ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA SUSPENSA
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário


Decorrido o período de suspensão da execução de pena de prisão, sem que tenha sido prorrogada ou revogada, a pena suspensa prescreve decorridos 4 anos contados do termo daquele período, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 122.º, do CP, salvo se ocorrerem causas suspensivas ou interruptivas desse prazo prescricional.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. AA, arguido e recorrente, melhor identificado nos presentes autos, veio, em 26-02-2024 (Ref.ª Citius ......40), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 437.º e 438.º CPP, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça (pleno das secções criminais), do acórdão do Tribunal da Relação de Évora (doravante, também TRE), datado de 18-12-2023 (Ref.ª Citius .....58), alegando encontrar-se em oposição com o acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto (doravante, também TRP), datado de 30-03-2022, transitado em julgado em 19-04-2022, proferido no Processo n.º 195/11.8GAFLG.P1, estando em causa a mesma questão de direito, com os fundamentos seguintes:

«1. No domínio da mesma legislação, o Tribunal da Relação do Porto e o Tribunal da Relação de Évora proferiram dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentaram em soluções opostas;

2. O Acórdão recorrido, com o n. 913/11.4PBEVR.E3, de 18/12/2023, da Secção Criminal – 1ª Subsecção do Tribunal da Relação de Évora encontra-se em oposição com o Acórdão n. 195/11.8GAFLG.P1, de 30/03/2022, da 1ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto que se encontra publicado em www.dgsi.pt, e para facilidade de consulta com o seguinte link:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto;

3. O acórdão recorrido entendeu que “as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída.” decidindo que “na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução.”

4. Enquanto que o identificado acórdão-fundamento interpretou a mesma questão, decidindo que “o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do 1 do artº 122º do Cód. Penal.”

5. Originando por isso um conflito de jurisprudência, porquanto, por um lado, o acórdão recorrido entende que “não encontramos igualmente nas finalidades que presidem à suspensão, quaisquer razões válidas que determinem a utilização de outro critério que não o da gravidade das penas. De outra sorte, parece-nos que ao juízo de prognose favorável, subjacente à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, que permite evitar o cumprimento imediato da prisão, se associa necessariamente a avaliação da gravidade do crime praticado na qual o princípio da culpa não poderá deixar de figurar como critério norteador para estabelecer o prazo da suspensão. Esta a razão pela qual, como lapidar e assertivamente se refere no acórdão do STJ 28.02.2018, acima referido, entendemos que aplicar a todas as penas de prisão suspensas na sua execução o prazo residual de 4 anos previsto na alínea d) do 1 do artigo 122º do CP “pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa”.”

enquanto que o acórdão-fundamento conhece da mesma questão de direito, entendendo em sentido contrário, que “Como tem sido entendido pela jurisprudência maioritária, "da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artº 122º nº 1 al. d) do Cód. Penal".

Com efeito, respeitando as restantes alíneas a) a c) a penas de prisão efetiva, a letra da lei não permite considerar os referidos prazos aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução.”

6. Com efeito refere que: “a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente mais de 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art.º 57º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.”.

7. Ambos os acórdãos já transitaram em julgado, tendo o recorrido transitado em 02/02/2024.

Donde o recorrente tem legitimidade e está em condições de requerer, como requer, que se considere interposto o competente recurso para fixação de jurisprudência, sem efeito suspensivo, mas sem prejuízo do disposto no artº 445º do C.P.P. seguindo-se os ulteriores termos, adiantando-se desde já que deve ser fixada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, no sentido seguinte:

O prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do 1 do artº 122º do Cód. Penal.»

2. Por despacho de 27-02-2024 (Ref.ª Citius .....84), da Senhora Desembargadora relatora no TRE, foi solicitado o envio do processo à 1.ª Instância e, uma vez recebido, fosse dado cumprimento ao disposto no art. 439.º, do CPP.

3. O Ministério Público junto do TRE respondeu ao recurso do arguido, em 25-03-2024 (Ref.ª Citius ....64), salientando-se os seguintes excertos da respetiva peça:

«(…)

No caso dos autos estamos no domínio da mesma legislação e o Acórdão deste Tribunal da Relação está em oposição com aqueloutro, precedente, proferido no Tribunal da Relação do Porto, sendo que do primeiro (ora recorrido) não é admissível recurso ordinário.

Há identidade substancial e formal nos dois Acórdãos em oposição.

No intervalo temporal que decorreu entre a prolação do Acórdão da Relação do Porto e o Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora não ocorreu qualquer modificação legislativa.

O recurso extraordinário foi interposto tempestivamente.

Mostra-se identificado o Acórdão fundamento e indicada, correctamente, a sua publicação.

Consequentemente, mostram-se preenchidos todos os requisitos formais exigidos pelos preceitos transcritos.

O Acórdão recorrido dá nota da controvérsia jurisprudencial sobre a questão da prescrição da pena de substituição, como sendo uma pena autónoma da pena substituída, isto é, da pena principal.

Segue, porém, a tendência jurisprudencial mais recente evidenciada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 28.02.18) e que, reconhecendo a autonomia da suspensão da execução da pena principal, e logo que revogada esta por decisão transitada (como no caso dos autos) “…estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das als. do art. 122.º, n.º 1, do CP…”

Pelo que entendemos ser esta a solução adequada ao presente caso.

Em Conclusão

O recurso interposto é tempestivo e mostram-se preenchidos os requisitos formais e substanciais previstos nos artigos 437º e 438º do Código de Processo Penal.

No caso dos autos, a decisão de direito encontrada adequa-se à doutrina veiculada pelo Acórdão do S.T.J. de 28.02.18.»

4. O Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se em 18-04-2024 (Ref.ª Citius ......71), nos termos do art. 440.º, n.º 1, do CPP, emitindo circunstanciado parecer, e, após se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos formais do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, considerou existir oposição de julgados.

5. O recorrente foi notificado, por despacho do relator de 10-05-2024 (Ref.ª Citius ......45), do referido parecer do Ministério Público – ao qual não respondeu – e foi determinado que juntasse, em 10 dias, certidão do acórdão-fundamento, bem como certidão do respetivo trânsito em julgado (art. 440.º, n.º 2, do CPP) e indicação do local de publicação (para além do sítio www.dgsi.pt), convidando-se para, no mesmo prazo, formular conclusões do seu recurso.

6. Tal convite foi satisfeito pelo recorrente em 23-05-2024 (Ref.ª Citius ....03), tendo sido apresentadas as seguintes conclusões:

“1º. Ao condenado, ora recorrente, foi revogada a pena suspensa de 5 anos, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, que lhe havia sido aplicada, em 1ª instância.

2º. Tendo sido interposto recurso do mesmo, tendo o ora recorrente arguido a prescrição da pena porquanto decorreram mais de 4 anos após o termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão.

3º. O Acórdão recorrido entendeu que “as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída.” decidindo que “na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução.”

4º. O referido Acórdão recorrido encontra-se em oposição ao Acórdão 195/11.8GAFLG.P1 de 30/03/2022, da 1ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto publicado in CJ, Tomo II, Coletânea 2022, nº 317, págs. 214 a 217 e ainda em Diário da República in Acordão de 2022-03-30 (Processo nº 195/11.8GAFLG.P1) | DR (diariodarepublica.pt).

5º. O Acórdão-Fundamento, conhece da mesma questão de Direito, entendendo e decidindo que ““Como tem sido entendido pela jurisprudência maioritária, "da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artº 122º nº 1 al. d) do Cód. Penal".

6º. Ambos os Acórdãos já transitaram em julgado, tendo o Acórdão-Fundamento transitado em 19.04.2022 e o Acórdão recorrido em 02.02.2024.

7º. O recorrente tem legitimidade e está em condições de requerer, como requer, que se considere interposto o competente recurso para fixação de jurisprudência, sem efeito suspensivo, mas sem prejuízo do disposto no artº 445º do C.P.P. seguindo-se os ulteriores termos, adiantando-se desde já, ainda que não seja obrigatório, que deve ser fixada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, no sentido seguinte:

8º. O prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do nº 1 do artº 122º do Cód. Penal.»

7. Teve lugar a Conferência e, em 14-11-2024, foi proferido acórdão pela 5.ª Secção Criminal, que julgou observados todos os requisitos formais e substanciais, incluindo a oposição de julgados entre os dois referenciados acórdãos (recorrido e fundamento) e, em consequência, determinou o prosseguimento do recurso, nos termos do art. 441.º n.º 1, II.ª Parte, do CPP.

8. Cumprido o disposto no art. 442.º n.º 1, do CPP, vieram o recorrente e o Ministério Público apresentar alegações, da seguinte forma (transcrição das conclusões de ambas as peças):

8.1. Alegações do MP

«– A –

PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS FORMAIS E MATERIAIS DO RECURSO

1.ª - Podendo o Pleno decidir em sentido contrário ao da conferência da secção (artigo 692.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal), importa verificar se, como esta decidiu, ocorrem ou não, os pressupostos do recurso de fixação, designadamente a oposição de julgados.

a. O presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência foi interposto por quem tem legitimidade e interesse em agir, afigurando–se ainda ser tempestivo, estando cumpridos integralmente os ónus formais exigíveis.

b. Quanto à oposição de julgados que origina o conflito de jurisprudência, a questão de direito apreciada no acórdão fundamento e no acórdão recorrido consiste em saber se decorrido o prazo de suspensão da execução de pena de prisão, a pena prescreve decorridos 4 anos contados do termo do período de suspensão fixado, conforme alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal, ou, ao invés, se conta o prazo de prescrição correspondentemente em função da pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c), ou d) do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal.

c. O acórdão–fundamento e o acórdão recorrido, sobre a questão assim enunciada, proferiram decisões opostas.

d. O acórdão fundamento decidiu, de forma expressa, que a pena de suspensão da execução da pena de prisão prescreve no prazo de 4 anos, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.

e. O acórdão recorrido decidiu de forma expressa que a pena de suspensão da execução da pena de prisão prescreve no prazo correspondente à pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c) ou d), do Código Penal.

f. Há, pois, oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito.

g. A par disso, o acórdão fundamento e o acórdão recorrido estão em oposição a partir de situações de facto idênticas: (i) Em ambos os arestos, respetivamente, um e outro arguido foram condenados em pena de prisão suspensa na sua execução por determinado período de tempo; (ii) Num e noutro caso decorreu o prazo de suspensão da execução da pena; (iii) Perante a eventualidade de ser revogada a suspensão da execução da pena, não se reconheceram causas relevantes de suspensão ou interrupção do prazo prescricional da pena; (iv) Contados do termo do prazo de suspensão, decorreram os 4 anos a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, pelo que se passou a avaliar se a pena estava ou não prescrita; (v) Escorando-se em entendimentos não coincidentes quanto à natureza da pena de suspensão da execução da prisão aplicada, num caso a pena foi declarada extinta nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, por ser pena autónoma e distinta da pena de prisão substituída; e no outro caso o mesmo normativo foi afastado, por se entender que o prazo prescricional incide sobre a pena de prisão substituída, apesar de se reconhecer autonomia à pena de suspensão da prisão; (vi) No acórdão recorrido a pena de suspensão da prisão não foi declarada extinta por prescrição, por se considerar não ser aplicável o artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, pelo que a responsabilidade criminal do arguido não foi julgada extinta; enquanto no acórdão-fundamento foi decidido que a pena de suspensão da execução da prisão estava prescrita pelo decurso do prazo legal, nos termos do mesmo normativo, tendo-se declarada extinta a responsabilidade criminal do arguido.

h. Estão verificados todos os pressupostos ou requisitos do recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência, os formais [(i) A legitimidade do recorrente; (ii) A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar; (iii) O trânsito em julgado do acórdão recorrido, o trânsito em julgado do acórdão–fundamento; (iv) Invocação no recurso do acórdão fundamento do recurso e junção de certidão respetiva e com indicação do lugar da sua publicação; e (v) Justificação da oposição que origina o conflito de jurisprudência, com formulação de conclusões], e os substantivos [(i) A existência de julgamentos, da mesma questão de direito, entre dois acórdãos do STJ, dois acórdãos da Relação ou entre um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e um outro da Relação (o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento); (ii) Os acórdãos assentam em soluções opostas, de modo expresso e a partir de situações de facto idênticas; e (iii) São ambos proferidos no domínio da mesma legislação, ou seja, “quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida”].

– B –

DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO DE DIREITO A DECIDIR SEGUNDO A ARGUMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO

RECORRIDO E DO ACÓRDÃO FUNDAMENTO.

2.ª - Argumentos e ratio decidendi do acórdão recorrido: O acórdão recorrido, ainda que aceite a tese da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição autónoma da pena substituída e apesar de concordar com a inaceitabilidade de que o condenado aguarde indefinidamente a declaração da extinção da suspensão ou a sua revogação, afasta-se, porém, dessas considerações, discordando da conclusão a que levam quanto ao prazo da prescrição da pena. Apoiando-se principalmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-2-2018, no processo n.º 125/97.8IDSTB-A.S1, no qual se considerou que nem todas as penas de prisão suspensas na sua execução têm o mesmo grau de gravidade, sendo desadequado e contrário à ratio da lei aplicar a todas elas o mesmo prazo de prescrição de 4 anos estabelecido residualmente para as penas menos gravosas, considerou ser mais consentâneo com a norma em análise o entendimento de que o prazo de prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão deverá aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena principal substituída, apoiando–se, para o efeito, em argumentos de proporcionalidade, de lógica jurídica e ainda no espírito da lei e na sua letra, a que acrescenta as finalidades da punição.

3.ª - Argumentos e ratio decidendi do acórdão fundamento: Para sustentar a solução que advoga – a de que sendo a pena de prisão suspensa na sua execução uma verdadeira pena autónoma da pena de prisão, que não pode confundir-se, no que à prescrição respeita, com a pena principal substituída – o acórdão–fundamento invoca um argumento de autoridade aparentemente dirigido a sustentar essa solução, ao citar a posição do professor Figueiredo Dias a propósito da natureza da pena de suspensão da execução da prisão, que é uma verdadeira pena, dotada de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena. Conclui, depois de invocar a letra da lei, razões de equidade e a ratio legis que "da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º 1, al. d) do Cód. Penal".

4.ª - A identificação da questão em resultado da oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento: Feito o apuramento devido dos pressupostos em que assenta formal e substancialmente a oposição de julgados, a questão de Direito em debate pode identificar–se sinteticamente nos seguintes termos:

Decorrido o prazo de suspensão da execução de pena de prisão, tal pena prescreve decorridos 4 anos contados desse termo do período de suspensão da execução fixado – que funciona como causa de interrupção –, conforme n.º 1, alínea d), do artigo 122.º, do Código Penal, ou, ao invés, se se conta o prazo de prescrição correspondentemente em função da medida da pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c), ou d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.

– C –

DISCUSSÃO DA QUESTÃO DE DIREITO EM OPOSIÇÃO DE JULGADOS

5.ª - A prescrição de uma pena, cujo prazo se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória que a tenha aplicado (artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal), sendo causa superveniente de extinção da responsabilidade criminal (cf. título V, do Livro I, do Código Penal), uma vez decretada por decisão judicial transitada em julgado (cf. artigo 475.º, do Código de Processo Penal), impede a respetiva execução para futuro (cf. acórdão do TC n.º 625/2013).

6.ª - Apesar de excecionalmente existirem crimes e penas imprescritíveis (cf. artigo 7.º, da Lei 31/2004, de 22–7) – exceções que para aqui não relevam – ninguém discute que uma pena de suspensão de execução da pena principal de prisão é também uma pena que prescreve. Contudo, persiste a controvérsia jurisprudencial sobre o prazo aplicável – se o da pena substituída ou se o prazo residual de 4 anos – como demonstram os acórdãos em oposição e aqui analisados.

7.ª - No Código Penal (artigos 41.º e ss.), na taxonomia das penas, enquanto consequências jurídicas dos facto, são penas principais (por se encontrarem previstas expressamente para o sancionamento do facto) a pena de prisão e a pena de multa, quanto às pessoas singulares; e são penas de substituição (por serem aplicadas e executadas em vez de uma pena principal) entre outras, a suspensão da execução da pena de prisão.

8.ª - A pena de suspensão da execução da pena de prisão – cuja natureza, regime jurídico e evolução se pode encontrar caraterizada no acórdão do TC n.º 23/2019 – é pena que a doutrina agrupa nas penas de substituição em sentido próprio, por responderem a um duplo requisito: o respetivo carácter não institucional ou não detentivo, sendo cumpridas em liberdade, e por pressuporem a determinação prévia da medida da pena de prisão, sendo aplicadas e executadas em vez desta (cf. Maria João Antunes. Consequências Jurídicas do Crime. Lições… Coimbra: 2010–2011, p. 21).

9.ª - Os diferentes aspetos do regime jurídico da pena de suspensão da execução da prisão, nos termos dos artigos 50.º e ss. do Código Penal, conferindo–lhe uma natureza de efetiva pena de substituição e de pena dotada de efetiva autonomia jurídica, porém, não resolve, por si só, o problema de saber qual o prazo de prescrição dessa pena, que não pode colher razão formal apenas em função dessa autonomia, natureza e caraterísticas enquanto pena de substituição.

10.ª - Para a escolha e determinação da pena de suspensão da pena de prisão, nos termos dos artigos 50.º, 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, o poder–dever do tribunal da condenação, ainda que se deva orientar primacialmente pelas finalidades da punição, não pode ignorar a culpa manifestada no facto objetivo e subjetivo e nas diversas circunstâncias, enquanto fatores atendíveis, tanto na determinação concreta e na aplicação da pena de prisão principal que for substituída, quanto na determinação concreta do período de suspensão que vier a ser fixado.

11.ª - A aferição do critério da culpa e da respetiva gravidade perpassa, assim, por todas as operações relevantes que importam tanto para a escolha da pena de suspensão da execução da pena de prisão substituída, quanto para a prévia determinação concreta dessa pena de prisão, quanto ainda para a determinação concreta do período de suspensão que se venha a fixar, o que nos leva a concordar com a tese do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28–2–2018, no processo n.º 125/97.8IDSTB–A.S1, convocado no acórdão recorrido – que inverteu a jurisprudência maioritária – e nos parece que melhor traça o caminho para a solução jurídica do prazo de prescrição da pena de suspensão da execução da prisão, por consonante com o princípio da culpa e com os critérios relevantes do método judiciário.

12.ª - Quanto a esse método, nele deve estar presente a ideia, como pressuposto, de que ao Direito Penal moderno, surgido com a intencionalidade de impor limites ao poder coativo (ius puniendi) do Estado, subjazem um conjunto de princípios que constituem tanto limites normativos materiais da legitimação do poder politico–criminal na definição do crime (ius puniendi) e de quem deve ser punido (limites materiais que começam no respeito pela dignidade da pessoa humana; requerem um princípio lesividade ou de proteção de bens jurídicos, prosseguem pela necessidade da pena e pelos princípios da extrema ratio, da subsidiariedade, da fragmentariedade, do ne bis in idem, da proporcionalidade e das consequências da incriminação) quanto limites normativos formais, quais sejam o princípio da legalidade (não há crime sem lei, não há pena sem lei, nem pena sem crime e a todo o crime corresponde uma pena legal), que constitui verdadeira garantia criminal (primária – não há crime nem pena sem lei escrita; não há crime nem pena sem lei estrita; não há crime nem pena sem lei prévia) e também uma garantia jurisdicional e de execução de penas (secundária – não há culpa sem julgamento; não há julgamento sem acusação; não há acusação sem prova; não há prova sem defesa), pelo que a amplitude do processo hermenêutico e argumentativo de aplicação da lei penal – nas palavras do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008 – “encontra na moldura semântica do texto, uma barreira intransponível − uma barreira que apenas se explica pela preferência civilizacional que o Direito concede à liberdade pessoal sobre a necessária realização das finalidades político-criminais que justificam a instituição do sistema penal e que está na base da especial força normativa que a nossa Constituição concede à garantia pessoal de não punição fora do domínio da legalidade, ao inclui-la no catálogo dos direitos, liberdades e garantias (artigo 29.º, n.º 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa). No domínio da legalidade criminal, a linguagem da lei perde o sentido pragmático que geralmente tem no âmbito do direito para, excecionalmente, se conter dentro de um sentido semântico que abstrai da concreta teleologia da norma legal. Isto em nome da garantia da liberdade ético-pessoal que se situa no cerne da teleologia última do Direito.”.

13.ª - Assim, ao contrário da lógica corrente, não são os fins do legislador penal (político–morais) que justificam os meios, mas antes os meios linguísticos em que ele se exprime que justificam os fins a atender. Dai que a fidelidade à letra se sobreponha, por maior pertinência e objetividade, ao espírito; fidelidade que é intrínseca à interpretação operativa das normas penais, em benefício da respetiva certeza e segurança. Portanto, a letra da lei tanto constitui fonte de normatividade, quanto é também fonte ou premissa de interpretação de enunciados jurídicos. Por sua vez, a interpretação tem por objeto textos, pelo que interpretá-los é descrever e atribuir um sentido determinado às expressões que o formam, às suas relações e circunstâncias de contexto linguístico e extralinguístico. O produto é, portanto, um enunciado interpretativo.

14.ª - Isto posto, a interpretação da norma que está no cerne da oposição de julgados e que importa interpretar tem por princípio e limite o teor literal do artigo 122.º, do Código Penal e os seus sentidos literais possíveis – sem dispensar o contexto normativo interno ou sistemático das valorações que a norma possa exprimir, i.e., a sua coerência segundo o princípio da não contradição –, enquadrados que são nos limites normativos formais garantísticos ou de legalidade criminal, que deve ser o principal, embora não exclusivo, fiel na avaliação da ratio decidendi dos acórdãos em oposição e da solução normativa que a solucione.

15.ª - O princípio da legalidade penal no segmento nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º, do Código Penal – só é típica a conduta que se encontre descrita na norma, como exigência do princípio da segurança jurídica e, no caso das penas, também do princípio da culpa) constitui, em parte, um mandato de certeza quanto ao fundamento da responsabilidade penal: o de que a lei penal seja certa e estrita, assumindo assim o texto uma função de garantia, por limitar o sentido possível das palavras e da comunicação que produzem.

16.ª - Esse mandato está dirigido tanto ao legislador (proibição de lei indeterminada), como ao juiz, quanto a quem quer que seja que interprete a lei penal e a aplique na prática (interpretação operativa), onde os critérios de interpretação legal admissíveis estão, porém, em aberto quanto à determinação do sentido preciso e necessário da lei penal e cujas margens semânticas acabam por transformar o mandado de certeza num mandato de otimização do sentido literal possível da norma penal, sabido que o sistema jurídico–penal é também um universo linguístico de sintaxe, semântica e pragmática.

17.ª - Esse sentido literal possível impede, porém, uma interpretação analógica, que ultrapasse o conteúdo real do sentido da norma e não tenha nela pontos de apoio literal e de contexto suficientes, acabando assim por criar indeterminação normativa e ser contrária ao mandato de certeza, retius, de otimização.

18.ª - Posto isto, olhando para o conteúdo real do sentido da norma do artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal, o que ela denota quanto ao seu significado prescritivo é que as penas prescrevem dentro de determinados períodos específicos, que depois enumera. Segue, assim, um modelo de “casos” ou de paradigmas.

19.ª - A referência a “penas” (“As penas prescrevem nos prazos seguintes:”), é uma referência geral a qualquer tipo de pena que possa ser aplicada ou imposta nos termos do Código Penal.

20.ª - Sendo uma referência geral a qualquer tipo de pena, assumindo – como parece ser consensual entre acórdão fundamento e acórdão recorrido – que a pena de suspensão da prisão é uma pena, autónoma, de substituição, ela não pode deixar de estar incluída na referência geral a “penas” a que o artigo 122.º, n.º 1, se refere.

21.ª - Porém, essa primeira aproximação semântica só no ar é a vertigem que aproveita à tese do acórdão–fundamento, pois trata-se de uma tese que relativiza o con(texto) da literalidade da norma, em vez de persistir no respeito pelo sentido de todas as palavras usadas na norma, pois a interpretação que faz é-o em benefício de uma conceção axiológico–normativa para identificar uma opção legislativa que é, afinal, discriminalizadora, por reduzir teleologicamente a norma das alíneas a), b) e c), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, e ampliar a teleologia da respetiva alínea d), o que relativiza não só o princípio da legalidade, como o princípio da culpa (não há penas sem culpa), servindo tanto de causa como de consequência da interpretação, mas que ultrapassa o sentido possível e previsível implicado nas palavras usadas, dentro do contexto sistemático e sem perder ligação aos limites do texto jurídico; apego esse, à letra e ao contexto jurídico, que é a metodologia maioritariamente acolhida na doutrina e na jurisprudência por não contrariar os limites da interpretação permitida em Direito penal, onde o princípio da interpretação estrita confere primazia ao legislador.

22.ª - Vale isto por dizer que a tese do acórdão–fundamento traduz uma opção político–criminal de cariz judicial em substituição do legislador e que, por via disso, afeta o princípio da separação de poderes quanto à legitimidade para definir as causas e limites da responsabilidade criminal, i.e., o princípio da legalidade criminal.

23.ª - A prescrição das penas, tal como sucede com a prescrição do procedimento criminal, é uma emanação do princípio da legalidade da perseguição criminal, que exige que o Estado proceda à regulamentação da prescrição – incluindo o regime de interrupção e suspensão de prazos prescricionais – de uma forma precisa e concreta, obviando a situações em que se opere, na prática, a ineficácia do instituto da prescrição (cf. Faria e Costa, Linhas de Direito Penal e de Filosofia: alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra, 2005, págs. 179 e 187; neste sentido também o acórdão do Tribunal Constitucional nº 483/2002 citados na Decisão Sumária n.º 635/16, do Tribunal Constitucional, e no acórdão do TC nº 126/2009).

24.ª - Por via disso, a sujeição do juiz à lei, de acordo com o princípio da legalidade, fortalecido, um e outro, pela proibição da analogia no mandato de precisão e de determinabilidade interpretativa que conferem, impõe, como garantia, que os limites à responsabilidade criminal sejam determinada por lei geral certa e estrita e interpretados com observância do seu sentido literal e não mediante logicismos dogmáticos, que são inadequados para constituírem modos válidos na delimitação, determinação e correspondência normativa.

25.ª - Ou seja, antecipando conclusões, em termos de rigor, o princípio da legalidade e a limitação da interpretação em direito penal pelo sentido possível das palavras que daquele decorre, não dá apoio no texto legal da alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal para se considerar que “nos casos restantes” estão necessariamente e sempre incluídas a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, qualquer que seja a pena de prisão substituída, como se da diferença de natureza da pena se pudesse inferir explicitamente a diferença de regime prescricional (Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemusi.e., para o caso que nos ocupa, não se deve acrescentar à letra de um texto normativo penal um enunciado, condição ou diferenciação que ele não comporta formal e explicitamente).

26.ª - A conclusão que se antecipa está respaldada no critério avançado pelo Tribunal Constitucional, enunciado no Acórdão n.º 205/99, segundo o qual a fronteira entre interpretação permitida e proibida no direito penal é ultrapassada sempre que o resultado da interpretação, independentemente de ser entendida como extensiva ou não, se equipara a uma opção normativa entre outras concebíveis dentro do sistema legal; ou seja, quando já se está a criar uma norma nova, que não tem correspondência expressa no texto da lei ou implícita na vontade do legislador, então a interpretação será proibida.

27.ª - No fundo, vista à luz desse critério, a tese do acórdão-fundamento está a criar uma norma nova, ao sustentar e decidir que “o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do nº 1 do artigo 122.º do Cód. Penal.”, retirando do preceito uma dimensão normativa que não está explicitamente contida no seu elemento literal, confundindo porventura lege lata com lege ferenda.

28.ª - Retomando o que se apreciava, estando incluídas no n.º 1 todas as penas, já os prazos que depois são indicados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal, são reportados exclusiva e especificamente a penas de prisão – “a) 20 anos, se forem superiores a 10 anos de prisão; b) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão; c) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão;”.

29.ª - A referência nessas alíneas apenas às penas de prisão que, segundo a sua duração, prescrevem em determinados prazos (20, 15 ou 10 anos) não significa que só essa pena seja importante e que as demais penas que não sejam de prisão não prescrevam, pois isso seria paradoxal com a regra geral de que não existem penas imprescritíveis, e deixaria de fora outras penas, como a pena de multa. Por via disso, nenhuma incongruência sistemática se identifica, pois a alínea d) do mesmo n.º 1, dispõe que o prazo de prescrição é o de “d) 4 anos, nos casos restantes”.

30.ª - O enunciado dessa alínea d) “nos restantes casos” corresponde àquilo que a pragmática designa como implicatura, ou seja, tem pressupostos ou implícitos os casos acabados de descrever nas alíneas anteriores, das quais constitui uma inferência permitida pelo contexto relevante daquilo que é nelas enunciado.

31.ª - Questão é saber se a indicação de “casos restantes” aponta para um prazo residual de prescrição e 4 anos em relação a todas as demais penas que sejam de prisão inferiores a 2 anos e que não sejam de prisão e que, assim, cobre as demais penas que não estão consideradas nas alíneas antecedentes, ou seja, que envolvam penas de prisão inferiores a 2 anos ou não envolvam a prisão como pena e que, no caso que nos ocupa, possam incluir ainda ou também a pena de suspensão da execução da pena de prisão.

32.ª - No contexto da norma em análise, existem ainda o n.º 2 e o n.º 3, do mesmo artigo, que ditam: “2 – O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º.”

33.ª - Nesse n.º 2 estão, assim, descritos procedimentos de contagem dos prazos de prescrição indicados nas alíneas a) a d) do n.º 1 (20, 15, 10 e 4 anos), sejam o momento em que começam a contar ou a decorrer, seja o ponto de partida para esse início da contagem do prazo de prescrição, cuja relevância enquanto pressuposto é apenas conferida à decisão transitada em julgado que tiver “aplicado” a pena.

34.ª - A interpretação conjugada entre o n.º 2 e as alíneas do n.º 1, do artigo 122.º condiciona a leitura dessas alíneas, pois implica que as penas de prisão [alíneas a) a d)] que variam e fazem variar correspondentemente o prazo de prescrição, têm de ser penas aplicadas.

35.ª - Ora, sabemos que à semelhança de outras penas de substituição, em sentido próprio, a suspensão da execução da pena de prisão, sendo cumprida em liberdade, pressupõe obrigatoriamente a determinação da medida e a aplicação prévia da pena principal de prisão a suspender, sendo a suspensão executada em vez desta. É isso que reza o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se…”.

36.ª - Portanto, já aqui se identificam indícios com alguma precisão semântica e pragmática de que sendo à pena aplicada que se deve atender para efeitos de contagem do prazo de prescrição das penas, é à pena de prisão aplicada (superiores a 15 anos, iguais ou superiores a 5 anos, iguais ou superiores a 2 anos, inferiores a 2 anos) que se deve atender para encontrar entre as alíneas a) a d) do n.º 1, do artigo 122.º o prazo em que prescrevem as penas (20, 15, 10 ou 4 anos), ou é apenas à alínea d) que se atenderá se outra for a pena aplicada que não envolva aplicação principal de pena de prisão, como é o caso claro da pena de multa.

37.ª - Não é evidente, nos termos do Código Penal e no regime legal correspondente à pena de suspensão da execução da pena (artigos 50.º e ss.), que a pena de suspensão da execução da pena de prisão seja uma pena que pelo simples facto de ser designada dogmaticamente como “pena” e como “pena de substituição”, seja uma pena que, por via da designação atribuída como “pena” signifique que seja também uma “pena” que é aplicada, pois a leitura do n.º 1, do artigo 50.º do Código Penal, apenas justifica que se diga que o que o tribunal decide é a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, pelo que essa designada “aplicação” não corresponde exatamente ao que a lei prescreve, que antes é a não execução da pena de prisão aplicada.

38.ª - Na verdade, dizer como diz a tese do acórdão–fundamento, que a suspensão da execução da pena de prisão, sendo pena autónoma, é também uma pena “aplicada”, além de ser fruto de uma lógica formal questionável, levaria a considerar que duas seriam as penas aplicadas, a de prisão e a de suspensão da execução da prisão, o que pela aparência do absurdo não nos parece defensável, nem explicaria efetivamente o que sucede ou deve suceder nos termos da lei (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).

39.ª - E o que sucede é que apenas a pena de prisão é a pena verdadeiramente aplicada, mas cuja execução se suspende durante 1 a 5 anos, seja com prazo simples, seja sujeito a condições, regras de conduta ou a regime de prova.

40.ª - É precisamente isso que também se retira dos normativos que no Código de Processo Penal (artigos 492.º a 495.º) se referem aos procedimentos a observar no caso de modificação de deveres, regras de conduta e outras obrigações, plano de reinserção social ou falta de cumprimento das condições de suspensão, etc., e que complementam as normas dos artigos 51.º a 56.º do Código Penal. Aí se referem deveres, regras de conduta e outras obrigações impostos ao condenado na sentença que tiver decretado a suspensão da execução da pena de prisão (n.º 1, do artigo 492.º do Código de Processo Penal); refere-se a decisão que suspender a execução da prisão (artigo 494.º, n.º 1, do Código de Processo Penal); refere–se o cumprimento das condições de suspensão ou dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostas (artigo 495.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal) sem que em algum lugar se encontra menção expressa à suspensão da execução da pena de prisão como “pena aplicada”.

41.ª - E é precisamente isso que também se identifica quando há que proceder ao cúmulo jurídico superveniente que integre penas de prisão e pena ou penas de prisão com execução suspensa, caso em que é necessário proceder ao cúmulo jurídico entre penas de prisão aplicadas, desconsiderando aquelas com a execução respetiva suspensa. Estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão de execução da pena de prisão, deverá a pena de prisão substituída e aplicada concorrer para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º, do Código Penal.

42.ª - A ser “autónoma” a pena de prisão suspensa na sua execução, com as consequências na respetiva prescrição que o acórdão-fundamento lhe reconhece, então também teria de haver cúmulo “autónomo” só entre penas de prisão suspensas, por serem da mesma espécie e natureza e de diferente espécie e natureza em relação às penas de prisão (artigo 77.º, n.º 3, do Código Penal), o que manifestamente é repudiado pela lei e pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que não entende serem penas da mesma natureza e que atende, no conhecimento superveniente do concurso, apenas às penas principais, que são exclusivamente as penas de prisão e multa e que readquirem a sua autonomia. São inúmeros os arestos que sufragam esse entendimento, sem exceção, sustentado em razões de igualdade.

43.ª - Portanto, o exame do n.º 2, do artigo 122.º em confronto com o n.º 1 do artigo 50.º, ambos do Código Penal, e demais normativos acabados de convocar, permite identificar com mais precisão o sentido do termo “pena aplicada”, que equivale, assim, na economia particular dessas duas normas, ao de pena de prisão aplicada como “o” referente da pena sujeita a determinado prazo de prescrição segundo a pertinente alínea do n.º 1 do artigo 122.º, tenha ou não sido suspensa na sua execução.

44.ª - Por outro lado, nas alíneas a) a c) do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, estando só especificamente referidas penas de prisão, que o n.º 2 consente considerar que são só as penas de prisão aplicadas, não se vê possibilidade de identificar como possível a leitura de que em qualquer das alíneas – agora também na alínea d) – se possam considerar as penas de prisão ou outras não executadas por terem sido suspensas ou terem natureza diferente da prisão; ou seja, consideram–se as penas de prisão aplicadas para efeitos de prescrição, tenham ou não sido suspensas na sua execução, tanto nas alíneas a) a c), como na alínea d), onde se incluem outras penas que não de prisão aplicada. A ser de outro modo julgamos que se estaria a confundir pena aplicada com período de suspensão, que dá efetiva relevância ao âmbito do sacrifício imposto pela suspensão, mas que não nulifica a pena principal de prisão aplicada.

45.ª - Tanto a norma como a sua interpretação têm, deste modo, um conteúdo coincidente (a pari).

46.ª - Essa interpretação operativa deve preferir-se porque, em vez de criar disputas de significado para o mesmo significante, harmoniza objetivamente sentidos ou valores normativos em relação a iguais termos usados no mesmo contexto de conexão normativa (artigos 50.º, n.º 1, e artigo 122.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal) , pelo que equivalente, coerente ou conforme deve ser também a interpretação do sentido de normas de igual hierarquia, recusando-se interpretações corretoras que ampliam o alcance do âmbito de aplicação da alínea d) do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal e que confundem “pena (de prisão) aplicada” com pena executada para efeitos de prescrição da pena, com a consequência de terem por supérfluo ou indiferente o sentido literal e contextual de “pena (de prisão) aplicada”.

47.ª - Como vimos de início, a legalidade dos crimes e das penas marcam os limites que ao juiz cabe respeitar e defender; dever que exclui qualquer preferência discricionária sobre o sentido possível das palavras da lei – que dispense um ponto de partida linguístico conforme à letra da lei, ao seu contexto e funcionalidade – pois então a letra da lei penal não só não constituiria limite como, no final, o legislador seria o juiz.

48.ª - Tais indícios de coerência normativa são ainda consistentes, no contexto sistemático em análise, com o n.º 3, do artigo 122.º, quando o sujeito passivo da pena é pessoa coletiva.

49.ª - Quando assim é, a remissão feita nesse n.º 3 para o artigo 118.º, n.º 3, do Código Penal, determina, segundo este artigo, que os prazos de prescrição da pena a atender são determinados, correspondentemente, tendo em conta a pena de prisão, antes de se proceder à conversão prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º–B, do Código Penal.

50.ª - Deste modo, é a pena de prisão que constitui o referente para a suspensão da sua execução, quando aplicada, ou para a conversão por dever tê-la como referência.

51.ª - Ainda quanto à valoração semântica, não vemos no artigo 122.º qualquer referência expressa à pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão que, a ter a autonomia como pena, conforme a considera o acórdão–fundamento (tal como o acórdão recorrido, diga–se), possa por via disso, e só disso, ter uma correspondente previsão evidente no mesmo artigo, designadamente na alínea d), assim se justificando um prazo de prescrição também autónomo, que seria sempre de 4 anos (Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus – i.e., para o caso que nos ocupa, não se deve acrescentar à letra de um texto normativo penal um enunciado, condição ou diferenciação que ele não comporta formal e explicitamente).

52.ª - Por via disso, a tese do acórdão–fundamento – a de que a natureza e autonomia dessa pena de substituição impõe, por decorrência lógica, a sujeição a prazo prescricional também autónomo da pena principal substituída, o qual só pode ser o prazo residual de 4 anos previsto na referida alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal – não é aceitável.

53.ª - A autonomia da suspensão da execução da pena de prisão, como pena autónoma de substituição, não é mais do que uma definição categorizante com pretensões de universalidade, por supor condições necessárias (de aplicação) e suficientes (de execução), com o propósito de servir de premissa maior num silogismo como aquele que o acórdão–fundamento usa e que é o seguinte: a autonomia dessa pena de substituição impõe, por decorrência lógica, a sujeição a prazo prescricional também autónomo da pena principal substituída, o qual só pode ser o prazo residual de 4 anos previsto na referida alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal.

54.ª - No entanto, a premissa de que parte, além de arriscar uma petição de princípio por ter implícita a própria conclusão como premissa, não é dedutivamente válida em todo o seu campo de relevância semântica, pois o “facto” doutrinal ou jurisprudencial, para mais sem tradução na letra da lei, de uma pena de substituição ser autónoma não implica necessariamente que ela deva ter um prazo prescricional autónomo da pena principal nem tem por efeito útil ou pertinente essa necessária decorrência, pois o legislador, não sendo negligente ou incoerente, não deu à alínea d) em análise um sentido literal diferente daquele que se extrai ou está implicado nas antecedentes alíneas a), b) e c) do artigo 122.º do Código Penal.

55.ª - Portanto, a tese do acórdão-fundamento elabora uma definição, que é mais uma tópica, como modelo de justificação, mas que não é acolhida na letra da lei, que adotou um modelo de “casos” de prescrição das penas e não de categorias de penas, pelo que a solução a que chega, ainda que aparente ser lógica nos seus termos, não assenta em condições que, segundo o texto da lei, sejam simultaneamente necessárias e suficientes. Ou seja, poder ser necessário considerar a suspensão da execução da pena de prisão como pena autónoma, não é suficiente para concluir que o prazo de prescrição da pena aplicada seja sempre de 4 anos.

56.ª - Assim, o acórdão–fundamento apoia a definição que elabora em conceitos dogmáticos relativos à natureza ou essencialismo da suspensão da execução da pena de prisão e não sobre as palavras da lei ou sobre a o seu específico objeto, vendo uma exceção implícita na alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, apartada da sequência e coerência das antecedentes alíneas e que, por via disso, não tem qualquer apoio no con(texto) dessa norma.

57.ª - Deste modo, quando a alínea d) em causa se refere ao prazo de prescrição de 4 anos “nos restantes casos”, está a referir–se e a especificar um prazo de prescrição da pena aplicada, na sequência das antecedentes alíneas, também com base na sua duração ou gravidade e não apenas com base na espécie de pena, pois uma pena de prisão inferior a 2 anos, suspensa ou não na sua execução (como uma pena de multa) cai “nos casos restantes”, que não constitui uma exceção à regra da gravidade da pena de prisão aplicada, mas antes a sequência coerente da mesma regra identificada nas antecedentes alíneas.

58.ª - De outro modo, a leitura dessa alínea d) estaria desprovida de todo o seu sentido jurídico por ignorar parte da informação que a letra da lei proporciona e parte dos efeitos jurídicos que enuncia apenas porque assim serviria para caucionar uma interpretação que negligencia a gravidade da pena de prisão substituída na suspensão da sua execução, resultado que não nos parece acolhido no espírito da lei e no seu contexto linguístico e que assenta a argumentação que a fundamenta numa interpretação estratégica, por estar orientada para um resultado pré-determinado.

59.ª - Portanto, a lógica que parece estar subjacente à conclusão de que ”a natureza e autonomia dessa pena de substituição impõe, por decorrência lógica, a sujeição a prazo prescricional também autónomo da pena principal substituída, o qual só pode ser o prazo residual de 4 anos previsto na referida alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal” é afinal um non sequitur, pois não constitui um argumento logicamente válido ou uma conclusão autorizada e pode mesmo ser considerado uma falácia de falsa implicação ou erro de congruência, pois, apesar de aparentar o contrário, é argumento que não estabelece uma relação necessária e suficiente entre a autonomia da pena de substituição e a autonomia do prazo prescricional da pena principal substituída, uma vez que a autonomia da pena de substituição não implica necessária e suficientemente, muito menos impõe, um prazo prescricional autónomo do da pena principal substituída. Portanto, a conclusão não segue logicamente as premissas, não atende à pertinência do sentido literal e aparenta não ser mais do que um formal silogismo regressivo.

60.ª - Além do mais, a tese em análise parece confundir pressuposto com presunção.

61.ª - Na letra das alíneas do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal está pressuposta a gravidade da pena de prisão aplicada (ver n.º 2, do mesmo artigo “…decisão que tiver aplicado a pena.”) para fazer variar o prazo da respetiva prescrição; gravidade essa que está incluída no enunciado legal, tanto, a nosso ver, de forma explícita, como implícita, o que equivale a um pressuposto efetivamente enunciado.

62.ª - Já tanto não se pode concluir da presunção interpretativa de que na alínea d) do artigo 122.º estão incluídas todas as penas de suspensão da prisão, independentemente da gravidade da pena substituída e mesmo da gravidade do período de suspensão fixado em consonância com a gravidade da culpa e demais circunstâncias relativas ao crime (cf. artigo 50.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal), pois tal presunção é manifestamente contrária ao pressuposto em que assenta – explicita ou implicitamente – o enunciado normativo, como referimos, que liga à gravidade da pena de prisão o correspondente e graduável prazo da prescrição da pena e, mais uma vez, o enunciado dogmático de que ”a natureza e autonomia dessa pena de substituição impõe, por decorrência lógica, a sujeição a prazo prescricional também autónomo da pena principal substituída, o qual só pode ser o prazo residual de 4 anos previsto na referida alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal” assenta não num pressuposto legal, mas numa presunção que importa que uma tese dogmática possa substituir um pressuposto legal que, ao contrário de qualquer presunção, não pode ser refutado.

63.ª - Logo, sendo o pressuposto legal uma condição necessária a uma conclusão, essa conclusão não é, nem pode ser, a que lhe é contrária, muito menos quando se substitui um pressuposto por uma presunção.

64.ª - A nosso juízo, a tese do acórdão-fundamento que se analisa corre o risco de poder ser considerada uma “burla de etiquetas” ou mesmo uma ficção, fazendo de uma autonomia derivar outra completamente diferente, à margem da valoração contextual e semântica que importa realizar e que não pode ser imputável – como pretende a tese do acórdão-fundamento – à intenção do legislador em dar autonomia à prescrição da pena de suspensão da execução da pena, pois seria imputar-se uma intencionalidade que só encontra explicação na construção dogmática e logicista adotada no acórdão–fundamento, quando da autonomia da pena de suspensão da prisão extrai a autonomia do prazo prescricional para o inserir sempre na alínea d) do artigo 122º, do Código Penal, sem arrimo na letra da lei, quer na sua literalidade, quer no seu contexto normativo e interpretativo, o que vale por dizer, sem grande conformidade com o princípio da legalidade penal, segundo o qual o texto tem um lugar de preponderância.

65.ª - Exemplo próximo dessa ilegítima interpretação operativa é o que, a propósito da combinação que, antes da reforma do Código Penal de 1995, a jurisprudência fazia entre uma pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão e a pena de substituição do regime de prova, sem que essa combinação estivesse prevista na lei. Diz Figueiredo Dias que uma parte da jurisprudência, motivada pelo desejo (louvável) de poder aplicar a substância do regime de prova à pena de suspensão da execução da pena de prisão em casos em que os pressupostos formais daquela o não permitiam, condenava por vezes na pena de suspensão, mas submetida a condições especificas do regime de prova, o que no fundo constituía uma violação ilegal e inconstitucional do principio nulla poena sine lege (destaque nosso) – Cf. Jorge de Figueiredo Dias. Direito penal–Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição. Gestlegal. Coimbra: 2019, p. 215.

66.ª - No fundo, o acórdão–fundamento determina o sentido da letra da norma penal através do significado de uma construção doutrinária, a que se apega; e não, efetivamente, do espírito do sistema e mesmo da intenção do legislador a que apela, confundindo e desnaturando conceitos normativos com definições dogmáticas diversas do texto e do sistema legal relativos às penas e à prescrição das penas.

67.ª - A definição do crime e das sanções associadas é reserva do legislador e não cabe aos tribunais, pela interpretação e aplicação das normas, o poder de recriar ou inovar sobre os critérios da responsabilidade criminal, como o são as normas de prescrição das penas.

68.ª - Essas normas, como é o caso do artigo 122.º do Código Penal, são também enunciados linguísticos da competência reservada do legislador competente (Assembleia da República ou Governo) pelo que o respeito por essa competência envolve o respeito pelo sentido das palavras, pelas consequências implicadas pelos conceitos usados no texto legal e pelo campo de aplicação desse texto; texto através do qual o legislador se exprimiu nas normas que definem a responsabilidade criminal e a sua extinção pela prescrição.

69.ª - Consistentemente, a alínea d) do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal, ao prescrever o prazo de prescrição de 4 anos “nos casos restantes” significa, no contexto normativo–semântico do artigo e da sua coerência sistemática na relação com as demais alíneas do n.º 1 e com os n.ºs 2 e 3, que os “casos restantes” são as penas diferentes de prisão e as de prisão inferiores a 2 anos que tenham sido aplicadas por decisão transitada em julgado, mesmo que a respetiva execução tenha sido suspensa.

70.ª - Acessórios à valoração semântica da norma que deixámos efetuada, o acórdão–fundamento avança ainda argumentos atinentes ora à necessidade de a pena substitutiva ter de ser declarada extinta, mas que não é, na verdade, exclusivo da pena de suspensão mas antes exigido a todas as penas em execução, como determina o artigo 475.º do Código de Processo Penal; ora argumentos de equidade ou iniquidade ancorados na intenção do legislador, se outro fosse o prazo de prescrição da pena de suspensão que não o de 4 anos, mas sem esclarecer que intenção do legislador é essa, se é a intenção histórica ou a intenção hipotética, além de não esclarecer porque inverte a hierarquia dos métodos de interpretação do direito penal, fazendo preponderar o espírito do legislador sobre a letra e sobre o contexto normativo interno ou sistemático das valorações que a norma possa exprimir.

71.ª - A iniquidade ou prejuízo para o condenado parece partir de uma interpretação assente em raciocínios analógicos advogando um resultado mais conforme com os interesses do condenado e entendendo que o período de suspensão da execução da pena de prisão (que pode ser fixado entre 1 e 5 anos independentemente da pena de prisão substituída e aplicada em medida não superior a 5 anos), é um “tempo” que acresce ao “tempo” da prescrição da pena de prisão substituída.

72.ª - Porém, sendo proibida a analogia desfavorável em direito penal, não significa isso que esteja permitida ou licenciada a analogia iuris favor reo fora dos casos das normas permissivas, casos em que é aceite a analogia (nas normas relativas às causas de justificação, por exemplo) nestes casos por se tratar de normas que não descrevem condutas proibidas típicas, mas antes conflitos de interesses ou direitos.

73.ª - Ora, desde logo, o acórdão–fundamento não faz demonstração empírica ou estatística de que a iniquidade que invoca seja representativa de uma qualquer anomalia sistémica ou corrente quanto ao prazo irrazoável em que pode operar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e, ainda que a fizesse, estaria a inverter o tipo de lógica dedutiva ou silogismo em que faz assentar a sua tese (pena autónoma > ”restantes casos” = prazo de prescrição autónoma), substituindo-a por uma lógica indutiva a partir de casos para construir a norma, o que apenas evidencia um propósito retórico, que subtrai a norma interpretanda ao seu con(texto) jurídico significativo, e corresponde a uma redefinição criativa e inovadora dos critérios estabelecidos pelo legislador para a prescrição das penas.

74.ª - Por outro lado, falta demonstrar pela tese do acórdão–fundamento que a norma da alínea d) do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal, seja uma norma que se possa considerar norma permissiva ou negativa, que em si mesma faça retrair a sanção penal ou preveja causas de exclusão de responsabilidade criminal, demonstração que também não faz.

75.ª - Uma interpretação favor reo não nos parece consentida neste caso, nem o exemplo usado serve para consolidar a tese do acórdão–fundamento, pois esquece o ponto de vista reverso assinalado no acórdão recorrido e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28–2–2018, no processo n.º 125/97.8IDSTB–A.S1, identificando e preenchendo lacunas onde elas não podem existir face à proibição da integração da lei penal.

76.ª - De facto, a tese do acórdão–fundamento, ao invocar a iniquidade de resultados para justificar o resultado interpretativo que alcança, reduz ao prazo de prescrição de 4 anos todas as penas de prisão suspensas na sua execução, sejam elas de 1 ou até 2 anos (o que está em conformidade com a alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal), sejam de 2, 3, 4 ou 5 anos, ignorando que para estas penas de prisão os prazos de prescrição são 10 ou 15 anos.

77.ª - Ou seja, o que é ignorado é a gravidade inerente à pena de prisão aplicada e cuja execução é resultado da revogação da suspensão da respetiva execução.

78.ª - Porém a gravidade da pena aplicada e que tem de ser executada por via da revogação da suspensão, não pode ser ignorada, como demonstra o acórdão recorrido, apoiado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28–2–2018, no processo n.º 125/97.8IDSTB–A.S1.

79.ª - Portanto, a iniquidade e incongruência de resultados, na perspetiva do acórdão–fundamento, além de partir de pressupostos pouco rigorosos, não nos parece ter apoio nem na letra nem no contexto sistemático do artigo 122.º, do Código Penal, o qual, a impor que sejam evitadas incongruências sistemáticas e limitadas pela correta observância do princípio da legalidade criminal no segmento nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, essas incongruências são as que desatendem à gravidade da pena de prisão aplicada, ainda que suspensa na sua execução, pois é em função dessa gravidade que o legislador definiu os prazos de prescrição das penas.

80.ª - Também o princípio da culpa, quer na determinação da medida da pena de prisão substituída, quer na determinação do período de suspensão, estaria negligenciado como consequência da tese do acórdão–fundamento, pois nenhuma pena dispensa a culpa e não refletir na prescrição da pena a gravidade da culpa ínsita à pena é puro arbítrio.

81.ª - Na verdade, a tese do acórdão–fundamento desatende à gravidade das penas enquanto materialidade subjacente aos diferentes prazos de prescrição das penas estabelecidos no artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal, pois desatende à proporcionalidade (nas vertentes da necessidade, adequação e proporcionalidade estrita) que o legislador estabelece entre o decurso de determinado lapso de tempo relevante para a prescrição da pena e a correspondente gravidade desta por via do grau de reprovação pessoal e de censura social que lhe inere.

82.ª - Esse critério da proporcionalidade é essencial ao instituto da prescrição das penas, no qual se funda, como salientou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 625/2013, acima citado.

83.ª - Por outro lado, desatende à culpa refletida na gravidade da pena substituída e também refletida na medida do período de suspensão da execução da pena de prisão (culpa que não está totalmente ausente da própria escolha da pena de substituição, como acima assinalámos), sujeitando todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão ao mesmo prazo de 4 anos, independente e autónomo quer do prazo de prescrição da pena principal substituída, quer do período de suspensão, condicionando o enfraquecimento da censura comunitária presente no juízo de culpa e nas demais finalidades das penas, persistindo em ignorar a proporcionalidade que a culpa e essas finalidades da punição e mesmo a sua eficácia devem ter e têm na variação dos prazos de prescrição das penas, que reduz ao mesmo prazo de 4 anos.

84.ª - Por fim, também desatende à pretensão punitiva do Estado, quer quando este a afirma com a aplicação judicial de uma pena de prisão por decisão penal condenatória, suspensa ou não na sua execução, como quando a reafirma através de certos atos de perseguição penal, como acontece com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e a inerente frustração da prognose favorável e das finalidades subjacentes a essa suspensão.

85.ª - É bom lembrar, a este propósito, que no n.º 2, do artigo 57.º do Código Penal se prescreve que a pena só deve ser declarada extinta quando o processo ou incidente de revogação findarem sem ter havido lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão, orientação expressa nesse n.º 2, pelo que é à pretensão punitiva do Estado que se atende e não a razões de equidade sufragadas no acórdão–fundamento.

86.ª - Por via disso, ainda que seja conveniente exigir que sobre a revogação ou prorrogação se decida tão rapidamente quanto possível, é o critério seguido no acórdão recorrido o mais adequado em termos de justiça material e mesmo em relação à ponderação das consequências politico–criminais a atender, fazendo corresponder, com harmonia sistémica, à gravidade das penas de prisão aplicadas o correspondente prazo da respetiva prescrição.

87.ª - Portanto, justo, por proporcional e por respeito às garantias que decorrem do princípio da legalidade criminal na interpretação e aplicação do direito penal, é medir a prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão pela pena de prisão aplicada, e depois suspensa, qualquer que seja a medida dessa suspensão e, portanto, medir o prazo de prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão pelos prazos previstos nas alíneas b) a d) do n,º 1, do artigo 122.º, do Código Penal.

88.ª - Ainda quanto à equidade a que apela o acórdão-fundamento – como se fosse um joker jogado no contexto argumentativo que defende –, não sendo a equidade fonte de direito penal e estando ausente dos critérios estritamente prescritos no artigo 122.º do Código Penal, uma adequada interpretação operativa, conforme à legalidade criminal, aquilo que impõe é antes o respeito pela justiça, pelo interesse geral, pela segurança jurídica, pela generalidade do direito e pela sua autoridade, só garantidos pelo sentido e contexto dos respetivos enunciados normativos, pois são esses critérios que limitam o poder discricionário, arbitrário ou incerto na determinação da solução jurídica, em especial no direito penal, e os que, neste, respeitam a preponderância da letra sobre o espírito.

89.ª - Em súmula conclusiva, a validade da interpretação permitida, seja por via do sentido possível das palavras do texto legal, seja por via da adequação sistemática do texto aos fins, seja por via dos limites impostos pelo respeito do princípio da legalidade das penas e da definição da responsabilidade criminal, na qual se inclui o instituto da prescrição das penas, justificam a consideração interpretativa de que a alínea d) do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal, ao prescrever o prazo de prescrição de 4 anos “nos casos restantes” significa, no contexto normativo–semântico do artigo e da sua coerência sistemática na relação com as demais alíneas do n.º 1 e com os n.ºs 2 e 3, que os “casos restantes“ são os casos das penas diferentes de prisão e as de prisão inferiores a 2 anos que tenham sido aplicadas por decisão transitada em julgado, tenham ou não sido suspensas na sua execução.

90.ª - Essa solução interpretativa – que julgamos correta e razoável – está ajustada ao Direito sob análise, promovendo a sua integridade e coerência.

5.1. Sentido em que deve fixar-se a jurisprudência:

Em conformidade, na sequência da discussão efetuada, propõe-se que seja fixada jurisprudência nos seguintes termos:

“A pena de suspensão da execução da pena de prisão não tem um prazo de prescrição próprio, aferindo–se o prazo de prescrição respetivo pelo prazo de prescrição legalmente previsto para a pena de prisão substituída, segundo as correspondentes alíneas b), c) ou d), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal.”.»

8.2. Alegações do recorrente

O arguido veio apresentar as suas alegações em 06-01-2025 (Ref.ª ......13), compendiando as conclusões seguintes (transcrição):

«(…)

1. A posição do problema que conduziu à necessidade do recurso à fixação de jurisprudência prende-se com a questão de saber qual o prazo de prescrição de uma pena suspensa, nos termos e para os efeitos do artigo 122º, nº1 do CP, isto é, se é tido em conta a pena principal, não tendo um prazo de prescrição próprio e que se afere pelo prazo previsto para a pena substituída ou se a pena suspensa é uma real pena substitutiva e autónoma da pena principal, aplicando-se a regra do artigo 122º, nº1, al. d) do Código Penal.

2. Do lado do acórdão recorrido, entendeu o Tribunal da Relação de Évora, em suma, que “as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída. (…) não encontramos igualmente nas finalidades que presidem à suspensão, quaisquer razões válidas que determinem a utilização de outro critério que não o da gravidade das penas. De outra sorte, parece-nos que ao juízo de prognose favorável, subjacente à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, que permite evitar o cumprimento imediato da prisão, na qual o princípio da culpa não poderá deixar de figurar como critério norteador – para estabelecer o prazo da suspensão. Esta a razão pela qual, como lapidar e assertivamente se refere no acórdão do STJ 28.02.2018, acima referido, entendemos que aplicar a todas as penas de prisão suspensas na sua execução o prazo residual de 4 anos previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 122º do CP “pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa” decidindo que “na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução.”.

3. Do lado do acórdão fundamento que se debruçou sobre a mesma matéria de Direito, entendeu o Tribunal da Relação do Porto Como tem sido entendido pela jurisprudência maioritária, "da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artº 122º nº 1 al. d) do Cód. Penal". Com efeito, respeitando as restantes alíneas a) a c) a penas de prisão efetiva, a letra da lei não permite considerar os referidos prazos aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução” referindo que “a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente mais de 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art.º 57º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.”, decidindo que “o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do nº 1 do artº 122º do Cód. Penal.”

4. Nos presentes autos discute-se a revogação de uma suspensão da execução da pena de prisão, importa, antes de mais, tecer algumas considerações sobre o regime e natureza desta pena (suspensa).

5. O artigo 50º, nº1 do CP dispõe “(…) ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” sendo as finalidade da punição a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º do CP).

6. A pena suspensa é uma verdadeira pena autónoma que já assim se entendia face à versão originária do Código Penal de 1982 em que a “sentença condicional ou condenação condicional” figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, multa e regime de prova, sendo esta tese defendida na maioria da jurisprudência e doutrina, designadamente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, relator: Jorge Gonçalves, no Processo n.º 21/03.1GTGRD-A.C1 de 16 de janeiro de 2008, Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22/02/2017, relatado pelo relator Francisco Mota Ribeiro, Prof. Eduardo Correia, autor do projeto do Código Penal, Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J. Tem particular interesse a discussão travada na 17ª sessão, de 22 de Fevereiro de 1964, e bem assim na 22.ª sessão, de 10 de Março; Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90.

7. Assim, do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

8. O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão prevê que a mesma possa assumir três modalidades: suspensão simples, sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta) e/ou acompanhada de regime de prova, sendo que qualquer um destes pode ser modificado até ao termo do período da suspensão, que que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento em que havendo incumprimento pode haver prorrogação do período de suspensão ou a revogação da suspensão da pena de prisão fixada na sentença

9. Se estiver pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, ou estiver pendente incidente pelo incumprimento de deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e quando não haja lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão, com prejuízo do prazo prescricional como veremos.

10. Traduzindo-se, como vimos, que a pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma, a estatuição normativa que reclama a regulação do seu prazo de prescrição é a contida na al. d) do nº 1 do artigo 122 citado, integrando tal pena de substituição, portanto, os “casos restantes” aí referidos, por prévia exclusão dos mencionados nas alíneas precedentes.

11. Entendemos e sustentamos que a prescrição da pena de substituição da suspensão da pena de prisão se interrompeu com o trânsito em julgado da decisão condenatória (21.05.2014) com o início da respetiva execução (artigo 126º, nº1, al. a) do CP) e face à inexistência de qualquer causa de suspensão, temos que a pena prescreveu em 21.05.2023, isto é, decorrido o período de suspensão da pena de prisão que teve o seu término em 21.05.2019 e que até 21.05.2023 não fora proferida qualquer decisão de revogação da pena, tendo decorrido o prazo normal de prescrição, in casu, 4 anos – artigo 122º, nº1, al. d) do CP.

12. Entendemos assim que qualquer outra posição, nomeadamente a do acórdão recorrido fosse no sentido de ver na execução da própria pena de substituição uma interpretação que pretendesse subsumir à alínea d) do nº 1 do art.º 122º somente as penas de substituição em que a pena principal tivesse uma duração inferior a dois anos de prisão, para desse modo se considerar que só a estas seria aplicável o prazo de prescrição da al. d) do art.º 122º (isto é, 4 anos, passando a ser aplicáveis às restantes os prazos de 15 ou 10 anos, consoante fossem fixadas em 5 anos ou em menos de 5 anos, mas iguais ou superiores a dois anos), além das razões de índole história, sistemática e teleológica acima referidas, que claramente negam uma tal solução interpretativa, um tal entendimento não teria apoio na própria letra da lei, ao mesmo tempo que negaria o caráter de pena autónoma que a suspensão da execução da pena de prisão consensualmente tem e que o legislador claramente quis reforçar com a revisão operada pelo DL nº 48/95, de 15/03.

13. Sendo ainda que um tal entendimento, além de poder levar a soluções de manifesta desproporcionalidade, contenderia inevitavelmente com o princípio da legalidade – arts. 1º, nº 1 e 3, do CP e 29º, nº 1 e 3, da Constituição da República.

14. Por isso, o entendimento sobre uma eventual incongruência assim criada por opção do próprio legislador e a solução, variável em função das penas principais concretamente aplicadas, para por via dela fixar prazos de prescrição também variáveis, seria solução que, além de afrontar o princípio da legalidade, levaria a soluções que, como referimos supra, poderiam em certos casos tornar as penas principais de prisão praticamente imprescritíveis.

15. A suspensão da execução da pena, como pena de substituição que é, pressupõe que a sentença que a aplique determine, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída.

16. Só a revogação da suspensão da execução da pena determinará o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (pena principal).

17. Por conseguinte, é facilmente compreensível que o decurso do prazo de prescrição da pena de prisão (pena principal) não possa ocorrer enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição).

18. Como refere o Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão de 10 de julho de 2007 (proc. 912/07-1, www.dgsi.pt, tendo como relator o Dr. João Latas), partindo da compreensão da suspensão da execução como verdadeira pena de substituição, só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal: “não obstante a pena principal ser fixada definitivamente na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr. arts 369.º a 371.º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum.”

19. E acrescenta: “Assim, nos casos de substituição não pode falar-se, para todos os efeitos, de aplicação da pena principal na sentença condenatória, pois só o trânsito em julgado de nova decisão judicial que revogue a pena de substituição pode determinar a execução da pena principal. Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos do art. 122º nº 2 do CP, ocorre com esta última decisão e não com a decisão condenatória, nos casos em que é substituída por pena de substituição.”

20. Estas observações, que temos como inteiramente corretas, permitem-nos concluir que só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

21. Regressando ao caso em apreço, temos que o prazo de prescrição da pena (principal) de prisão aplicada ao recorrente – prazo de 15 anos, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º1, alínea b), do CP – só começaria a correr com o trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão (pena de substituição), isto é, e no caso em concreto, o despacho que revogou a pena suspensa data de 22.06.2023, sendo que a pena prescreveu em 21.05.2023.

22. Como já se disse, repetidamente, a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão que também se encontram sujeitas ao decurso da prescrição.

23. A extinção da pena a que se refere o artigo 57º, nº1 do CP não é automática, a mesma tem de ser declarada, apenas o sendo possível depois de decorrido o prazo da suspensão e desde que se verifique que não há “motivos que possam conduzir à sua revogação”, o que significa que, decorrido o período de suspensão, o tribunal deve averiguar da existência de qualquer condenação que obste àquela decisão, ou processo ou incidente pendentes que possam determinar a revogação, porque neste caso a pena só é declarada extinta “quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão” (artigo 57º nº 2 do CP).

24. Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25 de Novembro de 2003 (proc. 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56.º e 57.º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição, pois que não pode o condenado ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido.

25. Entendemos, pois, que da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122º, nº1, alínea d), do CP.

26. Ora, a nosso ver, salvo melhor opinião, nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (artigo 57º, nº1, do CP), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.

27. Prescrição que, quanto à pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122º, nº2, do CP, mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, estabelecidas nos artigos 125º e 126º, do C.P., nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.

28. Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57º nº 1 e 2 do CP.

29. Ora, o acórdão recorrido para se socorrer da incongruência do pensamento legislativo na tese que acaba por asseverar como boa, dá-nos o exemplo que, “Basta pensar no caso de uma pena de cinco anos de prisão (o prazo de prescrição desta pena é de 15 anos – art.º 122º, nº 1, al. b) do CP), cuja execução foi suspensa por igual período. Se se entender que se aplica à pena suspensa o prazo de prescrição previsto no art.º 122º, nº1, al. d) do CP (quatro anos), isso levará a que, na prática, o prazo de prescrição da pena principal seja de nove anos, caso a suspensão não seja revogada nos quatros anos seguintes ao decurso do prazo da suspensão.”

30. Com efeito, das duas, uma: - ou o período da suspensão da execução da pena de prisão decorre normalmente e findo o mesmo inicia-se o prazo de 4 anos referido; - ou a suspensão é revogada e, então, inicia-se o prazo de prescrição de 15 anos (no caso concreto referido).

31. Enquanto decorre o período da suspensão da execução da pena, a pena de prisão substituída “não existe”, no sentido de que não pode ser aplicada.

32. Se a suspensão for revogada, a pena de prisão (substituída) “renasce”; mas o contrário não é verdadeiro: se a suspensão não for revogada, a pena de prisão (substituída) não renasce, não pode servir como “referência” para a prescrição, é como se nunca tivesse existido, pelo que o prazo da sua prescrição é destituído de qualquer interesse.

33. Na verdade, e na senda do acórdão recorrido também refere que não encontra igualmente nas finalidades que presidem à suspensão, quaisquer razões válidas que determinem a utilização de outro critério que não o da gravidade das penas, aceitando por isso o que referido é no acórdão do STJ de 28.02.2018 que com base no exemplo acima referido em que aplicando o prazo de 4 anos previsto na al. d) do nº1 do artigo 122º do CP, a todas as penas de prisão suspensas na sua execução independentemente da sua gravidade, conduziria a situações incongruentes, totalmente desajustadas e contrárias à unidade do sistema jurídico que o legislador não terá, seguramente, querido prever.

34. Essa mesma incongruência é latente se aceitarmos no caso em que uma pena de 1 ano de prisão efetiva, o prazo prescricional seria o de 4 anos e no caso também de uma pena de prisão aplicada de 1 ano (com a mesma gravidade) mas, suspensa a sua execução pelo período de 5 anos, este último prazo prescricional seria de 9 anos!...

35. Desde logo porque revelava-se até contrário à ratio da lei aplicar um prazo prescricional inferior a uma pena de prisão de 1 ano com a gravidade inerente à sua efetividade àquela em que, com o mesmo quantum penal, mas que através de juízo de prognose favorável ficou suspensa na sua execução por 5 anos, atendendo a critérios de prevenção geral e especial, o prazo prescricional seria mais do dobro, isto é, 9 anos, o que nos parece aí sim contrário à letra e ao espírito do legislador.

36. Por fim, se a tese recorrida ao prescrever o prazo de prescrição de 4 anos “nos casos restantes” significa os casos das penas de multa, portanto diferentes da prisão e as de prisão inferior a 2 anos que tenham sido aplicadas por decisão transitada em julgado, tenham ou não sido suspensas na sua execução, bastaria para tanto (na medida em que não conhecemos outras penas que não as de prisão ou de multa, convertidas ou não) o legislador ter escrito, e não escreveu, na al. d) do nº1 do artigo 122º do CP «4 anos nas penas inferiores a 2 anos de prisão e nas penas de multa.» acabando-se de vez com a presente dicotomia no qual se espelha no presente recurso.

37. Conforme é referido por douto Acórdão deste Mais Alto Tribunal, da 3ª Secção no Proc. 182/06.8PTALM-A.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Santos Cabral, “Tal argumentação tem o valor de reconduzir às consequências práticas da aplicação da lei como critério interpretativo fazendo realçar a circunstância de que, no entendimento que não aceitamos, se fazer depender a certeza e a segurança do direito que assiste a qualquer cidadão do bom ou mau funcionamento dos serviços. Na verdade, a decisão de revogação da suspensão tem sempre como pressuposto uma prévia indagação sobre a existência,a ou inexistência, duma actividade criminal durante o período de suspensão da execução e esta é uma actividade burocrática relativamente à qual, devendo existir uma garantia de excelência, tal facto, muitas vezes, não existe.Em última análise está em causa o direito fundamental de qualquer cidadão de ter uma noção clara e precisa dos seus direitos e deveres perante a sociedade e o Estado e tal catálogo não é susceptível de ser concretizado quando está dependente duma concretização burocrática. A determinação da prescrição, e a existência ou inexistência do direito à liberdade, ficariam dependentes, caso se aceitasse aquela tese, dum acontecimento incerto no tempo o que não é admissível.”

38. Ora é precisamente como se viu, neste caso em concreto, e como se referiu no Acórdão do STJ supra citado, a determinação da prescrição “ficariam dependentes caso se aceitasse aquela tese, de um acontecimento incerto no tempo, o que não é admissível.”

39. Note-se que no caso concreto e no rigor da tese preconizada pelo Acórdão recorrido, apesar de referir que a prescrição só ocorreria, pelo menos, em 21.05.2029, certo é que no rigor jurídico-factual da mesma, por factos praticados pelo recorrente em 2011, a prescrição da sua pena (entenda-se principal), só prescreveria no ano longínquo de 21.05.2038, ou seja, mais de 27 anos após a prática dos factos, pelo que, salvo o devido respeito, que fosse essa a intenção do legislador, no sentido de dilatar tal prazo prescricional relativamente a uma pena de prisão suspensa a um prazo substancialmente superior a uma pena a priori teria a mesma gravidade em termos de quantum da pena a uma pena de prisão efetiva de 5 anos.

40. Ou seja, no caso concreto a prescrição ocorreria num prazo superior, se tivesse sido aplicada uma pena superior a 10 anos de prisão, em que o prazo de prescrição seria de 20 anos – artigo 122º, nº1, al. a) do CP, aqui sim uma incongruência legislativa que seguramente o legislador não quis nem previu e muito menos se coaduna com o artigo 9º do Código Civil.

41. Pelo que entendemos que a solução preconizada pelo acórdão-fundamento, salvo superior e melhor opinião – que julgamos correta e razoável – é a que está ajustada ao Direito e à Justiça sob análise, sendo a mais coerente com a integridade e coerência do sistema jurídico como um todo.

42. Termos em que somos do entendimento que deve ser fixada jurisprudência no sentido seguinte:

«O prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do nº 1 do artº 122º do Cód. Penal.»

Tendo tido lugar a Conferência prevista no art. 443.º, n.º 1, do CPP, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

II. 1. Da verificação dos pressupostos do recurso de fixação de jurisprudência

A competência para uniformizar jurisprudência, nos termos do n.º 1 do artigo 437.º do CPP, é do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em conformidade com o disposto no artigo 53.º, alínea c), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

Pelo acórdão proferido a 14 de novembro de 2024, pela 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, concluiu-se existir oposição de julgados pelo que, em consequência, os autos prosseguiram os seus termos.

Todavia, uma vez que a referida decisão não vincula o pleno das secções criminais, que pode decidir em sentido contrário ao da conferência da secção (artigo 692.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal), importa proceder ao reexame sumário dos pressupostos do presente recurso.

O disposto nos artigos 437.º, n.os 1, 2 e 3 e 438.º, n.os 1 e 2, do CPP, estatui, tal como é entendimento pacífico da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende, antes de mais, da verificação dos seguintes requisitos formais:

i. Os acórdãos em conflito serem de tribunais superiores, ambos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos de Tribunal da Relação, ou um [o recorrido] da Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro [o fundamento] do Supremo – artigo 437.º, n.os 1 e 2;

ii. O trânsito em julgado dos dois acórdãos – artigos 437.º, n.º 4 e 438.º, n.º 1;

iii. A interposição do recurso no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão-recorrido) – artigo 438.º, n.º 1;

iv. A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento), com menção, caso se encontre publicado, do lugar da publicação – artigo 438.º, n.º 2;

v. A indicação de (apenas) um acórdão-fundamento – artigos 437.º, n.os 1, 2 e 3 e 438.º, n.º 2;

vi. A legitimidade do recorrente – artigo 437.º n.º 5;

vii. A justificação/fundamentação da oposição – artigo 438.º n.º 2, última parte.

O Recorrente AA tem legitimidade para interpor o presente recurso, à luz do n.º 5 do artigo 437.º do CPP, uma vez que assume a posição de arguido-condenado nos autos que deram origem ao Acórdão Recorrido.

O Recorrente tem, igualmente, interesse em agir, à luz do artigo 401.º, n.º 1, al. b), do CPP, aplicável ex vi do artigo 438.º, porquanto o Acórdão Recorrido, ao julgar improcedente o recurso por si interposto, corresponde a uma decisão que lhe é desfavorável.

No caso presente, porquanto o arguido interpôs o presente recurso no prazo de 30 dias, contado do trânsito em julgado do acórdão do TRE – dado que não cabe recurso ordinário do mesmo, e não foi apresentada reclamação nem foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o que só em dez dias poderia ter ocorrido (artigos 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11 e 105.º, n.º 1 e 379.º do CPP) –, o mesmo é tempestivo, nos termos do art. 438.º, n.º 1, do CPP.

O acórdão com o qual o acórdão-recorrido se encontra em oposição, ou seja, o acórdão de 30-03-2022, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 195/11.8GAFLG.P1, transitou em julgado em data anterior – concretamente em 19-04-2022 – à do trânsito em julgado do acórdão recorrido, ou seja, em 02-02-2024.

À luz do artigo 437.º, do CPP, podem ainda identificar-se os seguintes pressupostos formais de recorribilidade, todos verificados: (i) a presença de duas decisões colegiais (acórdãos); (ii) proferidas por tribunais superiores, quer do Supremo Tribunal de Justiça quer das Relações; (iii) a inexistência de fixação prévia da questão pelo Supremo Tribunal de Justiça; (iv) o trânsito em julgado de ambos os acórdãos.

Estão em causa dois acórdãos, um, da Relação do Porto (o acórdão-fundamento) e outro, da Relação de Évora (o acórdão-recorrido), na definição recortada pelo artigo 97.º, n.º 2, do CPP, i.e., duas decisões colegiais.

Verifica-se, assim, estarem preenchidos todos os requisitos de natureza formal.

No que respeita aos requisitos de ordem substancial, tal corresponde à oposição de julgados propriamente dita entre os acórdãos em presença, nos termos previstos no artigo 437.º, n.os 1 e 3, do CPP.

A questão em causa terá de ter sido decidida de modo expresso em ambos os acórdãos e tomada a título principal, pelo que a mera oposição de posições implícitas ou diferente fundamentação não são idóneas para se concluir pela oposição.

Acresce que as situações subjacentes de facto terão de ser substancialmente idênticas, pois só assim se poderá aferir se para a mesma questão jurídica foram adotadas soluções opostas.

Finalmente, impõe-se ainda que a questão sob apreciação não tenha sido objeto de anterior fixação de jurisprudência1.

- Estão em causa, um acórdão do Tribunal da Relação de Évora – o acórdão recorrido –, proferido em 18-12-2023, no Proc. n.º 913/11.4PBEVR.E3, transitado em julgado em 02-02-2024, e um acórdão do Tribunal da Relação do Porto – o acórdão fundamento –, proferido em 30-03-2022, no Proc. n.º 195/11.8GAFLG.P1, transitado em julgado em 19-04-2022.

- Nem o acórdão recorrido, nem o acórdão fundamento, eram suscetíveis de recurso ordinário, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP;

- Em ambos os Acórdãos estão em causa: (i) dois processos de natureza idêntica (processos criminais); e (ii) que assentam em soluções opostas.

Acórdão-recorrido e acórdão-fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, debruçando-se sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação, não tendo intercedido entre a sua prolação – entre 19-04-2022 e 02-02-2024 – modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida, nomeadamente no tocante às normas abstratamente convocáveis, concretamente as das alíneas b), c) e d) do 1 do artogo 122.º, do Código Penal.

II.2. Da oposição de julgados

Tendo em conta o disposto no art. 692.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, não sendo a decisão da secção criminal vinculativa, há que previamente reexaminar a oposição de julgados, afirmada no acórdão (preliminar) de 14-11-2024.

Como a decisão tomada pela 5.ª Secção criminal, através do mencionado acórdão de 14-11-2024 – no qual se deu por verificada a oposição de julgados –, não vincula o Pleno das Secções criminais, importa, pois, reexaminar a verificação dos pressupostos do recurso de fixação de jurisprudência, ainda que de forma esquemática, desde já se remetendo para as considerações do acórdão preliminar, revisitando-se, contudo, a questão da oposição de julgados.

Na hipótese versada no acórdão-recorrido, o arguido, ora recorrente, foi condenado, no processo comum coletivo que correm termos no Juízo Central Cível e Criminal do ..., com o n.º 913/11.4..., pela prática, em concurso efetivo e em coautoria material, de:

- Um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 1, alínea b), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) e n.º 3 do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de o arguido, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultasse do plano de reinserção social a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.

Por decisão proferida em 20-06-2023, em incidente de verificação do cumprimento das condições de suspensão da execução da pena, o tribunal revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido havia sido condenado e determinou o seu cumprimento.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 18-12-2023, negou provimento ao recurso, pronunciando-se oficiosamente sobre a questão da prescrição da pena, que tinha sido invocada pelo arguido em 1.ª instância e sobre o qual não houve qualquer pronúncia, com o entendimento segundo o qual:

“Com efeito, pese embora a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão assente sempre na realização de uma prognose favorável ao arguido, a sua natureza de verdadeira pena determina que a sua medida seja necessariamente valorada à luz dos critérios gerais de determinação da pena concreta estabelecidos pelo artigo 71.º do CP. Somos assim a concluir que as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída. Daqui decorre que, em nosso entender, na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução.

*

No caso dos autos, dado que a pena imposta ao recorrente é a de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução também por 5 anos, o prazo de prescrição é o de 15 anos previsto no artigo 122º, nº 1, al. b) do CP. Ora, tendo o acórdão condenatório transitado em julgado em 21.05.2014, a prescrição pelo decurso do prazo normal de prescrição – e sem prejuízo de eventuais causas de suspensão ou interrupção (6) – nunca ocorreria antes do dia 21.05.2029, pelo que se impõe concluir que o prazo de prescrição da pena ainda não decorreu.”

Por seu turno, na situação examinada no acórdão-fundamento, proferido pelo TRP, em 30-03-2022, no processo n.º 195/11.8..., o ali arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 03-02-2014, do Juízo Local Criminal de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Porto-Este, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a), do CP.

Decorrido o período de suspensão, os autos continuaram a aguardar o trânsito em julgado do acórdão proferido no Proc. n.º 258/14.8..., no âmbito do qual o arguido foi condenado na pena única de dois anos e 4 meses de prisão efetiva pela prática em 3 e 4 de julho de 2014, de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, al. a), do CP e um crime de furto simples p. e p. no art 203.º, do CP.

Por decisão proferida em 25-10-2021, foi oficiosamente declarada prescrita a referida pena e, consequentemente, declarada extinta a responsabilidade criminal do arguido.

Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 30-03-2022, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, de acordo com o seguinte entendimento:

“Com efeito, começando o prazo de prescrição a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (artº 122º nº 2 do CP) e interrompendo-se com a respetiva execução (artº 126º nº 1 al. a), considerar que o prazo de prescrição é o previsto nas als. a) a c) do nº 1 do artº 122º (quando a pena for suspensa por período igual ou superior a dois anos), traduzir-se-ia em manifesto prejuízo para o condenado já que, se lhe tivesse sido aplicada uma pena de prisão efetiva o prazo de prescrição seria, respetivamente, de 10, 15 ou 20 anos e, no caso de condenação em pena de prisão suspensa, àquele prazo teria de acrescer o período da suspensão - isto é, 10,15 ou 20 anos + o período de 1, 2, 3, 4 ou 5 anos correspondente à suspensão da pena. A que acresceria, naturalmente, novo período de prescrição de 10, 15 ou 20 anos, relativamente à pena principal de prisão, caso a suspensão viesse a ser revogada.
Manifestamente não foi essa a intenção do legislador.

Concluímos, assim que o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do nº 1 do artº 122º do Cód. Penal.

Por isso, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção, ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art.º 57º, n.º 1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.

Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente mais de 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art.º 57º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

No caso em apreço a sentença condenatória que aplicou ao arguido a pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, transitou em julgado em 03.02.2014. Nos termos do nº 2 do artº 122º do C.Penal "o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena", pelo que o prazo de prescrição se iniciou naquela data de 03.02.2014.

Porém, logo nessa data, o prazo de prescrição foi interrompido nos termos do artº 126º nº 1 al. a) "A prescrição da pena (...) interrompe-se com a sua execução", visto que, iniciando-se com aquele trânsito o período de suspensão da pena, deve considerar-se esse momento como aquele em que começa a execução da pena suspensa, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.

A pena suspensa esteve em execução durante dois anos, período fixado para a sua duração, pelo que a prescrição se interrompeu entre 03.02.2014 a 03.02.2016.

Não ocorreu qualquer outra causa de interrupção nem causa de suspensão da prescrição.

Pelo que, descontando o período de interrupção, o prazo de prescrição completou-se em 03.02.2020, data em que a pena suspensa se extinguiu por prescrição, por ter entretanto decorrido o prazo de 4 anos, como muito bem se concluiu na decisão recorrida.”

Três aspetos poderiam suscitar alguma hesitação sobre a verificação da oposição de julgados.

Em primeiro lugar, os pressupostos das decisões em confronto – do acórdão-recorrido e do acórdão-fundamento – surgiram no quadro de distintas intervenções processuais: no acórdão-recorrido do TRE, na sequência de decisão do tribunal de 1.ª Instância, no âmbito de um incidente de verificação das condições de suspensão, em que se determinou a revogação da suspensão de execução da pena. A intervenção do TRE no acórdão-recorrido, que confirmou esta decisão de 1.ª Instância, ocorreu mediante a interposição de recurso do arguido; por seu turno, no acórdão-fundamento do TRP, a pena de suspensão de execução da pena de prisão foi oficiosamente declarada extinta, por prescrição, pelo tribunal de 1.ª instância, sem que se procedesse a qualquer diligência em incidente conducente à verificação das condições da suspensão. Daí que tenha sido o Ministério Público a interpor recurso para a Relação, que confirmou aquela decisão do tribunal de 1.ª Instância.

Em segundo lugar, o acórdão-recorrido do TRE interpreta, no fundo, o art. 122.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CP, desaplicando esta última norma.

Já o acórdão-fundamento do TRP interpreta o art. 122.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CP, aplicando ao caso a norma da al. d).

Em terceiro lugar, no acórdão-fundamento estava-se perante uma pena suspensa – a que não foi aposta qualquer condição [adicional] –, enquanto no acórdão-recorrido se está perante uma pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de o arguido, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultasse do plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de Reinserção Social.

Este distinto quadro circunstancial, que releva de pressupostos aparentemente diferentes, não obsta, porém, à verificação da existência de uma oposição material de julgados, uma vez que a questão essencial que importa resolver se reconduz à interpretação normativa do preceito da alínea d) do n.º 1 do art. 122.º do Código Penal, em conjugação com as alíneas b) ou c) do mesmo preceito, à qual os acórdãos em confronto deram soluções divergentes.

Assim reanalisada a fundamentação dos dois Acórdãos, resulta que os dois arestos, partindo de situações factuais análogas, decidem a mesma questão jurídica de forma oposta, verificando-se a necessária oposição de julgados.

Pelo exposto, nos termos do disposto dos artigos 437.º e 438.º do CPP, continua a considerar-se que se mostram preenchidos todos os pressupostos para a admissão e apreciação do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

II.3. Objeto do recurso: identificação da questão suscitada

Os acórdãos em oposição debruçam-se sobre uma mesma questão de direito, que aqui se enuncia e importa decidir:

- Decorrido o prazo de suspensão da execução de pena de prisão, sem que tenha sido prorrogado ou revogada essa pena, a mesma prescreve decorridos 4 anos contados do termo do período de suspensão da execução fixado – que funciona como causa de interrupção –, conforme o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º, do Código Penal, ou, ao invés, o prazo de prescrição conta-se em função da medida da pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c), ou d) do n.º 1 do artigo 122.º, do Código Penal?

II.3.1. Tese do acórdão-recorrido

No acórdão-recorrido o recurso (do arguido) tinha como objeto o despacho que revogou a suspensão da execução da pena, bem como a questão (prévia) da eventual prescrição da pena.

O arguido havia sido condenado, por acórdão transitado em julgado em 21-05-2014, pela prática em concurso efetivo e em coautoria material, de:

- Um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 1, alínea b), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) e n.º 3 do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de o arguido, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultasse do plano de reinserção social a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.

Na decisão recorrida, apreciou-se, desde logo, a invocada prescrição da pena suspensa de 5 anos, em que o arguido havia sido condenado, tendo o referido aresto entendido que a suspensão da execução da pena assume uma natureza de pena de substituição, autónoma relativamente à pena substituída. Todavia, no que respeita ao prazo prescricional aplicável, concluiu que o mesmo deverá aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena principal substituída, pois que a aplicação de idêntico prazo – o de 4 anos, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do CP –, a todas as penas de prisão suspensas na sua execução, independentemente da sua gravidade, conduziria a situações incongruentes, totalmente desajustadas e contrárias à unidade do sistema jurídico que o legislador não terá querido prever.

Concluiu-se, assim, que as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída.

Deste modo, na alínea d) do n.º 1 do art.º 122.º do Código Penal, cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), incluindo-se nessa categoria, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução.

II.3.2. Tese do acórdão-fundamento

Por sua vez, no acórdão-fundamento o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 03-02-2014, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de furto qualificado

Terminado o período de suspensão, os autos continuaram a aguardar o trânsito em julgado do acórdão proferido no proc. nº 258/14.8..., no âmbito do qual o arguido foi condenado na pena única de dois anos e 4 meses de prisão efetiva pela prática, em 3 e 4 de julho de 2014, de um crime de furto qualificado e um crime de furto simples.

Todavia, por decisão proferida em 25-10-2021, foi declarada prescrita a referida pena e, consequentemente, julgada extinta a responsabilidade criminal do arguido.

Tendo sido interposto recurso pelo Ministério Público, o acórdão do TRP considerou que, sendo a pena de prisão suspensa na sua execução uma verdadeira pena autónoma da pena de prisão, não pode confundir-se, no que à prescrição respeita, com a pena principal substituída.

Assim, respeitando as alíneas a) a c) do artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal, a penas de «prisão» [efetiva], a letra da lei não permite considerar os referidos prazos aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução.

Conclui, desta forma, o acórdão-fundamento, que o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.

II.4. Aproximação a uma decisão

II.4.1. A natureza da pena de suspensão de execução da (pena de) prisão

No ordenamento jurídico português, as penas podem ser classificadas como penas principais, acessórias e de substituição. São, assim, penas principais as que se encontram expressamente previstas nas normas incriminadoras e são fixadas pelo juiz na decisão condenatória, podendo ser aplicadas independentemente de quaisquer outras – correspondem à pena de prisão e à pena de multa (no que respeita às pessoas singulares) e à pena de multa e à de dissolução (relativamente às pessoas coletivas e entidades equiparadas)2.

Por sua vez, consubstanciam penas de substituição as que são aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais, as quais, relativamente às pessoas singulares, são as seguintes: a pena de multa (artigo 45.º do Código Penal), a proibição do exercício de profissão, função ou atividade (artigo 46.º do Código Penal), a suspensão da execução da pena de prisão (50.º a 54.º), a prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal) e a admoestação (artigo 60.º).

No que concerne a entes coletivos, são penas de substituição a admoestação (artigos 90.ª-A, n.º 3 e 90.º-C do Código Penal), a caução de boa conduta (artigos 90.ª-A, n.º 3 e 90.º-D do Código Penal) e a vigilância judiciária (artigos 90.ª-A, n.º 3 e 90.º-E do Código Penal)3.

A (pena de) suspensão da execução da pena de prisão encontra-se prevista nos artigos 50.º a 57.º do Código Penal, integrada no Título III (‘Das consequências jurídicas do facto’), Capítulo II (‘Penas’), Secção II (‘Suspensão da execução da pena de prisão’).

A pena suspensa consubstancia, assim, uma das penas substitutivas previstas, cuja aplicação tem como objetivo alcançar uma redução do número de penas privativas de liberdade, de curta e de média duração, visando, assim, uma diminuição do cumprimento de penas intramuros4.

Desta forma, «[o] tema das penas de substituição reconduz-se, do ponto de vista histórico e político-criminal, ao tempo da descrença na pena de prisão como instrumento de ressocialização do condenado e ao movimento de luta contra essa pena privativa da liberdade. (…)

Por outro lado, a essa descrença e a esse movimento foi-se juntando também a constitucionalização dos direitos fundamentais, na passagem de um Estado legislativo de direito para um Estado constitucional, com a consequência de a pena de prisão ter passado a ser vista como restrição do direito fundamental à liberdade e passar a estar sujeita, por isso mesmo, à exigência de ser aplicada somente quando for necessária, o que equivale a dizer que passou a estar legitimada apenas quando outras soluções menos restritivas se mostrem não adequadas e suficientes do ponto de vista das finalidades da punição.»5.

Como tal, «[a] ideia político-criminal fundamental que ao instituto presidia era a de que no domínio da pequena criminalidade, a que corresponderiam penas curtas de prisão, a simples ameaça da prisão poderia em muitos casos, nomeadamente sempre que se tratasse de delinquentes primários, bastar para pleno cumprimento das finalidades da punição.

[…]

A evolução do instituto processou-se no sentido de alargar o mais possível o seu campo de aplicação e a efectiva frequência da sua utilização, sem perder o seu sentido político-criminal originário»6.

Com a 23.ª alteração do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, foi modificado o pressuposto formal, alargando o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos, e alterando o período de suspensão, fazendo-o coincidir com a duração da pena. O artigo 50.º passou, assim, a estabelecer:

«1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 – O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.»

Para além do alargamento do período em que a substituição é aplicável – de 3 para 5 anos – decorre, também, do referido normativo que esta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por seu turno, com as alterações introduzidas pelo art. 2.º da Lei n.º 94/2017, de 23-08, o número 5 do mencionado preceito passou a ter a seguinte redação:

«5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.»

O preceito do artigo 50.º do Código Penal mantém-se, assim, inalterado desde tal modificação, que incidiu apenas sobre a variabilidade do período de suspensão de execução da prisão, ao contrário da indexação ao período da pena de prisão: é possível, desde a alteração de 2017, o estabelecimento de prazos distintos de suspensão de penas de prisão com a mesma medida.

Decorre, por isso, do referido normativo legal que a aplicação desta pena substitutiva dependerá, desde logo, do preenchimento de um pressuposto de ordem formal – que a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão. Ademais, implica, ainda, o preenchimento de um pressuposto de ordem material, na medida em que o julgador há de efetuar um juízo de prognose, concluindo, em função da personalidade do agente e das circunstâncias do facto, por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido. Uma prognose que, não sendo uma certeza, deve fundar-se nas garantias de que a personalidade do agente e as circunstâncias permitem concluir pela adequação da alternativa à prisão. Atender-se-á, assim, a considerações de prevenção especial e geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico7.

Trata-se, portanto, de uma pena de substituição em sentido próprio, porquanto preenche um duplo requisito: assume um carácter não detentivo, sendo cumprida em liberdade, e, ainda, pressupõe a determinação prévia da medida concreta da pena de prisão, sendo executada em vez desta8, representando a mais importante das penas de substituição, pelo âmbito e frequência com que é imposta, podendo ser aplicada em alternativa a penas de prisão de curta e média duração, como previsto, até ao limite de 5 anos9.

O Supremo Tribunal de Justiça, em sintonia com doutrina autorizada e preponderante, tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever ou de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal de fundamentar sempre, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão, desde que possam verificar-se os pressupostos objetivos da sua aplicação. A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, ao contrário, constitui um verdadeiro poder-dever. Assim, o «carácter aparentemente facultativo que a lei atribui à aplicação desta espécie de pena não deve induzir em erro: não se trata aqui de mera “faculdade” em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção, de um poder-dever»10.

Por outro lado, a suspensão [da execução da prisão] compreende diversas modalidades de execução: a forma simples, a condicionada a deveres e/ou regras de conduta e a sujeita a regime de prova.

Na sua forma simples, a suspensão de execução da pena está sujeita à condição que corresponde à natureza primordial da pena de substituição: a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão. Nesta medida, a forma simples de suspensão tem implícita a ideia de que a única condição para a não execução da pena principal constitui o comportamento negativo de não cometimento de qualquer crime.

A suspensão pode, ainda, ser condicionada ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta, regime que se encontra previsto no art. 50.º, n.º 2 e 51.º, do Código Penal, os quais poderão ser alterados durante o período de suspensão, com vista a serem adaptados às concretas circunstâncias supervenientes que surjam ou de que o Tribunal, apenas em momento posterior, tenha conhecimento. Assim, e mesmo independentemente do incumprimento do condenado, o conteúdo da pena de suspensão está sujeito a uma cláusula rebus sic stantibus.

Por sua vez, a sujeição ao regime de prova, previsto no art. 53.º do Código Penal – de aplicação obrigatória quanto a condenados que, na data dos factos, não tenham completado 21 anos (n.º 3) –, persegue as finalidades de reintegração social do condenado.

Neste sentido, e tomando, de novo, de empréstimo as palavras de Figueiredo Dias: “Entre as condições da suspensão de execução da prisão avulta, naturalmente, a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período da suspensão: se a finalidade precípua desta pena de substituição é, como vimos, a de «afastar o delinquente da criminalidade» (art. 48.º-2), então, o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe. Viu-se, em todo o caso, que esta condição de suspensão (subjacente mesmo ao que chamámos a suspensão «simples») pode não ser a única, antes a suspensão pode ser decretada com deveres e regras de conduta que, para este efeito, reentram na categoria das condições em sentido amplo.11.

Enquanto a sujeição a deveres visa a reparação do mal do crime, no caso da sujeição a regras de conduta, o propósito consiste em afastar o condenado da prática de futuros crimes.

Por isso, num certo sentido, a suspensão de execução da pena é sempre condicionada, mesmo na sua modalidade simples, pelo menos, ao não cometimento de crimes no período da sua execução.

Existe ainda uma modalidade especial de suspensão da pena, prevista no domínio penal tributário (art. 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05-06), que é considerada uma “modalidade única obrigatória de suspensão de imposição de deveres pré-determinados, de forma típica e taxativa, pelo legislador, além disso conformada legalmente como de imposição obrigatória – «sempre» – de um específico dever pecuniário numa quantia pré-determinada: o pagamento da prestação tributária em falta e acréscimos legais ou, como se prevê ainda, da quantia dos benefícios indevidamente atribuídos.”.12

Por sua vez, se no decurso do período da suspensão, o condenado incumprir os deveres ou regras de conduta que lhe são impostos, ou o plano de reinserção social homologado, o Tribunal tem ao seu dispor as medidas previstas no artigo 55.º do Código Penal – fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção social; ou prorrogar o período de suspensão.

A suspensão poderá, também, ser revogada, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal, caso se verifique que o condenado, no período em causa, violou os deveres ou regras de conduta que lhe foram impostos, ou o plano de reinserção que lhe foi aplicado, bem como se este for condenado pela prática de um ilícito criminal, doloso ou negligente.

Tal revogação não é automática, sendo necessário que o julgador conclua no sentido de que do incumprimento verificado resulta que as finalidades que subjazem à aplicação da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, pondo, por isso, em causa o juízo de prognose favorável que havia sido realizado aquando da sua aplicação. Havendo revogação da suspensão é, em consequência, determinado o cumprimento da pena de prisão principal fixada na decisão condenatória.

Quando o período de suspensão da execução da pena termina sem que resultem circunstâncias que possam determinar a sua revogação, a pena será declarada extinta, ao abrigo do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

Na eventualidade de estar pendente um processo-crime, em que se investiguem factos praticados durante o período de suspensão, circunstância que poderá conduzir à sua revogação, ou, ainda, na eventualidade de se encontrar pendente incidente pelo incumprimento de deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção social, a pena apenas poderá ser declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 2, do Código Penal, quando o processo ou o incidente terminarem e não haja lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão. É neste período, por vezes indesejavelmente longo, que se costumam colocar as questões que aqui se mobilizam, referentes à verificação, ou não, do decurso do prazo de prescrição da pena (suspensa), ainda não revogada.

Deve sublinhar-se, ainda, que, dada a sua natureza, a pena de suspensão de execução da (pena de) prisão não forma um caso julgado dotado de fixidez e estabilidade, o qual é precário e mutável face à plausibilidade da sua revogação, por força do condicionalismo do art. 55.º, do CP, do circunstancialismo previsto no art. 56.º, do CP, ou por força da necessidade de se proceder a cúmulo jurídico, o que leva a que a jurisprudência, de forma praticamente unânime, a considere uma pena sujeita à cláusula rebus sic stantibus, dada a possibilidade, virtual, de ser retomada a execução da pena (de prisão) originária ou de ser integrada em cúmulo jurídico. A referida jurisprudência maioritária assenta na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já decidiu não ser inconstitucional (cfr. o Acórdão n.º 3/2006, de 03-01-2006, in www.tribunalconstitucional.pt)13.

A aplicação substitutiva de uma pena de suspensão de execução da prisão projeta-se complementarmente no futuro, em que a prognose favorável do merecimento da conduta do agente venha a ser comprovada no decurso do período de suspensão.

Realizado este enquadramento, refira-se não ser relevante para a presente decisão a circunstância de no acórdão-fundamento se estar perante uma pena suspensa – a que não foi aposta qualquer condição [adicional] – e de no acórdão-recorrido se ter aplicado uma pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de o arguido, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultasse do plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de Reinserção Social.

Sem pretensões de ensaiarmos aqui um tratamento exaustivo sobre a conceção dogmática e o enquadramento doutrinal da pena de suspensão de execução da pena de prisão – tarefa que foi já objeto de aturada e profunda reflexão nos acórdãos de fixação de jurisprudência deste STJ n.ºs 6/2010, de 15-04-201014, 8/2012, de 12-09-201215, 13/2016, de 07-07-201616, 1/2024, de 08-11-202317 e 11/2024, de 26-06-202418, para onde se remete –, dos quais emerge o pressuposto metodológico convergente de que se trata de uma pena de substituição, sendo tais penas atualmente configuradas como verdadeiras penas autónomas19.

Uma tal categorização, embora não resulte diretamente da lei, por não se definir qualquer espécie de reação penal ou de modalidade sancionatória com tal nomen iuris, tem, todavia, acolhimento doutrinal e jurisprudencial.

Constata-se, assim, de todo o exposto, no que respeita ao regime desta pena substitutiva, que a mesma se assume como uma verdadeira pena autónoma e distinta da pena de prisão que visa substituir. Na realidade, até à (eventual) revogação da pena suspensa, a pena de prisão é inexequível, mantendo-se em segundo plano, podendo, inclusivamente, nunca vir a ser acionada.

A pena principal permanece, no decurso da execução da pena de suspensão de execução da pena de prisão, numa fase de latência ou de “quiescência”, termo proposto por André Lamas Leite. Refere este Autor que, «Nos casos de incumprimento, a pena principal não renasce propriamente, pois ela nunca deixou de existir do prisma jurídico, mas pura e simplesmente aplica‑se com toda a legitimidade político‑criminal e dogmática de que estava investida desde o início. (…) Aproxima‑se, pois, a pena principal, da condição suspensiva e a pena de substituição da condição resolutiva (começa desde logo a produzir efeitos, os quais cessam na hipótese de superveniência de um evento futuro e incerto - o respectivo incumprimento)»20.

A pena principal funcionará, assim, como pressuposto formal da sua escolha e constitui, em caso de revogação, a pena a cumprir, sendo manifesto que a pena suspensa se encontra intrinsecamente conectada com a pena de prisão que visa substituir, por ser sua sequência lógica e judicial, pois que não existem uma sem a outra21. Assim, ainda no dizer de André Lamas Leite, «(…) há uma relação biunívoca ou umbilical (…) entre a pena principal e aquela que se aplica em vez dela. Não se tratam de substitutos naturalísticos, atento o diferente conteúdo material de cada uma das sanções, mas de equivalentes funcionais ou normativos, no sentido em que a função ou a ligação jurídica entre as duas sanções importa que uma não viva sem a outra.»22.

Sem prejuízo de tal interdependência, as penas de substituição na qual se inclui, como se referiu, a suspensão da execução da pena de prisão, possuem um regime legal próprio em duas vertentes – tanto nas circunstâncias que fundamentam a sua aplicação como no que concerne à sua execução, i. e, quanto aos seus pressupostos e finalidades

Tal circunstância conduz-nos imediatamente à conclusão de que estamos perante verdadeiras penas, com independência relativamente às penas principais, que visam substituir – as penas de prisão (ou de multa).

Tal sucede, assim, também plenamente no que respeita à pena de suspensão da execução da pena de prisão. De facto, esta revela-se dotada de independência relativamente à pena principal, pressupondo, contudo, a prévia determinação da pena originária. Tal autonomia decorre, desde logo, da sua moldura penal própria, reposta com a reforma de 2017, que fixou o período de suspensão entre 1 e 5 anos, sem relação de assimilação com a pena de prisão aplicada (art. 50.º, n.º 5, do CP).

Assim, a medida concreta da pena suspensa é determinada de forma autónoma, de acordo com as necessidades de prevenção, sem que exista uma correspondência automática com a medida da pena principal. Trata-se de uma pena aplicada em sede de sentença/acórdão condenatório, em substituição da pena de prisão concretamente determinada, e em consonância com os critérios gerais de determinação da pena de prisão previstos no Código Penal.

Ademais, e conforme se desenvolveu supra, a suspensão da execução da pena tem um conteúdo e regime legalmente estabelecidos e individualizados, podendo, inclusivamente, assumir várias modalidades.

Implica, assim, que o julgador, aquando da determinação da sanção, escolha a pena substitutiva que pretende – caso seja legalmente admissível optar por mais do que uma – e a sua determinação concreta e fundamentada acerca da modalidade adequada, bem como relativamente ao período de suspensão.

Paralelamente, os artigos 492.º a 495.º, do Código de Processo Penal, regulam expressamente os aspetos relevantes da execução da pena suspensa, de modo absolutamente distinto da execução de qualquer outra pena substitutiva ou da própria pena de prisão.

Finalmente, a suspensão da execução da pena não se confunde com os incidentes previstos em fase de execução da pena de prisão, como a suspensão da execução prevista no n.º 2 do artigo 457.º (recurso de revisão) e no n.º 2 do artigo 473.º do Código de Processo Penal, ou nos casos de modificação da execução da pena de prisão de condenados afetados por patologia evolutiva, doença ou deficiência grave e irreversível, ou idade avançada, nos termos dos artigos 118.º e ss. do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Deste modo, esta pena substitutiva tem um campo de aplicação legalmente definido, estando-lhe subjacente um significado político-criminal próprio.

Tal entendimento resultava já da versão originária do Código Penal de 1982, decorrendo das discussões da Comissão Revisora do Código Penal, relativamente à sentença condicional ou condenação condicional, a que corresponde a figura atual da suspensão da execução da pena de prisão, e que constava, no artigo 47.º do Projeto de 196323, como uma verdadeira pena, a par da prisão, da multa e do regime de prova. No seio da referida Comissão, o Professor Eduardo Correia afirmou perentoriamente a sua natureza de pena autónoma, contradizendo, assim, o eventual entendimento de que se trataria de um instituto especial de execução da pena de prisão, afirmando, relativamente à necessidade de diminuir a incidência da pena de prisão, que «(…) tem também interesse para radicar a convicção de que é preciso por todas as formas limitar este tipo de pena, em virtude do seu larguíssimo efeito criminógeno: e limitá-lo não só na sua duração como na sua incidência. Daí as novas formas de punição que o Projecto contém: a sentença condicional (com um regime algo diferente do actual) e o regime de prova (já largamente experimentado noutros países), que agora assumem o seu verdadeiro carácter de penas principais autónomas. (…)

Ora, como se diz no Relatório, é nestas inovações – e não na manutenção, infelizmente indispensável, da pena de prisão – que se depositam as melhores esperanças no campo da luta contra a criminalidade.».24

Por sua vez, consta na parte introdutória do Código Penal de 198225, no ponto 11, que «[o]utras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes).

Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maleável a sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão. Assim se prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena ou da submissão de delinquente ao regime de prova sempre que a pena de prisão não seja superior a 3 anos.

É evidente, todavia, que a pronúncia de qualquer destas medidas não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Como reacções penais de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), só devem ser decretadas quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2 (aplicável também ao regime de prova por força do artigo 53.º), serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.

Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer entre a suspensão da execução da pena e o regime de prova. Se se é tentado, muitas vezes, a confundi-los, é bom sublinhar que se trata de dois institutos distintos, com características e regimes próprios.

Com efeito, a condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime (…)».

Tais elementos históricos de interpretação apresentam-se, assim, como inequívocos no sentido de que, desde a sua origem, a suspensão da execução da pena, agora prevista no artigo 50.º e seguintes do Código Penal, é concebida como uma pena autónoma, não privativa da liberdade.

Todos os argumentos ora expendidos, conduzem-nos, assim, à conclusão de que a natureza da suspensão de execução da pena (tal como das outras penas de substituição) é a de verdadeira pena que incorpora os fins preventivos previstos no artigo 40.º do Código Penal. Ao aplicar-se esta pena substitutiva está a aplicar-se uma pena diferente da prisão que é substituída.

Também a jurisprudência do STJ, em diversos arestos, vem reafirmando o carácter autónomo da suspensão, relativamente à pena de prisão, como se pode verificar no acórdão de 18 de março de 1999, relatado pelo Conselheiro Hugo Lopes26, onde se afirmou que «[a]s penas de substituição são verdadeiras penas autónomas». Do mesmo modo, no acórdão proferido pelo Conselheiro Henriques Gaspar, a 20 de abril de 200527, considerou que «[a] pena suspensa, prevista no art. 50.º do CP, enquanto pena de substituição, é de natureza diferente da pena de prisão, pela natureza e função que lhe está político-criminalmente adstrita». Finalmente, ainda o AFJ n.º 7/2015, de 09-04-201528, relativo à necessidade de audição presencial do condenado para efeitos do disposto no artigo 125.º, n.º 4, do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, refere que «[a] doutrina entendeu de forma dominante que as penas de substituição eram verdadeiras penas autónomas, e, com especial interesse para o tema que nos ocupa, afirmou o consenso sobre o conteúdo político-criminal próprio, e sobre o campo específico de aplicação de cada pena de substituição, com a necessidade de um regime daí resultante, em larga medida individualizado, mesmo no que respeita ao incumprimento das penas de substituição».

Estamos, portanto, perante uma pena autónoma, a executar de imediato, aquando do trânsito em julgado da decisão condenatória. Substituir a execução de uma pena de prisão implica, sempre, aplicar, em vez desta, uma outra pena, constituindo-se as penas de substituição como uma categoria distinta de penas, perfeitamente autonomizáveis das penas que visaram substituir29.

Assim, uma vez mais tomando emprestadas as palavras de Figueiredo Dias, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição»30.

II.4.2. A prescrição das penas

Pensando ter-se demonstrado a natureza da pena suspensa, no sentido de que se trata de uma pena distinta da pena de prisão, com sentido, pressupostos e teleologia próprios, importa, nesta sede, atentar acerca do núcleo da questão de que a presente fixação de jurisprudência se ocupa e que respeita ao prazo prescricional aplicável à mesma.

O artigo 122.º do Código Penal – preceito de que algumas das suas normas são inevitavelmente mobilizadas para a decisão da questão em apreço – tinha a seguinte redação, conferida pelo Dec.-Lei n.º 48/95, de 15-03:

«1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:

a. 20 anos, se forem superiores a dez anos de prisão;

b. 15 anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;

c. 10 anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;

d. 4 anos, nos casos restantes.

2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.»

Pelo artigo 1.º da Lei n.º 59/2007, de 04-09, foi aditado um número 3 – que respeita à indexação de penas aplicadas a pessoas coletivas, questão subtraída à discussão vertente no presente acórdão –, passando o artigo a ficar com o seguinte teor:

«1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:

a. Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;

b. Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;

c. Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;

d. Quatro anos, nos casos restantes.

2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º»

O instituto da prescrição consubstancia uma das causas extintivas da responsabilidade criminal pela qual, em resultado do decurso do tempo, o Estado pode considerar estarem “amortecidas” as exigências de punição, nessa medida constituindo um meio de garantir a certeza e a segurança jurídica do imputado ou do condenado, encontrando-se previsto nos artigos 118.º a 126.º do Código Penal, em dois capítulos: prescrição do procedimento criminal – artigos 118.º a 121.º – e prescrição da pena – artigos 122.º a 126.º.

A existência de um instituto como a prescrição – do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança – encerra um significado de inequívoca preocupação com a segurança e paz jurídica do arguido ou do condenado, nessa medida comportando uma relevância onto-antropológica. Conforme refere José de Faria Costa, «(…) só nos podemos pensar, e por isso existimos, porque “somos” irrefutavelmente a nossa própria condição temporal. Ou seja: o tempo é o limite absoluto da humana condição de ser-com-os-outros, assumindo-se, assim, como barreira, limitação, constrição, escravatura mas, porque nele e por ele – e não em qualquer outro tempo – o “eu” que é “nós” é abertura e possibilidades infinitas, então, esse mesmo tempo, que é já temporalidade (…), é também e simultaneamente a condição primeira da nossa liberdade»31.

A prescrição é, pois, uma causa superveniente extintiva da responsabilidade criminal, que, fundando-se no decurso do tempo, pode afetar o apuramento do crime e da responsabilidade criminal de um determinado agente, extinguindo-a32. Estamos perante uma causa superveniente de extinção da responsabilidade criminal, por se verificar em momento posterior à prática do crime, embora nalgumas situações o seu conhecimento possa só ocorrer posteriormente; extinguindo a responsabilidade criminal, faz cessar a possibilidade de a mesma ser apurada ou de ser executada a pena ou a medida de segurança, entretanto, aplicada.

O decurso do tempo não faz com que o Estado abdique ou renuncie da sua pretensão de responsabilizar criminalmente o agente, inexistindo, de resto, um (suposto) direito à prescrição33. Porém, em função de considerações ordem político-criminal de de atualidade, de proporcionalidade e de legitimidade da aplicação da sanção penal que ao facto ilícito típico caberia e da própria carência de punição, em obediência a comandos constitucionalmente vinculativos, o Estado entende não dever punir o agente, já por razões de falibilidade da prova, já pela evolução sócio-psicológica do indivíduo imputado e de esbatimento da própria representação comunitária da necessidade da punição.

No caso da prescrição da pena concretamente aplicada, o decurso de determinados prazos (cfr. artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal) por referência à respetiva gravidade, constitui fundamento para afastar a aplicação do direito penal – especificamente, das reações penais –, o que se justifica porque, decorrido um significativo lapso temporal, «(…) a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas»34.

A «prescrição da pena é um pressuposto negativo da punição, que, tal como a prescrição do procedimento criminal, tem natureza substantiva e processual, predominando hoje a teoria jurídico-material da prescrição. A natureza substantiva, que muitos Autores pretendem, aqui, dominante ou mesmo exclusiva, advém-lhe de razões ligadas às finalidades da punição. Com o decurso do tempo sobre o trânsito em julgado da sentença condenatória sem que o condenado tenha iniciado o cumprimento da pena imposta, esbate-se a necessidade comunitária da sua execução e, ao mesmo tempo, a exigência de socialização do condenado, que constitui uma outra das finalidades da pena e factor determinante da sua fixação concreta dentro de determinadas circunstâncias que foram sopesadas na decisão, perde também a sua razão de ser, a ponto de poder tornar-se completamente desajustada, se o condenado a tivesse que cumprir muito tempo depois da condenação.

A natureza processual, por seu turno, liga-se a razões que têm a ver com o próprio processo, também neste caso, pois a prescrição obsta a que a pena seja executada, não obstante basear-se numa decisão transitada em julgado. Neste sentido, é um pressuposto negativo de carácter processual (…)»35.

Importa salientar que a solução da prescrição (do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança) não é um dado adquirido; em muitos sistemas jurídicos vigora mesmo um princípio de imprescritibilidade, enquanto, por outro lado, alguns sistemas que consagram a prescrição como princípio, até de matriz e fundamento constitucional, admitem exceções de imprescritibilidade. É o caso do nosso ordenamento jurídico-criminal, em que as escassas previsões de imprescritibilidade parecem reconduzir-se a soluções de excecionalidade constitucional.

A questão da imprescritibilidade tem sido tratada doutrinalmente, com importantes argumentos no sentido da sua admissibilidade e da sua negação36, não sendo aqui o local aprofundado para tratar adequadamente da mesma.

São, todavia, conhecidas exceções à prescrição do procedimento criminal e das penas no nosso ordenamento jurídico, mormente no âmbito dos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, em que, em homenagem a determinações do direito penal internacional humanitário e da guerra, se consagra a sua imprescritibilidade (cfr. artigos 49.º, n.º 1, do Código de Justiça Militar e 7.º do Anexo à Lei n.º 31/2004, de 22 de julho, na redação conferida pelo art. 2.º da Lei n.º 11/2019, de 07-02).

Embora o problema da imprescritibilidade possa ser mais impressivo no quadro do tratamento da pena do que no âmbito do procedimento criminal, o mesmo não deve ser um tabu, nem a sua proibição um dogma.

À medida que o tempo vai decorrendo, desde o trânsito em julgado da decisão sem que a pena tenha sido executada, vai-se verificando que as necessidades para a sua aplicação vão ficando cada vez mais reduzidas, consubstanciando a prescrição da pena um pressuposto negativo da punição37.

Assim, quando a pena se encontra temporalmente muito distante do delito que conduziu à sua aplicação, a execução da mesma acaba por frustrar as suas finalidades e tornar-se desnecessária ou inútil.

Contudo, nem sempre o mero decurso do tempo conduz à prescrição da pena ou da medida de segurança. De facto, tal não deverá favorecer o condenado quando ocorrem situações que impeçam a perseguição criminal ou quando a pretensão punitiva do Estado e as suas exigências de punição são confirmadas através de certos atos de perseguição38. Assim, determinadas ocorrências impedem que o prazo prescricional se inicie ou continue a correr, paralisando-o. Nessas situações, a prescrição fica suspensa, apenas se reiniciando esse prazo quando o acontecimento cessa. Diferentemente, no que respeita ao instituto da interrupção da prescrição, no momento em que o ato interruptivo tem lugar, começa a correr um novo prazo prescricional.

O prazo de prescrição da pena inicia-se quando a decisão transita em julgado, sendo suspenso ou interrompido nos termos legalmente definidos, respetivamente, nos termos dos artigos 125.º e 126.º do Código Penal. Tais normas de suspensão ou interrupção estão taxativamente previstas, sendo unânime o entendimento de que não poderá haver recurso à analogia para aplicação das mesmas39.

Deste modo, «[a] execução da pena e a prática de actos pelas autoridades competentes destinados a fazê-la executar fundamentam a existência das causas de interrupção e de suspensão da prescrição da pena. A prescrição da pena suspende-se (artigo 125.º, n.º 1, do CP) durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia; durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; e durante o tempo em que perdurar a dilação do pagamento da multa. A interrupção do prazo prescricional ocorre com a execução da pena (e da medida de segurança) e com a declaração de contumácia (artigo 126.º, n.º 1, do CP).»40.

Nas situações em que, como a dos presentes autos, é aplicada uma pena principal – a pena de prisão – e uma pena de substituição – a suspensão da execução da pena –, verifica-se que poderão, no mesmo processo, concorrer dois prazos prescricionais distintos, com regimes de prazos e de cômputo do seu início diferentes.

Afigura-se incontroverso o entendimento de que, em tais casos, o prazo de prescrição da pena de prisão (principal, originária) não se inicia até que a suspensão da pena seja revogada. Nesta medida, é, assim, facilmente percetível que o prazo de prescrição da pena de prisão não pode ocorrer enquanto a suspensão da pena se mantiver em vigor, porquanto se encontra em execução essa pena substitutiva, pelo que apenas com o trânsito em julgado da revogação da pena suspensa se iniciará o decurso do prazo de prescrição da pena principal de prisão, sendo certo que a eventual revogação da pena de substituição sempre dependerá de decisão judicial não ocorrendo, em caso algum, ope legis.

Em consequência, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 122.º do Código Penal, ocorre com o trânsito em julgado dessa decisão de revogação da pena de substituição, e não com o da prévia decisão condenatória. Em momento algum o prazo de prescrição da pena principal corre em paralelo com o da pena de substituição (a pena suspensa). Apenas quando esta deixa de existir – com a sua revogação – é que aquele tem o seu início, inexistindo, assim, qualquer sobreposição ou interferência entre ambos.

Do mesmo modo, a Lei é clara ao estabelecer o prazo prescricional aplicável a essa pena principal, o qual variará em conformidade com a medida concreta da pena de prisão em que o arguido foi condenado: até dois anos, igual ou superior a dois anos e igual (ou superior) a cinco anos de prisão.

Atendendo a que no nosso sistema jurídico-penal inexistem penas imprescritíveis – com exceção dos casos suprarreferidos das penas impostas por crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão internacional –, também as penas substitutivas, como penas autónomas que são, encontram-se sujeitas a prazos de prescrição. Como tal, no que respeita à suspensão da execução da pena de prisão, é atualmente entendimento uniforme que também esta pena tem de estar sujeita a prazo prescricional.

Importa, neste passo, recordar que a Lei não define qualquer prazo máximo para a decisão do incidente de incumprimento das obrigações decorrentes da pena suspensa. Deste modo, apenas o prazo de prescrição estabelecerá um limite temporal máximo, findo o qual o condenado não poderá mais cumprir a pena em que foi sancionado, sob pena de este se ver sujeito ao processo criminal, mantendo-se indefinidamente a aguardar a extinção ou revogação da pena de substituição. Desta forma, o direito à paz e à segurança jurídica implica a resolução do referido incidente num prazo processualmente razoável o qual, não estando especialmente previsto, terá de corresponder, no limite, ao prazo de prescrição.

Tratando-se a pena de suspensão da execução da prisão de uma pena de natureza autónoma, e sujeita aos princípios gerais do nosso direito penal, terá também de lhe ser aplicado um prazo prescricional certo e determinado, que começará a correr quando a decisão condenatória transita em julgado, sem prejuízo das concretas causas de interrupção ou suspensão a que possa ser sujeito.

O início do prazo de suspensão (de execução da prisão) consubstancia causa de interrupção da prescrição, nos termos do artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, circunstância que perdura durante todo o tempo em que a execução da pena de prisão se mantém suspensa. Ademais, nos termos preceituados no artigo 126.º, n.º 2, do Código Penal, após cada interrupção inicia-se um novo prazo de prescrição. Deste modo, terminado o período da suspensão – que corresponde à execução da pena de substituição –, inicia-se um novo prazo prescricional41.

Que prazo é esse?

Esta é a questão nuclear da presente decisão de fixação de jurisprudência.

No que respeita à resposta sobre qual será esse prazo prescricional, verifica-se existirem duas correntes jurisprudenciais distintas, refletidas respetivamente no acórdão-recorrido e no acórdão-fundamento.

Entende-se no acórdão-recorrido que o prazo prescricional da pena suspensa deverá aferir-se tendo em consideração a concreta medida da pena de prisão, principal, que é aplicada e está subjacente à pena suspensa, prazo que poderá, assim, oscilar entre os 4 anos de prescrição (se inferior a 2 anos), os 10 anos (igual ou superior a dois anos de prisão mas inferior a cinco) ou de 15 anos (igual a cinco anos de prisão)42.

No sentido de tal entendimento, pronunciaram-se, nomeadamente, entre outros, além do acórdão-recorrido, os seguintes acórdãos proferidos por Tribunais da Relação:

i. Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-02-2019, processo n.º 387/07.4PEAMD.L1-943, concluindo que «[a]s penas de prisão suspensas não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável o disposto no art.º 122º/1-d) do CP»;

ii. Tribunal da Relação de Évora, de 08-09-2020, processo n.º 612/07.1GCFAR-A.E144, considerando-se que «[a]s penas de prisão suspensas na sua execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável, sem mais (ou seja, a todas elas - mesmo às iguais ou superiores a 2 anos -), o disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), do Código Penal»;

iii. Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-05-2021, processo n.º 334/10.6JAPRT-A.C145, aí se considerando «[a]s penas de prisão suspensas não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável o disposto no art.º 122º/1-d) do CP»

iv. Tribunal da Relação do Porto, de 07-07-2021, processo n.º 1304/00.8PUPRT.P146, no âmbito do qual se entendeu que «[d]ecorre de jurisprudência recente que na alínea d) do número 1 do artigo 122.º do Código Penal, onde se referem os casos não referidos nas alíneas anteriores desse número, as quais aludem sempre a penas de prisão, não cabem todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, mas as penas de prisão inferiores a dois anos de prisão, sejam ou não suspensas na sua execução»;

v. Tribunal da Relação do Porto, de 04-10-2022, processo n.º 515/12.8PDPRT-A.P147, onde se refere que «[a]s penas de prisão suspensas na sua execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária»;

vi. Tribunal da Relação de Évora, de 24-10-2023, processo n.º 302/11.0 GBCCH.E148, tendo-se entendido nessa sede que «[i]nexiste um qualquer prazo autónomo de prescrição para a pena suspensa, distinto do aplicável à pena de prisão originária, tal qual vem entendendo a jurisprudência ultimamente, em face dos resultados verdadeiramente inaceitáveis a que vinha conduzindo a tese interpretativa, segundo a qual todas as penas suspensas se regeriam pelo prazo previsto no art. 122º, nº 1, al. d), do Código Penal.

As penas de prisão suspensas na sua execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária»;

Por sua vez, também o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou de acordo com este entendimento, no acórdão proferido em 28 de fevereiro de 2018, no processo n.º 125/97.8IDSTB-A.S1, relatado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro49.

Segundo esta orientação jurisprudencial, o prazo de prescrição da pena afere-se pela pena de prisão originária, a ela devendo ser indexada, pelo que apenas caberão na previsão do artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal as penas de prisão inferiores a 2 anos – sejam de prisão efetiva, sejam de prisão suspensa na sua execução.

Tal jurisprudência apoia-se, essencialmente, na fundamentação constante do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, em síntese, refere o seguinte:

«Não se nos apresenta defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na alínea d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão).

Meter no mesmo caldeirão, da cit. alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5 do CP--prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do cit. art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa.

Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.

Com a revogação ressurge, reaviva, a pena de prisão substituída, que é a pena originária. E é a esta (pena de prisão/pena originária) que deve atender-se, como vimos atrás, para efeitos de prescrição. Sendo de atender à pena principal, o regime é o da pena principal e não o da pena de substituição, que foi revogada.

(…)

A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das alíneas do art. 122.º, n.º 1 do CP.

E a revogação implica o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (art. 56.º, n.º 2 CP) sem qualquer desconto.

Durante o prazo da pena de suspensão (pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso. Só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).

O ponto fulcral a atender é o do momento do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.

Podem existir complicações processuais, que façam com que o despacho revogatório não ocorra no período correcto.

Na verdade, não faltam casos em que o mesmo é exarado vários anos depois de esgotado o prazo da suspensão, ou em que o trânsito em julgado do despacho revogatório, embora tal despacho tenha ocorrido em tempo, como no caso dos presentes autos, só transita já bastante depois do decurso do prazo normal da suspensão.

No caso dos autos, dado que a pena de prisão, inicialmente suspensa na sua execução, é de 3 anos, o prazo de prescrição é de 10 anos (art. 122.º, n.º 1, alínea c) do CP).

Assim, quer se conte o prazo de prescrição desde 6/1/2008 (data do termo do prazo de suspensão da execução da pena) até 29/6/2010 (data do trânsito da decisão revogatória da suspensão) (2 anos, 5 meses e 23 dias), e desde 29/6/2010 até 20/12/2017 (data em que o arguido foi detido) (7 anos 5 meses e 22 dias), o que perfaz 9 anos 11 meses e 15 dias, quer se entenda que se deve contar apenas a partir do trânsito da decisão revogatória (29/6/2010) até à data da detenção (20/12/2017), é manifesto que o prazo de 10 anos ainda se não havia esgotado aquando da prisão do requerente.»

Os demais acórdãos do Tribunal da Relação acrescentam, ainda, que:

«(…) o entendimento contrário levaria a soluções inaceitáveis, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico e tendo em conta que se presume que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º do CC).

Basta pensar no caso de uma pena de cinco anos de prisão (o prazo de prescrição desta pena é de 15 anos – art.º 122º/1-d) do CP), cuja execução foi suspensa por igual período.

Se se entender que aplica à pena suspensa o prazo de prescrição previsto no art.º 122º/1-d) do CP (quatro anos), isso levará a que, na prática, o prazo de prescrição da pena principal seja de nove anos, caso a suspensão não seja revogada nos quatros anos seguintes ao decurso do prazo da suspensão.

Ora, não foi certamente isso que quis o legislador e não é isso que resulta de uma interpretação sistemática da lei, tendo em conta a sua letra.»50.

Considera, assim, tal corrente jurisprudencial que o legislador não distingue a situação de a pena de prisão ser efetiva ou suspensa, pelo que também não deverá ser o intérprete a fazê-lo.

Um diferente entendimento conduziria a situações que poderiam ser injustas e desequilibradas, em virtude de haver o mesmo tratamento, ao nível da prescrição, de um arguido condenado numa pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução, ou numa pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

Por seu turno, o acórdão-fundamento consagra o entendimento que a pena suspensa, consubstanciando uma pena autónoma da de prisão, que lhe está subjacente, terá, em consequência, um prazo prescricional próprio e distinto – de 4 anos – nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.

Tal entendimento consubstancia a corrente jurisprudencial maioritária, da qual se destacam, entre outros, além do acórdão-fundamento, os seguintes acórdãos de Tribunais da Relação:

i. Tribunal da Relação de Évora, de 10-07-2007, processo n.º 912/07-151, no âmbito do qual se refere que «[a] pena de suspensão da execução da pena de prisão, enquanto pena autónoma de substituição, está sujeita ao prazo prescricional de 4 anos – art. 122º nº1 d) do C. Penal»;

ii. Tribunal da Relação de Coimbra, de 04-06-2008, processo n.º 63/96.1TBVLF.C152, em que se refere que «[a]s penas de substituição, como verdadeiras penas, encontram-se sujeitas a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, o que nos termos do artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal ocorre com o decurso de quatro (4) anos a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º Código Penal»;

iii. Tribunal da Relação de Évora, de 25-09-2012, processo n.º 2787/04.2PBSTB.E153, onde se decidiu que «[a] pena de prisão com execução suspensa está sujeita a prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída»;

iv. Tribunal da Relação do Porto, de 25-02-2015, processo n.º 496/96.3PSPRT-A.P154, aí se decidindo que «o prazo prescricional da pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas no Código Penal, designadamente a execução que logo o interrompe, assim permanecendo até ao decurso do período de suspensão, após o que se inicia novo prazo que correrá até à revogação ou extinção dessa pena, caso estas se verifiquem antes de ficar completo o legalmente exigido prazo prescricional de 4 anos»;

v. Tribunal da Relação de Évora, de 21-03-2017, processo n.º 49/99.4JALRA.E155, concluindo-se que «é aplicável à pena substitutiva de Suspensão da execução da prisão o prazo prescricional de 4 anos previsto no art. 122º nº 1 d) do C. Penal»;

vi. Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-09-2017, processo n.º 86/12.5PGLRS-A.L1-556, onde se refere que «Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122º, nº l, alínea d), do C. Penal»;

vii. Tribunal da Relação de Évora, de 08-05-2018, processo n.º 321/08.4TASLV.E157, onde se estabelece que «[e]nquanto pena autónoma, de substituição, e tendo em conta que a arguida foi condenada na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, sendo a suspensão subordinada ao dever de entregar, no prazo de 6 meses, a uma instituição de solidariedade social a quantia de € 5.000,00, está sujeita ao prazo de prescrição de 4 anos prevista no artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do CP»;

viii. Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-11-2018, processo n.º 273/06.5TAVLN.G358, determinando-se que «[a] suspensão da execução da pena de prisão, enquanto pena de substituição, assume a categoria de pena autónoma, encontrando-se sujeita a um prazo de prescrição também autónomo do prazo de prescrição da pena substituída»;

ix. Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2020, processo n.º 359/03.8PBCVL.C159, entendendo-se que «[a] pena de substituição da execução da pena, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve no prazo de quatro anos, fixado na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do CP»;

x. Tribunal da Relação de Évora, de 08-06-2021, processo n.º 509/06.2TAABF-C.E160, onde se decidiu que «[a] suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma, de substituição, aplicada e executada em vez da pena de prisão, que tem, por isso, um prazo de prescrição que não se confunde com o desta, sendo o mesmo de 4 anos, nos termos do Artº 122 nº1 al. d) do C. Penal»;

xi. Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-01-2022, processo n.º 893/13.1IDLSB.L1-561, onde se explica que «Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal – que é o aplicável a todas as penas não contempladas nas três alíneas anteriores, que dispõem apenas sobre as penas de prisão»;

xii. Tribunal da Relação de Évora, de 08-03-2022, processo n.º 65/12.2GAMCQ.E162, explicando que «[s]endo a pena de prisão suspensa na sua execução uma verdadeira pena autónoma da pena de prisão, está também sujeita a um prazo de prescrição autónomo, que é o previsto no artº 122º, nº 1 al. d) do C. Penal, do prazo de prescrição da pena de prisão principal substituída»;

xiii. Tribunal da Relação do Porto, de 23-03-2022, processo n.º 1048/08.2TAVFR-G.P163, explicitando que «[t]raduzindo-se a pena de suspensão da execução da pena de prisão numa pena autónoma, a estatuição normativa que reclama a regulação do seu prazo de prescrição é a contida na al. d) do nº 1 do artigo 122.º do Código Penal, integrando tal pena de substituição, portanto, os “casos restantes” aí referidos, por prévia exclusão dos mencionados nas alíneas precedentes; daí resulta que o seu prazo de prescrição é de 4 anos, contados a partir da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do nº 2 do mesmo artigo»;

xiv. Tribunal da Relação do Porto, de 04-10-2022, processo n.º 32/01.1IDAVR-C.P164, no âmbito do qual se estabeleceu que «as penas de prisão principais prescrevem, consoante a sua duração, dentro dos prazos estabelecidas nas alíneas a) a c), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal, ao passo que as penas suspensas, substitutivas, integram os casos restantes referidos na alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, onde se prevê o prazo de 4 anos de prescrição»;

xv. Tribunal da Relação de Guimarães, de 09-04-2024, processo n.º 1122/08.5TABRG.G165, estabelecendo que «pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma verdadeira pena autónoma, substitutiva da pena privativa da liberdade.

II – É de 4 anos, o prazo de prescrição dessa pena de substituição, que não tenha sido entretanto revogada, por se enquadrar nos “casos restantes” previstos na alínea d) do artigo 122º nº 1 do Código Penal»;

xvi. Tribunal da Relação do Porto, de 18-09-2024, processo n.º 633/14.8GBOAZ-B.P166, onde se refere que «[a] pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena autónoma e por isso não se enquadra nas alíneas a), b) e c) do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal que dizem respeito às penas de prisão, mas antes na alínea d) relativa às restantes penas, sendo o respetivo prazo prescricional de quatro anos».

xvii. Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-11-2024, processo n.º 292/10.7GAMGL-I.C167, concluindo-se que “[u]ma vez que as alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal se referem, apenas, a «penas de prisão», a pena de suspensão da execução da pena de prisão inclui-se nos «casos restantes» referidos na alínea d), sendo o seu prazo prescricional de 4 anos, qualquer que seja a medida da pena principal, aplicando-se-lhe in totum o regime da suspensão e interrupção da prescrição contido nos artigos 125.º e 126.º”.

II.5. Proposições conclusivas

A Lei optou, inequivocamente, por prever diferentes prazos prescricionais, de acordo com a concreta espécie e medida da pena em que o arguido é condenado.

Se há penas que não oferecem qualquer dúvida acerca do prazo aplicável – como sejam as penas de prisão (efetiva), de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade –, tal não sucederá com a pena de suspensão da execução da prisão igual ou superior a dois e até cinco anos porquanto, em teoria, pode argumentar-se que se enquadram tanto na alínea d) como nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.

Conforme se procurou demonstrar supra, não obstante a Lei não o diga expressamente, é entendimento esmagador na doutrina e na jurisprudência que a pena suspensa é concebida como uma verdadeira pena, autónoma, distinta da pena de prisão que visa substituir. Isso mesmo foi já por diversas vezes reafirmado por todos os Tribunais da Relação e por este Supremo Tribunal, nomeadamente em numerosos acórdãos e nas pronúncias de fixação de jurisprudência atinentes a vários aspetos da pena de suspensão da execução da prisão, atrás enumerados. Apesar da discutibilidade de algumas matérias que a pena de substituição em causa tem suscitado, e mesmo que a lei o não assuma expressamente, esse aspeto constitui um dado adquirido, como tem sido sublinhado: a natureza autónoma da pena suspensa.

Face a tal natureza, é de considerar legítima a conclusão de haver uma estrutura, pressupostos e finalidades – em suma, um regime – que a diferencia da pena de prisão. Por isso, também no tocante ao regime da prescrição se justifica que a pena suspensa tenha um regime específico. Como tal, um prazo prescricional autónomo, à semelhança do que sucede com todas as demais penas legalmente consagradas. Inexiste, assim, qualquer pena que não tenha um concreto e distinto prazo de prescrição68, independentemente de se tratar de pena principal, acessória ou substitutiva.

Conforme se referiu, terminado o período de suspensão da execução da pena, deparamo-nos com três alternativas: ou a pena é declarada extinta; ou é revogada; ou fica a aguardar o decurso do procedimento para averiguar da sua eventual revogação, ou seja, uma fase incidental de apuramento dos motivos do incumprimento.

Todavia, não é raro acontecer, nomeadamente quando esteja pendente outro processo-crime em que o condenado seja suspeito de ter praticado um crime no decurso do período da suspensão, que o processo em que foi aplicada a pena suspensa fique, durante um período considerável, a aguardar a sua resolução.

Como atrás se referiu, não se encontra legalmente definido qualquer prazo máximo para que seja decidido esse incidente de incumprimento. Do mesmo modo, afigura-se manifesto que o condenado não poderá aguardar indefinidamente, de forma indesejável para si e para os interesses de realização da justiça material, combinados com as finalidades de aplicação das penas. Como tal, apenas o prazo de prescrição poderá fixar a data-limite até que esse incidente seja resolvido, seja mediante a sua revogação ou eventual extinção da pena69.

Ultrapassado o decurso do prazo de prescrição, já não será possível revogar a pena suspensa – entretanto já prescrita – e determinar o cumprimento da pena de prisão principal.

Assim, comungando-se do entendimento doutrinal e jurisprudencial praticamente unânime, entendendo-se ser a pena de substituição uma verdadeira pena autónoma, a mesma terá de estar, necessariamente, sujeita a um prazo de prescrição, também ele, distinto e específico.

Não obstante a interligação entre ambas as penas – principal e de substituição – não se vislumbra decisivo fundamento jurídico – nem dogmático nem político-criminal –para sustentar terem as duas o mesmo prazo prescricional, reportado à medida da concreta pena de prisão (principal) aplicada.

Por um lado, a letra da Lei é clara, ao referir-se no artigo 122.º, n.º 1, alíneas a) a c) do Código Penal, tão só, a penas de prisão.

Na questão sub judice ora submetida à decisão de fixação de jurisprudência, não se aprecia nenhuma questão de prescrição relativa à pena de prisão, mas, antes, à questão da prescrição da pena substitutiva, de suspensão da execução da pena de prisão.

Por outro lado, não se afigura ser validamente defensável qualquer tipo de interpretação extensiva ou analógica, nem fará sentido supor que o legislador não se soube exprimir do modo que pretendia. O legislador é conhecedor de todos as espécies e modalidades de penas previstas no Código Penal, não havendo fundamento para o intérprete presumir que pudesse existir algum tipo de lapso ou de lacuna legal.

Na verdade, caso o legislador pretendesse que a pena suspensa integrasse, também, as alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 122.º do Código Penal, tê-lo-ia deixado expressamente consagrado, atendendo à sua natureza de pena substitutiva e ao regime próprio que consta do Código Penal e do Código de Processo Penal, do qual tinha integral conhecimento.

Como refere Pedro Gama da Silva, «[o] legislador tem perfeita noção que prescreveu, no Título III do Livro I do Código Penal, diversas penas criminais como consequências jurídicas dos factos. Não ignora, com certeza, a panóplia de penas tipificadas. Assim, lançando mão do elemento gramatical, ou seja, das palavras em que a lei se exprime, “a letra da lei” não pode ser mais clara: para efeitos do prazo de prescrição das penas, em regra, de um lado, temos as penas de prisão e, do outro lado, temos as restantes penas («nos casos restantes»)

O contexto da lei (elemento sistemático), considerando a unidade e coerência do sistema jurídico, diz-nos que o legislador, quando quis, por exemplo, submeter a pena de multa aplicada às pessoas colectivas aos prazos da pena de prisão, deixou-o expressamente prescrito, conforme ocorre no artigo 122.º, n.º 3, do CP. E, quando quis que apenas se considerasse, para efeitos de prescrição, a pena de prisão, apesar do crime também ser punido com multa, não deixou de o dizer expressamente (cf. artigo 118.º, n.º 4, do CP). Acresce que a técnica legislativa utilizada para distinguir os crimes puníveis com pena de prisão dos “casos restantes” é em tudo semelhante à prevista no artigo 118.º, n.º 1, do CP, onde se fixa o prazo de prescrição do procedimento criminal, o que reforça a dicotomia pena de prisão/restantes penas»70.

Assim, «[a] interpretação de tal norma, operada à luz do princípio da legalidade criminal, não permite outro entendimento que não seja o de que à pena de prisão suspensa na sua execução se aplica o prazo de prescrição da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º.

(…) Ao nível da interpretação jurídica, cujo «horizonte problemático» «tem de operar-se, necessariamente, a partir e dentro do princípio da legalidade», é proibida a analogia (contra reum ou in malem partem, não favore reum ou in bonam partem). A proibição de analogia, para além de fundamento constitucional, tem expressão no artigo 1.º, n.º 3, do CP. O recurso à analogia não é permitido nos casos em que tal recurso determine a atribuição ou agravação da responsabilidade criminal do agente»71.

Os preceitos respeitantes à prescrição (do procedimento ou da pena) integram o conjunto de normas que, por serem restritivas de direitos fundamentais, devem preexistir à prática do ilícito-típico. Nessa medida, integram plenamente o domínio em que vigora o princípio da legalidade da perseguição penal72, com todas as consequências hermenêuticas inerentes ao princípio da proibição da analogia.

O exercício interpretativo subjacente à decisão da questão em apreço no presente recurso deverá partir da análise dos elementos literais, históricos e sistemáticos que se podem convocar.

O artigo 9.º do Código Civil (Interpretação da lei), que é norma-padrão válida para todos os ramos do direito, incluindo o direito penal, dispõe sobre os critérios, fatores ou elementos da interpretação que, no essencial, continuam a ser reconhecidos como tal: os elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.

Dispõe o seguinte:

«1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

A dita norma-guião assinala à tarefa interpretativa do aplicador duas funções essenciais: por um lado, a letra da lei há de ser, necessariamente, o ponto de partida da interpretação, pois a linguagem é o meio pelo qual o legislador se expressa na norma; por outro lado, o texto legal impede uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

Em direito penal, estas exigências são impostas pelo princípio da legalidade, consagrado, nos seus diversos corolários, no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1.º do Código Penal.

A letra da lei como ponto de partida da interpretação está diretamente relacionada com a exigência constitucional de que a norma incriminatória tenha de constar de uma lei, que entre nós é da exclusiva competência da Assembleia da República (salvo autorização ao Governo - artigo 165.º, n.º 1, al. c), da CRP), emanação direta da soberania do povo, para cumprir a ratio de garantia política do cidadão face ao poder punitivo estadual, que costuma traduzir-se no brocardo latino nullum crimen sine lege scripta73.

À exigência de que a interpretação da lei penal tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, corresponde o respeito pelo sentido literal possível, ou seja, o sentido que não está para além do sentido literal linguisticamente possível, sendo por ele claramente excluído.

Por outro lado, enquanto limite da interpretação em direito penal (nullum crimen sine lege stricta), a exigência de correspondência verbal da interpretação na letra da lei fundamenta a proibição de analogia expressa no artigo 1.º, n.º 3, do Código Penal, em razão da qual «…não pode reivindicar-se de interpretação uma qualquer solução jurídica, por mais indicada axiológica e teleologicamente, que já não encontre apoio no texto da lei»74.

O disposto no n.º 3 do artigo 1.º do Código Penal revela-se extraordinariamente relevante para a dilucidação da questão, ao enunciar o princípio da proibição da analogia para «determinar a pena ou medida de segurança» que corresponde ao crime.

O elemento ou critério racional ou teleológico da interpretação corresponde essencialmente às preocupações ou finalidades que a norma procurou atingir75, às necessidades de ordem social que visou satisfazer, o que em direito penal pressupõe a definição do bem jurídico protegido e da concreta forma de proteção visada pela norma incriminadora.

Sobre este elemento da interpretação, Karl Larenz sublinha a importância do princípio de que à igualdade de previsões valorativas deve corresponder igualdade de tratamento legislativo. Refere este Autor: «De entre os critérios de interpretação teleológico-objetivos, que decorrem dos fins objetivos do direito, mais rigorosamente da ideia de justiça, cabe uma importância decisiva ao princípio da igualdade de tratamento do que é (segundo as valorações gerais do ordenamento jurídico) igual (ou de sentido idêntico). A diferente valoração de previsões valorativamente análogas aparece como uma contradição de valoração, que não é compaginável com a ideia de justiça, no sentido de igual medida”76.

O elemento sistemático da interpretação, a que Karl Larenz se refere como o “contexto significativo da lei”, parte do princípio de que «(…) cada proposição jurídica só se infere, as mais das vezes, quando se considera como parte da regulação a que pertence»77.

Nas palavras de Manuel de Andrade, o intérprete deve recorrer «(…) à conexão das disposições legais e preferir a interpretação mercê da qual a lei apresente a estrutura mais consequente e organicamente correta; e em particular havemos de tomar em consideração o encadeamento das diversas leis, porque uma exigência fundamental de toda a sã legislação é que as leis se ajustem umas às outras e não redundem em congérie de disposições desconexas»78. Por outro lado, ainda de acordo com Manuel de Andrade, o chamado elemento histórico da interpretação «…abrange a história dos respetivos institutos e, em particular, o seu regime jurídico no direito imediatamente anterior à lei que se trata de interpretar»79. Trata-se de tirar as possíveis consequências do momento histórico em que surgiu a lei, para a determinação do seu atual sentido, ali incluindo os respetivos trabalhos preparatórios que, por vezes, constituem contributos muito relevantes quer do ponto de vista heurístico, quer na eliminação de dúvidas reconhecidas.

Importa, neste passo, recordar que a tarefa hermenêutica que se coloca ao Supremo Tribunal, no âmbito de uma decisão de fixação de jurisprudência, não é a de criar norma em substituição do legislador, mas a de que perscrutar o sentido da mesma quando incompleta ou imperfeitamente formulada, potenciando interpretações contrastantes e incompatíveis entre si. E tal só é excecionalmente admitido quando o esclarecimento sobre as dúvidas hermenêuticas tenha inequívoca repercussão no tratamento jurídico-processual de questões sujeitas à opção por critérios divergentes quanto à interpretação sobre o seu sentido e alcance. Acresce, ainda, que uma tal decisão há de ser reclamada pelas concretas necessidades prático-aplicativas, enquanto ocorrências processualmente suscitadas e carentes de solução.

Por fim, como entende Castanheira Neves, a questão de saber “(…) como se conjugam todos esses elementos numa mesma interpretação ou qual a relação que entre eles aí deve ser pensada [...] é um ponto para que a teoria tradicional não logrou uma solução. [...] Nesta perspetiva [prático-normativa e problemático-concreta] o relevo dos elementos da interpretação só pode ser aquele que o problema concreto justifique, ou melhor, normativo-argumentativamente solicite. Que o mesmo é dizer que terá maior relevo ou polarizará a interpretação aquele elemento que, perante os pontos problemáticos especificamente acentuados no caso concreto, tenha maior força argumentativa na utilização da norma como critério de solução desses pontos.»80.

No caso concreto, deverá partir-se do elemento literal enquadrado pelos demais elementos da interpretação, maxime os elementos sistemático e teleológico, a fim de se alcançar a correta solução para oposição de julgados a decidir.

Aqui chegados, convém esclarecer que a circunstância de se operar um exercício hermenêutico sobre normas que integram o instituto da prescrição de penas – que, como se procurou demonstrar reveste para todos os efeitos natureza marcadamente material ou substantiva – em nada desvirtua a aplicação dos (mesmos) princípios que presidem à interpretação das disposições incriminatórias tout court, ou seja, dos tipos de ilícito criminal. Parece-nos manifesto que, enquanto normas que concorrem para a definição do estatuto incriminatório material aplicável ao agente, as normas que regem a prescrição [da pena] são merecedoras do mesmo tratamento hermenêutico das disposições incriminatórias, não podendo ser concebidas como disposições meramente adjetivas ou secundárias.

No plano estritamente literal parece que o termo prisão, previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, há de ter o seu significado técnico ou rigoroso, justamente em homenagem a considerações emergentes do princípio da legalidade. Parece ser mais consentâneo com uma interpretação normativa conforme à Constituição refutar a possibilidade de o mesmo abranger quer a pena de prisão efetiva, quer a pena de suspensão da execução da pena, do que admitir a equivalência das duas espécies de penas sob a mesma designação. Desde logo, por uma razão ostensiva: a de que a alínea a) do n.º 1 do art. 122.º do Código Penal não pode ser (nunca) mobilizada na tese perfilhada pelo acórdão-recorrido. Na verdade, a sua previsão é insuscetível de servir de critério gradativo de previsão de prazo de prescrição da pena suspensa, uma vez que o limite máximo da pena de prisão principal passível de ser substituída é, precisamente, de cinco anos. A alínea a) reporta-se a penas superiores a 10 anos (de prisão), dela se excluindo a possibilidade de qualquer pena com tais medidas mesma ser suspensa.

Mas, a própria mobilização da alínea b) (do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal) não tem, na tese do acórdão-recorrido, aplicação integral, uma vez que serviria, apenas, para uma interpretação circunscrita às penas de cinco anos de prisão (principal, substituída), uma vez que a sua previsão contempla, ainda, penas superiores a cinco e até 10 anos de prisão.

Que a pena substitutiva (de suspensão da pena de prisão) não é uma pena de prisão resulta do que anteriormente já foi exposto e, por isso, será, também por esta via, mais adequado concluir pela sua exclusão das disposições das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.

Faleceria, desde logo, por essa razão, a alegada equiparação conceitual do termo legal «prisão» a «pena suspensa».

Como elemento argumentativo de maior relevo, afigura-se-nos que, no processo hermenêutico empreendido, assume mais coerência considerar a pena suspensa abrangida na expressão plasmada na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal «nos casos restantes». Há, na verdade, mais razões para considerar a pena suspensa abrangida no conceito literal de «casos restantes» – entenda-se casos das restantes penas ou penas diferentes da prisão – do que para a incluir no conceito legal de «prisão».

O legislador conhece e está inteirado do significado do termo conceitual «prisão» utilizado nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, no sentido de o apartar dos «casos restantes», no qual, sem especial esforço interpretativo, caberá a pena de suspensão de execução da prisão.

O que está em causa na presente decisão de fixação de jurisprudência, de forma irredutível, será responder à questão de saber se, não cabendo a pena suspensa na previsão das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 122.º do Código Penal, a mesma é abrangida – independentemente da medida concreta, do período de suspensão e do regime que a condiciona – sempre, e apenas, na alínea d) do referido preceito legal.

Este Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado, de forma predominante, nesse sentido, aliás, acolhido em pronúncias anteriores e, pelo menos numa posterior, à do acórdão de 28-02-2018.

Assim, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-08-2016, processo n.º 11/02.1PCPTS-A.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz81, onde se refere que «[a] pena de substituição é uma pena autónoma, foi esta a pena aplicada, pelo que é esta a pena que deve ser executada. Ora, sabendo que os prazos de prescrição estabelecidos no art. 122.º, n.º 1, do CP, nas alíneas a), b) e c) se referem a penas de prisão, o prazo de prescrição da pena que aqui deve ser executada, não sendo de privação da liberdade, será o previsto na alínea d) do mesmo dispositivo, isto é, 4 anos, pois é este o prazo de prescrição aplicável aos “restantes casos” que não os referidos nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art. 122.º, do CP.

Nos termos do art. 122.º, n.º 2, do CP, este prazo começa logo a contar-se a partir do trânsito em julgado (…) e como a execução da pena de substituição logo se inicia com aquele trânsito, a 05.05.2003 iniciou-se a execução da pena de substituição. Sabendo que a pena tinha uma duração de 3 anos, entre 05.05.2003 e 05.05.2006 aquela pena esteve em execução. Assim sendo, durante este período temporal a prescrição da pena interrompeu-se, por força do disposto no art. 126.º, n.º 1, al. a), do CP.

Findo este período, e por força do disposto no art. 126.º, n.º 2, do CP, começou novo prazo, de 4 anos (…)».

Do mesmo modo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-09-2017, processo n.º 150/05.7IDPRT-D.S1, relatado pela Conselheira Rosa Tching82 considerou-se que se impõe «realçar que, não obstante a circunstância de formalmente o legislador português nunca ter consagrado a suspensão da execução da pena como uma “pena autónoma”, é indubitável, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial, ter mesma suspensão emergido como uma espécie de pena de substituição» pelo que «[c]onsequentemente, e nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), e nº 2, do Código Penal, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo, contudo, das causas de suspensão e de interrupção da prescrição estabelecidas nos artigos 125º e 126º do mesmo Código Penal, nomeadamente com a sua execução, que pode configurar-se no simples decurso do tempo até ao termo do período da suspensão». Desta forma, «a pena de prisão suspensa na sua execução prescreve se o processo estiver pendente durante 4 anos, contados desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo tenha sido prorrogado e sem que a suspensão tenha sido revogada ou a pena declarada extinta (nos termos do preceituado no artigo 57º, nºs 1 e 2, do Código Penal)».

Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-11-2014, processo n.º 464/07.1PCLSB-A.S1, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa83, considerou que «[t]ratando-se de pena de prisão de execução suspensa, o prazo de prescrição é o da alínea d), do n.º 1, do art. 122.º do CP, dado que é uma pena autónoma (pena de substituição), que se não confunde com qualquer pena de prisão».

Da mesma forma, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-02-2014, no processo n.º 1069/01.6PCOER-B.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Braz84, decidiu-se que “[o] artº 122º do CP estabelece, no nº 1, os prazos de prescrição das penas. As alíneas a), b) e c) referem-se às penas de prisão de duração igual ou superior a 2 anos. Os restantes casos caem no âmbito de previsão da alínea d).

A pena de suspensão da execução da prisão não é uma pena de prisão, não se lhe aplicando por isso as disposições das alíneas a), b) e c). Inclui-se por essa razão «nos casos restantes», sendo-lhe aplicável a disposição da alínea d), que estabelece como prazo de prescrição 4 anos.”

Finalmente, e neste mesmo sentido, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-2018, processo n.º 665/08.5PILRS-B.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva85, que “[o] art. 122.º do CP fixa os prazos de prescrição das penas. As alíneas a) a c) do nº 1 estabelecem os prazos de prescrição de penas de prisão consoante a sua dimensão. A alínea d) estabelece o prazo de prescrição de 4 anos para os «casos restantes».

A pena de suspensão de execução da pena de prisão é uma pena de substituição, uma pena autónoma, e por isso, naturalmente, o seu prazo de prescrição terá que ser o dos ditos «casos restantes», ou seja, de 4 anos.”

A conceção da diferente natureza entre a pena principal – de prisão – e a substitutiva – de suspensão da execução dessa pena de prisão –, com a sua consequente autonomia e diversidade de regimes de execução, não é, por isso, compatível, e será mesmo contraditória, com o entendimento de que no âmbito do regime da prescrição, essa independência dicotómica deixaria de existir.

A distinção da natureza jurídica entre essas duas espécies de penas – não sendo, definitivamente, a pena suspensa uma modalidade de execução da prisão – é justificada, como se referiu, por tal pena de substituição revestir um significado político-criminal próprio, ligado a um propósito de prevenção especial positiva, cujo fundamento terá seguramente sido bem distinto do da pena principal de prisão; isso conduz, necessariamente, a uma destrinça entre a prescrição da pena substitutiva e a prescrição da pena principal de prisão no tocante à fundamentação da aplicação de cada uma delas. Um entendimento contrário torna-se incompatível com essa natureza, pois que tal posição teria implícita a convicção de que a suspensão da pena seria um mero modo de execução da pena de prisão, e não uma verdadeira pena, posição amplamente exautorada pela doutrina e pela jurisprudência.

Diferentemente serão, assim, os casos de prisão subsidiária, cujo prazo prescricional depende do prazo previsto para a pena de multa, ou as formas de execução ou cumprimento de penas, como sucede no regime de permanência na habitação previsto no artigo 43.º, do Código Penal, cujo prazo de prescrição será o da pena de prisão, atendendo à sua diferente natureza, uma vez que se trata, aí, de modos de execução e não de verdadeiras penas autónomas86.

Por outro lado, se é certo que o prazo de prescrição da pena de prisão varia consoante o seu quantum, tal não impõe a conclusão de que a previsão de um prazo, único, de 4 anos, independentemente da medida concreta da pena suspensa, contraria o princípio da culpa e a intenção do legislador, como é sugerido na jurisprudência que enfileira na corrente inaugurada pelo Acórdão do STJ de 28-02-2018. Em boa verdade, as considerações atinentes à culpa e suas consequências, terão já ficado prejudicadas ou obnubiladas com a decisão condenatória. Surpreende-se de resto, neste acórdão, salvo o devido respeito, alguma imprecisão argumentativa a propósito da definição do regime de prescrição da pena suspensa (dependente da medida da pena principal), após a sua revogação, quando nele se refere:

«Com a revogação ressurge, reaviva, a pena de prisão substituída, que é a pena originária. E é a esta (pena de prisão/pena originária) que deve atender-se, como vimos atrás, para efeitos de prescrição. Sendo de atender à pena principal, o regime é o da pena principal e não o da pena de substituição, que foi revogada.

(…)

A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das alíneas do art. 122.º, n.º 1 do CP[6].

E a revogação implica o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (art. 56.º, n.º 2 CP) sem qualquer desconto[7].

Durante o prazo da pena de suspensão (pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso. Só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).

O ponto fulcral a atender é o do momento do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.»

Sem bem vemos as coisas, a questão em debate é anterior à do momento da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, respeita à verificação da prescrição da pena suspensa enquanto tal, e no pressuposto de a mesma não ter (ainda) sido revogada. Nesse momento, não se pode colocar o problema do prazo de prescrição da pena principal substituída, que apenas surgirá com o trânsito em julgado da decisão de revogação da pena suspensa,… no pressuposto de esta não estar prescrita.

O prazo de prescrição da pena suspensa deve, por isso, ser determinado autonomamente do período de duração da pena de prisão originariamente fixada. Do mesmo modo, o concreto período temporal da pena suspensa é, também, irrelevante, para efeitos de apuramento do prazo prescricional, na medida em que a alínea d) (do n.º 1 do art. 122.º, do Código Penal) não efetua, igualmente, qualquer distinção acerca da duração ou medida das demais espécies de penas aí incluídas.

Por outro lado, se é certo que a pena de prisão qua tale é agrupada consoante a sua concreta gravidade nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 122.º do Código Penal, não deve ignorar-se que a medida abstratamente aplicável à pena de prisão – entre 1 mês e 25 anos – é consideravelmente superior à moldura referente à pena suspensa – entre 1 mês e 5 anos. Se não faria qualquer sentido que uma pena de 2 meses de prisão tivesse o mesmo prazo prescricional que uma de 25 anos, parece-nos que não se mostra decisivamente impressivo ou chocante ao estabelecer-se a mesma comparação quando nos deparamos com a moldura aplicável à pena suspensa.

Paralelamente, o prazo prescricional reflete a gravidade da concreta pena aplicada ao condenado, não sendo defensável fazer equiparar uma pena suspensa a uma pena de prisão efetiva estritamente para efeitos de “prolongar” esse mesmo prazo.

Uma pena suspensa não é igual a uma pena de prisão, sendo que esta se apresenta como ultima ratio, aplicável apenas nas situações de criminalidade mais grave danosa e naquelas em que as exigências de prevenção especial e geral são mais instantes e prementes, não se admitindo a substituição das mesmas por reações alternativas, designadamente não privativas de liberdade. Contrariamente, na pena suspensa formulou-se um juízo de prognose favorável, que, partindo da análise da concreta factualidade e da personalidade do imputado, bem como das necessidades da pena de reclusão, acaba por conduzir à conclusão de que o condenado deverá permanecer em liberdade.

Como tal, o entendimento do acórdão-recorrido, ao estabelecer essa relação umbilical – no sentido de que a pena de prisão equivale à pena suspensa, estando tais penas de tal forma interligadas que, apesar da autonomia desta, os prazos prescricionais deverão, por isso, ser os mesmos –, reconduz-nos a uma solução que afronta não só a natureza de pena substitutiva como os seus pressupostos dogmáticos e as suas finalidades político-criminais.

Do mesmo modo que uma pena de multa pelo mínimo legal tem o mesmo prazo prescricional que uma pena de multa que corresponda ao seu máximo, pois que o que releva é a natureza, menos gravosa, de tal pena, também uma pena suspensa, seja de um ou de cinco anos de prisão terá de integrar, residualmente, a alínea d) do artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal, não contendendo, tal entendimento, com o princípio da culpa, nem gerando um desequilíbrio ou manifesta injustiça no sistema jurídico-penal que possa de algum modo justificar uma diferente interpretação do texto legal.

Na verdade, a alegada vulneração do princípio da culpa que a tese do acórdão-recorrido procura invocar em seu abono, salvo o devido respeito, não se justifica já num momento em que, do que se trata é de apurar se a pena suspensa, já aplicada com decisão transitada em julgado e decorrido o seu prazo, está ou não prescrita. As considerações atinentes à culpa já não encontram, nesse momento processual, o protagonismo que se pretende emprestar-lhe.

Reconhece-se, por outro lado, a existência de um argumento lançado na discussão da presente questão que pode, de uma forma que se designaria de “empírica”, ser algo impressivo; trata-se da circunstância de se poder aceitar um prazo de prescrição – de 4 (quatro) anos, da pena suspensa –, que pode ser inferior ao prazo máximo da duração da pena de suspensão da execução da prisão, ou seja, de 5 (cinco) anos.

Todavia, a este propósito, importa, uma vez mais, convocar a natureza autónoma da pena suspensa e do seu regime de execução, bem como da sua fisiologia e teleologia, o que justifica uma disparidade de soluções quanto à duração do seu prazo de prescrição. Acresce, ainda, a possibilidade de sobre tal prazo intercederem causas de suspensão e de interrupção da prescrição da pena, nos termos dos artigos 125.º e 126.º do Código Penal, o que, de algum modo, mitigaria a crítica de se tratar de um prazo de prescrição desproporcionalmente exíguo. Na verdade, o prazo de prescrição da pena suspensa poderá, face à intercessão das causas de suspensão e de interrupção, alargar-se para 6 anos, ressalvado o tempo de suspensão – art. 126.º, n.º 3, do Código Penal.

Finalmente, o entendimento que subjaz ao acórdão-recorrido poderia, no limite, materializar-se em “duplicar” o prazo de prescrição da pena, o que conduziria a situações manifestamente desequilibradas e indesejáveis. Havendo, por hipótese, uma pena de prisão de 5 anos, suspensa durante esse período, seria aplicável, de acordo com a tese do acórdão-recorrido, um prazo de prescricional de 15 anos relativamente à mesma (prisão suspensa), podendo, portanto, perdurar durante esse prazo a possibilidade da sua revogação; após essa eventual revogação, com a aplicação da pena principal (de prisão efetiva), voltaria a mesma a ficar sujeita a idêntico prazo de prescrição, de 15 anos, o qual, eventualmente acrescido dos períodos de suspensão e interrupção, implicaria um prazo prescricional global, referente a essa pena suspensa (de 5 anos), de mais de 35 anos, um prazo muito superior ao que está previsto para uma pena de 25 anos de prisão (que é de vinte anos, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal).

Definitivamente, pensamos que o legislador não pode ter pretendido uma tal solução, para mais tratando-se de um domínio – o das penas de substituição – em que pontificam eminentes interesses de ressocialização do agente. Também a uma – potencial, mas possível – situação desse tipo se oporia o princípio fundamental da proibição da aplicação de penas de duração indefinida (art. 30.º, n.º 1, da Constituição)

Ora, «[a] intervenção do Estado, realizada através do direito penal (e processual penal), tem de prosseguir um fim, sob pena de ser uma actuação gratuita e não suficientemente legitimada. Num sistema penal como o nosso, cuja fundamentação da intervenção penal é a de proteger bens jurídicos, visando as penas fins exclusivamente preventivos, a prescrição deve reportar, em coerência, a sua existência a esses pilares da fundamentação do direito penal. O decurso do tempo caracterizador da prescrição faz com que a intervenção do direito penal, para além de inútil e ineficaz, careça de fundamento, pelo desaparecimento dos fundamentos e finalidades da punição. Já não existe bem jurídico digno de pena violado carente de punição, nem homem delinquente para promover a ressocialização. Nenhuma pena justa, com funções de prevenção, é capaz de, nessa fase, prevenir ataques futuros a esse bem jurídico. As penas visam finalidades muito precisas. Ora, a partir do momento em que se conclui que essas finalidades, por força do decurso do tempo, já não são atingíveis, então deixa de existir fundamento para a sua aplicação. Extinguiram-se quer os fundamentos e finalidades da punição, quer o pressuposto fundado na culpa, quer a possibilidade de ressocialização e advertência individual, quer o restabelecimento da paz jurídica comunitária ou a reafirmação da norma violada»87.

Um outro argumento, este de natureza sistemática, pode ser legitimamente invocado, o qual se prende com a previsão de um distinto prazo de prescrição respeitante às medidas de segurança privativas – de 15 anos – e não privativas de liberdade – de 10 anos –, de acordo com o artigo 124.º, n.º 1, do Código Penal.

Afigura-se, assim, que, para além das razões de índole literal, histórica, teleológica e sistemática, e apesar da bondade de alguma da fundamentação do acórdão-recorrido, bem como do brilhantismo das alegações do Ministério Público neste STJ, pode firmar-se um entendimento no sentido de que a fundamentação e decisão do acórdão-recorrido não têm apoio na própria letra da lei, colidindo de forma flagrante com o princípio da proibição da analogia em matéria de determinação da pena que corresponde ao crime (art. 1.º, n.º 3, do Código Penal), pelo que dela nos distanciamos.

II.6. A conclusão

De forma conclusiva, tratando-se de uma pena autónoma e não dispondo expressamente a Lei que a pena suspensa tem o seu prazo de prescrição determinado pelo seu quantum, a mesma integrará a situação prevista no referido artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, por caber na expressão abrangente e residual «casos restantes», contraposta à realidade normativa recortada no termo «prisão» utilizado nas anteriores alíneas do preceito88.

Nesta medida, a pena de suspensão da execução da pena de prisão necessariamente prescreverá no prazo 4 anos, na eventualidade de o processo ficar pendente durante o mesmo, após o termo do período de suspensão inicialmente fixado, sem que esse prazo seja prorrogado, e sem que a suspensão tenha sido revogada ou extinta, nos termos previstos no artigo 57.º do Código Penal, sem embargo da intercessão de causas de suspensão ou de interrupção de tal prazo prescricional.

III. Dispositivo

Em face do exposto, o Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, fixa a seguinte jurisprudência:

I. «Decorrido o período de suspensão da execução de pena de prisão, sem que tenha sido prorrogada ou revogada, a pena suspensa prescreve decorridos 4 (quatro) anos contados do termo daquele período, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º, do Código Penal, salvo se ocorrerem causas suspensivas ou interruptivas desse prazo prescricional.»

II. Em consequência, ordena-se que o processo seja oportunamente enviado ao Tribunal da Relação de Évora, a fim de se reponderar a decisão recorrida tendo em conta a jurisprudência ora fixada – art. 445.º, do Código de Processo Penal.

Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Sem tributação.

*

*

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 28-05-2025

(Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros e Juízas Conselheiras da secções criminais - art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP)

Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo (relator)

Celso José das Neves Manata

Antero Luís

Horácio Correia Pinto

António Augusto Manso

José Alberto Vaz Carreto

Carlos Alberto Gameiro de Campos Lobo

Jorge Manuel Ortins de Simões Raposo

Maria Margarida Costa Pereira Ramos de Almeida

Jorge Manuel de Miranda Natividade Jacob

José Joaquim Aniceto Piedade

Ernesto de Jesus Deus Nascimento

Ana de Lurdes Garrancho da Costa Paramés

Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira

José Luís Lopes da Mota

Nuno António Gonçalves

Jorge Manuel Baptista Gonçalves

Heitor Bernardo Cardoso Vasques Osório

_____________________________________________

1. No que respeita aos pressupostos necessários para se julgar verificada a oposição de julgados, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de janeiro de 2022, processo n.º 225/18.2PASXL-A.S1, relatado pelo Conselheiro Orlando Gonçalves, e de 28 de abril de 2022, processo n.º 123/16.4SWLSB-F.L1-A.S1, relatado pelo Conselheiro Eduardo Loureiro, disponíveis para consulta, respetivamente, em

  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c3231f6420205ed9802587e3003a5f4c?OpenDocument

  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4991d44200ecb231802588330030522b?OpenDocument

2. Neste sentido, Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2024, p. 26.

3. Não se incluindo as categorias previstas em diplomas penais avulsos.

4. Neste sentido, André Lamas Leite, “A Suspensão da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 585.

5. Maria João Antunes, ob. cit., p. 38.

6. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 124.º - 1991-1992, n.º 3804, p. 66.

7. Neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, II, Lisboa, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 344.

8. Maria João Antunes, ob. cit., p. 39.

9. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 337 e 338.

10. Jorge de Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão”, cit., p. 67.

11. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, cit., p. 355.

12. Anabela Miranda Rodrigues, “A Suspensão da Execução da Pena de Prisão no Regime Geral das Infrações Tributárias – O Dever de Imposição Obrigatória de Pagamento do Imposto Devido e Acréscimos Legais”, Católica Law Review, VOLUME VIII/n.º 3/nov 2024, p. 16 (disponível em: https://doi.org/10.34632/catolicalawreview.2024.17600).

13. É o entendimento acolhido, entre outros, nos acórdãos do STJ de 17-10-2012, Proc. n.º 1236/09.4PBVFX.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges e de 11-10-2017; Proc. n.º 2678/16.4T8CSC.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Matos e de 07-12-2022; Proc. n.º 3130/22.4T8BRG.S1, relatado pela Conselheira Maria do Carmo S. Dias.

14. Fixa jurisprudência no sentido de que: «I - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’). III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).»

15. Fixa jurisprudência no sentido de que: «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»

16. Fixa jurisprudência no sentido de que: «A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro.»

17. Fixa jurisprudência no sentido de que: «Nos termos dos n.ºs 1 e 2, do art. 449.º, do Código de Processo Penal, não é admissível recurso extraordinário de revisão do despacho que revoga a suspensão de execução da pena.»

18. Fixa jurisprudência no sentido de que: «O despacho previsto no art. 495.º, n.º 2, do CPP, com fundamento no disposto no art. 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, deve ser precedido, salvo em caso de ausência por facto que lhe seja imputável, de audição presencial do condenado, nos termos dos arts. 495.º, n.º 2, e 61.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, constituindo a preterição injustificada de tal audição nulidade insanável cominada no art. 119.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.»

19. Assim, também na doutrina, por todos, Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, cit., p. 329.

20. “As «penas de substituição» e figuras afins: traços distintivos”, RPCC, Ano 30, N.º 2 – maio-agosto 2020, p. 320.

21. Neste sentido, André Lamas Leite, referindo-se a uma relação umbilical entre as referidas penas, “As «penas de substituição» e figuras afins: traços distintivos”, RPCC, Ano 30.º, N.º 2 – maio-agosto 2020, pp. 319 e 320.

22. «Revogação da Pena Substitutiva e Recurso de Revisão - Anatomia de um Acórdão», ROA, Ano 83.º - Vol. I-II - jan.-jun. 2023, p. 405. Também neste sentido, em As penas de substituição em perspectiva político-criminal e dogmática. Contributo para uma análise sistemática, Porto: FDUP, 2015 e “As «penas de substituição» e figuras afins: traços distintivos”, RPCC, Ano 30.º, N.º 2, cit., 319-362, e “Contributo para a noção de penas substitutivas”, Livro em memória do Professor Doutor João Curado Neves - Maria Fernanda Palma (org.), Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 41-63.

23. Era o seguinte o teor da disposição: «As penas principais são: 1.º a prisão; 2.º a multa; 3.º a sentença condicional; 4.º o regime de prova».

24. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J., 17.ª sessão, de 22 de fevereiro de 1964, e bem assim na 22.ª sessão, de 10 de março.

25. Cfr., https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=101&tabela=lei_velhas&nversao=1.

26. Processo n.º 76/99, com o sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-criminal-1999.pdf.

27. Processo n.º 04P4742, disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f861e83248286197802571f100317ef9?OpenDocument.

28. Relatado pelo Conselheiro Souto de Moura, disponível em:

  https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/7-2015-67289915.

29. Neste sentido, por todos, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, II, cit., p. 339.

30. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 339.

31. “O Direito Penal e o Tempo - Algumas reflexões dentro do nosso tempo e em redor da prescrição”, Linhas de Direito Penal e de Filosofia – Alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp. 166-167.

32. Assim, José de Faria Costa, “O Direito Penal e o Tempo (Algumas reflexões dentro do nosso tempo e em redor da prescrição)”, Volume comemorativo do 75.º tomo do Boletim da Faculdade de Direito (BFDUC), Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2003, pp. 1139-1165, ed. ut Linhas de Direito Penal e de Filosofia – Alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp. 163-190, Pedro Gama da Silva, A Prescrição no Direito Penal Português, Coimbra: Almedina, 2.ª Ed., 2023, pp. 36-37.

33. Neste sentido, José de Faria Costa, “O Direito Penal e o Tempo - Algumas reflexões dentro do nosso tempo e em redor da prescrição”, Linhas de Direito Penal e de Filosofia – Alguns cruzamentos reflexivos, cit., p. 179.

34. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 699.

35. Acórdão do STJ, de 04-02-2010, Processo n.º 29/10.0YFLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5c0684eb3868f0cb802576d30035928f?OpenDocument.

36. Cfr., a este propósito, Pedro Gama da Silva, A Prescrição no Direito Penal Português, cit., pp. 68-80.

37. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, 3.ª ed., anotação ao artigo 122.º, p. 487.

38. Pedro Gama da Silva, A Prescrição no Direito Penal Português, cit., p. 57.

39. Neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 110/2007, processo n.º 788/06, de 15 de fevereiro de 2007, relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto.

40. Pedro Gama da Silva, “Da prescrição da pena de suspensão de execução da prisão”, Revista do Ministério Público, Ano 43.º, n.º 171, Julho-Setembro de 2022, p. 124.

41. Neste sentido, Pedro Gama da Silva, loc. cit., p. 134.

42. De salientar, aqui, a inaplicabilidade da alínea a) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal e da parte da alínea b), na parte em que prevê penas superiores a cinco anos de prisão, medidas penais concretas insuscetíveis de permitir uma suspensão da sua execução.

43. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/93db296f46c03955802583ad00325653?OpenDocument.

44. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/715f689dd47493d48025860700392bef?OpenDocument.

45. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/7bb6b186c18b8f82802586e400356882?OpenDocument.

46. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/88e85344632b22328025874b0048b74e?OpenDocument.

47. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cf82cc08dfd8cd4a802588fd00597c50?OpenDocument.

48. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/c0391e497f7cc19680258a5f00318c0d?OpenDocument.

49. Acórdão proferido numa providência de habeas corpus. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/92e9c8cfba1502308025824300573a36?OpenDocument.

50. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-02-2019, processo n.º 387/07.4PEAMD.L1-9, disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/93db296f46c03955802583ad00325653?OpenDocument.

51. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/bc596db54b6a3b8180257de100574b4d?OpenDocument.

52. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a7d4d8d08383599e8025747a004de831?OpenDocument

53. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/6d54606360981c7380256879006d6592?CreateDocument.

54. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/c4469c3b2feb13c480257e0300553037?OpenDocument.

55. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/25f23607c1125cc6802580f8004cf78b?OpenDocument.

56. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/97b56189f9b3dc2c802581a700335f37?OpenDocument.

57. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/1f9d0bbae7ec96ef80258291003d6637?OpenDocument.

58. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b5211b2dd7d4c0e780258361004cf06f?OpenDocument.

59. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ebd938cf83611bf28025857b00329d70?OpenDocument.

60. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/33208990b7d4c6de802586f800706df7?OpenDocument.

61. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/52ec541652fef4c5802587d800585e22?OpenDocument.

62. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/62003f84cd18548a80258808005a27d7?OpenDocument.

63. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1e4b08e3cbbbb67080258836004e7f98?OpenDocument.

64. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/35d5618457b1550d802589190041a837?OpenDocument.

65. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/99d607cc2767fded80258b1e0050f661?OpenDocument.

66. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/8001c0b9f474440580258ba5004d536d?OpenDocument.

67. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ce79b1816fee3f4e80258beb00572a48?OpenDocument.

68. Sem embargo das exceções de imprescritibilidade, atrás mencionadas no texto principal.

69. Nos termos do referido acórdão proferido Tribunal da Relação de Coimbra, em 04-06-2008, processo n.º 63/96.1TBVLF.C1, relatado pelo então juiz Desembargador Jorge Gonçalves, refere-se que «o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido.

Entendemos, pois, que da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal.».

70. Pedro Gama da Silva, loc. cit., p. 129

71. Pedro Gama da Silva, loc. cit., pp. 126 a 128.

72. Assim, José de Faria Costa, “O Direito Penal e o Tempo - Algumas reflexões dentro do nosso tempo e em redor da prescrição”, Linhas de Direito Penal e de Filosofia – Alguns cruzamentos reflexivos, cit., pp. 178-179.

73. Cfr., por todos, Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 327.

74. Manuel da Costa Andrade, “O Princípio Constitucional «nullum crimen sine lege» e a analogia no campo das causas de justificação”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 134.º, N.ºs 3924 e 3925, 2001, p. 72.

75. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Coimbra, Arménio Amado - Editor Sucessor, 1987, p. 27.

76. Metodologia da Ciência do Direito, 5.ª ed. (trad. portuguesa de José Lamego), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p. 471.

77. Ob. cit., pp. 457-462.

78. Ob. cit., p. 27.

79. Ob. cit., p. 29.

80. “Interpretação Jurídica”, Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. 3, Lisboa, Verbo Ed., 1985, p. 691.

81. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/edd517905095cf8d80258021004a69ea?OpenDocument.

82. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7e445d250517923a802581750036cbcc?OpenDocument.

83. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/97ccb394443ac8ae80257d93006438b1?OpenDocument.

84. Disponível em:

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/856465712f78253380257c8b003597dc?OpenDocument.

85. Com o sumário disponível em: https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-criminal-2018.pdf.

86. Neste sentido, Pedro Gama da Silva, loc. cit., p. 123.

87. Pedro Gama da Silva, loc. cit., p. 137.

88. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, referindo expressamente que «O prazo de prescrição da pena do artigo 122.º, n.º 1, al.ª d), do CP é aplicável às penas de substituição, incluindo a de suspensão da execução da pena de prisão», Ob. cit., p. 530.