RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
Sumário


I. Na comunicação escrita em que exprime a decisão de resolver o seu contrato de trabalho apenas se exige ao trabalhador que proceda a uma indicação sucinta dos factos que imputa ao seu empregador.
II. Se a comunicação remete para uma norma legal que prevê na sua hipótese tão-só a falta de pagamento pontual da retribuição a indicação sucinta deve ter-se por realizada.

Texto Integral


Processo n.º 3884/ 23.0T8VIS.C1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

AA intentou ação declarativa com processo comum contra J.L.S – Transportes Internacionais, Lda., peticionando a condenação da Ré no pagamento de salários e subsídios no montante global não inferior a € 10.000,00 e indemnização no montante de € 30.000,00.

Citada, a Ré contestou e deduziu reconvenção, peticionando a condenação do Autor a pagar à Ré o montante de € 1.667,54.

A reconvenção foi admitida. Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.

Em 10.12.2023, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Por tudo o exposto:

I) Julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

a. Condena-se a ré no pagamento ao autor a quantia ilíquida de € 5.202,33 (cinco mil, duzentos e dois euros e trinta e três cêntimos), sendo a quantia de € 4.596,42 relativa a vencimentos em falta (€ 1.532,14 x 3), a quantia de € 383,04 (127,68 x 3) relativa a duodécimos de subsidio de férias e a quantia de € 222,87 (€ 74,29x3) relativa a duodécimos de subsidio de natal em falta.

b. Absolve-se a ré dos demais pedidos formulados.

II) Julga-se procedente por provada a reconvenção e, em consequência condena-se o autor no pagamento à ré da quantia ilíquida de € 1.667,54 (mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de pré-aviso em falta.”

O Autor interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 28.06.2024, o Tribunal da Relação decidiu julgar totalmente improcedente a apelação com integral confirmação da decisão impugnada.

O Autor veio interpor recurso de revista excecional. Não foram apresentadas contra-alegações.

A Formação prevista no artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil junto desta Secção Social admitiu a revista excecional por Acórdão datado de 12.03.2025.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

O Recorrente exerceu o seu contraditório relativamente ao referido Parecer.

II. Fundamentação

De Facto

Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:

1 – Entre o autor e a ré foi em 7 de maio de 2010, celebrado um contrato de trabalho a termo certo, cuja cópia consta de fls. 4 verso a 6 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual, o autor se obrigou a exercer por conta, sob as ordens, direção e fiscalização da ré, as funções de motorista de veículos pesados afeto ao transporte internacional rodoviário de mercadorias (artigos 1.º e 2.º ambos da petição inicial e artigo 1.º da contestação/reconvenção).

2 – O salário mensal do autor era de € 1.532,14 ilíquidos, sendo € 777,16 de retribuição base, € 75,48 de diuturnidades, € 77,72 de componente salarial da cláusula 62ª, € 427,92 do componente salarial da cláusula 61ª, € 135 do componente salarial da cláusula 64ª e € 38,86 do componente salarial da cláusula 59ª, como resulta dos documentos de fls. 6 verso e 7 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (parte do artigo 2.º da contestação/reconvenção).

3 – O autor de novembro de 2022 a janeiro de 2023 trabalhou normalmente (parte do artigo 6.º da petição inicial).

4- O autor remeteu à ré carta datada de 1 de fevereiro de 2023, cuja cópia consta de fls. 7 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido da qual consta “Venho comunicar a denúncia do contrato de trabalho celebrado a 8 de maio de 2010, com justa causa de resolução, atento o disposto no artigo 394º, n.º 2 al. a) Código do Trabalho, com efeitos imediatos. Fico a aguardar o pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato (salários, subsídios e indemnização)” (parte do artigo 9.º da petição inicial).

5 – A ré pagou ao autor o salário de outubro de 2022 (artigo 3.º da contestação/reconvenção).

6 – O autor não recebeu os salários de novembro de 2022 em diante porque não procedeu ao seu levantamento nos escritórios da ré (artigo 4.º da contestação/reconvenção).

7 – Tendo a ré feito diversos contactos via telemóvel e enviado comunicações a dizer ao autor que os cheques para pagamento de tais salários estavam à sua disposição no seu escritório (artigo 5.º da contestação/reconvenção).

8 – No dia 9 de janeiro de 2023 a ré enviou ao autor a comunicação escrita que consta de fls. 18 verso e 19 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e que o autor recebeu em 10 de janeiro de 2023 (artigos 6.º e 7.º ambos da contestação/reconvenção).

9 – A ré pagava os subsídios em duodécimos, como resulta dos documentos de fls. 6 verso e 7 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

De Direito

A única questão que se coloca no presente recurso é a de determinar se a resolução do contrato pelo Recorrente será ilícita, como decidiu o Acórdão recorrido, por violação das exigências colocadas pelo artigo 395.º n.º 1 do Código do Trabalho.

Na carta enviada pelo trabalhador podia ler-se o seguinte (facto 4):

Venho comunicar a denúncia do contrato de trabalho celebrado a 8 de maio de 2010, com justa causa de resolução, atento o disposto no artigo 394º, n.º 2 al. a) Código do Trabalho, com efeitos imediatos. Fico a aguardar o pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato (salários, subsídios e indemnização)”.

O artigo 395.º n.º 1 do Código do Trabalho exige que o trabalhador resolva o contrato por escrito “com indicação sucinta dos factos” (o sublinhado é nosso) que justificam a resolução, sendo que, de acordo com o n.º 3 do artigo 398.º do mesmo Código “[n]a ação em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis os para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º”. Antes de mais sublinhe-se que este regime não é, ou não é inteiramente, simétrico em relação ao procedimento a adotar pelo empregador para proceder a um despedimento disciplinar em que a lei exige que na nota de culpa se faça uma descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador (n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho), sendo que na decisão não poderão ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem da defesa do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.

Escrita por um leigo, num momento em que não tem frequentemente (e não é legalmente obrigado a ter) qualquer apoio jurídico, o sentido da carta é, de acordo com a própria impressão do destinatário, o de uma resolução do contrato com justa causa – a referência à denúncia, que, aliás, entra em conflito com a indicação de “justa causa de resolução”, não é evidentemente relevante – com fundamento em “falta culposa de pagamento pontual da retribuição”, porque esse é o teor literal da alínea a) do n.º 2 do artigo 394.º para o qual se remete. Discorda-se, assim, do douto Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal que fala de uma ausência total de menção de factos na carta, porquanto importa atender à remissão que nela é feita.

De entre o elenco exemplificativo (“nomeadamente”) de comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador consta, logo na primeira alínea do n.º 2, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.

Com efeito, não só a retribuição é um elemento essencial para a própria existência de um contrato de trabalho, como a obrigação de pagar a retribuição pontualmente é uma das obrigações principais do empregador (artigo 127.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho). A hipótese ou previsão legal da alínea a) do n.º 2 do artigo 394.º elenca um único comportamento do empregador – ao contrário de outras, como a alínea b) – sendo que a remissão feita na carta do trabalhador circunscreve, ainda que de maneira sucinta (mas a lei não exige mais) o facto imputado ao empregador. E em princípio se for provada a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, até pela importância fundamental que a retribuição assume na economia do contrato, ela será justa causa de resolução. O Acórdão recorrido afirma, a dado passo, que falta conhecer outras circunstâncias que podem ser relevantes – assim, por exemplo, o montante em falta e a duração da mora do empregador. Tal é, sem dúvida, exato – assim, por exemplo, se a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongar por 60 dias existirá uma presunção inilidível de culpa e se for por período inferior apenas uma presunção ilidível, e pode suceder que o montante em incumprimento não seja considerado suficiente para a resolução – mas é o que se deverá apurar no processo judicial. O que é certo é que o objeto deste já foi circunscrito: trata-se de determinar se houve ou não uma falta culposa de pagamento da retribuição que justifique a resolução.

No Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal afirma-se que “[o] ónus que incumbe ao trabalhador da indicação sucinta dos factos em que assenta a justa causa visa dois objetivos, a saber: (i) dar a conhecer esses factos ao empregador, permitindo um juízo sobre a fundamentação da resolução do contrato (ii) delimitar os factos atendíveis pelo tribunal na ação judicial em que for apreciada a (i)licitude da resolução do contrato”. Mas se assim é, a carta do trabalhador satisfaz estes desideratos: o empregador ficou a conhecer precisamente o que lhe era imputado (não ter pago pontualmente a retribuição) e o objeto do litígio será apenas esse.

Note-se, de resto, que quando é o empregador o autor de uma ação em que impugna a resolução do contrato pelo trabalhador com base em ilicitude do procedimento a lei dá expressamente ao trabalhador a possibilidade de corrigir o vício até ao termo do prazo para contestar (n.º 4 do artigo 398.º do Código do Trabalho).

Como já dissemos é bem diversa a situação da nota de culpa uma vez que esta deve conter uma descrição circunstanciada dos factos de que o trabalhador é acusado, até porque o trabalhador no processo disciplinar tem uma faculdade (que não é um dever) de se defender e só poderá fazê-lo perante uma acusação circunstanciada e não genérica.

Assim, porque a carta de resolução, ainda que por remissão para uma norma legal, indicou o único facto que consta da previsão dessa mesma norma, deve decidir-se no sentido de que não existiu qualquer ilicitude do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 395.º.

O Acórdão recorrido não conheceu do recurso de impugnação da matéria de facto porque o considerou prejudicado face à decisão que tomou no sentido da ilicitude do procedimento de resolução.

Efetivamente, pode ler-se no Acórdão recorrido:

“Pretende o recorrente que os factos provados 6 e 7 sejam dados como não provados e que a matéria dos artºs 5, 6 e 7 da p.i e 2, 3, 6 e 7 da resposta sejam dados como provados. Todavia, a requerida reapreciação não deverá ser levada a cabo porquanto, quer a mesma proceda quer não, a decisão a tomar será sempre mesma, ou seja, a resolução será sempre considerada ilícita”.

Face à decisão agora tomada neste Tribunal, já não colhem as razões de proibição da prática de atos inúteis e de economia processual, pelo que a mencionada impugnação da matéria de facto deverá ser conhecida e, depois, em função da matéria de facto provada, apreciada a existência, ou não, de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador. Também só nesse momento de poderá aquilatar da aplicação, ou não, do artigo 399.º do Código do Trabalho.

Decisão: Concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e determinando-se o envio do processo ao Tribunal da Relação.

Custas do recurso pelo Recorrido.

28 de maio de 2025

Júlio Gomes (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Mário Belo Morgado