EXCEÇÃO PERENTÓRIA
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
REVOGAÇÃO
COMPENSAÇÃO
PRESUNÇÃO
Sumário


I - A modalidade de cessação do contrato de trabalho que está em causa nestes autos não é um despedimento por extinção de posto de trabalho [cf. artigos 367.º a 372.º e, ainda por força da remissão constante desta última disposição legal, artigos 364.º a 366.º e 363.º, números 4 e 5, primeira parte, todos do CT/2009] mas antes uma revogação do contrato de trabalho prevista nos artigos 349.º e 350.º do mesmo texto legal, que juridicamente se traduz, como no caso dos autos, num acordo escrito celebrado entre as partes de um dado vínculo laboral com vista a, consensualmente, colocarem um ponto final na existência dessa relação laboral, contra o recebimento ou não por parte do trabalhador de uma indemnização [designada jurididamente por compensação pecuniária global], tudo sem prejuízo de declarações complementares de cariz jurídico-laboral e entendimentos relativos a outras matérias, na razão, não apenas dos direitos e deveres e emergentes da lei, como de outros interesses do assalariado e da entidade patronal que ali possam estar legitimamente em jogo.
II - O artigo 340.º do Código do Trabalho de 2009 é claríssimo na enunciação e distinção entre as diversas modalidades legais de cessação do contrato de trabalho, aí se achando enumeradas, respetivamente, nas alíneas b) e e), a revogação e o despedimento por extinção de posto de trabalho, num quadro legal que, segundo o número 1 do artigo 339.º do mesmo texto legal, possui praticamente em toda a sua extensão normativa uma natureza imperativa [ressalvam-se os aspetos mencionados nos números 2 e 3 daquele mesmo dispositivo e que nada têm a ver com o concretos contornos do litígio dos autos].
III – A circunstância do dito documento escrito, por via do qual Autora e Ré fizeram cessar a sua relação laboral, fazer assentar as razões para a sua celebração num cenário objetivo de extinção do posto de trabalho da recorrida, por dificuldades económicas da empregadora, não releva para a apreciação e julgamento do objeto desta Revista, pois não somente as partes não podiam modificar por sua autorecriação os elementos típicos essenciais de cada uma dessas modalidades [quer por interpretação extensiva, quer por analogia], face à aludida natureza imperativa absoluta do regime jurídico de cessação do contrato de trabalho – que, por tal motivo, não pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho -, como o acordo de revogação, para ser juridicamente válido e eficaz, não impõe nem depende de qualquer justificação para a sua realização.
IV - Logo, não é possível transpor para o âmbito do acordo de revogação dos autos as regras constantes do artigo 366.º do Código do Trabalho de 2009, que se referem unicamente às compensações dos despedimentos objetivos [coletivo, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação] e ainda, às compensações dos contratos de trabalho a termo e temporário.
V - Sendo assim, pelos fundamentos expostos, tem de ser julgado improcedente o recurso de Revista da Ré, com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

Texto Integral


RECURSO DE REVISTA N.º 2450/22.2T8MAI.P2.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: COPO TÊXTIL PORTUGAL, S.A.

Recorrida: AA

(Processo n.º 2450/22.2T8MAI – Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho da... - Juiz ...)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. AA, com os sinais constantes dos autos, intentou, no dia no dia 06/05/2022, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra COPO TÊXTIL PORTUGAL, S.A, igualmente identificada nos autos, pedindo, em síntese, o seguinte:

“Termos em que, nos melhores de Direito que V.Exª. doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência;

I - Ser declarado ANULADO o “ACORDO DE REVOGAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO” assinado pela Autora em 10 de Maio de 2021, em consequência do erro-vicio da Autora acerca das circunstâncias que motivaram tal acordo, nos termos do artigo 251.º; 247.º e 289.º do Código Civil, com as legais consequências;

II - Ser a Ré condenada reintegrar a Autora no posto de trabalho e na função que esta detinha à data do despedimento e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde 10 de Maio de 2021 e vincendas até à efetiva reintegração da Autora.

III - Ser ainda a Ré condenada a pagar à Autora o subsídio de férias e subsídios de Natal, uma vez que a Autora não esteve a trabalhar porque a Ré não o permitiu;

IV - Ser a Ré condenada finalmente a pagar à Segurança Social todas as contribuições em falta, desde 10 de Maio de 2021 até à data da reintegração da Autora na empresa, como é de lei;

V - Ser a Ré condenada a reconhecer que a importância de € 53.068,36 pertence à Autora a título de compensação de créditos/débitos de todas as importâncias vencidas por força da anulação do acordo de revogação do contrato de trabalho”.


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2. Alegou, muito em síntese, o seguinte:

- Foi admitida ao serviço da Ré em 1/1/2017 mediante contrato de trabalho sem termo para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de compradora, mediante a remuneração mensal de € 4.220,67, com antiguidade reportada a 13.9.2010, em virtude de ter estado sido transferida para a empresa do Grupo “COPA ESPANHA”.

- Vinha sendo sujeita a mobbing laboral no local de trabalho e alguns dias antes de 10/5/2021 solicitou à Ré uma troca de departamento que não foi aceite.

- No dia 10/5/2021, foi surpreendida com a comunicação da Ré que pretendia fazer cessar de imediato o seu contrato, invocando a necessidade de extinguir o seu posto de trabalho;

- Nesse dia 10/5/2021, sob forte pressão psicológica e emocional celebrou com a Ré o acordo de revogação do contrato de trabalho que junta como Doc. n.º 2, no qual a Ré indicou que por motivos de mercado e estruturais tinha necessidade de redução de efetivos e que por decisão de gestão deixava de existir na COPO TÊXTIL – PORTUGAL, S.A. o departamento onde tinha o seu posto de trabalho de compradora/ responsável de compras, passando as compras a ser centralizadas/externalizadas na sociedade de direito espanhol GRUPO EMPRESARIAL COPO, S.A., com sede em ..., que domina a Ré;

- Foi estabelecida uma compensação pecuniária de natureza global de € 59.751, 32 pela extinção do contrato com efeitos imediatos que incluiu todos os créditos vencidos e exigíveis mercê da cessação do contrato, declarando que com o recebimento da mesma nada mais tinha a receber da Ré;

- Mais ficou consignado que renunciava a exercer judicial ou extra-judicialmente qualquer direito relacionado com a relação laboral que cessava.

- Tomou agora ( à data da propositura da acção) conhecimento que os motivos que a Ré lhe apresentou para a convencer a aceitar o aludido acordo não correspondem à verdade, designadamente que o seu posto de trabalho não foi extinto, pois, precisamente as mesmas funções estão a ser desempenhadas por trabalhadora admitida para o efeito, na sequência de um processo de seleção e recrutamento para o qual a Ré contratou a empresa “H...”;

- Os demais fundamentos alegados pela Ré para a revogação do contrato de trabalho também não são verdadeiros, pois, apesar da Ré ter recorrido ao regime de Lay-Off entre Maio de 2020 a Julho de 2020, os seus trabalhadores, inclusive a Autora, estiveram a exercer a sua atividade profissional, e como a Ré fez constar no “Certificado de Trabalho” a sua função de Compradora no Departamento de Compras que exercia no estabelecimento de ... destinava-se a todo o Grupo COPO em que a Ré se insere e não apenas a esta;

- Para formar a sua vontade e aceitar subscrever o aludido acordo de revogação de contrato de trabalho foi determinante a comunicação que lhe foi feita pela Ré que o seu posto de trabalho seria de imediato extinto;

- Na sequência da cessação do contrato de trabalho ficou na situação de desemprego involuntário e inscreveu-se no Centro de Emprego, situação em que ainda se mantém;

- Tem sido contactada para provas de seleção quer por candidaturas que apresenta, quer por indicação do IEFP e numa dessas provas em que foi analisado o curriculum profissional e as razões que levaram à cessação do seu contrato de trabalho, foi informada que a Ré tinha admitido uma outra trabalhadora para as funções desempenhava;

- Assim, deve ser decretada a anulação do acordo de cessação do contrato com base em erro acerca das condições que o motivaram, entre as quais, releva principalmente a extinção do seu posto de trabalho, conhecendo a Ré a essencialidade do elemento do negócio jurídico sobre qual tal erro incidiu e consistiu, de facto, na alegada extinção do posto de trabalho que viria a ocorrer de qualquer forma, quer a Autora aceitasse, o acordo, quer não;

- E invocando que sempre foi uma trabalhadora cumpridora de todos os seus deveres laborais, concluiu sustentando que o acordo que celebrou deve ser anulado, devendo a Ré pagar-lhe todas as retribuições e subsídios que deixou de auferir desde 10.5. 2021, pois o facto de não lhe prestar trabalho deveu-se a culpa sua, sendo a quantia que recebeu a título de compensação € 53.068, 36 líquidos imputada nessas retribuições.


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3. Frustrada a conciliação em sede de Audiência de Partes, contestou a Ré, que foi regularmente citada, por impugnação, nos seguintes moldes aqui sintetizados:

- As partes puseram termo ao contrato de trabalho mediante acordo de revogação, sendo que a Autora ao longo de todo o processo negocial esteve assessorada por advogada que intermediou a negociação junto da Ré.

- Por indicação da Autora as negociações desenvolveram-se entre o mandatário da Ré e a mandatária da Autora, tendo culminado com a celebração do acordo de revogação do contrato de trabalho junto aos autos, com enquadramento no n.º 4 do art.º 10.º do D.L. 220/2006 de 3.11.

- A Autora recebeu a compensação acordada e no acordo os motivos foram plasmados em termos suficientes para que a Autora acedesse ao subsídio de desemprego, como acedeu;

- A Ré tinha quota disponível nos termos do n.º 4 do art.º 109.º do D.L. n.º 220/2006 de 3.11 e entregou à Autora a declaração a atestar que não ultrapassou os limites fixados na alínea a) do n.º 4 do art.º 10.º do referido Decreto-Lei, tendo-se os motivos indicados no acordo efectivamente verificado.

- Mas, ainda que não se verificassem, tal não afectaria a validade do acordo de revogação, nem a cessação do contrato;

- O efeito que o art.º 63.º do dito D.L. associa a tal eventual “não preenchimento de condições”, não é a invalidade do acordo revogatório, mas antes o facto do empregador ficar responsável pelas prestações de desemprego atribuídas ao trabalhador;

- A Autora renunciou a exercer judicial ou extrajudicialmente qualquer direito relacionado com a relação laboral que cessou, comprometendo-se a não recorrer a juízo por motivos relacionados com a presente revogação ou por quaisquer outros no âmbito das relações de trabalho neste momento extintas;

- Tal cláusula consubstancia uma renúncia abdicativa celebrada entre as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual plasmado no art.º 405.º do Código Civil, e integra todos os requisitos para se considerar válida, seja quanto à determinabilidade do objecto (cessação da relação juslaboral), seja quanto à natureza dispositiva da situação jurídica abdicada, seja pelo conhecimento da declarante (aliás qualificado por via da assessoria jurídica da sua mandatária), seja pela forma adoptada para a mesma.

- Não estamos perante renúncia genérica ou indeterminável, mas antes absolutamente localizada e concretizada, conexionada especificamente com a relação laboral que cessa e os “motivos relacionados com a revogação” e a Autora foi assessorada por advogada experiente, sendo que, as próprias condições financeiras do acordo não inculcam a ideia de alguém pressionado ou coagido, bem pelo contrário, revelam que negociou bem e ponderadamente o acordo, pois a compensação estipulada (€ 45.000,00) foi muito superior à prevista no art.º 366.º do C.Trabalho para a extinção do posto de trabalho, que segundo o simulador disponibilizado pela ACT se cifrava em € 24.432,99.

- E sendo a renúncia abdicativa válida, nos termos da lei, tal obsta à procedência da presente acção, devendo a Ré ser absolvida do pedido no saneador.

- Do exposto resulta que a Autora não tem o direito que procura exercer; porém, acaso assim não se entendesse (no que não concede) sempre seria de concluir que incorre em abuso de direito, tendo em conta que negociou um acordo de revogação de contrato de trabalho, assessorada por advogada, tendo a negociação culminado com a assinatura de acordo de revogação de contrato de trabalho nos termos do qual auferiu, para além de todos os direitos, um valor de compensação por cessação do contrato de trabalho superior em 84% ao que resultaria da aplicação do art. 366.º do Código do Trabalho, acordo que lhe permitiu o acesso a subsídio de desemprego, de que passou a beneficiar e contendo tal acordo, para além de declaração de quitação, cláusula de renúncia ao exercício judicial de direitos relacionados com a relação laboral, incluindo no que respeita aos motivos relacionados com a revogação, e vem quase um ano depois da celebração de tal acordo, durante o qual esteve a auferir subsídio de desemprego, demandar em juízo a entidade empregadora, pedindo a anulação do mesmo, com fundamento nos motivos relacionados com a revogação, para ser reintegrada e ainda para manter, para si, integralmente, todos os valores auferidos no âmbito desse acordo de cessação e ainda para lhe serem pagas todas as “remunerações vencidas” desde a assinatura do acordo e vincendas até à sua reintegração.

- A faculdade da Autora fazer cessar o acordo de revogação ao abrigo do art.º 350.º está afastada, não só porque o acordo foi datado e celebrado com assinaturas reconhecidas (sendo que a da Autora foi reconhecida por sua advogada e não por advogado da empresa Ré), como decorreram muito mais de 7 dias (com referência à entrada da ação decorreram 361 dias) desde a celebração do acordo, não tendo a Autora entregue, ou posto à disposição da empregadora, a totalidade do montante das compensações pecuniárias em cumprimento do acordo ou por efeito da cessação do contrato de trabalho (antes auferiu e continua a auferir prestações de desemprego e pede para manter integralmente tais quantias, a par de outras que reclama).

- Os motivos de mercado e estruturais expressos no acordo de revogação do contrato celebrado com a Autora verificaram-se, pois, em maio de 2021, a Ré previa uma redução de 24,3% no valor de vendas e serviços por comparação com 2019 (sendo que, tal redução veio a ser efectivamente de 30,47%, ainda mais desfavorável do que se previa) e face àquela previsão a Ré decidiu tomar medidas em ordem à redução de custos, que passaram pela redução de custos laborais, tendo optado pela cessação de contratos a termo e revogações de contratos por mútuo acordo que atingiram 21 trabalhadores, a que acresceram 9 cessações por iniciativa dos próprios trabalhadores.

- As compras passaram a ser centralizadas na sociedade comercial de direito espanhol GRUPO EMPRESARIAL COPO, S.A, e as funções da Autora foram assumidas/repartidas entre os restantes membros das “compras”, não tendo a Autora sido substituída por ninguém, tendo a Ré deixado de ter entre os quadros a si vinculados qualquer pessoas afeta ao departamento de compras.

- A cláusula 1.ª do acordo respeitante aos motivos foi inserida por exigência da Autora, que para aceitar a cessação do contrato pôs como condição beneficiar posteriormente de subsídio de desemprego, sendo que o acordo de revogação para produzir o efeito de cessação do contrato não tem que ser motivado.

- A Autora não tem razão no que alega como fundamento para anulação do acordo, porquanto não foi substituída.

- As “Compras”, na Ré uncionavam com 5 pessoas antes da saída da Autora e hoje funcionam com 4 pessoas, tendo aí sido extinto um posto de trabalho e tendo as funções que eram exercidas pela Autora sido repartidas pelas demais pessoas.

- Em momento algum, o alegado erro que a Autora vem agora invocar como fundamento da anulabilidade invocada, foi transposto para o dito acordo como sendo essencial à formação da vontade da Autora.

- O erro invocado pela Autora reconduz-se a um erro sobre os motivos e está votado ao insucesso, porquanto tal anulação, nos termos do art. 252.º do C. Civil, exige que haja uma cláusula, expressa ou tácita, no sentido de a validade do negócio ficar dependente da existência da circunstância sobre que versou o erro (“se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo”).

- A Autora que mediante o acordo que subscreveu obteve da Ré valor de compensação financeira considerável e acedeu a prestações de desemprego, abdicando de exercer judicial ou extra-judicialmente qualquer direito relacionado com a relação laboral que cessou e de recorrer a juízo por motivos relacionados com a revogação, na presente acção vem alegar contra a convenção expressa que se obrigou a respeitar, litigando de má-fé.

Terminou pugnando pela procedência da matéria de exceção ser julgada e/ou pela improcedência da ação, com a consequente absolvição dos pedidos.

Mais requereu a condenação da Autora como litigante de má fé em multa a fixar pelo Tribunal segundo o seu prudente arbítrio e em indemnização a pagar à Ré, para a compensar com as despesas a que a má-fé obrigue – incluindo os honorários do mandatário da Ré e o tempo perdido pelos recursos internos da Ré na recolha e compilação de documentação e em deslocações ao Tribunal – em montante não inferior a € 15.000 ou, quando assim não se entenda, em montante a fixar com recurso à equidade.


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4. A Autora respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pela Ré, pugnando pela sua improcedência.

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5. Antevendo a possibilidade de conhecer de imediato do pedido, o Tribunal notificou as partes para se pronunciarem, tendo ambas manifestado a sua concordância, acrescentando que a decisão a proferir devia ser no sentido do acolhimento das respectivas pretensões.

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6. Foi proferido, com data de 10/1/2023, Despacho Saneador, onde foi fixado o valor da ação em € 53.068,36 e, depois de afirmada a validade e regularidade da instância, foi proferida decisão sobre o mérito da causa, com o seguinte dispositivo final:

“Na desinência do exposto, absolvo a Ré COPO TÊXTIL PORTUGAL S.A.. dos pedidos formulados pela Autora AA pela manifesta improcedência do pedido face à validade da renúncia abdicativa e ainda pela verificação da exceção peremptória inominada impeditiva do direito.

Custas a cargo da Autora – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Registe e notifique.

Remanesce na lide a questão da litigância de má fé da autora. Após trânsito em julgado da presente sentença abra conclusão.”


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7. A Autora interpôs recurso de Apelação da aludida Sentença, cujas alegações foram apresentadas a 20/9/2022.

Este recurso de Apelação foi interposto após o termo do respectivo prazo, tendo a Autora invocado justo impedimento.

Por despacho judicial de 11/04/2023, foi julgado improcedente o invocado incidente de justo impedimento.

A Autora interpôs segundo recurso de Apelação deste despacho.

Por Acórdão de 13/11/2023, o Tribunal da Relação do Porto [TRP] considerou fundada e tempestiva a arguição do justo impedimento e a apresentação do recurso da sentença pela Autora.


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8. Nessa sequência, veio a ser prolatado no tribunal da 1.ª instância despacho de admissão do primeiro recurso de Apelação que, tendo seguido a sua normal tramitação, veio a ser objeto, com data de 29/3/2023, de novo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual, em síntese e a final, decidiu o seguinte:

“Pelo o exposto, os Juízes da Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto, julgando parcialmente procedente o recurso, decidem:

1. Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou verificada a excepção perentória inominada impeditiva do direito de impugnação da cessação do contrato mercê da falta de devolução pela Autora da compensação recebida, declarando-se improcedente tal exceção.

2. Anular o saneador/sentença na parte restante, remetendo-se para a decisão final a apreciação da questão da validade da renúncia abdicativa da Autora vertida na cláusula 4.ª do acordo de revogação do contrato de trabalho e determinando-se que os autos prossigam com o convite à Autora para aperfeiçoamento da petição inicial por forma a suprir a deficiente concretização da matéria de facto no que concerne ao conhecimento pela R. e ao acordo das partes acerca da essencialidade do motivo sobre o qual incidiu o erro invocado , após o que devem seguir-se os ulteriores termos do processo

Custas pela parte vencida a afinal, na proporção que então for afirmada.

Notifique”.


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9. A Ré COPO TÊXTIL PORTUGAL, S.A. interpôs recurso ordinário de Revista, arguindo, além do mais, a nulidade desse Acórdão do TRP.

Por Acórdão de 3/02/2025, o Tribunal da Relação do Porto julgou não verificada a nulidade invocada.


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10. Foi, por despacho de 24/02/2025, admitido pelo TRP e oportunamente determinada a subida do presente recurso de revista a este Supremo Tribunal de Justiça, onde foi objeto de um despacho liminar que rejeitou tal recurso quanto à questão relativa ao aperfeiçoamento determinado em tal Aresto, por ser irrecorrível, mas já entendeu, quanto à excepção perentória inominada, que se mostravam reunidos os pressupostos formais de cariz geral que se mostram legalmente previstos para o Recurso ordinário de Revista [artigos 629.º, número 1 e 671.º, número 1 do NCPC].

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11. A recorrente COPO TÊXTIL PORTUGAL, S.A. apresentou alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

«I – Seja por via da aplicação analógica do disposto no n.º 4 artigo 366.º do Código do Trabalho (sendo que, salvo melhor opinião, o seu cariz imperativo não impede a sua aplicação a situações análogas) e/ou por via da aplicação do disposto no no n.º 3 do art.º 350.º do Código do Trabalho e/ou por via do princípio geral da boa-fé, constitui exceção impeditiva do direito a destruir os efeitos da extinção de uma relação de trabalho anteriormente operada a não restituição do montante das compensações pecuniárias pagas por mor da extinção da relação de trabalho e que, de outro modo, não teriam sido recebidas.

II – Sendo que abusa de direito (cfr. art.º 334.º do Código Civil), excedendo manifestamente os fins sociais e económicos do direito a pedir a destruição dos efeitos da extinção de uma relação de trabalho anteriormente operada, quem, como a Autora, não restitui o montante das compensações pecuniárias pagas por mor da extinção da relação de trabalho e que, de outro modo, não teriam sido recebidas.

III – Trata-se, ademais, de comportamento (omissivo) manifestamente incompatível com a (pretensa) vontade de destruir os efeitos de extinção de relação laboral por mor da qual se receberam quantias que, de outro modo, nunca seriam recebidas.

IV – Está demonstrado que a Autora, aqui Recorrida, não procedeu a tal restituição. Deve, assim, assim, proceder exceção impeditiva quanto à sua pretensão.

V – A Autora, agora Recorrida, nas conclusões do seu recurso – que balizam o seu objeto –, não censura a não utilização, pela primeira instância do seu poder/dever de ordenar o aperfeiçoamento da petição inicial, para suprir deficiente concretização da matéria de facto, no que concerne ao conhecimento pela Ré e ao acordo das partes acerca da essenciabilidade do motivo sobre o qual incidiu o erro invocado (pelo contrário, repisa no erro de que considera que – mais até que alegados – os factos foram inclusamente demonstrados!; Foi isso que a agora Recorrida trouxe concretamente ao objeto do seu recurso perante a Relação).

VI – Pelo que, com o devido respeito, afigura-se que o Tribunal de Recurso não podia substituir-se-lhe neste particular, padecendo o acórdão de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC, o que se invoca com as legais consequências.

Termos em que, na procedência do recurso, deve ser revogada a decisão de revogação e de anulação da sentença proferida em primeira instância.

Assim decidindo farão V. Exas., como é hábito, JUSTIÇA!»


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12. A Autora AA veio responder dentro do prazo legal ao recurso de revista da Ré, tendo no final das suas contra-alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1 - Não se verificando qualquer um dos pressupostos a que alude o artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, não deve ser admitido o presente recurso de revista. Sem prescindir, por mera cautela

2 – A recorrida adere na íntegra aos fundamentos que constam do douto Acórdão recorrido, nele se louvando.

3 – Não se verificando a suscitada nulidade por excesso de pronúncia nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC.

4 - Por conseguinte, devem improceder na integra as conclusões formuladas pela recorrente nas suas alegações de recurso.

Termos em que, pelas razões aqui aduzidas, não deve ser admitido o presente recurso; ou, caso assim se não entenda, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se na integra o douto Acórdão recorrido, com todas as demais consequências legais, como é de inteira JUSTIÇA!»


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13. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer nos autos que concluiu nos seguintes moldes:

«Por tudo o acima exposto, somos, assim, de parecer que o presente recurso de revista deverá ser considerado improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido.»


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14. A Autora não se pronunciou sobre o teor desse Parecer, dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de notificada do mesmo, ao contrário do que aconteceu com a Ré que veio apresentar Requerimento onde reiterou o que já tinha sustentado nas suas alegações de recurso, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido.

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15. Cumpre decidir, depois de o coletivo ter tomado conhecimento dos autos, recebido o projeto de Acórdão elaborado pelo relator e debatido o seu teor.

II. FACTOS

16. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos:

- FACTOS DADOS COMO PROVADOS PELAS INSTÂNCIAS:

«I. Por contrato escrito celebrado no dia 01 de Janeiro de 2017, a Autora foi admitida ao serviço da sociedade Ré, para sob as suas ordens e direção exercer as funções inerentes à categoria profissional de Compradora.

II. Mediante a remuneração mensal base de € 4.220,67 (quatro mil duzentos e vinte euros e sessenta e sete cêntimos) ilíquidos.

III. No dia 10 de Maio de 2021, a partes celebraram um acordo escrito intitulado “Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho”.

IV. Com o seguinte conteúdo:

“1. Pelo presente acordo, as partes acordam em fazer cessar o contrato de trabalho que as vincula por motivos de redução de efectivos ditados por motivos de mercado e motivos estruturais.

De facto, no corrente ano de 2021, prevê-se que o valor de vendas e serviços prestados venha a ser inferior em 24,30% relativamente ao ano de 2019.

Esta estimativa é fundada em i) evolução de vendas até ao presente ii) encomendas existentes em carteira. A comparação é efectuada com o ano de 2019, que é tido por um ano "normal", sendo que no ano de 2020 sucederam os seguintes factos (que não sucederam em 2021, nem se prevê que venham a suceder, e que que tornam o dito ano de 2020 imprestável para efeitos de estabelecimento de uma relação de comparação com a normalidade):

i) Verificou-se encerramento de fronteiras;

ii) A empresa esteve com a produção totalmente parada;

iii) Esteve em lay-off de Maio de 2020 a Julho de 2020;

iv) Recebeu apoios do Estado.

Uma quebra dessa grandeza impõe, como critério de gestão, que sejam tomadas decisões ao nível de redução de custo e de optimizações, onde tal seja possível.

b. Por decisão de gestão, deixa de existir na COPO TÊXTIL - PORTUGAL, S.A. o departamento de compras em que a Trabalhadora tinha o seu posto de trabalho de compradora/responsável de compras, passando as compras da COPO TÊXTIL - PORTUGAL, S.A a ser integralmente centralizadas/externalizadas na sociedade comercial de direito espanhol GRUPO EMPRESARIAL COPO, S.A., com sede em Est. ..., ..., que domina a COPO TÊXTIL PORTUGAL, S.A.

Ocorre neste particular reestruturação da organização produtiva.

2. Fica estabelecida uma compensação pecuniária de natureza global para a Segunda Contraente no valor 59.751,32 € (cinquenta e nove mil setecentos e cinquenta e um euros e doze cêntimos) ilíquidos ou 53.068,36 € (cinquenta e três mil e sessenta e oito euros e trinta e seis cêntimos) líquidos, que a Primeira Contraente paga à Segunda nesta data e que esta declara ter recebido, através do cheque número ...68 do NOVO BANCO, dando a respetiva quitação.

3. Na quantia acima referida, incluem-se todos os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação, considerando-se a Segunda Contraente paga, após boa cobrança do cheque, de todos os direitos que tinha a receber, nomeadamente, Férias, Subsídio de Férias e de Natal vencimentos e retroativos, compensações e indemnizações, transporte e alimentação, desde a sua entrada na Primeira Contraente até à presente data, bem como se considera, a partir desta data, totalmente desvinculada da primeira Contraente, declarando, que nada mais tem a haver da empresa a qualquer título relacionado com o referido contrato de trabalho.

4. Segunda Contraente renuncia a exercer judicial ou extra-judicialmente qualquer direito relacionado com a relação laboral que ora cessa, comprometendo-se a não recorrer a juízo por motivos relacionados com a presente revogação ou por quaisquer outros no âmbito das relações de trabalho neste momento extintas.

5. Este acordo é celebrado na data da sua assinatura e tem efeitos imediatos, sendo efectuado com assinaturas reconhecidas presencialmente, em duas vias, nos seguintes termos: fica a Entidade Empregadora com uma via com a assinatura da Trabalhadora reconhecida presencialmente, por advogada que a assessorou; fica a Trabalhadora com uma via com a assinatura da Entidade Empregadora reconhecida presencialmente e com poderes para acto, por advogado que a assessorou.

Feito em ..., aos 10 de Maio de 2021, em dois exemplares, destinando-se um a cada parte e ambos valendo como originais.”

IV. A Autora recebeu o montante previsto no acordo e não o devolveu até à presente data.»

III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido intentada no dia 06/05/2022, com a apresentação, pela Autora da sua Petição Inicial, ou seja, já muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista.

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

Neste recurso de Revista está em causa decidir aferir se a não devolução da compensação recebida com a cessação do contrato de trabalho impede a Autora de impugnar a validade do acordo de revogação do contrato de trabalho.

Importa dizer que da leitura das alegações e das conclusões das partes resulta também a invocação de uma nulidade de sentença configurada como excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 615.º, número 1, alínea d) e 666.º do NCPC, que, como sabemos, está fora do âmbito do objeto desta Revista ordinária, por se referir à proferição pelo tribunal da 1.ª instância de um despacho de aperfeiçoamento, por determinação do Aresto do TRP, que foi considerado irrecorrível no despacho liminar do relator desta Revista, sem reação oportuna das partes.

C – FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA

O Juízo do Trabalho da Maia, quanto à exceção atípica suscitada pela Ré na sua contestação, desenvolve a seguinte argumentação jurídica [ainda que em termos subsidiários, por ter considerada válida e eficaz a renúncia abdicativa constante do acordo de revogação dos autos]:

«Deu-se como provado que a quantia relativa à compensação pela cessação do contrato de trabalho com base na extinção do posto de trabalho foi paga à Autora.

A Autora recebeu essa quantia e não a devolveu.

Por remissão do art.º 372.º do Código do Trabalho, “presume-se que o trabalhador despedido com fundamento em extinção do posto de trabalho aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista para essa forma de cessação do contrato de trabalho, artigo 366º, n.º 4.

A presunção referida pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último, art.º 366.º, n.º 5 do Código do Trabalho.

Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 22.10.2021, disponível em www.dgsi.pt, “presume-se que o trabalhador despedido com fundamento em extinção do posto de trabalho aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista para essa forma de cessação do contrato de trabalho.

A presunção referida em I) pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.

Embora a lei não estabeleça um qualquer prazo para a devolução da compensação, o certo é que exige que ela ocorra em simultâneo com a respectiva disponibilização.

Sublinhamos o ensinamento da jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão datado de 03.04.2013, proferido no processo 1777/08.0TTPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt:A disponibilização da compensação é uma forma de demonstração de boa fé da entidade empregadora e da sujeição da mesma aos parâmetros legais no recurso a esta forma de cessação da relação de trabalho e não visa a resolução dos problemas sociais associados ao desemprego dos trabalhadores. Ela decorre da reparação dos danos sofridos pelo trabalhador decorrentes da perda do seu posto de trabalho associada a motivos denatureza objetiva não decorrentes de um ato ilícito e de culpa do empregador. Esta disponibilização também exige boa fé por parte do trabalhador que, caso não aceite o despedimento, deverá devolvê-la ou coloca-la à disposição do empregador, de imediato, ou logo que da mesma tenha conhecimento, inibindo-se da prática de quaisquer atos que possam ser demonstrativos do apossamento do quantitativo que lhe foi disponibilizado. A devolução do quantitativo disponibilizado surge, assim como um imperativo decorrente do princípio da boa fé nas relações entre as partes na relação de trabalho, sendo a respetiva retenção ilícita, nos casos em que o trabalhador não concorde com o despedimento”.

No caso concreto, a Autora recebeu a compensação e não a devolveu.

Alega inclusivamente, no artigo 50.º da petição inicial, que essa compensação deve ser tida em conta na condenação que se viesse a infligir à Ré. Quer dizer, a Autora recebeu a compensação e não a devolveu, mesmo quando intentou a presente acção.

Conclui-se assim pela verificação da presunção, não tendo a Autora logrado ilidi-la, porquanto não entregou nem pôs à disposição da Ré a compensação, nem no imediato, nem até ao momento da interposição da ação.»

D – FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

O tribunal da 2.ª Instância, por seu turno e quanto a esta mesma problemática, discorrer juridicamente nos seguintes termos:

«O Tribunal a quo entendeu que, estando provado que a Autora recebeu a compensação estipulada no acordo de revogação e não a devolveu à Ré, nem quando intentou a presente acção, se aplica na vertente situação o regime legal do despedimento por extinção do posto de trabalho, designadamente o n.º 4 do art.º 366.º do C.Trabalho, segundo a qual se presume a aceitação do despedimento pelo trabalhador quando este recebe do empregador a totalidade da compensação legal, bem como o n.º 5 do mesmo preceito legal que considera essa presunção ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.

Estes normativos inseridos no regime legal do despedimento colectivo são aplicáveis ao despedimento por extinção do posto de trabalho por remissão do art.º 372.º do C.T. , mas não existe nenhum preceito legal que estenda a sua aplicação à cessação do contrato por revogação das partes por mútuo acordo e o tribunal a quo não justificou tal aplicação.

Com o devido respeito, sendo o regime de extinção do contrato de trabalho imperativo como decorre do art.º 339.º do C.T., e tendo o legislador estabelecido normas próprias para cada uma das modalidades de cessação do contrato, entendemos não ser permitida a aplicação das normas previstas para uma modalidade de cessação do contrato de trabalho às outras modalidades, fora dos casos em que o próprio legislador assim o entendeu, como fez através da remissão do art.º 372.º, mandando aplicar várias normas do despedimento colectivo ao despedimento por extinção do posto de trabalho.

Destarte, não se ignorando que, por vezes, os empregadores quando pretendem extinguir postos de trabalho e logram obter o acordo dos trabalhadores recorrem ao acordo de revogação dos respectivos contratos, trata-se de modalidades de cessação do contrato distintas ainda que em ambas haja, por regra, o pagamento de uma compensação ao trabalhador, mas tal não permite ao julgador aplicar as normas previstas para a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho à revogação por mútuo acordo, pois nesta última modalidade não temos um despedimento da iniciativa do empregador que pode ou não ser aceite pelo trabalhador, mas um acordo de vontade de ambas as partes no sentido da cessação do contrato, o que afasta, em nosso entender, qualquer similitude entre as situações, sendo que atenta a já referida imperatividade do regime da cessação do contrato sempre estaria excluída a possibilidade de recurso à analogia.

Assim sendo, é forçoso concluir pela improcedência da alegada excepção peremptória impeditiva do direito de impugnação do acordo de cessação do contrato por falta de devolução da compensação recebida, impondo-se nesta parte a revogação da sentença recorrida e a procedência do recurso.»


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E - LITÍGIO DOS AUTOS

Adiantando desde já a posição deste Supremo Tribunal de Justiça, temos de concordar com a análise e decisão do Tribunal da Relação do Porto quanto à exceção perentória atípica invocada pela Ré recorrente.

Salvo o devido respeito pela posição tomada na sentença da 1.ª instância, afigura-se-nos que a modalidade de cessação do contrato de trabalho que está em causa nestes autos não é um despedimento por extinção de posto de trabalho – que se reconduz a uma declaração unilateral receptícia emitida pelo empregador e dirigida ao trabalhador cujo posto de trabalho, por razões objetivas, se visa extinguir, no quadro de um procedimento formal escrito regulado pela lei laboral [cf. os artigos 367.º a 372.º e, ainda por força da remissão constante desta última disposição legal, os artigos 364.º a 366.º e 363.º, números 4 e 5, primeira parte, todos do CT/2009] - mas antes uma revogação do contrato de trabalho prevista nos artigos 349.º e 350.º do mesmo texto legal, que juridicamente se traduz, como no caso dos autos, num acordo escrito celebrado entre as partes de um dado vínculo laboral com vista a, consensualmente, colocarem um ponto final na existência dessa relação laboral, contra o recebimento ou não por parte do trabalhador de uma indemnização [designada jurididamente por compensação pecuniária global], tudo sem prejuízo de declarações complementares de cariz jurídico-laboral e entendimentos relativos a outras matérias, na razão, não apenas dos direitos e deveres e emergentes da lei, como de outros interesses do assalariado e da entidade patronal que ali possam estar legitimamente em jogo.

O artigo 340.º do Código do Trabalho de 2009 é claríssimo na enunciação e distinção entre as diversas modalidades legais de cessação do contrato de trabalho, aí se achando enumeradas, respetivamente, nas alíneas b) e e), a revogação e o despedimento por extinção de posto de trabalho, num quadro legal que, segundo o número 1 do artigo 339.º do mesmo texto legal, possui praticamente em toda a sua extensão normativa uma natureza imperativa [ressalvam-se os aspetos mencionados nos números 2 e 3 daquele mesmo dispositivo e que nada têm a ver com o concretos contornos do litígio dos autos].

Dir-se-á que o dito documento escrito, por via do qual Autora e Ré fizeram cessar a sua relação laboral, faz assentar as razões para a sua celebração num cenário objetivo de extinção do posto de trabalho da recorrida, por dificuldades económicas da empregadora, que não releva para a apreciação e julgamento do objeto desta Revista, não somente porque as partes não podiam modificar por sua autorecriação os elementos típicos essenciais de cada uma dessas modalidades [quer por interpretação extensiva, quer por analogia], face à aludida natureza imperativa absoluta do regime jurídico de cessação do contrato de trabalho – que, por tal motivo, não pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho -, como ainda porque o acordo de revogação, para ser juridicamente válido e eficaz, não impõe nem depende de qualquer justificação para a sua realização.

Melhor seria que, nesta área fundamental do direito de trabalho e com expressos e manifestos reflexos a nível constitucional [cf., por exemplo, o artigo 53.º da CRP], empregador e trabalhador, ao abrigo da mera liberdade contratual civilista [artigo 405.º do Código Civil] e por mera iniciativa dos concordantes, pudessem alterar à sua vontade e na medida das suas conveniências, o conteúdo, alcance e sentido de cada uma das modalidades elencadas no citado artigo 340.º.

Ora, a ser assim, como nos parece ser óbvio, não é possível transpor para o âmbito do acordo de revogação dos autos as regras constantes do artigo 366.º do Código do Trabalho de 2009, que se referem unicamente às compensações dos despedimentos objetivos [coletivos, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação] e ainda, às compensações dos contratos de trabalho a termo e temporário [ainda que aqui se suscitem muitas dúvidas e perplexidades quanto ao exato âmbito de aplicação da dita presunção a tais tipos negociais, parecendo que tal só se justificará em cenários de despedimento objetivo dos mesmos e quanto ao tipo especial de compensação então envolvida – números 2 do artigo 344.º e 4 do artigo 345.º do CT/2009].

Logo, inexiste qualquer fundamento de facto ou de direito que consinta a este Supremo Tribunal de Justiça decidir de forma diferente daquela sustentada no Aresto aqui recorrido.

Sendo assim, pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o presente recurso de Revista da Ré, com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 671.º, 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré COPO TÊXTIL PORTUGAL, S.A., com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

Custas do presente recurso a cargo da Recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa 28 de maio de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Domingos josé de Morais [Juiz-Conselheiro Adjunto]

Paula Leal de Carvalho [Juíza-Conselheira Adjunta]