DIFAMAÇÃO AGRAVADA
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Sumário

I - A existência de uma mera discordância de juízos classificativos ou, eventualmente, sobre as qualidades ou competências profissionais da ofendida, não permite a afirmação de falsidades.
II - Não existe um dever de denunciar falsamente, bem como não é imposto a quem exerce funções públicas qualquer dever de zelo baseado em falsidades.
III - Mantendo a distinção entre juízo crítico e total falsidade – que se impõe juridicamente ou mesmo apenas a pessoas de boa formação moral – ainda que a discórdia profissional possa ser evidente, a falsa imputação de crimes à ofendida, insistente, independentemente das conjecturas que intimamente possa o arguido ter querido realizar sobre a ofendida, não pode ser incluída em qualquer das partes do art. 180.º, n.º2, do Código Penal, designadamente na parte em que se prevê a finalidade de realização de interesses legítimos.
IV - Sendo exigível ao arguido, que está em exercício de funções públicas, um especial dever de respeito e de correcção no exercício das suas funções, não é possível conceber a recondução dos factos provados a qualquer das previsões de atenuação especial que constam do art. 72.º do Código Penal, como implicando uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, ou ainda a necessidade da pena.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
No âmbito dos autos n.º 6581/21.8T9LSB do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 7 –, após julgamento, foi proferida sentença que decidiu, na parte relevante para a apreciação do recurso:
“(…) b. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, p.p. art.s 180.º, n.º 1, 184.º, com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia total de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) (…)”.
Inconformado com esta decisão interpôs recurso o arguido, tendo formulado, após a motivação, as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal a quo a 06/03/2025, na qual foi decidido condenar o Arguido pela prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, previsto e punido nos artigos 180.º, n.º 1, 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
II. Pretende-se, pelo presente recurso, a reapreciação dos factos não provados I), J) e K) e dos factos provados 15), 18), 21) 22), 23) e 24).
III. A prova produzida no processo, em particular as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, não permite deixar margem para dúvidas quanto ao carácter inédito das classificações, seja por referência à totalidade de aprovações, seja por referência aos quantitativos atribuídos.
IV. As testemunhas Dra. BB, a Dra. CC, o Dr. DD, o Dr. EE relataram que não tinham conhecimento de qualquer situação em que haviam sido aprovados 100% dos alunos em disciplinas da licenciatura, nunca tendo, igualmente, sido atribuídas notas de 15 valores ou superiores a cerca de 50% dos alunos, sendo as notas de 15 e superiores de alguma excepcionalidade e nada usuais (cfr. depoimentos de BB na gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB 2025-01-09 15-44-24, aos minutos 7:43 a 8:48, aos minutos 10:35 a 13.53, aos minutos 15.38 a 23:07, e aos minutos 39.00 a 39.30), de CC, na gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB 2025-01-09 16-27-15 aos minutos 5:38 a 8.30, aos minutos 16:10 a 16:43 e aos minutos 2:41 a 5:23; de DD na gravação com a ref. 6581-21.8T9LSB 202501-09 15-05-13 aos minutos 6:41 a 9:50, 1:50 a 3:00 e de EE na gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB 2025-01-09 14-38-50 aos minutos 10:58 a 12:30, aos minutos 2:30 a 3:30).
V. Da prova produzida resulta, assim, que, não só não se verificou uma aprovação de 100% dos alunos em nenhuma das disciplinas – obrigatória ou optativa –, como notas de 15 e acima de 15 valores são consideradas notas elevadas, atribuídas excepcionalmente e, por isso, não reflectem, de forma alguma, o padrão da ....
VI. E ainda que o Tribunal não tivesse dados estatísticos completos quanto à inexistência de qualquer turma de licenciatura que tenha obtido 100% de aprovação, facto é que, da prova produzida, esse não é certamente o padrão de normalidade na ....
VII. Consequentemente, não deveria o Tribunal a quo ter julgado os factos J) e K) como não provados, devendo, ao invés, tais factos integrar o elenco de factos provados.
VIII. Quanto ao facto I) deverá ser reformulado nos seguintes termos, passando igualmente a integrar os factos dados como provados: “Não corresponde ao padrão de normalidade da ... uma taxa de 100% de aprovação dos alunos em disciplinas do curso de licenciatura.”
IX. Não pode haver qualquer dúvida de que o Arguido se convenceu seriamente da existência da atribuição de classificações indevidas para obtenção de vantagens, e, consequentemente, que o Arguido não sabia – contrariamente ao que foi dado como provado – que estava a proferir acusações falsas.
X. Tal decorreu, desde logo, do próprio Despacho de Arquivamento do Inquérito sobre um crime de denúncia caluniosa que vinha imputado ao Arguido, junto aos autos, mas também da prova testemunhal ouvida ao longo da fase de julgamento deixou claro que o Arguido não tinha consciência da falsidade da imputação à Dra. FF.
XI. Aliás, a testemunha Dr. GG afirmou que, quando confrontado com a reacção do ora Arguido na reunião zoom e com os seus eventuais motivos disse:
“Eu percebo. E até posso aceitar que alguém pense isso” referindo-se a um cenário de corrupção (cfr. gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB ...2...-12 1110-09, aos minutos, aos minutos 17:34 a 21:30).
XII. As testemunhas, incluindo as da Acusação, admitiram a existência de uma competição dentro da ... no que se refere às disciplinas optativas, para as quais se procura o incremento do número de inscrições muitas vezes através da atribuição de classificações elevadas (por exemplo, GG na gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB ...2...-12 11-10-09, aos minutos 14:53 a 16:00 e HH na gravação com a ref. 6581-21.8T9LSB ...2...-12 12-19-12, aos minutos 27:35 a 29:44), tendo esta disciplina optativa resvalado para tratamentos complacentes (cfr. depoimentos das testemunhas GG na gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB 2024-1216 11-10-09, aos minutos 26:20 a 30:00 e HH na gravação com a ref. 6581-21.8T9LSB ...2...-12 12-19-12, aos minutos 10:28 a 14:45).
XIII. É sobre essa realidade que o Arguido reuniu toda a informação e formou a convicção que veiculou nesse contexto – um contexto em que o Arguido já havia tomado conhecimento do relatório da Prof. FF previamente à reunião telemática ocorrida, e sobre ele já havia ponderado e formado a sua convicção (conforme factos provados 45) e 48)) – que o Arguido proferiu as suas afirmações, por considerar essencial expor aquela situação a todos os professores, incluída a própria Assistente, Dra. FF, e o BB do grupo, a fim de trazer à luz uma situação que considerou inaceitável e carecida de uma intervenção e correcção imediata.
XIV. Mesmo que se considere muito contundente a reacção do Arguido, necessariamente terá de se enquadrar devidamente essa reacção na realidade em causa: de facto, a realidade a que o Arguido reagiu denota uma degradação da instituição em que ele trabalha, denuncia um facilitismo e uma quebra no rigor e na exigência, e, portanto, uma falta de verdade e uma injustiça nas classificações.
XV. Acresce que para se apreciar devidamente a questão não pode deixar de se dar o devido relevo à conduta habitual do Arguido: todas as testemunhas atestaram que o Arguido é uma pessoa educada, correcta e com elevados padrões de ética (depoimentos das testemunhas HH na gravação com a ref. 6581-21.8T9LSB ...2...-12 12-19-12, aos minutos 19:37 a 19:50, EE na gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB 2025-01-09 14-38-50 aos minutos 18:40 a 19:00), tendo a própria Assistente admitido que nunca houve para consigo da parte do Arguido qualquer palavra agressiva, ou sequer desagradável (cfr. gravação com a ref. 6581-21.8T9LSB 202412-02 11-45-00 aos minutos 01:24:00 a 01:25:00), e a testemunha DD afirmado que o Arguido tem uma grande admiração cientifica pela Assistente (cfr. gravação com a ref. 6581-21.8T9LSB 2025-01-09 15-05-13 aos minutos 13:45 - 13:57).
XVI. A índole do Arguido ficou bem patente e em total alinhamento com o currículo do Arguido e a forma como serviu a ... ao longo de décadas, com lealdade e rigor – como resulta dos factos provados, nomeadamente facto 41 –.
XVII. Todas as circunstâncias demonstram que o Arguido certamente não proferiria acusações com o mero intuito de ofender, vexar, humilhar ou achincalhar: pelo contrário, se fez uma acusação, foi em defesa de algo que considera da maior relevância: no caso, o prestígio da instituição que serve há décadas, quando confrontado com um anúncio prático da sua degradação.
XVIII. As testemunhas ouvidas, especialmente as que estiveram presentes na reunião zoom em causa nos presentes autos, manifestaram, em geral, não considerar que o Arguido pretendesse humilhar gratuitamente a Assistente Dra. FF, mas sim defender o prestígio da Instituição (cfr. depoimentos das testemunhas BB na gravação com a ref. Diligência 6581-21.8T9LSB 2025-01-09 15-44-24, aos minutos 20:18 a 23:04, e aos minutos 34:00 a 34:45), de CC na gravação com a ref. Diligência 658121.8T9LSB 2025-01-09 16-27-15 aos minutos 26:40 a 27:30, de DD na gravação com a ref. 6581-21.8T9LSB 2025-01-09 15-05-13 aos minutos 17:10 a 20:12 e 23:00 a 23:55).
XIX. Isto mesmo foi atestado pessoalmente pelo Arguido quando, respondendo sobre disposições interiores que só ao próprio são acessíveis directamente, afirmou que não tivera intenção de humilhar ou atacar pessoalmente a Dra. FF, mas apenas a de defender a ... e manifestar a sua perplexidade (cfr. gravação com a ref. Diligencia 6581-21.8T9LSB ...2...-12 10-18-15, aos minutos 45:10 a 46:14).
XX. Por isso, o Arguido, com as afirmações que proferiu, não visava atingir o bom nome, honra, dignidade e consideração profissional da Assistente, mas, ao invés, defender a reputação da Faculdade e a correcção na atribuição das classificações aos alunos.
XXI. Consequentemente, não deveria o Tribunal a quo ter julgado os factos 21), 22), 23 e 24) como provados, devendo, ao invés, tais factos integrar o elenco de factos não provados.
XXII. Quanto ao facto provado 15) deverá o mesmo ser reformulado nos seguintes termos: “Nestas mensagens são repetidas as acusações de corrupção na avaliação, também dirigidas à Ofendida.”
XXIII. Quanto ao facto provado 18) deverá o mesmo ser reformulado nos seguintes termos: “O AA desconhecia os discentes envolvidos, não lhes tendo ministrado a disciplina em causa.”
XXIV. Não merece censura penal uma denúncia de actuação criminosa perante um sinal – objectivo e não contestado – como é uma avaliação inédita e gritantemente desconforme com o padrão histórico constante da Instituição de Ensino Universitário em causa, e tal independentemente de ser ou não exacto, em termos jurídicos, o nome ou a tipificação legal dada ao crime que a actuação em causa anuncia.
XXV. A inexistência de um achincalhamento ou rebaixamento gratuito da Dra. FF, que afasta, desde logo, a tipicidade objectiva, adquire, também em sede de tipo subjectivo, uma particular relevância, porque afasta a existência de intenção criminosa – isto é, de uma actividade intencionalmente dirigida a rebaixar ou achincalhar alguém.
XXVI. Não existe dolo no caso em apreço, por não haver, sequer, uma vontade ou decisão de achincalhe ou rebaixamento gratuito da Assistente, e por não haver por parte do Arguido qualquer atitude de indiferença ou sobreposição face aos deveres resultantes do ordenamento jurídico.
XXVII. A consciência do Arguido era tão-só denunciar uma realidade que, na sua convicção, era anómala – o que, de resto, foi percebido pelo Tribunal a quo.
XXVIII. Tal afasta, inelutavelmente, a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo, conduzindo ao não preenchimento do tipo e à consequente absolvição do ora Arguido.
XXIX. Caso o Tribunal entendesse haver factualidade que sustentasse a ocorrência de prática do crime de difamação, a verdade é que, de qualquer forma, no caso em apreço sempre ocorreriam causas de justificação, porquanto o artigo 31º, nº 2, alíneas b) e c) do Código Penal exclui a ilicitude quando o facto é praticado no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever imposto por lei.
XXX. No caso, a ilicitude sempre deveria considerar-se excluída porque a denúncia de crimes como o de corrupção constitui um dever para qualquer funcionário público, como é o caso do Arguido: trata-se de um dever que lhe é imposto por lei, nos termos do art. 242º do Código de Processo Penal.
XXXI. Acresce que, de forma específica para o crime de difamação, o artigo 180º, nº 2 do Código Penal exclui a ilicitude quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da referida imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
XXXII. O comportamento do Arguido foi impelido por uma forte convicção de que algo estava errado – num claro comportamento de defesa da instituição a que serve e num claro afloramento do dever de zelo a que, como funcionário público, está adstrito (artigo 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), tanto mais que o Arguido não deixou de apresentar queixa-crime visando a Prof. FF (cfr. factos provados 19) e 20)).
XXXIII. Caso não se entenda ser de absolver o Arguido (sem conceder), sempre se dirá que, atento tudo o que se expôs, deverá ser considerada a existência de uma redução da culpa, por a atitude do Arguido – mesmo que se considere ter ocorrido uma reacção excessiva – ser de indignação compreensível por se ver confrontado com sinais de degradação da Instituição de ensino que com tanto respeito e zelo serve há décadas.
XXXIV. De facto, mesmo que se considerasse ter ocorrido um excesso ou uma reacção desproporcional do Arguido face à situação de facto com que objectivamente se deparou – o que se forma alguma se concede – sempre teria de julgar-se, pelo menos, especialmente atenuada a culpa, e compreensíveis os motivos que determinaram a sua actuação, porque lhes subjaz uma preocupação séria, legítima e genuína, e, de resto, uma preocupação louvável que deverá operar como atenuante do grau de culpa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal.
Nestes termos, requer-se a V. Exas. Venerandos Desembargadores, seja o presente recurso julgado integralmente procedente e, em consequência, revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que absolva integralmente o Arguido ou, subsidiariamente, e em qualquer caso, atenda ao diminuto grau de culpa do Arguido, reduzindo a pena de multa ao mínimo legal,
Assim se FAZENDO JUSTIÇA!”.
O Ministério Público em 1.ª instância respondeu a este recurso, sem a apresentação de conclusões, no sentido de “não dever ser dado provimento ao recurso do arguido, mantendo-se, nos seus exactos termos, a decisão recorrida”.
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida, acompanhando a posição da 1.ª instância.
Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos remetidos à conferência - cfr. art 419.º n.º 3, c), do Código de Processo Penal.
II. Fundamentação.
A Decisão Recorrida.
Na sentença recorrida o tribunal considerou os seguintes factos provados e não provados:
PROVADOS:
(..)
1) FF, à data dos factos que infra se descrevem, era ... da ..., e o arguido AA era igualmente ... na ....
2) Com data de início em ..., a FF passou a integrar o grupo científico de ..., sendo nessa qualidade que compareceu na reunião, convocada pelo Senhor II, ... do citado grupo, no dia ... de ... de 2021, pelas 10h30 minutos, a qual decorreu de modo telemático.
3) Conforme previamente indicado pelo ... convocante, a referida reunião destinava-se a dar conhecimento do funcionamento do ano lectivo que então estava prestes a terminar.
4) Iniciada a referida reunião e proferidas as palavras introdutórias pelo ... convocante e então presidente da mesma assembleia, foi dada a palavra aos presentes para que se pronunciassem sobre o modo como tinham decorrido as funções docentes relativas ao ano lectivo de ...2.../2021.
5) Estavam presentes os Professores Doutores JJ, KK, LL, MM, CC, BB, NN, OO, PP e o Arguido, assim como a Ofendida FF e os QQ, RR, SS, TT, GG, UU; e os doutores VV, WW, XX e YY. Alguns minutos após o início dos trabalhos juntou-se o Senhor ZZ e a AAA.
6) No uso da palavra então concedida, o primeiro e fazê-lo foi o Arguido, AA que, contrariamente ao proposto pelo ... ... e Presidente da referida reunião, optou por introduzir um discurso totalmente distinto ao indicado.
7) Assim, o Arguido decidiu colocar em causa as avaliações finais aprovadas pela ofendida FF na disciplina opcional de ..., leccionada no segundo semestre, turma B, as quais classificou como excessivas, leiam-se elevadas, até porque não apresentavam qualquer índice de reprovações.
8) O conhecimento das taxas de aprovação e reprovação tinham sido solicitadas pelo II, também convocante para uma reunião anterior que teve lugar no dia ..., pelas 10h30, que partilhou junto de todos os colegas regentes os referidos dados, como é usual entre o ....
9) Sucede que o Arguido prosseguiu afirmado que a Ofendida FF só o fazia por que "era comprada pelos alunos e comprava os alunos" (citação), acrescentando "que era corrupta".
10) Ainda que alertado pelo ... ... para que não continuasse com tais afirmações e acusações, o Arguido prosseguiu acrescentando que, ao desempenhar as funções de assistente de uma disciplina regida pela Ofendida, esta instrumentalizara os alunos em seu prejuízo, instigando-os a apresentar uma queixa.
11) Por todos estes motivos, e após ter sido alertado novamente para não prosseguir com mais declarações, AA afirmou, em tom de remate, que considerava quebradas as relações pessoais e institucionais com a Ofendida.
12) A Ofendida não se manifestou, em respeito com a solicitação do ... que presidia à reunião, ainda que se tenha sentido, desde aquele momento, profundamente ofendida e lesada.
13) Já no final do mesmo dia ... de ... de 2021, pelas 22h50 minutos, o arguido AA voltou a manifestar-se, por mensagem de correio electrónico, dirigindo-se a todos os que haviam sido convocados a participar na referida reunião, o que contemplava, para além dos docentes enumerados supra, oBBB, reiterando estarem quebradas as relações pessoais e profissionais entre si e a Ofendida, assim remetendo para as declarações apresentadas durante a manhã.
14) O Arguido procedeu ainda ao envio de novas mensagens de correio electrónico, durante o mês de ..., dirigidas aos anteriores e a outros docentes da ..., a saber: EE e DD, sendo estes alheios ao ....
15) Nestas mensagens são repetidas as acusações de corrupção na avaliação, também dirigidas à Ofendida, em clara e notória vontade de a ofender pessoal e profissionalmente.
16) Ainda entre os referidos destinatários encontra-se um ... ..., CCC, entre outros destinatários das referidas ....
17) Assim, na mensagem de correio electrónico redigida pelo AA, datada de ... de ... de 2021, este fez constar que "ao aprovar 100% dos alunos matriculados na disciplina de ..., nove dos quais com a classificação de 16 valores, a nossa colega FF praticou o crime de corrupção previsto nos artigos 372.º e ss. do Código Penal".
18) O AA desconhecia os discentes envolvidos, não lhes tendo ministrado a disciplina em causa, sendo as suas acusações falsas e ofensivas dirigidas à ora ofendida, afectando o seu bom nome e honra profissional.
19) Em ... de ... de 2021, o Arguido enviou nova mensagem em que mencionava que por ter ficado sem resposta às suas mensagens de correio electrónico de ... e ... de ... de 2021, tinha formalizado junto da Polícia Judiciária queixa contra a FF pela prática do crime de corrupção previsto nos artigos 372.º e ss. do Código Penal.
20) O respectivo inquérito correu trâmites no DIAP de Lisboa, 4.ª Secção, com o NUIPC 5511/21.1T9LSB, tendo sido arquivado.
21) O Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente da gravidade das acusações constantes das suas declarações desde o dia ... de ... de 2021 em que visava a Ofendida FF no seu bom nome e consideração pessoal e profissional.
22) O Arguido sabia que proferia acusações falsas e graves relativamente à prática de delitos de corrupção (activa e passiva) que não tinha fundamento sério para reputar verdadeiras, e fê-lo perante terceiros e perante a própria Ofendida.
23) Ao agir da forma descrita, o arguido actuou de forma livre e deliberada, consciente de que se referia a Docente Universitária, no exercício das suas funções e por causa delas, visando com a sua conduta atingir o bom nome, honra, dignidade e consideração profissional da Ofendida, o que concretizou, pois, ciente dessa qualidade da visada e por causa dessas funções.
24) O Arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, de forma continuada e reiterada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Da contestação:
25) O Arguido é docente na ... desde ... de ... de 1986, e desde ... de ... de 2011 como ... fazendo parte do Grupo de ... desde ... de ... de 1986;
26) O Arguido é licenciado em... com informação final equivalente a 17 valores, mestre em ... com a classificação de 17 valores e doutor em ... com a classificação de 18 valores;
27) Sempre prestou provas públicas, assim como pública e notória é a sua produção bibliográfica;
28) Exerceu já as funções de ... da ...; de ...; de ...); de ...) e de ...;
29) O arguido recebeu o ... (classificação: 18 valores);
30) Em ... recebeu o ...;
31) Em ... recebeu o Prémio .... do ... (...);
32) Em ... foi premiado com o 1° lugar no concurso de ...da
... (...);
33) Ainda no ... recebeu um Louvor do Exmo. Senhor DDD, … da ... e ...;
34) Teve igualmente participação no Premio ...da ... (...);
35) Do seu bom relacionamento académico são prova os louvores do Exmo. Senhor EEE do ...;
36) E do Exmo. Senhor FFF da ....
37) E assim também as referências elogiosas provindas do Exmo. Senhor Dr. GGG, enquanto ....
38) Ou do Exmo. Senhor HHH, enquanto ....
39) E dos Exmos. Senhores III e II.
40) Refira-se, finalmente, a apreciação invariavelmente próxima dos limites máximos que lhe é dada por parte dos alunos, como foi o caso da ... levada a efeito pela ... em ... – em que lhe foram atribuídos, como docente, valores sempre superiores a 16, 17 e 18, em 20 (Doc. 12) – e também o caso da ... levado a efeito pelo ..., com base nas referências dos alunos, em ..., na qual o Arguido foi avaliado pelo máximo.
41) O Arguido tem servido a ... com lealdade e rigor.
42) A ... é, e sempre foi, conhecida por ser uma Escola de excelência.
43) Tal excelência traduz-se numa especial exigência académica.
44) Para concluir o curso de … na ... é necessário demonstrar, ao longo de todo o percurso académico, um sólido conhecimento das disciplinas leccionadas.
45) A FF, no seu relatório referente à turma da disciplina de ..., escreveu o seguinte (cfr. Documento 4 junto com a Queixa):
“Face ao solicitado, informo que no 2º semestre, no que à disciplina de ... diz respeito, a turma ... apenas foi prejudicada a apresentação final do programa, visto terem sido suprimidas as últimas aulas para dar lugar às provas de avaliação. De qualquer forma, a turma prática cumpriu a meta proposta. Na turma teórico-prática leccionada em inglês foi integralmente cumprido o programa proposto. O interesse e satisfação dos alunos é constante. Classificação da avaliação contínua:
a) Total de alunos: ...
b) 100% de aprovação;
c) Nota entre 10 e 12: 2; entre 13 e 15: 8; nota de 16: 9;
d) A exame escrito apenas está inscrito em método final um aluno, que não assistiu às aulas (nem teóricas nem práticas) nem compareceu ao exame escrito de ontem;
e) Foram realizadas três orais de melhoria tendo os alunos ficado com a nota final de 13 e 17 (esta última atribuída a uma aluna de ... e um aluno de Erasmus)”
46) Conforme resulta do Relatório Final proferido pelo o Instrutor do processo disciplinar ocorrido na ... – constante de fls. 123 e ss do processo de Inquérito – resulta que o senhor instrutor concluiu (vide ponto V. Apreciação Crítica) que, quanto às disciplinas optativas do ..., nos anos lectivos de ... a ..., a média de classificações iguais ou superior a 16, atribuídas a um total de 2209 alunos, foi de 11,2 % – sendo que a mesma média para alunos em mobilidade foi de 21,4%. Em específico, para a disciplina de ..., nos mesmos anos lectivos, a média de classificações iguais ou superior a 16, atribuídas a um total de 199 alunos, foi de 22,1 % – sendo que a mesma média para alunos em mobilidade foi de 25,6%.
47) A avaliação feita na disciplina de ... ministrada pela FF chocou o ora Arguido, por a considerar gravemente anómala.
48) Com efeito, o referido relatório havia sido comunicado aos restantes membros do referido ..., e era, portanto, do conhecimento do ora Arguido em ... de ... de 2021.
49) Resulta do actual Regulamento de Elaboração, Análise e Divulgação de Inquéritos de Avaliação do Desempenho Pedagógico dos Docentes da ... que “A realização de inquéritos pedagógicos é relevante para o exercício de competências legalmente atribuídas a outros órgãos, como o Conselho Coordenador da Avaliação do Desempenho de Docentes, o Diretor e o Conselho Científico, podendo ter consequências para os docentes ao nível da progressão na carreira, contratações e distribuição de serviço docente.
50) Resulta ainda do Regulamento de Elaboração, Análise e Divulgação de Inquéritos de Avaliação do Desempenho Pedagógico dos Docentes da ... que “os resultados dos inquéritos pedagógicos são também relevantes para o exercício de funções de regência, conforme previstas pelo Regulamento de Avaliação aplicável, no caso do Curso da Licenciatura.” Provou-se ainda que:
51) À data dos factos a ofendida era ...e actualmente é ...;
Mais se provou que:
52) O arguido é docente na ..., auferindo um vencimento mensal no valor de € 2.500,00;
53) É casado e a sua esposa encontra-se reformada, auferindo uma pensão no valor de € 1000,00;
54) Tem uma filha, com 27 anos de idade;
55) Reside em casa própria;
56) O arguido não possui antecedentes criminais;
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Da instrução e discussão da causa, e com interesse para a respectiva decisão, resultou não provado que:
A) Nas circunstâncias descrita no ponto 6) e seguintes, o arguido afirmou que por altura do concurso de recrutamento para um lugar de ... associado que decorreu no ano de ..., a Ofendida não lhe havia dado a conhecer iria concorrer, ou antes, não o havia consultado, muito embora fosse mais antigo na categoria.
Da Contestação:
B) O arguido é membro de vários ..., como o ... o ..., a ...
) e o ...);
C) O arguido é membro de conselhos editoriais de várias revistas científicas, tais como: ... (...); ... ...
D) Logo como estudante, o arguido foi ... e, antes ainda, foi aluno do quadro-de-honra do ...
E) O arguido foi classificado em l° lugar no âmbito de inquérito pedagógico realizado no ... entre 17 docentes.
F) Na turma que está em causa, de 19 alunos, 16 foram aprovados com notas iguais ou superiores a 15 valores.
G) De facto, o que se verificou foi que, na disciplina de ... ministrada pela FF:
Processo Comum (Tribunal Singular)
- 3 alunos obtiveram notas entre 10 e 14 valores;
- 7 alunos obtiveram notas de 15 valores;
- 7 alunos obtiveram notas de 16 valores;
H) Que 84% da totalidade dos alunos da disciplina de ... no ano lectivo ...2.../2021 obtiveram notas de 15 valores ou superiores.
I) Em nenhuma disciplina do curso de licenciatura se verificou uma taxa de 100% de aprovação dos alunos.
J) Em nenhuma disciplina do curso de licenciatura são atribuídas notas iguais ou superiores a 16 valores em percentagens de 47%, ou sequer próximas.
K) As notas atribuídas pela FF são inéditas e representam um desvio demasiado diferenciado face ao padrão que constitui prática constante e reconhecida da ....
L) Aquando da apresentação do relatório em causa, a FF tinha já apresentado a sua candidatura (à ...) no concurso de promoção de categoria de ... para ...
Foi a seguinte a fundamentação apresentada na sentença recorrida quanto aos factos:
“O tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos dados como provados e não provados na ponderação do conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento conjugada com as regras de experiência comum.
O arguido confirmou os factos descritos nos pontos 1) a 9) da acusação/pronúncia. Em relação à factualidade descrita no ponto 10) da acusação/proúncia, referiu admitir como possível ter afirmado o aí descrito, julgando que o disse. Referiu ainda não recordar se proferiu a afirmação constante do ponto 11) da acusação/pronúncia. O arguido admitiu ainda a factualidade descrita nos pontos 12), 14) a 18) da acusação/pronúncia. Explicou que tomou conhecimento das notas da assistente através de um email que foi remetido para todos os docentes e que ficou surpreendido com as notas dadas na disciplina de ..., pois tinha havido 100% de aprovações, o que é um facto inédito, pois não conhece outra situação semelhante. Explicou que as notas na ... oscilam habitualmente entre os 4 e os 16 valores, sendo que esta última classificação é dada raramente. Salientou que o grau de satisfação dos alunos em relação aos docentes é aferido através de um inquérito de satisfação que é feito aos mesmos e que tem influência nos concursos de docentes que são realizados na faculdade, pelo que considera que as notas que estão em causa e que foram dadas pela assistente foram uma forma de conseguir uma boa classificação dos alunos nesses relatórios, “pois não olha a meios para atingir os fins”(cit.). Admitiu que não teve contacto com qualquer desses alunos e que não tem acesso aos resultados desses relatórios de satisfação. Acrescentou ainda que não leciona a disciplina de ... há mais de uma década. Referiu ainda que a ofendida não é uma pessoa recta, pelo que considera que as expressões que usou não são ofensivas da sua honra e consideração, porquanto apenas o seriam “se a assistente fosse digna de ser honrada”, o que não sucede.
O arguido explicou que a sua actuação visou apenas defender a dignidade e o prestígio da ..., que é algo que o preocupa, tendo sido essa a razão pela qual quis dar conhecimento do que se estava a passar aos restantes docentes, pois ficou perplexo com esta situação. Salientou que também os professores JJJ, EE e DD, com quem falou sobre este assunto, ficaram perplexos com esta situação.
A ofendida FF, docente na ... há mais de 20 anos e que integra o grupo de ..., confirmou que no ano lectivo que está em causa era a regente da cadeira de ... e que, nessa qualidade, ministrava as aulas teóricas, sendo o assistente GG quem lecionava as aulas práticas. Porém, salientou que as aulas práticas dos alunos Erasmus eram também por si lecionadas. Confirmou que no final do semestre é solicitada pelo ... a apresentação das notas com a taxa de sucesso e de insucesso e que procedeu a tal informação.
Relatou que na reunião que está em causa neste processo, logo no inicio da mesma, o arguido pediu a palavra e nessa altura proferiu diversas expressões ofensivas, designadamente que as notas que ela havia dado eram inéditas e abusivas e que comprava os alunos e era comprada pelos mesmos, que era uma corrupta, o que a deixou estupefacta e petrificada.
Referiu que nessa altura o II solicitou ao arguido que deixasse de efectuar tais considerações, mas o mesmo não acatou e continuou. Referiu que não respondeu naquelas circunstâncias, até porque não conseguiu reagir, pois ficou em estado de choque. Realçou que recebeu diversos telefonemas de colegas que estavam na reunião e que prestaram a sua solidariedade.
Acrescentou que o arguido ainda enviou mensagens através de correio electrónico, nas quais afirmava que ela era corrupta, e que remeteu as mesmas para diversos professores da ..., quer do grupo de ciências histórico-jurídicas, quer de outros grupos e ainda para pessoas que não conhece. Explicou que apresentou queixa contra o arguido porque não pode permitir ser enxovalhada e humilhada desta forma, salientando que se sentiu muito envergonhada e humilhada.
A ofendida explicou ainda que esta disciplina de ... é uma cadeira opcional em que não é exigível que seja realizado um exame escrito, podendo ser realizado um trabalho final e cujo tema é escolhido pelo aluno, sendo que a avaliação final está dividida entre a participação oral/assiduidade que vale 50% e esse trabalho final que vale também 50%.
Explicou que os alunos de Erasmus foram avaliados por si e que os restantes alunos foram avaliados pelo seu colega GG, que era quem lecionava as aulas práticas. Salientou que os alunos Erasmus eram habitualmente alunos finalistas, mais velhos, provenientes de países do ..., que se destacam por ter grande desenvoltura e por estarem bem preparados. Referiu que, por norma, a nota mais alta em avaliação contínua é 16 valores, mas que nas orais os alunos conseguem subir, sendo que a nota mais elevada que já deu foi 18 valores. Realçou que nas disciplinas opcionais não é raro existirem notas de 18 valores e que tem vindo a ocorrer uma mudança na atribuição das notas, estando ultrapassada a bitola do 14 que era o que acontecia anteriormente.
A ofendida esclareceu ainda que a escolha das disciplinas opcionais pelos alunos Erasmus tem de ser autorizada previamente pela faculdade de origem e que a motivação destes alunos não está relacionada com as notas que vão obter. Salientou que não oferece notas, que nunca o fez e que as notas que dá reflectem o que é merecido pelo aluno. Acrescentou que é normal haver 100% de aprovação nesta cadeira, não sendo a única disciplina em que tal acontece.
Relatou ainda que o arguido disse que ela lhe devia ter dado conhecimento que pretendia concorrer, não recordando se o fez na reunião em causa ou no âmbito do processo disciplinar, o que não faz qualquer sentido, pois não há obrigação de prestar tal informação aos colegas. Referiu ainda que o arguido apresentou uma queixa crime contra ela, mas que o processo foi arquivado. Confirmou ainda que existem inquéritos aos alunos que têm por objecto a avaliação dos professores, mas salientou que esses inquéritos não têm influência no desempenho dos professores, nem nos concursos.
Foram ainda inquiridas as testemunhas II, ... e que à data dos factos era ... do ...; GG, à data dos factos ... naquela Faculdade e que lecionou as aulas práticas da cadeira de ... no semestre que está em apreço e que atribuiu as notas da turma ...RR, ..., que integra o ... e HH, ..., que integra o ... e que, entre outras disciplinas, lecionou as aulas práticas da cadeira de ....
Estas testemunhas confirmaram a sua presença na reunião que está em causa nos autos e que foi realizada à distância, via Zoom, assim como a reacção que tiveram quando ouviram a intervenção do arguido e as afirmações que dirigiu à ofendida, atestando que foram ainda enviados emails por parte do arguido que lhes foram destinados em que reiterava o já alegado na reunião. Explicaram ainda o método de avaliação da cadeira opcional que está em causa, porquanto é apenas realizado um trabalho final, não existindo exame escrito, salientando que quem atribui as notas são os assistentes. Explicaram também que é normal uma taxa total de aprovação neste tipo de disciplina dado o reduzido número de alunos inscritos e o facto de ser uma disciplina escolhida pelos próprios alunos, assim como salientaram que habitualmente nesta disciplina, por se tratar de uma disciplina opcional e pelo método de avaliação ser um trabalho final, as notas são elevadas e acrescentaram também que a bitola do 14 como nota máxima em avaliação continua já não acontece, pois actualmente é vulgar atribuir 16 valores em avaliação contínua. Salientaram ainda a boa imagem que possuem da ofendida enquanto docente, sendo que as testemunhas que trabalharam directamente com a mesma enquanto assistentes que davam as aulas práticas confirmaram que a mesma nunca interferiu nas avaliações que fizeram, nem nunca pediu para subirem notas.
Foram ainda inquiridas as testemunhas EE, ..., actualmente KKK, e DD, ..., que integram o grupo de ..., e que explicaram que nunca tiveram uma taxa de aprovação de 100%, salientando a testemunha DD que apenas leciona as aulas teóricas de cadeiras obrigatórias, desconhecendo as classificações que ocorrem nas disciplinas opcionais. Estas testemunhas referiram ainda as notas máximas que habitualmente são dadas em avaliação contínua, tendo a testemunha DD confirmado que nos últimos anos tem vindo a existir um aumento das classificações na Faculdade, ou seja, tem existido um alargamento da bitola, tendo adoptado como metodologia que as notas acima de 15 valores têm de ser validadas por si enquanto regente. Esta testemunha também salientou a diferença que existe nos critérios de avaliação nas disciplinas obrigatórias e nas disciplinas opcionais dado que nestas últimas pode ser realizado um trabalho que acaba por ser mais fácil do que um exame escrito.
A testemunha DD confirmou ainda que a ofendida o contactou na sequência da reunião ocorrida e que a mesma estava chocada com o sucedido, pelo que tentou mediar a situação entre ambos, mas sem sucesso, salientando que o arguido lhe transmitiu que possui admiração científica pela ofendida. Atestou ainda que não acredita que a ofendida tivesse praticado qualquer crime.
Por seu turno, a testemunha BB, ..., no grupo de ..., afirmou não ter recordação de ter aprovado 100% dos alunos quer em disciplinas opcionais, quer em disciplinas obrigatórias, salientando que não leciona a disciplina de História de Pensamento Jurídico há seis ou sete anos e que apenas a lecionou como regente. Confirmou que as notas são dadas pelo assistente, que as comunica ao respectivo regente, e que nas disciplinas opcionais as notas são mais altas, admitindo que alguns alunos Erasmus (designadamente os italianos) são muito bons e têm boas notas (16 ou 17 valores).
Referiu ainda as avaliações que habitualmente atribui e afirmou que as notas que foram dadas pela ofendida e que estão em causa neste processo não são normais, nem habituais. Relatou ainda que ficou surpreendida com a intervenção do arguido pelas notas que apresentou, mas também pelo momento da intervenção e pela imputação efectuada, pois não estavam a falar daquele assunto na altura e era uma afirmação que merecia sustentação. Confirmou ainda que recebeu o email junto a fls. 22 e descreveu o que sentiu quando viu o mesmo.
Por último, a testemunha LLL, ..., no grupo de ..., referiu que o sistema de avaliação tem vindo a ser alterado e que nas disciplinas opcionais pode ser realizado um trabalho final ao invés do exame escrito, o que permite que as notas sejam mais elevadas. Afirmou que nunca teve 100% de aprovações, considerando que 15 e 16 valores são notas excepcionais em avaliação contínua, admitindo que há muita latitude nos critérios de avaliação. Referiu ainda as disciplinas que leciona. Explicou também que se sentiu desconfortável quando ouviu a intervenção do arguido porque o mesmo utilizou a expressão “corrupção”, o que considerou excessivo e de mau tom, até porque quem lecionou as aulas práticas foi outro docente e não a ofendida. Admitiu que considera que as notas em causa estão acima do padrão, mas isso não a preocupa, nem sente necessidade de questionar as mesmas porque os docentes têm liberdade/autonomia para avaliarem os alunos. Confirmou que recebeu também o email que está em causa e que a ofendida se sentiu muito humilhada com esta situação, desconhecendo se a intenção do arguido era humilhar aquela.
O Tribunal atendeu ainda ao depoimento escrito do ..., MMM.
O tribunal valorou igualmente todo o acervo documental junto aos autos, designadamente os documentos juntos a fls. 14 a 28, 93 a 144, 185 a 202 e os documentos juntos com a contestação.
Ora, tendo em consideração a prova produzida, designadamente a conjugação das declarações do arguido com o depoimento da ofendida e com os depoimentos das testemunhas inquiridas e ainda com o acervo documental junto aos autos, o tribunal criou a convicção segura de que os factos ocorreram conforme descritos na factualidade dada como provada.
De facto, o arguido confirmou a factualidade descrita na acusação e que respeita às expressões que proferiu na reunião ocorrida em ........2021, assim como admitiu ter remetido as mensagens de correio electrónico que estão também descritas na acusação e para os destinatários que aí estão indicados, pelo que nenhuma dúvida se suscitou quanto a tal factualidade que foi também confirmada pelas restantes testemunhas.
Porém, o arguido justificou a sua conduta com o facto de pretender defender a dignidade e o prestígio da ..., pretendendo com esta actuação dar a conhecer aos restantes docentes o que se estava a passar na mesma, pois ficou perplexo e chocado com as notas que foram atribuídas na disciplina em causa, que era regida pela ofendida, salientando que a sua intenção era apenas esta e não a de ofender a honra e consideração daquela.
Sucede que o arguido não logrou convencer o Tribunal que a sua intenção visou apenas defender o prestígio da ..., porquanto a conduta adoptada pelo arguido na reunião ocorrida em ........2021 e nos meses seguintes quando enviou as mensagens de correio electrónico é reveladora de que mais do que colocar outros docentes a par das notas que haviam sido atribuídas na disciplina de ..., o arguido pretendeu de forma clara e inequívoca imputar factos graves à ofendida enquanto ... daquela instituição, dizendo categoricamente que a mesma “era comprada pelos alunos e comprava os alunos”, “que era corrupta” e que “ao aprovar 100% dos alunos matriculados na disciplina de ..., nove dos quais com classificação de 16 valores” tinha praticado “o crime de corrupção, previsto no art. 372.º e ss do Códgo Penal”.
De facto, estas afirmações extravasam e em muito aquilo que seria apenas a necessidade de dar a conhecer o que se estava a passar na ... e aquilo que o arguido considerava ser um desvio ao padrão de avaliação que existe naquela instituição, pois se o arguido pretendesse apenas zelar pelos interesses e prestigio daquela bastava dar conhecimento aos restantes docentes de que considerava aquelas notas excessivas e inéditas e que considerava necessário debater essa questão atento o padrão de exigência que tem prevalecido ao longo dos anos naquela Faculdade.
Todavia, não foi isso que o arguido fez, o arguido não se limitou a comunicar e a dar conhecimento a outros docentes do desvio do padrão de avaliação que considerou existir neste caso, o arguido foi muito além disso ao imputar à arguida factos concretos, designadamente que a mesma era comprada pelos alunos, que comprava os alunos e que tinha praticado o crime de corrupção, sendo que não tinha qualquer base fáctica para sustentar estas afirmações como, aliás, o próprio admitiu em julgamento.
Com efeito, o arguido não falou com nenhum aluno que integrasse a disciplina de ..., não teve qualquer relato de que tivesse existido uma concreta situação de corrupção ou sequer teve conhecimento do conteúdo dos inquéritos de avaliação dos docentes que são feitos pelos alunos, pelo que estas afirmações – que são graves e claramente ofensivas da honra e consideração da ofendida - foram efectuadas de forma totalmente gratuita e sem qualquer base de sustentação.
Além disso, o arguido sabia que as notas que foram dadas à turma ... (10 alunos) da disciplina de ... tinham sido dadas por pessoa diversa da ofendida, neste caso o ..., a testemunha GG, sendo que a ofendida apenas deu as notas dos alunos que faziam parte do Programa Erasmus, conforme, aliás, resultava da informação que a própria facultou e que consta do documento junto a fls. 19.
Isto mesmo foi explicado quer pela ofendida, quer pela testemunha GG, que confirmaram que as notas da turma B foram dadas por este último, sem que a ofendida tivesse tido qualquer influência nas mesmas, sendo que resultou do depoimento das testemunhas inquiridas em julgamento que efectivamente é o ... que leciona as aulas práticas quem atribui as notas de avaliação contínua, que são naturalmente comunicadas ao regente da disciplina, que poderá exigir esclarecimento se entender necessários para validação dessas avaliações.
Com efeito, a testemunha GG atestou que a ofendida não pediu para subir ou alterar qualquer das notas que atribuiu nesta disciplina e que inexistiu qualquer contrapartida ou vantagem para ele ou para aquela decorrentes das notas que foram atribuídas, resultando da prova produzida que mais de metade das notas que estão em causa neste processo não foram atribuídas pela ofendida, mas sim pela aludida testemunha, o que era do conhecimento do arguido.
Acresce que resultou também evidente da prova produzida, designadamente do depoimento de todas as testemunhas que lecionam disciplinas do grupo de ... que as disciplinas opcionais possuem actualmente um método de avaliação distinto, em que é possível realizar um trabalho final sem necessidade de realizar exame escrito, sendo este trabalho um elemento de avaliação mais fácil e que possibilita a atribuição de uma nota mais elevada.
Aliás, foi também explicado pela generalidade das testemunhas inquiridas em julgamento que as turmas das disciplinas opcionais do grupo de ciências histórico-jurídicas são pequenas (cerca de 20/30 alunos), sendo vulgar que as notas nestas disciplinas sejam mais elevadas do que nas disciplinas obrigatórias, até porque a inscrição nas mesmas resulta de uma escolha do próprio aluno.
Neste tocante foi, aliás, referido de forma espontânea, segura e credível pelas testemunhas II, GG, RR e HH que não consideraram excessivas as notas que foram atribuídas na disciplina em causa, nem ficaram chocados com as mesmas, nem tão pouco com o facto de terem sido todos os alunos aprovados, considerando que corresponde ao que habitualmente sucede dado que se tratam turmas com poucos alunos e que o método de avaliação é o trabalho final e não o exame escrito, salientando ainda que tem existido uma evolução na bitola da avaliação contínua, que subiu do 14 para o 16, sendo muito mais frequente actualmente a atribuição desta nota (16 valores) do que era anteriormente, factualidade que foi igualmente confirmada pelas testemunhas DD, BB e LLL.
Além disso, também foi confirmado quer pela ofendida, quer pelas testemunhas HH e BB que os alunos que integram o programa Erasmus são vulgamente mais velhos, tem mais experiência e estão melhor preparados, pelo que habitualmente têm notas mais elevadas. Isto mesmo decorre da analise das pautas finais das disciplinas optativas do grupo de ciências histórico-jurídicas que foi efectuada no âmbito do processo disciplinar e que consta do relatório final junto a fls. 123 e seguintes, donde resulta inequívoco que há uma maior proporção de classificações elevadas neste tipo de estudantes.
Ora, a este propósito cumpre notar que as notas que foram atribuídas pela ofendida foram exactamente as que dizem respeito aos alunos integrados no programa Erasmus, como a própria explicou, não se podendo ainda olvidar que não é possível, considerando a informação que a mesma prestou e que está junta a fls. 19, destrinçar quais foram as notas atribuídas pela mesma à turma de Erasmus e quais as notas atribuídas pela testemunha GG à turma B, o que não pode deixar de ser considerado, na medida em que também esta leitura não foi possível ser realizada pelo arguido.
É certo que competia à ofendida enquanto regente validar as notas atribuídas pelo ... assistente e, nessa medida, poderia não concordar com as mesmas. Porém, conforme resultou do depoimento daquela não teve na situação em causa motivos para o fazer, sendo que também resultou do depoimento da testemunha GG que a mesma não teve qualquer interferência na atribuição das mesmas.
Ou seja, resultou evidente para o Tribunal da prova que foi produzida que as imputações que o arguido fez à ofendida na reunião de ... de ... de 2021 e posteriormente através de mensagens de correio electrónico não correspondem à verdade e que não possuem qualquer tipo de sustentação fáctica.
Aliás, impõe-se referir até que resultou da conjugação dos depoimentos das testemunhas II, GG, RR e NNN
HH que as notas atribuídas naquela disciplina não foram excessivas, nem constituem um desvio ao padrão de avaliação daquela disciplina em concreto, o que é de realçar, importando neste tocante salientar que quer a testemunha GG, quer a testemunha HH lecionaram esta mesma disciplina, o primeiro no ano lectivo que está em causa e a segunda no ano lectivo anterior, o que lhes confere um conhecimento especifico daquela disciplina, conhecimento esse que não ocorre com outras testemunhas que nunca lecionaram a mesma ou que o fizeram há muitos anos atrás como é o caso do arguido e das testemunha BB e LLL.
Com efeito, não é possível comparar realidades que são totalmente distintas, designadamente não é possível comparar avaliações que são atribuídas em disciplinas obrigatórias em que a composição da turma é de 200 ou 300 alunos daquelas que são atribuídas em disciplinas opcionais em que a as turmas possuem 20 ou 30 alunos. Por essa razão, o depoimento da testemunha EE, DD ou até do ..., MMM, quanto às notas que habitualmente atribuem ou atribuíram e quanto às taxas de aprovação que têm ou tiveram assume pouca relevância para o Tribunal, na medida em que estamos a falar de realidades totalmente distintas e de diferentes universos de alunos, cumprindo notar que duas dessas testemunhas já nem sequer lecionam actualmente.
E o mesmo se diga em relação a testemunhas que já não leccionam a disciplina há vários anos, como sejam as testemunhas BB e LLL que leccionam outras disciplinas, pois não possuem conhecimento concreto da realidade da disciplina em causa e das notas que são atribuídas concretamente.
De facto, o Tribunal convenceu-se que as notas atribuídas pela ofendida estão dentro do padrão de avaliação daquela disciplina, não sendo inéditas, nem constituem um desvio daquele, assumindo especial relevo na formação da convicção o teor do relatório final do processo disciplinar que esta junto a fls. 123 e seguintes, do qual resulta que a média das classificações atribuídas aos estudantes aprovados no período em análise – ...1.../2019 a ...2.../2021 – foi de 14,2 valores, o que corresponde a uma média de classificação bastante elevada.
Acresce que resulta também da análise que foi efectuada nesse documento e em relação ao mesmo período temporal que ¼ dos estudantes Erasmus obtiveram classificações iguais ou superiores a 16 valores, o que vai de encontro ao que foi também explicado pela própria ofendida e por outras testemunhas.
Com efeito, não foi carreado para os autos qualquer elemento probatório que permita considerar que existe no caso vertente sustentação fáctica para as imputações que foram feitas pelo arguido e que visaram a ofendida, sendo certo que também não resultou demonstrada qualquer influência dos inquéritos de avaliação dos docentes efectuados pelos alunos na progressão na carreira dos docentes, conforme foi explicado de forma segura e crível pela testemunha II e GG, cumprindo notar que o que consta do Regulamento de Elaboração, Analise e Divulgação de Inquéritos de avaliação do desempenho pedagógico dos docentes da ... não vincula os aludidos concursos, que possuem critérios que estão legalmente fixados. Aliás, refira-se que o arguido desconhece o conteúdo desses inquéritos, pelo que é impossível estabelecer uma ligação entre os mesmos e as notas atribuídas por aquela.
De facto, utilizar este argumento – que a ofendida pretendia ter uma boa classificação nos inquéritos efectuados pelos alunos para conseguir progredir na carreira - como uma das razões para concluir que a ofendida comprou os alunos é demonstrativo da falta de sustentação das imputações que o arguido efectuou, na medida em que o mesmo desconhecia quais os resultados desses inquéritos, demonstrando assim o caracter gratuito das imputações que fez e do juízo de valor que acerca da mesma formulou.
De facto, considerando toda a prova produzida, resultou inequívoco para o Tribunal que as expressões proferidas pelo arguido na reunião de ........2021 e, posteriormente, escritas nas mensagens de correio electrónico em que o arguido afirma que a arguida é corrupta e que praticou o crime de corrupção previsto no art. 372 e seguintes do Código Penal manifestamente extravasam o intuito de dar conhecer aos restantes docentes a situação em causa para dessa forma defender o prestigio da Faculdade, pois trata-se de um juízo de valor que afecta necessariamente a dignidade pessoal e profissional da ofendida, o que é do conhecimento do arguido, não sendo compreensível para o Tribunal como é que o acto de chamar corrupta à ofendida pode defender interesses legítimos, designadamente os de defesa da integridade e prestigio da ....
De facto, tal defesa seria possível, sim, com a simples alusão às notas atribuídas em concreto na disciplina e com a solicitação que fossem em reunião discutidos os critérios de avaliação e os padrões classificativos. Porém, não foi essa a actuação do arguido, que foi muito além disso, e imputou à arguida a prática de um crime grave, visando com tal acção o rebaixamento da mesma, ofendendo de modo inequívoco a sua honra e consideração.
Aliás, isto mesmo resultou das próprias declarações do arguido em julgamento que, quando confrontado com o caracter ofensivo das expressões em causa, afirmou que as mesmas só seriam ofensivas se a ofendida “fosse digna de ser honrada”, o que não sucede, o que é bem demonstrativo da sua intenção de rebaixar a ofendida, não conseguindo sequer controlar tal ímpeto na audiência de julgamento, na qual figura como arguido.
De facto, a conjugação das regras de experiência comum com a prova produzida permitiram dar como provada a factualidade atinente ao elemento subjectivo (pontos 21) a 24), porquanto resultou inequívoco que o arguido tinha conhecimento da gravidade das imputações que dirigiu à ofendida e estava ciente de que as expressões que proferiu e escreveu atingiam o bom nome e a consideração pessoal e profissional daquela, estando ainda consciente de que não tinha fundamento sério para reputar como verdadeiras as acusações que realizou e, não obstante, agiu do modo descrito e fê-lo não só perante a própria, mas também perante terceiros, ciente de que a ofendida era docente universitária e que foi em virtude dessas funções e dessa qualidade que foi por si visada.
De referir ainda que a factualidade descrita nos pontos 25) a 40) resultou demonstrada atento o teor dos documentos que foram juntos pelo arguido em sede de contestação conjugados com as declarações do próprio arguido.
O facto constante do ponto 41) foi confirmado quer pelo arguido, quer pelas diversas testemunhas que foram inquiridas em julgamento.
A factualidade constante dos pontos 42) a 44) foram confirmados pela generalidade das testemunhas e resultam também das regras de experiência comum.
O facto vertido no ponto 45) constitui uma reprodução da informação que foi prestada pela ofendida e que está subjacente à actuação do arguido, constando do documento junto a fls. 19.
O facto descrito no ponto 46) resulta do teor do relatório final do processo disciplinar junto a fls. 123 e seguintes.
A factualidade constante do ponto 47) e 48) resultou das próprias declarações do arguido.
Os factos vertidos nos pontos 49) e 50) resultaram da leitura do aludido regulamento que esta disponível online.
A factualidade constante do ponto 51) resultou provado atentas as declarações da ofendida.
A matéria respeitante à ausência de antecedentes criminais resultou demonstrada atento o teor do certificado de registo criminal junto aos autos e o tribunal atendeu às declarações do arguido para dar como provadas as suas condições pessoais e socioeconómicas.
Os factos não provados descritos nos pontos A) a E) e L) resultaram desse modo por não ter sido feita prova da sua realidade, não tendo sido produzida prova que os permita sustentar.
Os factos vertidos nos pontos F) a H) resultaram não provados por se tratarem de uma interpretação dos dados constantes da informação prestada pela ofendida (cfr. ponto 45) que não está em consonância com a aludida informação, desconhecendo o Tribunal os elementos que a defesa utilizou para concluir do modo descrito, cumprindo notar que em relação às notas atribuídas na disciplina que está em causa o tribunal atendeu ao documento junto a fls. 19.
A factualidade constante dos pontos I) e K) resultou não provada face ao que anteriormente expusemos, porquanto resultou do depoimento de diversas testemunhas já supra indicadas que as notas em causa não são inéditas, nem constituem um desvio ao padrão existente naquela disciplina concreta.
O facto descrito no ponto J) resultou não provado por não ter sido feita prova da sua realidade, pois para tanto teria o Tribunal que ter acesso a todas as pautas finais de todas as disciplinas da Faculdade de forma a conseguir fazer tal apuramento, o que não se mostra possível, nem se crê necessário considerando o objecto dos presentes autos”.
*
Objecto do recurso.
Conforme dispõe o art. 412.º nº1 do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respetiva motivação, nas quais o mesmo sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente se verifiquem, designadamente as referidas no disposto no art. 410.º, n.º2,º do Código de Processo Penal.
De acordo com o disposto no art. 412.º, n.º2, do Código de Processo Penal, versando matéria de direito, “as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada”.
E, por obediência ao estipulado no n.º 3 do mesmo art. 412.º do Código de Processo Penal, pretendendo o recorrente impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, “o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas”.
Para este efeito obriga do n.º 4 do mesmo artigo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Note-se, portanto, que o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um duplo ónus, a saber:
- Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência ou mera referência a diversos números da sentença, onde constam diversos acontecimentos e aspectos de facto;
- Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal).
Com este enquadramento, o arguido pretendeu ver apreciadas as seguintes questões:
1. Da ocorrência de erro de julgamento quanto factos não provados I), J) e K) e dos factos provados 15), 18), 21) 22), 23) e 24);
2. Da verificação de uma causa de justificação, porquanto o artigo 31º, nº 2, alíneas b) e c) do Código Penal exclui a ilicitude quando o facto é praticado no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever imposto por lei (dever de zelo e dever de denúncia);
3. Da exclusão da ilicitude da conduta do arguido nos termos do artigo 180º, nº 2 do Código Penal por a imputação ter sido feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da referida imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
4. Da existência de uma atenuante do grau de culpa do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal.
Apesar de o arguido, nas suas conclusões, não especificar os factos concretos que pretende impugnar, fazendo apenas referência aos números e letras que constam da sentença, que não integram necessariamente apenas um facto ou o aspecto factual cuja apreciação é pretendida, nem estabelecer directamente a relação entre cada um dos pontos de facto com a prova especificamente identificada por referência às gravações, atenta a simplicidade da matéria factual, percebe-se essencialmente o que é pretendido com a impugnação, pelo que, nesta interpretação, será apreciado o recurso amplo em matéria de facto.
De igual forma, em relação às questões jurídicas suscitadas, o recorrente não indica nas conclusões qual o sentido em que as normas em causa foram interpretadas pelo tribunal recorrido e qual foi o erro de interpretação ou subsunção realizado, limitando-se a repetir a sua posição assumida na 1.ª instância. Contudo, percebendo-se essencialmente o sentido do recurso, pela sua delimitação, tais questões serão objecto de apreciação.
1. Da ocorrência de erro de julgamento quanto factos não provados I), J) e K) e dos factos provados 15), 18), 21) 22), 23) e 24).
Deve atentar-se que o recurso da matéria de facto não foi concebido como instrumento ao serviço da realização de um novo julgamento, com reapreciação de toda a prova que fundamenta a decisão recorrida, como se o julgamento efectuado na primeira instância não tivesse existido. Trata-se, tão-somente, de um instrumento concebido para a correcção de erros de julgamento e de procedimentos, devidamente discriminados pelas partes1.
A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação. «O tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito»2.
Começa o arguido por discordar do que consta da alínea I dos factos não provados (“Em nenhuma disciplina do curso de licenciatura se verificou uma taxa de 100% de aprovação dos alunos”).
Depois continua o arguido com a pretensão de estabelecer que foi produzida prova clara e irrecusável do que consta da alínea J dos factos não provados (“Em nenhuma disciplina do curso de licenciatura são atribuídas notas iguais ou superiores a 16 valores em percentagens de 47%, ou sequer próximas”).
E, nesta sequência, impugna o arguido os diversos factos que constam da alínea K dos factos não provados (“As notas atribuídas pela FF são inéditas e representam um desvio demasiado diferenciado face ao padrão que constitui prática constante e reconhecida da ...”).
Ora, o tribunal recorrido explicou que as testemunhas ouvidas não concluíram no sentido exposto, como o arguido agora insiste.
As testemunhas inquiridas, nomeadamente as referidas nas conclusões do arguido, ainda que tenham dado a entender a sua consideração sobre o carácter elevado das classificações da responsabilidade da ofendida, não mostraram ter um conhecimento absoluto e claro dos termos do suporte avaliativo dos alunos, tendo sempre relativizado as áreas da sua intervenção e, ainda que tenham entendido também que as classificações dadas eram poucos comuns ou mesmo incomuns, não o puderam afirmar de forma categórica, sem reservas, em relação todas as disciplinas do curso ou quanto a percentagens.
De resto, de acordo com as testemunhas inquiridas em julgamento, todas aquelas referências de facto não constituíram mais do que uma intuição ou pressuposição, sem base probatória adequada, que elas foram genericamente afirmando e logo relativizando, não querendo estabelecer essa verdade.
A título de exemplo, no depoimento claro do DD, este lembrou que não tinha conhecimento suficiente das classificações da ofendida, mas tal não significava que as mesmas não podiam acontecer; e que em certas disciplinas optativas era possível que as classificações fossem mais elevadas. O OOO, no seu depoimento, não soube falar dos outros grupos jurídicos da sua Faculdade, logo referindo desconhecer em que circunstâncias foram atribuídas as classificações da responsabilidade da ofendida, desconhecendo efectivamente a realidade de toda a Faculdade. E ainda a PPP que demonstrou estranhar, mas admitir um citério distinto do seu.
Foi este o sentido de todos os depoimentos, pelo que não foi possível questionar o juízo probatório efectuado pelo tribunal recorrido nestas alíneas dos factos não provados.
Em relação aos factos provados 15), 18), 21) 22), 23) e 24), a apreciação do recurso encontra-se mais dificultada pela falta de cumprimento rigoroso das regras processuais que regem a impugnação alargada da matéria de facto, nos termos já explicados.
Assim, quanto ao facto 15 (“Nestas mensagens são repetidas as acusações de corrupção na avaliação, também dirigidas à Ofendida, em clara e notória vontade de a ofender pessoal e profissionalmente”), o arguido parece querer retirar apenas a vontade de ofender pessoal e profissionalmente a ofendida, sustentando-se no carácter abonatório das testemunhas que refere.
Mas, ainda que de modo irrelevante para a incriminação em causa, o tribunal recorrido entendeu que foi o arguido que confessou esta realidade. E isso não poderá deixar de ser entendido como correcto, tendo o arguido em julgamento insistido não apenas em discordâncias profissionais, mas na falta de honra da ofendida; o que, conjugado com o teor de imputação à mesma da prática de crimes – nominativa e tecnicamente identificados em termos jurídico-penais – não pode levar a outra conclusão, senão a que ficou provada.
Pelos mesmos fundamentos, a pretensão de alteração parcial do que consta do facto provado 18 (“O AA desconhecia os discentes envolvidos, não lhes tendo ministrado a disciplina em causa, sendo as suas acusações falsas e ofensivas dirigidas à ora ofendida, afectando o seu bom nome e honra profissional”) não pode merecer qualquer acolhimento.
Terá pretendido ainda o arguido impugnar essa vontade de ofender a ofendida, ou, como ele refere nas suas conclusões, de a achincalhar ou de rebaixar gratuitamente, que consta dos factos 21 a 24.
Contudo, o arguido não apresentou tão-só, ainda de que forma grosseira ou indisciplinada (bem sentida pelas testemunhas consideradas em julgamento), um juízo crítico da conduta profissional da ofendida, tendo ido muito mais além e, ainda que por causa dessa discordância, decidido imputar à ofendida, sem qualquer fundamento para o efeito, a prática de condutas criminosas graves.
E, insiste-se, ainda que tal intenção específica não seja tipicamente relevante para a incriminação de difamação prevista no art. 180.º, n.º1, do Código Penal (o dolo do arguido completa-se com o conhecimento dos factos praticados e a intenção de os realizar, de acordo com o disposto no art. 14.º, n.º1, do Código Penal), verificou-se efectivamente a correção do juízo probatório apresentado pelo tribunal recorrido, sendo a sua impugnação de facto totalmente improcedente.
2. Da verificação de uma causa de justificação, porquanto o artigo 31º, nº 2, alíneas b) e c) do Código Penal exclui a ilicitude quando o facto é praticado no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever imposto por lei (dever de zelo e dever de denúncia).
Enunciando a questão tal como o arguido a apresenta, mas em conjugação com o teor concreto dos factos provados, teria este Tribunal da Relação de equacionar se o arguido, em cumprimento do seu dever de denúncia (refere o art. 242.º do Código de Processo Penal) e de zelo (refere o art. 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), teria de, perante terceiros, imputar à ofendida a prática de crimes, especificamente de corrupção, de ter recebido bens ou actuado em concertação de interesses, em contrapartida por classificações, simplesmente por discordar das classificações por esta estabelecidas.
Ou seja, resultando da matéria de facto provada que o arguido actuou sem ter qualquer fundamento para esta imputação criminosa (tendo apenas uma mera discordância de juízos classificativos ou, eventualmente, sobre as qualidades ou competências profissionais da ofendida), cuja falsidade resolveu defender, é manifesto que inexistia um dever de denunciar falsamente; bem como não é imposto qualquer dever de zelo baseado em falsidades. Por isso, é mesmo chocante que o arguido possa pretender defender-se nestes termos.
Bem andou o tribunal recorrido ao referir, de forma clara, que “Acresce que também não se verificam as causas de exclusão previstas no art. 31.º, n.º 2, al. b) e c) do Código Penal porquanto chamar corrupta à ofendida e afirmar que a mesma compra e é comprada por alunos não constitui o exercício de qualquer direito que mereça tutela jurídica, nem configura o cumprimento de qualquer dever jurídico”.
Pelo que improcede a verificação da referida causa de justificação prevista no art. 31.º, n.º2, b) e c) do Código Penal.
3. Da exclusão da ilicitude da conduta do arguido nos termos do artigo 180º, nº 2 do Código Penal por a imputação ter sido feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da referida imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
A exclusão da ilicitude das condutas de imputação de factos ou realização de juízos ofensivos da honra de alguém, nos termos previstos no art. 180.º, n.º2, do Código Penal, tem por base a necessidade de realização de interesses legítimos por parte do agressor da honra alheia, com a demonstração da verdade do que é dito ou a reputação dessa realidade, em boa-fé, como verdadeira.
Mantendo sempre a distinção acima apresentada entre juízo crítico e total falsidade – que se impõe juridicamente ou mesmo apenas a pessoas de boa formação moral – ainda que a discórdia profissional possa ser evidente, a falsa imputação de crimes, insistente, independentemente das conjecturas que intimamente possa o arguido ter querido realizar sobre a ofendida, não pode ser incluída em qualquer das partes da referida disposição legal.
Também aqui o arguido parece não querer compreender que, mesmo que estivesse de boa-fé na discordância que apresentou quanto às classificações da ofendida (e não existem elementos nos autos que permitam perceber se o seu padrão classificativo é correcto), e com toda a sua “boa intenção” ao mencionar tal situação (apesar das muitas dúvidas quanto aos termos e ao momento em que ocorreram as suas condutas, como resulta mesmo dos factos provados), não foi esse aspecto que lhe foi censurado pelo tribunal recorrido – e agora também por este Tribunal da Relação – e criminalmente declarado; antes foi o aproveitamento dessa discordância, que poderia ou não ser legítima, para agredir, de modo libertino e descontrolado, a ofendida, imputando-lhe falsamente a prática de crimes de corrupção, já muito afastado de qualquer valor humano aceitável.
O suposto prestígio da ... acabou por ficar afectado pela sua conduta em lugar de ter sido defendido.
Também aqui, bem andou o tribunal recorrido ao destacar que “as expressões utilizadas pelo arguido não visam o exercício legítimo de qualquer interesse que, no confronto com o direito da ofendida à sua honra e reputação, mereça proteção jurídica. Tanto mais que, como resulta evidente era totalmente desnecessária excessiva e até inútil a afirmação de que a ofendida era corrupta para o arguido conseguir defender o prestígio da ... que constitui o interesse que pretendia acautelar”.
Pelo que, como é evidente de toda a jurisprudência invocada de modo incongruente no recurso, não se verifica a exclusão da ilicitude prevista no art. 180.º, n.º2, do Código Penal.
4. Da existência de uma atenuante do grau de culpa do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal.
A propósito deste último ponto do recurso do arguido há que lembrar os termos da definição da medida concreta da pena adoptados pelo tribunal recorrido:
Neste sentido, estipula o art. 71º que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº1), devendo atender o tribunal, na determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (nº2).
De facto, a determinação concreta da pena acha-se, antes de mais, em função da culpa do agente, das exigências de prevenção especial, ligadas à reinserção social e a fins de prevenção geral, pugnando pela defesa da sociedade com consequente contenção de criminalidade. A estes motores de determinação da medida da pena acrescem todos os outros que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente de modo a proporcionar uma dupla função à pena a aplicar: por um lado, a mesma tem de ser justa e adequada ao caso concreto, por outro lado, tem de ser suficiente para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos semelhantes.
E a primeira opção a fazer é entre a pena de multa e a pena de prisão, pois de harmonia com o disposto no art. 70º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve optar pela segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso vertente, e uma vez que o arguido não possui antecedentes criminais, entende-se optar por uma pena de multa por se considerar que esta assegura as finalidades da punição.
Feita a opção pela pena de multa, importa agora determinar a pena concreta a aplicar ao arguido. Na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no artigo 71º do Código Penal, que dispõe que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº1), devendo atender o tribunal “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (nº2).
Escolhida a natureza da sanção a aplicar, tendo em vista as finalidades que com a mesma se pretende atingir, há, agora, que determinar a respectiva medida.
Nestes termos, atento o disposto nos arts. 40º nº1 e 71º do Cód. Penal, são de considerar os seguintes factos, que militam contra o arguido:
- As necessidades de prevenção geral são elevadas, atento o bem jurídico protegido e a frequência com que são praticados ilícitos idênticos ao dos autos, sendo premente desincentivar este tipo de comportamentos;
- A ilicitude da conduta do arguido é elevada, tendo em conta as expressões que foram proferidas e o modo como as mesmas foram veiculadas junto de várias pessoas, todas elas colegas de profissão da ofendida, para além de se ter tratado de um comportamento reiterado no tempo;
- O dolo foi intenso, já que o arguido pretendeu o fim por si alcançado;
- O arguido não demonstrou qualquer arrependimento ou interiorização do desvalor da sua conduta;
A favor do arguido, importa salientar que:
- O arguido está inserido social, familiar e profissionalmente;
- O arguido não tem antecedentes criminais;
Tudo visto e ponderado, e considerando a moldura abstractamente aplicável entende-se pois como justa, adequada e proporcional à culpa do arguido e às exigências de prevenção a punição da sua conduta com uma pena de multa que se fixa em 240 (duzentos e quarenta) dias.
Atendendo à situação socioeconómica do arguido, e considerando o disposto no art. 47.º, n.º 2 do C.P., fixo a taxa diária em € 10,00 (dez euros), o que perfaz o montante global de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros)”.
Da análise desta parte da sentença é evidente a ponderação correcta de todos os elementos necessários à fixação da medida concreta da pena do arguido, designadamente os previstos no art. 71.º do Código Penal.
A referência no recurso ao carácter louvável ou compreensível da conduta do arguido, face ao já explanado, não pode ter qualquer aceitação na Ordem Jurídica, sendo a conduta do arguido ainda mais censurável por parte de quem não apresenta qualquer arrependimento ou reserva mesmo depois do tempo passado e cuja ilicitude teima em não reconhecer.
Sendo-lhe exigível um especial dever de respeito e de correcção no exercício das suas funções, não é possível conceber a recondução dos factos provados a qualquer das previsões de atenuação especial que constam do art. 72.º do Código Penal, como implicando uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa do arguido, ou ainda a necessidade da pena.
Assim, improcede totalmente o recurso do arguido, notando-se que, para os devidos efeitos disciplinares, por estar em causa um crime praticado no exercício das suas funções e por causa delas, a sentença deve ser comunicada à ....
*
Decisão
Face ao exposto acordam os Juízes Desembargadores da 3ª. Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em considerar improcedente o recurso apresentado pelo arguido AA, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, que se fixam em 4Uc, atenta a improcedência total do seu recurso e o disposto nos arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.

Lisboa, 18 de Junho de 2025,
(elaborado pelo 1.º signatário e revisto)
João Bártolo
Carlos Alexandre
Ana Rita Loja
_______________________________________________________
1. Cf Ac. do TC n.º 59/206, de 18/01/2006, no proc. 199/2005, em www.tribunalconstitucional.pt, e Acs. dos STJ de 27/01/2009, e de 20/11/2008, tirados respectivamente nos procs. 08P3978 e 08P3269, em www.dgsi.pt, e de 17/05/2007, na CJSTJ, 2007, II, 197
2. Cf. Ac TC. Nº 59/2006, de 18 de Janeiro de 2006, proferido no processo n° 199/05, da 2.ª secção, publicado no DR - II Série, de 13-04-2006.