I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
II. Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação.
III. O Supremo Tribunal de Justiça tem poderes muito limitados quanto ao julgamento de questões relacionadas com a factualidade dada como provada e não provada pelas instâncias, com os meios de prova produzidos e valorados pelas mesmas e com a sua relevância para a formação da convicção do julgador, traçando os artigos 682.º, 683.º e número 3 do artigo 674.º do NCPC os limites de tal apreciação.
IV. A especificidade resultante de o conflito laboral ter como partes, de uma forma direta ou indireta, dois cônjuge [ou ex-cônjuges] e do julgamento mais exigente que pode demandar ao julgador não se traduz numa controvérsia cotidiana, prática, doutrinária e jurisprudencial com abrangência quantitativa assinalável e com uma repercussão qualitativa futura em termos jurídicos, que, pelo seu significado, novidade e benefício para o mundo do trabalho e para a comunidade jurídica que se move no seu seio, justifiquem a intervenção e o julgamento excecional [extraordinário] por parte deste Supremo Tribunal de Justiça, para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.
V. Não se verifica a integração da alínea b) do mesmo número 1 do artigo 672.º dessa mesma questão, por se nos afigurar, por um lado, que essa problemática não é suscetível de causar um mínimo alarme ou impacto social, sendo certo, por outro lado, que, para a lei, não bastará estarem envolvidos dois cônjuges como trabalhador e empregadora [ainda que de uma forma indireta, como é caso da Ré] para se poder falar do preenchimento de interesses de particular relevância social, com a configuração jurídica que antes deixámos aflorada.
Recorrente: AA
Recorrida: JOSÉ LOPES & SOUSA LDA
(Processo n.º 21181/21.4T8PRT – Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do ... - Juiz ...)
ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – RELATÓRIO
1. AA, devidamente identificado nos autos, intentou, em 19/01/2022, ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra JOSÉ LOPES & SOUSA LDA,. igualmente identificada nos autos, requerendo, a final, o seguinte:
“Termos em que deverá a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de 35.460,81 €, relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, bem como da quantia de 1.500,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a data de citação até integral pagamento, com as legais consequências quanto a custas, procuradoria e demais encargos.”.
Terminou a Ré peticionando a sua absolvição da instância e a condenação do Autor como litigante de má fé.
Realizou-se Audiência Final com observância do legal formalismo.
6. Por Sentença de 10.07.2023 foi decidido o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência:
a) Absolvo a Ré da totalidade dos pedidos contra a mesma formulados;
b) Condeno o Autor nas custas do processo, sem prejuízo da isenção que beneficia.
Registe e notifique.
Após, conclua a fim de ser proferida decisão quanto à condenação do Autor como litigante de má fé.”.
As partes pronunciaram-se sobre tal matéria da litigância de má-fé.
Por despacho complementar de 26/09/2023 foi decidido o seguinte:
“Pelo exposto, decido condenar o A AA como litigante de má-fé na multa de 2 (duas) Uc e a pagar à R José Lopes & Sousa, Lda uma indemnização de € 408,00 (quatrocentos e oito euros) consistente no reembolso das despesas que a má-fé do litigante obrigou a ré a fazer, incluindo os honorários do seu mandatário, estes a pagar directamente ao mesmo, salvo se os autores demonstrarem que este já está embolsado (cfr. art. 543º, n.º 4, do CPC).”.
“Pelo exposto, os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, acordam em:
- Negar provimento ao recurso da sentença, mantendo-se a decisão recorrida, com a sobredita alteração à matéria de facto [1].
- Conceder provimento ao recurso da decisão proferida em 27/9/2023, e revogando-se a mesma, absolve-se o Autor da condenação como litigante de má-fé.”.
«I. O acórdão recorrido incorreu em errada interpretação e aplicação da lei substantiva e da lei processual (art.º 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC), nomeadamente por violação dos artigos 342.º, 349.º, 351.º, 396.º do Código Civil e 607.º, número 5 do Código de Processo Civil, ao decidir pela licitude do despedimento sem atender devidamente aos critérios legais de repartição do ónus da prova, presunções judiciais e livre apreciação da prova.
II. In casu, o Tribunal da Relação do Porto considerou existir uma declaração inequívoca de demissão verbal do trabalhador com base em meros indícios de prova, manifestamente insuficientes para tal conclusão, ignorando que os factos provados apontavam, à luz das regras da experiência, no sentido oposto, isto é, de um despedimento ilícito promovido pela entidade empregadora.
III. Com efeito, resultou demonstrado que a empregadora, perante a comunicação do trabalhador de que pretendia divorciar-se, reagiu de imediato dizendo-lhe que estava despedido e impedindo-o de aceder ao local de trabalho, factualidade que fazia operar uma clara presunção judicial de despedimento ilícito (artigos 349.º e 351.º CC), indevidamente desconsiderada pela Relação.
IV. O acórdão recorrido menosprezou totalmente o valor probatório do Auto de Notícia da PSP, documento autêntico que atestava as declarações da empregadora perante a autoridade policial de que iria instaurar um procedimento para despedir o trabalhador, fazendo antes prevalecer os depoimentos de testemunhas comprometidas com a versão da empregadora, em clara violação das regras de direito probatório material (artigo 396.º CC e 607.º, n.º 5 CPC).
V. A Relação fez recair indevidamente sobre o trabalhador um ónus de prova diabólico de que não teve intenção séria e firme de se demitir, quando era à entidade empregadora que competia, perante a factualidade indiciadora de despedimento ilícito e a ausência de procedimento disciplinar, demonstrar de forma cabal e inequívoca os elementos positivos constitutivos da demissão verbal que invocou (artigo 342.º CC).
VI. Neste aspeto, foram violadas as regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil, interpretadas à luz do princípio da tutela do trabalhador em caso de dúvida sobre a qualificação da cessação contratual.
VII. Foram ainda postergados os princípios basilares da segurança no emprego e do tratamento mais favorável ao trabalhador em caso de dúvida na interpretação e aplicação das normas e institutos jurídico-laborais (artigo 53.º CRP e 389.º, n.º 1 CT), impondo-se uma leitura das declarações e comportamentos das partes mais consentânea com a proteção da posição do trabalhador.
VIII. Acresce que as declarações verbais do trabalhador, proferidas em contexto de conflito conjugal e emocionalidade exacerbada, não podiam ter o alcance concludente de uma declaração negocial extintiva do vínculo laboral, como erradamente entendeu a Relação, por não revelarem uma vontade séria, firme e definitiva nesse sentido.
IX. Ademais, a factualidade posterior à invocada "demissão", designadamente a não devolução imediata pelo trabalhador de todos os instrumentos de trabalho e a sua comparência nas instalações da empresa cerca de um mês depois, afasta a conclusão de uma vontade inequívoca de cessação imediata do contrato.
X. Neste conspecto, andou mal o Tribunal da Relação ao considerar verificada uma situação de demissão verbal do trabalhador, figura que, não estando expressamente regulada na lei laboral, reclama uma exigência acrescida na demonstração dos respetivos elementos constitutivos.
XI. Por outro lado, o acórdão recorrido descurou totalmente a análise crítica que se impunha dos depoimentos das testemunhas arroladas pela empregadora, à luz dos preceitos da psicologia do testemunho, não ponderando devidamente os riscos de falta de isenção e de sugestionabilidade inerentes à relação de dependência laboral daquelas (artigo 396.º CC).
XII. Ao valorar tais depoimentos "comprometidos" como praticamente incontestáveis, sobrepondo-os acriticamente à prova documental e ao teor das declarações das partes, a Relação infringiu as regras básicas da imediação, oralidade e livre apreciação da prova (artigos 396.º CC e 607.º, n.º 5 CPC).
XIII. De igual modo, a Relação desconsiderou totalmente a relevância probatória do auto de notícia da PSP, que relatava declarações confessórias da empregadora perante os agentes da intenção de despedir o trabalhador, as quais, pelas circunstâncias em que foram prestadas, ofereciam maior garantia de fidedignidade e credibilidade.
XIV. Ao decidir nestes termos, o acórdão pôs manifestamente em crise a boa administração da justiça na vertente da aquisição e valoração objetiva e racional dos meiosde prova relevantes para a boa decisão da causa.
XV. Termos em que, atenta a relevância jurídica das questões suscitadas, relativas à interpretação de preceitos centrais do direito probatório material e ao regime da cessação do contrato de trabalho, deve ser admitido o presente recurso de revista excecional, nos termos do artigo 672.º, n.º 1 do CPC.
XVI. Acresce que o caso em apreço assume uma relevância social significativa por ilustrar um padrão de conflitualidade laboral recorrente em que a degradação das relações pessoais e familiares entre trabalhador e empregador se repercute abruptamente na relação laboral, impondo-se a intervenção orientadora e clarificadora do STJ na interpretação e aplicação do direito.
XVII. Está em causa, no fundo, o reforço da tutela da posição de vulnerabilidade do trabalhador perante circunstâncias extintivas do vínculo laboral que contendem com a sua vida privada e a definição de critérios jurisprudenciais norteadores da prova da cessação do contrato de trabalho nesses casos.
XVIII. Assim, a admissão e procedência da revista afiguram-se essenciais para assegurar a realização de uma justiça material e a tutela efetiva dos direitos indisponíveis do trabalhador, garantindo a uniformização e boa aplicação do direito laboral.
XIX. Pelo que, concedendo-se a revista, deverá ser revogado o acórdão recorrido, determinando-se a reapreciação da matéria de facto e a alteração da decisão proferida sobre a mesma com plena observância dos invocados princípios e regras de direito probatório.
XX. Reapreciando a factualidade apurada à luz das regras de repartição do ónus da prova, presunções judiciais e sã crítica da prova documental e testemunhal carreada para os autos, deverá impor-se a conclusão de que ocorreu um despedimento verbal ilícito da iniciativa da entidade empregadora, não tendo esta logrado provar os elementos constitutivos de uma demissão verbal do trabalhador.
XXI. Consequentemente, deverá ser proferido acórdão que, julgando a ação procedente, condene a entidade empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições, indemnizações e demais compensações peticionadas, em montante não inferior a € 36.960,81,assim se garantindo a reposição da legalidade violada e a tutela efetiva da posição jurídica do trabalhador.
XXII. Foram violados,entre outros, o artigo 342.º do Código Civil (ónus da prova), os artigos 349.º e 351.º do Código Civil (presunções judiciais e resolução de dúvidas sobre a prova), o artigo 396.º do Código Civil (força probatória das declarações confessórias), o artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (sentença e livre apreciação da prova), o artigo 53.º da Constituição (segurança no emprego) e o artigo 389.º, n.º 1 do Código do Trabalho (presunção de despedimento ilícito).
XXIII. A não ser assim entendido e decidido, sairão gravemente comprometidas a realização da justiça material e a confiança no sistema judicial como garante efetivo dos direitos basilares dos cidadãos no domínio das relações de trabalho.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO:
A. REQUER-SE A VOSSAS EXCELÊNCIAS SE DIGNEM ADMITIR O PRESENTE RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS INVOCADOS;
B. REQUER-SE QUE, EM CONSEQUÊNCIA, SEJA JULGADO PROCEDENTE O RECURSO E, EM SUBSTITUIÇÃO, SEJA PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL QUE REVOGANDO O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 30/09/2024, RECONHEÇA O DESPEDIMENTO ILÍCITO E CONDENE A ENTIDADE EMPREGADORA JLS NO PAGAMENTO AO TRABALHADOR AA DAS PRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DESSE DESPEDIMENTO, PETICIONADAS NA AÇÃO.»
«Termos em que, sendo a inadmissibilidade do presente recurso de tal modo evidente, e a falta de senso e razoabilidade na invocação da violação e errada interpretação dos preceitos legais citados pelo Apelante, de tal modo flagrante,
Deverá o presente recurso ser liminarmente indeferido, atenta a sua manifesta inadmissibilidade, decaindo também, por ausência total de fundamentação legal, a restante argumentação do recorrente, que constitui, toda ela, um óbvio expediente dilatório,
Requerendo-se que este Venerando Tribunal retire as devidas ilações, em termos de má fé processual, relativamente a mais este expediente do Autor.»
II. FACTOS
13. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados e não provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [TRP] de 30/9/2024 [após a procedência parcial da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que foi deduzida pelo Autor no seu recurso de Apelação e que redundaram na eliminação dos Pontos de Facto 7., 8., 22., 23., 24. e 25. e na alteração dos Pontos de Facto 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 20. e 21.]:
A - FACTOS DADOS COMO PROVADOS:
«Factos provados (sublinhando-se os que foram objeto de impugnação)
1. O Autor trabalhou por conta da Ré, sob sua direção e fiscalização, desde 5 de Janeiro de 2012, tendo a relação laboral cessado a 29 de Outubro de 2021.
2. Com a categoria profissional de comercial e auferia o vencimento mensal ilíquido de € 2.200,00.
3. O Autor para além do vencimento que auferia, tinha também carro da empresa.
4. Desde o dia 29 de Outubro de 2021 que o Autor está proibido de entrar na empresa.
5. No dia 23 de Novembro de 2021, o Autor chamou a PSP para que a mesma comprovasse, por participação, a proibição imposta pela gerente da Ré de este entrar na empresa.
6. Após este facto, a Ré efectuou o pagamento ao Autor, por transferência bancária do montante de € 1.599,00.
7. Eliminado pelo Tribunal da Relação do Porto
[Na data em que o Autor apresentou a sua demissão junto da legal representante da Ré, sua mulher à data dos factos, informou-a também que o casamento de ambos tinha terminado, que era sua intenção divorciar-se e que iria sair de casa nesse mesmo dia.]
8. Eliminado pelo Tribunal da Relação do Porto
[E mais informou o Autor, à sua ainda mulher e gerente da Ré, que tinha retirado da conta bancária comum do ex-casal, para uma conta pessoal, exclusivamente sua, a quantia de cem mil euros.]
9. A gerente da Ré, Senhora D. BB e o Autor foram casados, no regime da separação de bens, desde 22 de Maio de 1993 até 02 de Fevereiro de 2022, data em que foi decretado o divórcio, pelo Juízo de Família e Menores do ... - Juiz ..., no âmbito do Proc. N.º 20300/21.5..., convertido que foi em mútuo consentimento o divórcio sem consentimento do outro, apresentado pela legal represente da Ré, em 9.12.2021 contra o ora Autor.
10. A Gerente da Ré é sócia da empresa familiar ora Ré - a JOSÉ LOPES & SOUSA, LDA., com sede na Rua ..., desde há 30 anos.
11. O Autor por vezes não cumpria o horário de trabalho fixado, faltando ao trabalho quando entendia, nomeadamente, para se dedicar aos seus hobbies.
[O Autor cumpria de forma bastante displicente com as suas funções, pouco observando os horários de trabalho e dando-se ao luxo de, por vezes, faltar ao trabalho, para se dedicar aos seus hobbies.]
12. O Autor, no dia 29 de Outubro de 2021, por volta das 10.30/11 horas, entrou nas instalações da Ré, onde trabalhava, e já no gabinete da gerente, dirigiu-se a esta nos seguintes termos: “Vou-me embora daqui e quero o divórcio.”
[O Autor, no dia 29 de Outubro de 2021, por volta das 10h:30m/11 horas, dirigiu-se à empresa Ré, onde trabalhava, e já no gabinete da Gerente, dirigiu-se a esta nos seguintes termos: “Vou-me embora daqui e quero o divórcio, logo à tarde vou buscar algumas coisas para os primeiros dias e, depois, quando arranjar casa vou buscar o resto.”]
13. Face ao que lhe foi dito pelo Autor, a gerente da Ré pediu ao mesmo que lhe entregasse os bens da empresa que tinha na sua posse: cartão multibanco, uma viatura automóvel e o computador portátil.
[A Gerente da Ré, embora surpresa com a inesperada demissão e também com o, apesar de tudo, inesperado pedido de divórcio, ainda assim teve ânimo para reagir, pedindo-lhe para, já que estava a apresentar a sua demissão da empresa, que lhe entregasse todos os bens da mesma que o Autor tinha na sua posse: cartão multibanco da empresa, uma viatura automóvel e o computador portátil.]
14. O Autor entregou-lhe, de imediato, o cartão multibanco da empresa e, posteriormente, em datas não apuradas, a viatura automóvel e o computador portátil.
[O Autor entregou-lhe, de imediato, o cartão multibanco da empresa e disse que ia precisar do carro para fazer as mudanças e que, por isso, só o entregaria na semana seguinte, tendo, muito a posteriori, entregue o computador portátil.]
15. E mais disse à gerente da Ré que tinha retirado da conta bancária conjunta para uma conta exclusivamente sua a quantia de cem mil euros.
[E mais informou a Gerente da Ré que “já tirei 100 mil euros da conta porque é uma parte que me pertence, das mais valias da venda da casa (casa de morada da família), porque não vou sair deste casamento com as mãos a abanar”.]
16. Face a tal afirmação, a gerente da Ré deslocou-se de imediato ao Novo Banco e verificou que, efetivamente, o Autor tinha procedido como disse.
[Estupefacta com tal afirmação, a Gerente da Ré deslocou-se de imediato ao Novo Banco e verificou que, efectivamente o Autor tinha procedido como disse.]
17. Após o dia 29 de Outubro de 2021 o Autor não mais apareceu na empresa até ao dia 23 de Novembro de 2021, dia imediatamente seguinte a ter reunido com a advogada da gerente da Ré, na sequência de convocação para tratar do divórcio e acertar contas da cessação do contrato de trabalho.
[Após se ter despedido, no dia 29 de Outubro de 2021 o Autor não mais apareceu na empresa, durante quase todo o mês de Novembro de 2021, tendo aparecido a 23 de Novembro de 2021, no dia imediatamente seguinte a ter reunido com a Advogada da legal representante da Ré, na sequência de convocação para esse efeito, para tratar do divórcio e acertar contas na sequência da sua demissão.]
18. A Ré recebeu uma carta do Autor, datada de 29/12/2021 que dizia, além do mais, o seguinte: “(…) tendo cessado o seu contrato de trabalho em 29/11/2021, por motivo de despedimento verbal, vem pelo presente requerer a V.ª Ex.ª que, nos termos do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 220/2006 de 03 de Novembro lhe seja passada a declaração comprovativo da situação de desemprego - MODELO RP 5044 DGSS, no prazo de cinco úteis sob pena de recorrer à Autoridade para as Condições do Trabalho.”
19. Em 06.01.2022, respondeu a Ré, por escrito também: “Cumpre, antes de mais, retificar a data em que V. Exa se despediu verbalmente e que foi a 29 de Outubro de 2021 e não 29 de Novembro de 2021. Apesar de já ter entregue, na sequência dessa sua demissão, a viatura automóvel e o cartão multibanco que lhe estavam atribuídos, ainda não entregou o computador portátil, propriedade desta empresa, que continua a manter-se na sua posse ilegitimamente e contra a vontade da Empresa. Solicitamos a entrega imediata do mesmo sob pena de recorrermos às competentes vias para recuperação do mesmo. Conforme solicitado, enviamos em anexo, a Declaração Modelo 5044-18-DGSS devidamente preenchida.”. Enviando com tal carta a Declaração Modelo 5044-18-DGSS devidamente preenchida, encontrando-se assinalado no campo 3 – “Motivos de cessação do contrato de trabalho”, o ponto 9 – Denúncia do contrato/demissão.
20. A dita carta da Ré foi devidamente rececionada pelo Autor e não teve qualquer resposta da parte deste.
[A dita carta da Ré foi devidamente recepcionada pelo Autor e não lhe mereceu qualquer censura ou discordância, nada tendo dito à Ré, designadamente, que a data do despedimento ou a iniciativa do mesmo estavam errados.]
21. Para acerto final de contas com o Autor, a Ré considerando que foi o A. que pôs termo ao contrato, emitiu os recibos juntos como Docs. n.ºs 20, 21, e 22, com a contestação, que lhe apresentou, mas, além da quantia referida em 6., nada mais lhe pagou porque fazendo a compensação entre os créditos do Autor e a indemnização legal por falta de aviso prévio obteve um saldo a seu favor.
[O Autor encontra-se desempregado porque apresentou a sua demissão no dia 29 de Outubro de 2021, como não cumpriu o prazo de pré-aviso de 60 dias, ficou, após cálculo dos seus direitos indisponíveis, que lhe foram de imediato colocados à disposição, em face da indemnização que deve dar à entidade patronal pela falta de cumprimento de aviso prévio, devedor a esta, da quantia de € 666,38.]
22. Eliminado pelo Tribunal da Relação do Porto
[Os proporcionais das férias e subsídio de Natal foram de imediato disponibilizados ao Autor, mas como assiste o direito à Ré de receber do Autor o montante devido pela falta de aviso prévio, in casu, correspondente a 60 dias, a Ré operou a devida compensação.]
23. Eliminado pelo Tribunal da Relação do Porto
[Foram processados e colocados à disposição, embora nunca reclamados pelo Autor, os montantes relativos aos proporcionais de férias, subsídio de Férias e de Natal, no valor líquido de, respetivamente € 1.248,66 e € 2.554,33, no valor global líquido de € 3.802,99 euros.]
24. Eliminado pelo Tribunal da Relação do Porto
[Também lhe foi processada a indemnização que é devida pelo Autor à Ré pela falta de pré-aviso na demissão, havendo, por isso, numa primeira fase, um saldo credor a favor do Autor de € 932,99.]
25. Eliminado pelo Tribunal da Relação do Porto
[Como o Autor já tinha recebido o ordenado de Outubro de 2021, pelo montante de € 1.599,00 euros, o seu saldo credor converteu-se em saldo devedor perante a Ré, pelo montante de € 666, 38.]
26. A Ré proporcionou ao Autor formações profissionais, designadamente, na área da fotografia.
Com interesse para a decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
a) Em 29 de Outubro do corrente ano, sem que nada o fizesse prever a gerente da Ré informou verbalmente o Autor que se encontrava despedido.
b) Tendo este sido obrigado a entregar as chaves do estabelecimento comercial onde laborava, bem como o veículo e o Multibanco que possuía da empresa.
c) O facto de a Ré não ter efetuado o pagamento dos valores em causa levou a que o Autor passasse por muitas necessidades, uma vez que não tinha direito ao subsidio de desemprego.
d) Por estes factos, viu-se obrigado a pedir ajuda a amigos, ajuda essa que passava pelo mais básico que é a alimentação.
e) Toda esta factualidade levou a que o Autor entrasse num estado depressivo de profunda tristeza.»
14. Nos termos e para os efeitos do art. 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:
– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).
– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).
– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).
– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).
– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).
– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).
Questão diversa é a de saber se, não obstante a satisfação suficiente de tais pressupostos de cariz formal e material, os motivos de natureza substantiva onde pretende suportar a pertinência e signicado jurídico e social deste recurso terão a relevância e repercussão necessárias, em qualquel um desses planos
Não será despiciendo atentar, desde logo, na forma como o trabalhador recorrente termina as suas alegações de recurso e define, em termos de fundamentação, a problemática que, na sua perspetiva, justifica a interposição deste revista excecional.
Tal conclusão traduz-se no seguinte:
«REQUER-SE QUE, EM CONSEQUÊNCIA, SEJA JULGADO PROCEDENTE O RECURSO E, EM SUBSTITUIÇÃO, SEJA PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL QUE REVOGANDO O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 30/09/2024, RECONHEÇA O DESPEDIMENTO ILÍCITO E CONDENE A ENTIDADE EMPREGADORA JLS NO PAGAMENTO AO TRABALHADOR AA DAS PRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DESSE DESPEDIMENTO, PETICIONADAS NA AÇÃO.»
Começaremos por dizer que, da leitura atenta e cuidadosa das transcritas conclusões recursórias que fundam tal pedido, verificamos que delas não surgem com nitidez as razões concretas, particulares, prementes que, do ponto de vista do Autor, justificariam a intervenção excecional deste Supremo Tribunal de Justiça no campo de um litígio que tem já, como pano de fundo, duas decisões concordantes das instâncias.
Deparamo-nos antes com umas alegações/conclusões que surgem fundamentalmente delineadas como se nos movêssemos no âmbito de uma recurso normal ou ordinário de revista, interposto nos termos e para os efeitos dos números 1 dos artigos 629.º, 671.º e 674.º e não no quadro de um recurso de revista excecional, que só é admissível nos casos contados previstos nas três alíneas do número 1 do artigo 672.º do NCPC.
O Autor, aliás, na sua argumentação jurídica, centra a sua atenção na forma como o Tribunal da Relação do Porto afrontou a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto pelo mesmo deduzida, quer em termos da factualidade dada como Provada que foi alterada ou mantida intocada, quer no que respeita à valoração dos meios de prova e à convição que a partir destes últimos o TRP formou.
Interessa, contudo, recordar aqui que o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes muito limitados quanto ao julgamento de questões relacionadas com a factualidade dada como provada e não provada pelas instâncias, com os meios de prova produzidos e valorados pelas mesmas e com a sua relevância para a formação da convicção do julgador, traçando os artigos 682.º, 683.º e número 3 do artigo 674.º do NCPC os limites de tal apreciação [3].
Ora, quer da interpretação da Motivação desenvolvida pelo TRP quanto à maneira como apreciou e decidiu a impugnação fáctica formulada pelo Autor, quer mesmo da leitura das alegações e conclusões de recurso do Autor facilmente constatamos que a Factualidade dada como Provada e Não Provada resultou, quer no plano do julgamento efetuado na 1.ª instância, como no plano daquele efetuado pelo TRP, de declarações de parte de ambos os litigantes, de depoimentos de testemunhas assim como na avaliação probatória de documentos particulares, o que redunda, desde logo, na impossibilidade legal deste STJ poder interferir, apreciar o seu valor probatório e alterar, em consequência, essa Decisão da Matéria de Facto.
Interessa referir que dentro desse âmbito de proibição da intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça cabem também as presunções judiciais e de facto invocadas pelo recorrente, assim como a aplicação das regras do senso e da experiência comum.
O Autor afirma ainda, quanto ao julgamento feito pelo TRP relativamente à sua [pretensa] demissão verbal, quando deveria antes ter dado como assente o seu despedimento verbal, que «Neste aspeto, foram violadas as regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil, interpretadas à luz do princípio da tutela do trabalhador em caso de dúvida sobre a qualificação da cessação contratual». [4]
Ora, também nesta matéria da repartição e exercício do ónus da prova e da sua resolução, em caso de dúvida, a favor do trabalhador – logo, nesta perspetiva do recorrente, perante uma hesitação fundada e inultrapassável por parte do julgador quanto à forma como ocorreu, em concreto, a cessação de um contrato de trabalho, tal dúvida devia ser decidida no sentido de dar como demonstrada aquela modalidade de cessação que fosse mais benéfica para o trabalhador -, não vislumbramos onde, à falta da existência de uma presunção legal, como as dos artigos 12.º, 12.º-A ou de inversão do ónus da prova como a do número 5 do 25.º do CT/2009 ou até do número 2, segunda parte do artigo 417.º do CPC/2013, se possa sustentar uma tal tese [5].
Há que chamar aqui à liça as regras gerais que regulam o ónus de alegação e prova, como será o caso dos artigos 342.º do Código Civil e 552.º e 414.º do NCPC, quando imputam, respetivamente, ao Autor a alegação e prova do despedimento verbal de que diz ter sido alvo por parte da Ré e quando, em caso de dúvida, quer sobre a prova do facto, quer sobre a repartição do respetivo ónus, resolvem a mesma contra quem de um ou de outro beneficiaria [ou aproveitaria].
Finalmente, o recorrente ainda sustenta o seguinte:
«O acórdão recorrido menosprezou totalmente o valor probatório do auto de notícia da PSP, documento autêntico que atestava as declarações da empregadora perante a autoridade policial de que iria instaurar um procedimento para despedir o trabalhador, fazendo antes prevalecer os depoimentos de testemunhas comprometidas com a versão da empregadora, em clara violação das regras de direito probatório material (artigo 396.º CC e 607.º n.º 5 CPC).»
Ora, compulsados os autos e lido o pretenso «Auto de Notícia» que, no fundo, se reconduz a uma «Participação Criminal» efetuada pelo Recorrente e a uma descrição pelo agente da PSP da conversa que teria tido com aquele assim como com a sócia-gerente da Recorrida, não resultando de tal documento que tais contactos pessoais tivessem sido efetuados em simultâneo e na presença um do outro – tudo indicando que terão sido levados a cabo em separado, de forma indivualizada e sequencial – e não ressaltando ainda do seu texto que a legal representante da Ré teria alguma vez afirmado perante o Autor ou o agente da PSP que havia despedido verbalmente o primeiro mas antes que tinha a intenção de instaurar um procedimento disciplinar com esse objetivo, como aliás, decorre da conclusão recursória acima transcrita.
Ora, face à natureza e conteúdo de tal documento, a prova vinculada que o recorrente pretende retirar desse documento autêntico resume-se à chamada da autoridade policial às instalações da entidade empregadora, à presença da mesma naquelas e ao diálogo que manteve com o Autor e com a sócia-gerente da Ré, não se podendo falar, em tais circunstâncias, de qualquer confissão por parte desta última de que despediu verbalmente o cônjuge.
Logo, também no que toca a esta matéria, não há que convocar o regime do número 3 do artigo 674.º do CPC/2013 e, nessa medida, não se pode pedir ao STJ que analise e julgue a mesma.
18. Ultrapassada tal problemática relativa à Decisão da Matéria de Facto, fica por apreciar a questão relativa ao facto de o Autor, na sua qualidade de cônjuge, ter desempenhado trabalho subordinado para a Ré, que era dirigida na sua qualidade de sócia-gerente pela esposa daquele e se tal maior proximidade pessoal, afetiva, emocional, psicológica – para mais, turvada pelo anunciado divórcio – obriga a que o julgador, por comparação e confronto com os cenários laborais comuns, em que não existe uma ligação dessa índole, tenha uma abordagem diferente, mais fina, crítica e compreensiva da situação vivida nos autos e, designadamente das declarações e comportamentos por ele proferidas e assumidos, assim como das condutas e afirmações atribuídas ao seu cônjuge [6].
Ora, se bem que a resposta a tal pergunta seja, em tese e termos gerais, naturalmente afirmativa, importa, contudo, perguntar o seguinte: poderemos afirmar objetivamente que a apreciação de tal questão, nos moldes que deixámos antes descritos, se evidencia claramente necessária para uma melhor aplicação do direito devido à sua relevância jurídica?
A resposta a tal pergunta deve ser negativa, pois não se nos afigura que tal especificidade [7] se traduza numa controvérsia cotidiana, prática, doutrinária e jurisprudencial com abrangência quantitativa assinalável e com uma repercussão qualitativa futura em termos jurídicos, que, pelo seu significado, novidade e benefício para o mundo do trabalho e para a comunidade jurídica que se move no seu seio, justifiquem a intervenção e o julgamento excecional [extraordinário] por parte deste Supremo Tribunal de Justiça, para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.
20. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alíneas a) e b) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em não admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pelo Autor AA quanto às questões suscitadas.
Custas do presente recurso a cargo do recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 28 de maio de 2025
José Eduardo Sapateiro – Juiz Conselheiro Relator
Júlio Gomes – Juiz Conselheiro Adjunto
Mário Belo Morgado – Juiz Conselheiro Adjunto
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- Os pontos 7, 8, 22, 23, 24 e 25 dos factos provados foram eliminados;
- Os pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20 e 21 passaram a ter a seguinte redacção:
11. O Autor por vezes não cumpria o horário de trabalho fixado, faltando ao trabalho quando entendia, nomeadamente, para se dedicar aos seus hobbies.
12. O Autor, no dia 29 de Outubro de 2021, por volta das 10.30/ 11.00 horas, entrou nas instalações da Ré, onde trabalhava, e já no gabinete da gerente, dirigiu-se a esta nos seguintes termos: “Vou-me embora daqui e quero o divórcio”.
13. Face ao que lhe foi dito pelo Autor, a gerente da Ré pediu ao mesmo que lhe entregasse os bens da empresa que tinha na sua posse: o cartão multibanco, uma viatura automóvel e o computador portátil.
14. O Autor entregou-lhe de imediato o cartão multibanco e, posteriormente, em datas não apuradas, a viatura automóvel e o computador portátil.
15. E mais disse à gerente da Ré que tinha retirado de uma conta bancária conjunta para uma conta exclusivamente sua a quantia de cem mil euros.
16. Face a tal afirmação, a Gerente da Ré deslocou-se de imediato ao Banco e verificou que, efectivamente, o Autor tinha procedido como disse.
17. Após o dia 29 de Outubro de 2021 o Autor não mais compareceu na empresa até ao dia 23 de Novembro de 2021, dia imediatamente seguinte a ter reunido com a advogada da legal representante da Ré, na sequência de convocação para tratar do divórcio e acertar as contas da cessação do contrato de trabalho.
20.A dita carta da Ré foi devidamente rececionada pelo Autor e não teve qualquer resposta da parte deste.
21. Para acerto final de contas com o Autor, a Ré considerando que foi o Autor que pôs termo ao contrato, emitiu os recibos juntos como Docs n.º 20, 21, e 22, com a contestação, que lhe apresentou, mas, além da quantia referida em 6., nada mais lhe pagou porque fazendo a compensação entre os créditos do Autor e a indemnização legal por falta de aviso prévio obteve um saldo a seu favor.»↩︎
2. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como os dois pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 ede de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎
3. Cf., a este respeito, as anotações 1. a 6. do artigo 674.º, número 3 do NCPC de ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA em «Código de Processo Civil Anotado», Vol. I - PARTE GERAL E PROCESSO DE DECLARAÇÃO - Artigos 1.º a 702.º, 2022, 3.ª edição, Almedina, páginas 842 e 843.↩︎
4. O recorrente volta a invocar tal princípio na seguinte conclusão recursória:
«VII. Foram ainda postergados os princípios basilares da segurança no emprego e do tratamento mais favorável ao trabalhador em caso de dúvida na interpretação e aplicação das normas e institutos jurídico-laborais (artigo 53.º CRP e 389.º, n.º 1 CT), impondo-se uma leitura das declarações e comportamentos das partes mais consentânea com a proteção da posição do trabalhador.»↩︎
5. Não se olvide, num outro plano de análise e sem relevância para aqui, que o princípio do tratamento mais favorável que constava do artigo 13.º da LCT, desapareceu, como regra geral substantiva, com o Código de Trabalho de 2003, se bem que depois tenha sido parcialmente reintroduzida no sistema jurídico laboral com o Código de Trabalho de 2009 – artigo 3.º, número 3.↩︎
6. Cf., a este respeito, as seguinte conclusões do recurso:
«VIII. Acresce que as declarações verbais do trabalhador, proferidas em contexto de conflito conjugal e emocionalidade exacerbada, não podiam ter o alcance concludente de uma declaração negocial extintiva do vínculo laboral, como erradamente entendeu a Relação, por não revelarem uma vontade séria, firme e definitiva nesse sentido.
XVI. Acresce que o caso em apreço assume uma relevância social significativa por ilustrar um padrão de conflitualidade laboral recorrente em que a degradação das relações pessoais e familiares entre trabalhador e empregador se repercute abruptamente na relação laboral, impondo-se a intervenção orientadora e clarificadora do STJ na interpretação e aplicação do direito.
XVII. Está em causa, no fundo, o reforço da tutela da posição de vulnerabilidade do trabalhador perante circunstâncias extintivas do vínculo laboral que contendem com a sua vida privada e a definição de critérios jurisprudenciais norteadores da prova da cessação do contrato de trabalho nesses casos.
XVIII. Assim, a admissão e procedência da revista afiguram-se essenciais para assegurar a realização de uma justiça material e a tutela efetiva dos direitos indisponíveis do trabalhador, garantindo a uniformização e boa aplicação do direito laboral.»↩︎
7. Que tem, aliás, uma faceta mista, dado também se colocar fortemente ao nível da fundamentação de facto, o que nos remete de novo para o que se deixou acima exposto quanto aos limitados poderes do STJ nessa vertente.↩︎