento do salário mínimo para 915,00 € a partir de Janeiro de 2025, deduzidas do subsídio de desemprego que haja sido atribuído ao trabalhador e acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento, a liquidar oportunamente;
- confirmar a sentença quanto ao mais.
Custas da acção e do recurso pelas partes, na proporção do decaimento.
Lisboa, 18 de Junho de 2025
Alda Martins
Maria José Costa Pinto
Leopoldo Soares
___________________________________________________
1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
2. V. Acórdão da Relação do Porto de 28-11-2022, processo n.º 6337/21.8T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
3. V. Acórdão da Relação de Lisboa de 14-12-2023, processo n.º 17630/22.2T8LSB.L1-4, sendo Relatora e 2.º Adjunto os ora 1.º e 2.º Adjuntos, respectivamente, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “I – À luz do regime jurídico em vigor antes da aplicação na ordem jurídica interna do RGPD, havia algum consenso no sentido de que a utilização de meios de vigilância no local de trabalho é lícita se cumprir os requisitos de fim e publicidade previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho e for obtida a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados e, também, no sentido de que, estando em causa uma das finalidades legalmente previstas no n.º 2 desse artigo, concretamente a protecção e segurança de pessoas e bens, as actuações ilícitas do trabalhador lesivas de pessoas e bens podem ser licitamente verificadas como uma consequência fortuita ou incidental da utilização dos meios de vigilância à distância, tanto quanto o podem ser idênticas condutas de terceiros, admitindo-se que os dados obtidos sirvam de meio de prova em procedimento disciplinar e no controlo jurisdicional da licitude da decisão disciplinar. II – O RGPD em vigor desde 25 de Maio de 2018 não prevê a necessidade de autorização administrativa para a captação de imagens de videovigilância, concretamente a que era dada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). III – De acordo com o RGPD, é o responsável pelo tratamento que deve analisar previamente se o tratamento de dados pessoais, decorrente da utilização de um sistema de videovigilância, cumpre os requisitos do Regulamento (artigos 24.º, 25.º e 28.º do RGPD) e de outra legislação nacional que seja aplicável, vg. o Código do Trabalho. IV – Se relativamente a imagens captadas em Janeiro e Fevereiro de 2022, na vigência do RGPD o empregador não alega e prova o cumprimento do dever de informação e da obrigação de afixação prescritas no n.º 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho, deve ter-se por ilícita a instalação do sistema de vigilância e, igualmente, ilícito o meio de prova em causa, sendo inadmissível a sua produção.”
4. Acessível em https://www.cnpd.pt/media/zvxmdfad/del_7680-2014_geo_laboral.pdf.
5. Refere-se na nota 13: «A CNPD conhece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de novembro de 2013 (Processo 73/12.3TTVNF.P1.S1), no qual é citado o Acórdão de 22 de maio de 2007 (Processo 07S054), e nos quais se considera, nomeadamente, não poder o GPS ser qualificado como meio de vigilância à distância, no conceito expresso no n.º 1 do artigo 20.º do CT, devido às suas parcas possibilidades de monitorização. A CNPD considera, todavia, que o quadro interpretativo entretanto mudou substancialmente devido à rápida evolução deste tipo de tecnologia, quanto à sua precisão e quanto ao desenvolvimento de valências associadas. Por outro lado, não estando confinada aqui à apreciação casuística, esta deliberação abrange não só as potencialidades da tecnologia GPS, como de outras tecnologias (GSM e WI-FI) que permitem a geolocalização. Acresce ainda que são analisados, do ponto de vista do regime de proteção de dados pessoais, além dos equipamentos de geolocalização instalados em viaturas automóveis, também aqueles existentes nos dispositivos móveis inteligentes, como os telemóveis, que configuram uma realidade bastante diversa. Este novo contexto implicará necessariamente uma renovada abordagem.»
6. No sentido de «gestão de frotas na ótica da gestão otimizada de recursos (nomeadamente, rotas, consumos, capacidade de resposta na prestação de serviço, tempos de espera)».
7. Bem demonstrativo da tutela constitucional que devem merecer os dados pessoais recolhidos através de aparelhos de GPS é o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 506/2024, de 28 de Junho de 2024, acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240506.html, que julgou inconstitucional a norma contida no artigo 125.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a junção a um processo penal de dados recolhidos por um GPS instalado em veículo pelo respectivo proprietário, entregues por este a pedido da Polícia Judiciária para fins de investigação criminal, não carece de validação por um juiz, por violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
8. Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 03-03-2016, processo n.º 20/14.7T8VRL.G1, Relatora Manuela Fialho, em que a ora Relatora interveio como Adjunta, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere:
9. “1- A utilização de um equipamento GPS num veículo, que tem por finalidade – provada- controlar o trabalho do A., não é permitida por se tratar de um meio de vigilância à distância. 2- Deste modo, todas as provas obtidas pela utilização do mesmo e que se reportem ao controlo do desempenho profissional do trabalhador são ilícitas. 3- O conceito de desempenho profissional não prescinde da concatenação com as funções que estão cometidas ao trabalhador e prende-se com a forma como o mesmo leva a cabo tais funções, ou seja, onde, como e quando desempenha aquelas funções. 4- Se a empregadora recorre ao aparelho em causa para obter outro tipo de dados, designadamente a conferência da quilometragem percorrida em confronto com os dados transmitidos pelo próprio trabalhador, não está a avaliar o desempenho profissional, situação em que os dados obtidos são lícitos. (…)” ? V. Acórdão da Relação de Évora de 26-09-2024, processo n.º 1442/23.9T8STR.E1, disponível em www,dgsi.pt, em cujo sumário se refere: “(…) 4. O art. 20.º n.º 2 do Código do Trabalho, ao permitir a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, engloba no seu escopo a protecção dos bens da empregadora, seja contra actos de terceiros, seja contra actos dos próprios trabalhadores. 5. As imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, podem ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal. 6. Estando em causa um crime de furto praticado por trabalhadores da empregadora, esta pode licitamente utilizar as imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento, para efeitos disciplinares, sem estar obrigada a aguardar pela conclusão do processo criminal. 7. Tanto mais que o art.º 329.º n.º 2 do Código do Trabalho obriga o empregador a iniciar o procedimento disciplinar nos 60 dias subsequentes àquele em que teve conhecimento da infracção, sob pena de caducidade.”
10. V. Acórdão da Relação de Lisboa de 14-12-2023, processo n.º 17630/22.2T8LSB.L1-4, já citado na Nota 3.