I - O fundamento da revisão de decisão penal condenatória, com base na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, exige que:
- se trate de facto ou prova novos, que não existia nem constava do processo à data da prolação da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento ou eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo tribunal ou que, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura. Se eles podiam e deviam ter sido levados ao julgamento mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se justificaria um recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não é;
- se o facto ou o meio de prova já constavam do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP;
- que a gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponte, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição.
II - Invocando o arguido, e juntando prova indiciária, de que os factos pelos quais foi condenado, deram origem a procedimento criminal em Angola, pelos quais teria ali sido julgado na ausência e o respetivo processo arquivado por aplicação de medida de Graça (amnistia), não tendo tal facto sido levado ao conhecimento do tribunal da condenação e de recurso, afigura-se pertinente esclarecer tal dúvida.
III Uma decisão de um Estado estrangeiro - qualquer que seja o seu sentido - não constitui “sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional”, nem pode, por isso, ser inconciliável com a condenação, para os efeitos da al. g) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
IV - Preliminarmente à decisão final sobre a requerida revisão, ordena-se, ao abrigo do disposto no art. 455.º, n.º 4, do CPP, e nos termos do disposto nos arts. 1.º, n.os 1 e 2, al. a), e 15.º, n.º 1, da Convenção de Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da CPLP (aprovada pela Resolução da AR n.º 46/2008, de 12-09), que o tribunal da condenação obtenha, através da Autoridade Central (PGR, nos termos do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008 de 12-09), informação junto das competentes Autoridades Angolanas, sobre se existe, ou existiu, um processo-crime originado com a participação que o arguido juntou, e, em caso afirmativo, qual o estado/fase atual do mesmo, bem como se o requerente era, ou é, ali arguido e se tal processo foi, ou não, arquivado por aplicação da Lei de Amnistia n.º 11/2016 e, em caso afirmativo, em que termos, por que entidade, e quando - devendo enviar-se cópias dos elementos documentais apresentados pelo arguido e solicitar-se cópias digitais dos elementos processuais relevantes demonstrativos das solicitadas informações.
I. Relatório
I.1. AA, arguido e condenado nos autos, vem, por requerimento de 28-01-2025 (Ref.ª Citius ......35), nos termos e demais efeitos do disposto no art. 449.º e seguintes do C. P. Penal, e por apenso, nos termos do art. 452.º, do mesmo diploma, requerer a revisão do acórdão condenatório do Juízo Central Criminal de .../Juiz ..., de 26-04-2019, confirmado pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa (doravante, também “TRL”) de 29-10-2019 e de 14-01-2020, que sobre recurso e reclamação apresentados pelo recorrente, confirmaram aquela condenação.
I.2. O requerente apresentou, na sequência de notificação ordenada por despacho do relator, de 05-05-2025, nesse sentido, as seguintes conclusões (transcrição):
«1ª – O Recorrente pretende a revisão da sentença condenatória proferida em primeira instância por entender que, ao não se ter procedido à análise, que era possível antes da emissão da sentença, do processo-crime que havia sido aberto em Angola, precisamente pelos mesmos factos do processo em julgamento em Portugal, foi cometida grave injustiça, uma vez que, segundo se veio a apurar (apenas verbalmente), o Requerente fora amnistiado em Angola, por aplicação da Lei da Amnistia angolana 11/16.
2ª – Tendo aceite o documento que atestava a existência do processo crime angolano (doc. nº 1 junto com o requerimento de 11 de março de 2019), o Tribunal português, em vez de cumprir o seu dever de ofício de proceder a averiguações para boa administração da Justiça, nada quis saber da existência desse processo e, como se nada fosse e com base em elementos de prova fraquíssimos (pois impunha-se, a colaboração entre autoridades judiciárias de Portugal e de Angola), veio a condenar o Arguido, por factos ocorridos em Angola, numa pena de 5 anos de prisão, embora suspensa na sua execução.
3ª – Tendo sido atestado existir um processo-crime em Angola, cujo desfecho era desconhecido do Arguido (pois contrariamente ao ora inventado pelo Ministério Público, o Arguido nunca viveu em Angola e não tinha acesso fácil ao processo físico, sendo que, nas muitas tentativas que encetou, nomeadamente contratando advogados para o efeito, a resposta sempre foi a de que o processo havia desaparecido…), com a mesma entidade Denunciante e a mesma realidade factual, impunha-se, salvo melhor entendimento, aguardar pelo desfecho do mesmo, uma vez que, no país de aplicação própria da lei penal – lugar onde aconteceu o resultado do crime: Angola – havia processo penal em curso.
4ª - O art. 5º, nº 1, al. e) ii do Código Penal, determina que a lei portuguesa, para casos criminais cometidos por portugueses no estrangeiro, apenas se aplica se “forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo se nesse lugar não se exercer o poder punitivo”.
5ª - Haveria previamente que averiguar – e essa era naturalmente uma imposição basilar e prévia para um bom julgamento de factos ocorridos bem longe do território nacional e que só o contacto direto com realidades físicas (contas e instituições bancárias, negócios realizados entre pessoas indicadas no processo, por exemplo) poderia esclarecer sem deixar margem para uma aplicação inapropriada da lei e, muito grave, poder mesmo determinar – como determinou – o sancionamento criminal do Arguido ora Recorrente – haveria que averiguar, como referido, se os factos eram “também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados”, isto é, pela legislação angolana – o que nunca foi feito.
6ª - Perante a injustiça na sua condenação penal, o Arguido teve de, à falta de qualquer diligência do Ministério Público ou do Tribunal junto das autoridades angolas, contratar os serviços de advogado que, tendo tido acesso, não ao processo físico (por razões de organização burocrática angolana, sendo que o processo é dado como desaparecido), mas ao conhecimento da decisão proferida no processo crime instaurado em Angola, verificou-se algo que retira por absoluto competência aos tribunais portugueses e determina a não aplicabilidade da lei portuguesa, sob pena de grave violação do basilar princípio constitucional do non bis in idem (art. 29º, nº 5 do Constituição da República Portuguesa): o processo criminal aberto previamente em Angola pelos mesmos factos que se quiseram julgar em Portugal, foi objeto de decisão de mérito, com trânsito em julgado e que foi a do arquivamento do processo contra a pessoa do Arguido, porquanto o facto em causa – pretensamente ocorrido em 3 de novembro de 2015 (apropriação de valores pertencentes à Assistente) havia sido amnistiado com base no art. 1º da Lei nº 11/16, de 12 de Agosto, publicada no Diário da República (de Angola), I Série, nº 137, de 12 de Agosto de 2016.
7ª – Ou seja, antes do acórdão português proferido no presente processo, o caso já havia sido julgado e em sentido favorável ao Recorrente: com o respetivo arquivamento ao abrigo da aplicação evidente da referida Lei da Amnistia angolana – facto de que apenas após o seu julgamento em Portugal do Recorrente teve conhecimento.
8ª – Diga-se, ao contrário do que também tem sido inventado pelo Tribunal de 1ª instância incluindo o Ministério Público (!), em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, entendeu esses factos como novos e expressamente não quis conhecer do caso – pelo que não resta outra solução para que justiça seja feita, o recurso à revisão de sentença.
9ª – Assim, não sendo dados como provados em Angola por despacho final (ou do ministério público ou de juiz angolano – que são equivalentes nos termos do disposto no nº 2 do art. 449º do Código de Processo Penal) os factos dados como provados posteriormente por decisão portuguesa cópia se junta e verificando-se, assim, gravíssima dúvida sobre a justiça da condenação da justiça portuguesa (art. 449, nº 1, alínea c) do CPP); terem sido descobertos novos factos ou meios de prova existentes em Angola de que o Recorrente não conhecia aquando do julgamento no processo principal e que, conhecendo-os posteriormente, o Tribunal Superior expressamente recusou conhecê-los nessa sede (a concretizar em diligência a realizar no âmbito do presente processo) (art. 449, nº 1, alínea c) do CPP); e sendo a decisão angolana, ao abrigo do princípio constitucional do ne bis in idem, vinculativa do Estado Português, ser absolutamente inconciliável com o acórdão condenatório de que se recorre (art. 449º, nº 1, alínea g), também do CPP), há múltiplos fundamentos para que se peça e obtenha a revisão do acórdão transitado em julgado, assim se retomando a justiça que ao caso já foi feita em Angola, revogando-se a injusta decisão condenatória portuguesa.
10ª – Porque um dos fundamentos da revisão é o previsto no art. 449º, nº 1, alínea d) do CPP), requer-se que o Tribunal proceda às diligências indispensáveis para descoberta da verdade material, nomeadamente ordenando a obtenção da Lei Angolana 11/16, já referida como Lei da Amnistia, bem como solicitar às autoridade angolanas cópia de todo o processo-crime com a referência 820/2016-02, uma vez que o Recorrente, não obstante ter realizado todos os esforços para obter a documentação deste processo angolano o não ter conseguido concretizar; contudo às autoridades judiciárias, donas da aplicação da justiça concreta e conforme à lei aplicável e evitando duplicação de julgamentos sobre os mesmos factos, impõem-se sumamente a realização de tais diligências (como até impõe o disposto do art. 453º do CPP), o que se impões seja feito, como se pede.
11ª - Ou seja, os factos em causa deixaram de ser puníveis pelo país onde eventualmente terão sido cometidos (Angola), pelo que, nos termos da referida disposição do Código Penal Português – art. 5º, nº 1, al. e) ii) – a lei portuguesa não poderia ser aplicada aos mesmos. Trata-se de matéria simples, que o Tribunal, como administrador da justiça, tinha até obrigação de oficiosamente conhecer se quisesse aplicar a lei portuguesa ao caso como veio injustamente a fazer, em prejuízo dos mais elementares direitos ao aqui Recorrente.
12ª - Assim, tendo o caso sido julgado definitivamente em Angola (não podendo, por via da amnistia, mais ser objeto da qualquer apreciação), tal exclui, nos termos do disposto na primeira parte do nº 1 do art. 6º do Código Penal, a aplicação da lei portuguesa ao caso, por forma a evitar a violação do princípio constitucional (e de consagração elementar em qualquer legislação) do ne bis in idem – outra interpretação da lei é inconstitucional por levar à grosseira violação deste princípio constitucional básico, inconstitucionalidade que, para todo e qualquer efeito, desde já se invoca.
13ª - Dispondo a 1ª parte do nº 1 do art. 6º do Código Penal: “A aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto (…)”, verifica-se (embora sem acesso do Recorrente à decisão final por desaparecimento do processo físico) que o caso foi apreciado à face da lei angolana e, como tal, decidido definitivamente (muito anteriormente à decisão proferida no presente processo português), não podendo o Arguido ser condenado pela eventual prática de algum facto relatado pela queixosa pelo motivo de os factos terem sido terem deixado de ser punível à face da lei angolana (a referida Lei da Amnistia 11/16 – que amnistiou tos “os crimes puníveis com pena de prisão até 12 anos, cometidos por cidadão nacionais ou estrangeiros até 11 de Novembro de 2015”).
14ª - Assim sendo, por ser manifesto que a lei portuguesa é inaplicável ao caso, carecia o Tribunal de competência internacional ou do recurso à lei portuguesa para conhecer e decidir sobre o assunto – incompetência absoluta ou decisão injusta e intolerável em qualquer Estado de Direito que deverá ser reconhecida com a consequente revogação do acórdão condenatório.
15ª - A manter-se a decisão portuguesa verificar-se-ia uma duplicação de decisões judicias contraditórias:
1º De acordo com o princípio fundamental da territorialidade da aplicação da lei penal, o Estado Angolano julgou os factos, determinando, em definitivo (pelo órgão com competência no âmbito do processo criminal para decidir o caso), que os mesmos não poderiam ser puníveis uma vez amnistiados;
2º O tribunal português, que só residualmente poderá atuar em casos cometidos no estrangeiro, veio até posteriormente a decidir o contrário, condenando, com base na lei portuguesa, o aqui Recorrente, verificando-se patente e grosseira violação do princípio constitucional do ne bis in idem.
16ª – A esse título é pacífica a jurisprudência e a doutrina nacionais, nomeadamente; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de março de 2015 e de 3 de abril de 2008; Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Vitor de Sá Pereira, Código Penal Anotado e Comentado, 2ª Edição, Quid Juris, 2014, pág. 89, em anotação ao art. 6º do Código Penal; Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição atualizada, 2015, Universidade Católica editora, pág. 102, também em anotação ao referido art. 6º: “Revelando o caráter subsidiário dos princípios de jurisdição extraterritorial, a lei impõe ao dever do tribunal aplicar a lei portuguesa, se ela for concretamente mais favorável ao agente. A imposição deste dever implica, portanto, que o tribunal conheça necessariamente a lei estrangeira nos casos das alíneas c) a g) do artigo 5º e proceda à aplicação comparativa da lei estrangeira e da lei nacional ao caso sub judice, de molde a apurar qual delas é a mais favorável.”
17ª – Igualmente segundo este critério – o da lei mais favorável – verifica-se que a lei do território onde terão sido praticados os factos – Angola – se revela bem mais favorável ao agente, sendo de impor o arquivamento do processo por aplicação da referida lei angolana 11/16.
18ª - Como é evidente, o despacho de arquivamento proveniente de autoridade judiciaria angolana (que o Arguido não consegue obter e precisa de ajuda do tribunal superior) tem o efeito de um próprio e verdadeiro julgamento do caso, tornando-se uma decisão definitiva com o seu trânsito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21 de dezembro de 2017).
19ª - Se se entender, por absurdo interpretativo, que a referência a “não ter sido julgado” constante do nº 1 do art. 6º do Código Penal como sendo apenas a um efetivo julgamento em tribunal com a decisão proveniente de um juiz e, como tal, não afastando a aplicação da lei portuguesa é um entendimento/interpretação que é manifestamente inconstitucional porque violador do principio constitucional do ne bis in idem constante do art. 29, nº 5 da Constituição da República Portuguesa pelo que, se for esse o entendimento, desde já se invoca, como supra referido, a respetiva inconstitucionalidade para todos os efeitos legais.
20ª – Deverá concluir-se que o Tribunal português violou gravemente o seu dever funcional de procurar apurar qual a lei angolana aplicável ao caso, sendo que, em concreto, face a essa lei agora apurada por quem não tem nem os meios nem os poderes do Tribunal (o Recorrente), se verifica que os factos já estão definitivamente julgados em Angola (com arquivamento do processo angolano) - e quando o tribunal da Relação de Lisboa foi informado em sede de recurso, por razões processuais, não o quis, expressamente, conhecer considerando ser matéria nova – abrindo assim o campo para, em processo adequado, se pedir a revisão da sentença.
21ª – Reprovável foi a atuação da Assistente que, seguramente tendo tido conhecimento que o facto havia sido arquivado em Angola (e o aqui Recorrente absolvido), nada informou as autoridades portuguesas, assim as enganando por omissão, e fez uso indevido da abertura de um novo processo em Portugal! – mas não é preciso ser muito dotado para se perceber quem tem autoridade no processo, o que nada abona a favor da justiça criminal portuguesa.
22ª – Pede-se que, a final, seja considerado algo como: “Foi proferida decisão no processo judicial angolano com a referência 820/2016-02 (ou outra que se vier a apurar) que determinou o arquivamento em definitivo do processo-crime resultante da queixa constante do doc. nº 1 junto pelo Arguido por requerimento de 11 de março de 2019”, assim o impondo a certeza, mas ainda não documentada (por incapacidade prática do Recorrente para obter a decisão judicial), de que foi proferido despacho de arquivamento da queixa apresentada em Angola quanto aos mesmos factos objetos de julgamento indevido, ilegal e inconstitucional em Portugal.
23ª – Em termos de diligências necessárias ao apuramento total da verdade e à revisão que se impõe, e ao abrigo do disposto nos artigos 453º, nº 1 do Código de Processo Penal e do art. 662º, nº 2 do Código de Processo Civil (aplicável), requer-se seja oficiado às autoridades competentes do Estado de Angola, no sentido de transmitirem ao presente processo o teor da decisão de arquivamento contra o aqui Recorrente e, preferencialmente, cópia de todo o processo (o qual, alegadamente, está desaparecido).
24ª – Por último, deverá ser dado como ASSENTE que “A Lei 11/16, de 12 de agosto do Estado Angolano considerou, no seu artigo 1º, nº 1, como amnistiados todos os crimes puníveis com pena de prisão até 12 anos, cometidos por angolanos ou estrangeiros até 11 de novembro de 2019, e que esta lei se mostra mais favorável ao Arguido do que a lei portuguesa”, assim o impondo o conhecimento da lei angolana que se requer seja obtido pelo Tribunal pelas vias consulares ou outras entidades mais adequadas, com tal revogando-se o acórdão condenatório proferido neste processo português.»
I.3. Por despacho de 24-02-2025 (Ref.ª Citius .......57) foi proferido o seguinte despacho, pela Senhora juíza de Direito titular do processo:
«Apesar da invocação do estatuído na alínea d) do n.º 1 do Art.º 449.º, do Código de Processo Penal, a verdade é que os fundamentos quer de facto, quer de direito foram já invocados pelo arguido no decurso dos presentes autos, tendo sido apreciados pelas Instâncias Superiores, pelo que, inexistem factos novos ou meios de prova inovatórios, não sendo assim, e consequentemente, nem necessária, nem indispensável, nem essencial para a descoberta da verdade, a realização das diligências requeridas, porquanto já constantes dos autos e, por isso, objecto de apreciação.»
I.4. O requerente veio, porém, por requerimento de 27-02-2025 (Ref.ª Citius ......83), suscitar a nulidade do despacho referido em I.3., invocando que no mesmo foi desconsiderado que os “novos factos” não só foram do seu conhecimento apenas após a decisão em 1.ª instância, como o TRL não os apreciou nos seus acórdãos.
I.5. Ordenada, pelo despacho referido em I.3., a notificação do Ministério Público para responder ao mesmo, veio o Senhor Procurador da República em funções no tribunal da condenação, por requerimento de 07-03-2025 (Ref.ª Citius ......41), responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
I.6. Estabelecido o contraditório quanto à nulidade suscitada (cfr. despacho de 11-03-2025), o Ministério Público promoveu, em 18-03-2025, que a mesma fosse indeferida.
I.7. Por despacho de 24-03-2025 (Ref.ª Citius .......29), a Senhora juíza de Direito titular indeferiu a nulidade arguida pelo requerente e prestou a informação a que alude o disposto no art. 454.º, do CPP, nos termos seguintes:
«Cumpre dar cumprimento ao disposto no Art.º 454.º, do Código de Processo Penal, sendo certo que, como já fundamentado inexiste qualquer diligência que se imponha realizar.
Colendos Ex.mos Srs. Drs.
Juízes Conselheiros junto do
Colendo Supremo Tribunal de Justiça
Ora, o arguido AA foi condenado por Acórdão proferido a 26.04.2019, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo Art.º 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova.
Tal condenação em primeira instância, no que ao arguido em causa tange, foi integralmente confirmada, negando-se assim provimento ao recurso por si interposto, por Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 29.10.2019, com indeferimento de arguição de nulidades por Douta Decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 14.01.2020, tendo transitado em julgado a 29.01.2020.
Ora, o recorrente entende que estarem em causa as alíneas c) e d) do n.º 1 do Art.º 449.º, do Código de Processo Penal, que definem que:
“A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
E atendendo ao pretendido pelo recorrente de junção de cópia do processo crime n.º 820/2016-02, do despacho de arquivamento e da Lei Angolana 11/16 não se vislumbra que tal seja subsumível às invocadas alíneas que admitem o recurso de Revisão.
Com efeito, se atentarmos ao conteúdo do Acórdão proferido nos autos, constata-se que, por um lado, que, na senda da decisão instrutória proferida, se entendeu expressa e especificamente serem os Tribunais Portugueses internacionalmente competentes, e não os Tribunais Angolanos, e por outro lado, no Acórdão foi entendido que a existência do processo crime em Angola não obstava à prossecução dos autos, como, consta aliás mencionado na fundamentação de facto, e este Acórdão foi objecto de recurso.
Ou seja, a existência do processo crime pendente em Angola constava dos autos, constava do Acórdão proferido em primeira instância e foi confirmada a decisão em sede de Instância de Recurso.
Veja-se que foi junta certidão da participação criminal sob o número 820/2016-02, por requerimento entrado em juízo 11.03.2019, e que foi considerado em sede de Acórdão proferido em primeira instância, e portanto, foi sujeito a escrutínio pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pois que esse facto – pendência de processo crime em Angola - era conhecido, foi ponderado e tido como não obstáculo à decisão de mérito (cfr. igualmente fls. 24 do Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa).
Pois, houve notícia quer durante o julgamento, quer aquando da prolação do Acórdão em primeira instância, quer aquando da prolação do Douto Acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa da existência desse processo crime em Angola e entendeu-se que o mesmo não obstava à prossecução do processo perante os Tribunais Portugueses, tanto mais, que houve nova pronúncia quanto à invocada incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses.
Pelo que, as questões que o ora recorrente pretende fazer crer que se tratam de questões novas não têm correspondência com a tramitação processual, pois, o tal processo n.º 820/2016-02 constava já da análise da fundamentação de facto (cfr. segundo parágrafo de fls. 9 do Acórdão).
Pelo que, salvo o devido respeito por opinião distinta, deve ser negado provimento ao presente Recurso Extraordinário de Revisão.
Contudo, V. Exas, como sempre farão a devida e melhor Justiça.»
I.8. O requerente veio, todavia, por requerimento de 27-03-2025 (Ref.ª Citius ......70), arguir a nulidade de tal despacho de 24-03-2025, relativamente à decisão de indeferimento da nulidade, por, alegadamente, se basear em informações inexatas.
I.9. Por despacho da Senhora juíza de Direito titular dos autos, de 07-04-2025 (Ref.ª Citius .......25), foi decidido o seguinte:
«Veio o arguido insurgir-se contra uma passagem constante do terceiro parágrafo do primeiro despacho datado de 24.03.2024, que se prende com a arguição de nulidade num anterior requerimento apresentado.
Desde já, tal segmento do despacho não integra o cumprimento do estatuído no Art.º 454.º, do Código de Processo Penal, como se constata pela parte do despacho em causa em que efectivamente se dirige ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça, sem descurar que, todo o processado faz parte integrante do presente Recurso Extraordinário de Revisão, pelo que, não se mostram minimamente mitigados, nem coarctados quaisquer garantias e direitos de defesa do arguido.
Sem descurar que, este despacho se prendeu com a pronúncia relativamente ao requerimento apresentado pelo arguido em que foi suscitada a nulidade do despacho anteriormente proferido, sendo certo que, o conteúdo do terceiro parágrafo surge na sequência do aludido no segundo parágrafo quanto à suscitada questão da incompetência dos Tribunais Portugueses, vindo nesse contexto, entendendo-se não existir, atendendo à exegese da globalidade do despacho e da informação que segue, erro grosseiro, nem se verifica qualquer nulidade, pois, o arguido discorda da decisão do Tribunal, o que é legitimo e será devidamente apreciado em sede do presente Recurso de Revisão. Destarte, a questão substantiva que o arguido pretende ver dirimida, sê-lo-á cabal, devida e plenamente decidida aquando da subida do presente Recurso Extraordinário de Revisão ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça.»
I.10. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor magistrado do Ministério Público aqui em funções pronunciou-se em circunstanciado parecer, em 28-04-2025 (Ref.ª Citius ......07), no sentido de ser negado o pedido de revisão, do qual, dada a sua exaustividade, se transcrevem os seguintes excertos:
«(…)
11
Mas, acima de tudo:
Claramente, nenhum dos alegados concretos fundamentos da peticionada revisão são susceptíveis, per se, de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
*
Vejamos.
*
i)-Inconciliabilidade com os (alegadamente) factos-provados no Processo 820/2016-02 da Justiça Angolana.
12
É manifesto – de tão imediato – o juízo de que entre os factos-provados que fundaram a condenação do arguido, ora recorrente, no PCC 6376/16.0... e o que possa ter sido fundamentado na alegada decisão (do Ministério Público ou do Tribunal de Angola?) de declaração de amnistia ao abrigo da L-11/16, de 12/08 da República de Angola, não é viável estabelecer uma relação lógica de exclusão, isto é, uma impossibilidade de conciliação entre os respectivas substractos fácticos do real-social, de modo que resultasse criterioso, avisado e fundado concluir, por esta via, pela existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
13
Ou seja:
Se a alegada aplicação da amnistia foi acto do Ministério Público, tratou-se de um despacho puramente declaratório, em cujo âmbito não consta o rol de quaisquer factos- provados (e não provados) susceptível do seu cotejo lógico-dialéctico com a questão-de-facto apurada no Acórdão condenatório do arguido proferido no PCC 6376/16.0..., para se averiguar eventual inconciliabilidade;
Se foi acto do Tribunal, proferido ainda antes do trânsito em julgado de eventual condenação, soçobra, de igual forma, a possibilidade desse cotejo lógico;
Se foi acto do Tribunal, mas ditado já após o trânsito em julgado de uma eventual condenação (amnistia imprópria), essa possibilidade representaria, no caso, um autêntico non sense, pois que o recorrente procura, isso-sim, a demonstração da plena igualidade das questões-de-facto de duas decisões diversas, para fundar a violação do ne bis in idem.
14
Nesta matéria, veja-se o Ac. do STJ de 17.12.2024, P- 39/22.5GTVCT-B.S1:
(…)
*
ii)-Os novos factos e documentos.
15
Quanto à falência da novidade dos factos e dos documentos com que se pretende demonstrá-los, atente-se que, para além de serem também factos pessoais do ora recorrente:
- Resulta do Acórdão do Colectivo que à data do julgamento já era conhecido ter sido também formulada em Angola uma queixa-crime pelos mesmos factos contra o arguido (cfr, pág. 09, parágrafo 2º);
- Resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.01.2020 – que conheceu das nulidades do Acórdão confirmatório da decisão da 1ª Instância – que o também ora recorrente ali alegou que tivera conhecimento que “o caso já havia sido julgado em Angola” já depois de lido o Acórdão do Colectivo, isto é, antes da decisão do recurso interposto para aquele Tribunal da Relação;
- O que é confirmado no ponto 3. da motivação do presente recurso de revisão.
16
Tais factos e documentos (quanto a estes, pelo menos a sua existência) não são, portanto, novos, pois que o ora recorrente fora alertado da sua virtual existência, pelo menos, em e-mail de 23.05.2019 (cfr, o doc. 02 junto).
17
Tendo o arguido residio em Angola, onde manteria e manterá, plausivelmente, contactos, só da sua falta de diligências para obter os documentos respectivos se poderá queixar.
18
Falece, pois, a novidade porque dos factos alegados teve oportuno conhecimento o ora recorrente, não sendo demonstrada a impossibilidade de os alegar e provar atempadamente.
19
Note-se que o (meramente invocado) caso-julgado penal – sendo processual-civilisticamente a sua eficácia limitada ao encerramento da discussão em 1ª instância, implicando a preclusão da invocação, em no processo subsequente, de questões que, apesar de anteriores àquele momento, não foram, podendo ter sido, ali suscitadas no processo com decisão transitada – teria podido ser invocado e oficiosamente declarado (se comprovados os seus pressupostos) até ao trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa confirmatório da condenação do arguido, ora recorrente, pelo Colectivo – não é relevante a litispendência-penal internacional.
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Isto, aliás, no pressuposto de que “facto novo” possa assentar num evento do real-social que goze dessa novidade, nomeadamente o facto da eventual prolação anterior de decisão judicial transitada em julgado sobre o mesmo facto-crime e relativamente ao mesmo arguido.
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Veja-se, nesta matéria, o Ac. do STJ de 10.03.2022, P-983/11.5TAOER-B.S1:
I - O recurso de revisão penal é um meio extraordinário de impugnação de uma sentença transitada em julgado que visa a obtenção de uma nova decisão mediante a repetição do julgamento.
II - O fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito).
III - Deve interpretar-se a expressão factos ou meios de prova novos no sentido de o serem tanto os que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam ali ser apresentados e produzidos, como os que eram do conhecimento do requerente, mas não do tribunal, desde ele que justifique as razões por que não pôde, ou por que entendeu, não os apresentar.
IV - Socorrendo-se na revisão de documentos que sabia existirem e encontrarem-se à guarda de terceiro à data do julgamento, teria cumprido ao requerente providenciar pela sua recolha junto deste, valendo-se, se necessário, da intervenção do próprio tribunal prevista no art. 432.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º
V - Nada tendo feito, não tem justificação cabal e bastante para a indicação tardia dessas provas e não pode querer suprir, no momento da revisão, omissões ou corrigir estratégias de defesa que só a si competia definir e concretizar.
VI - De qualquer modo e mesmo que assim não fosse, a verdade é que tais documentos, nem que complementados pela reinquirição das testemunhas arroladas em sede de contestação, teriam a virtualidade de pôr em dúvida – e muito menos em grave dúvida como a última parte do art. 449.º, n.º 1, al. d) requer – a justiça da condenação, como, em qualquer circunstância sempre se exigiria.
*
iii)-Graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
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Com todo o respeito, para além da sua geral falta de novidade, o documento ora junto não tem – seja pela ausência de certificação pelas Autoridades Angolanas (trata-se de mera cópia), seja pela falta de um conteúdo decisório penal de uma Autoridade Judiciária daquele país – qualquer aptidão probatória quanto à invocada prévia declaração de extinção do procedimento relativamente ao ora recorrente pela prática do crime em causa da lavra da Justiça de Angola.
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Donde:
Não se revelam graves dúvidas sobre a justiça da condenação pela prática do referido crime de “abuso de confiança”.
*
24
A ter sido proferida a prévia decisão de declaração de amnistia do crime em causa pela Justiça Angolana, transitada em julgado, sem que seja operado condição resolutiva, impor-se-á, eventualmente, para a sua legal invocação na Ordem Jurídica Portuguesa, em vista do cumprimento do ne bis in idem, a revisão e confirmação dessa sentença estrangeira, pelo recurso um processo especial (cfr, o art. 100º da L-144/99, de 31/08, e 234ºss do Código de Processo Penal), após o que poderá ser dado cumprimento ao disposto no art. 625º/1 do Código de Processo Civil:
Cumprir-se-á a que transitou em julgado em primeiro lugar.
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Pelo que deve ser denegada a revisão e improceder o pedido de condenação do Estado em qualquer montante indemnizatório.
III
Em síntese:
Deverá o recorrente se notificado para formular as conclusões, sob pena de rejeição do recurso;
A inconciliabilidade entre os factos-provados na decisão revidenda e na decisão-fundamento impõe que seja viável estabelecer uma relação lógica de exclusão entre ambas, de forma que, verificada essa impossibilidade de conciliação entre si, resultasse criterioso, avisado e fundado concluir pela existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente;
Tal não ocorre, manifestamente, entre os factos-provados que fundaram a condenação do arguido em Portugal e o que possa ter sido fundamentado em alegada decisão prévia (do Ministério Público ou do Tribunal de Angola?) de declaração de amnistia desse mesmo facto-crime relativamente àquele.
Não são novos os factos e os documentos se o próprio peticionante da revisão alega que tivera conhecimento que “o caso já havia sido julgado em Angola” já depois de lido o Acórdão do Colectivo, mas antes da decisão do recurso interposto para aquele Tribunal da Relação, e que à data do julgamento já era conhecido ter sido também formulada naquele país uma queixa-crime pelos mesmos factos contra o arguido, ora recorrente, conforme documento certificado em 09.01.202[1]9, então também já junto.
Tais circunstâncias, aliadas à falta de certificação pelas Autoridades Angolanas (trata-se de mera cópia) do documento junto e à falta de um conteúdo decisório penal de uma Autoridade Judiciária daquele país – com aptidão probatória quanto à invocada prévia declaração de extinção do procedimento por amnistia relativamente ao ora recorrente pela prática do crime em causa da lavra da Justiça de Angola –, não resultaria criterioso, avisado e fundado concluir pela existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação do ora recorrente.
Impor-se-á, no caso, confirmada que seja aquela declaração de amnistia e o seu trânsito em julgado, sem que tenha operado condição resolutiva, lançar mão do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira, para oportuna e eventual aplicação da disposição do art. 625º/1 do Código de Processo Civil, cumprindo-se a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar.
IV
Em conclusão:
Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que deverá:
Deverá o recorrente se notificado para formular as conclusões, sob pena de rejeição do recurso;
Se assim não se entender, deverá ser julgado improcedente o presente recurso, com denegação da revisão.»
I.11. Foi observado o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC aplicável ex vi art. 4.º, do CPP), tendo o requerente sido notificado para, querendo, se pronunciar e apresentar conclusões.
I.12. O requerente veio, em 15-05-2025, apresentar as conclusões já supramencionadas em I.2., e veio, também, em 19-05-2025 (Ref.ª Citius ....80), discordar do teor do parecer do Senhor Procurador-geral-adjunto junto deste STJ, mantendo a sua pretensão.
I.13. Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, cumprindo apreciar e decidir o presente recurso extraordinário de revisão.
I.14. Quanto à admissibilidade e objeto do recurso, verifica-se que a decisão revidenda – o acórdão do Juízo Central Criminal de Lisboa/Juiz 4, de 26-04-2019, confirmado pelos Acórdãos do TRL de 29-10-2019 e de 14-01-2020 –, transitou em julgado em 29-01-2020 (art. 449.º, n.º 1, do CPP), estando a pena (de substituição) aplicada em execução.
O objeto da providência é a autorização de revisão da decisão (acórdão) suprarreferida.
O tribunal de revisão é o competente (artigos 55.º, al. e), da Lei n.º 62/2013, de 26-08, 11.º, n.º 4, al. d), 451.º, 452.º e 455.º do CPP).
Foi prestada pela Senhora juíza de Direito titular do processo, a informação sobre o mérito do pedido, prevista no art. 454.º do CPP.
O recurso foi introduzido por pessoa condenada – arguido no processo –, representada por advogado, relativamente a «sentença condenatória» [acórdão] – art. 450.º, n.º 1, alínea c) do CPP.
II. Fundamentação
II.1. Delimitação do objeto da revisão
A pretensão do requerente no sentido de ser autorizada a revisão fundamenta-se no disposto nas alíneas c), d) e g) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal:
1) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (alínea c));
2) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (alínea d)); e
3) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça (alínea g)).
II.2. Fundamentação de facto relevante
São relevantes para a decisão do recurso interposto os seguintes factos:
«1. A sociedade "M..., Lda." é uma sociedade comercial, com sede sita na Rua ..., em ..., cuja legal representante é BB;
2. Esta sociedade tem conta bancária em Angola;
3. Sucede que, face às restrições impostas na saída de capitais desse país para Portugal e, para fazer face a compromissos de pagamento com fornecedores, a referida sociedade viu necessidade no envio das quantias que possuía em Angola para Portugal;
4. Em contacto com o advogado da empresa, CC, o mesmo referiu-lhe que tinha conhecimento que o arguido DD a poderia auxiliar nesse propósito;
5. Assim, veio a ser agendada uma reunião com o arguido DD e, posteriormente, com o arguido AA tendo os mesmos acordado que, a mencionada BB lhes entregaria a quantia de 50 (cinquenta) milhões de AOA e que os mesmos lhe entregariam a quantia de USD285.714 (duzentos e oitenta e cinco mil setecentos e catorze dólares americanos), aplicada a taxa de câmbio de 175 AOA/USD;
6. Para o efeito, por indicação do arguido AA, foi comunicado à assistente o NIB da conta em Angola para proceder ao depósito dos valores;
7. Conforme acordado, em 03 de Novembro de 2015, foram depositados, pela assistente, 6 (seis) cheques na conta indicada com o IBAN AO.....................75, nas quantias de:
• 2 (dois) cheques, no valor cada um deles, de 7.000.000,00 (sete milhões) AOA;
• 3 (três) cheques, no valor cada um deles, de 9.500.000,00 (nove milhões e quinhentos mil) AOA;
• um cheque, no valor de 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil) AOA;
8. Num total de 50 (cinquenta) milhões de AOA (kwanzas), ou seja, €254.262,00 (duzentos e cinquenta e quatro mil duzentos e sessenta e dois euros);
9. Sucede que, o arguido AA fez suas as quantias entregues, nunca tendo procedido à sua devolução ou à entrega dos valores em dólares acordados, conforme se havia comprometido, apesar de instado para o efeito;
10. O arguido AA agiu livre voluntária e conscientemente, querendo fazer suas as quantias pertencentes à assistente "M..., Lda." e, pela mesma depositadas em conta por si controlada e que se havia comprometido a devolver em dólares, no âmbito de acordo efectuado;
11. Sabia o arguido AA que tal conduta não lhe era permitida;
Mais se provou que:
12. A assistente não recebeu qualquer quantia por conta dos seis depósitos acima efectuados;
13. Do certificado de registo criminal do arguido AA nada consta;
14. Do relatório social do arguido AA, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- "o arguido nasceu em ..., na constância do casamento entre os progenitores,
apresentando-se como o segundo filho consanguíneo de uma fratria de três elementos; e o
segundo filho germano de uma fratria de dois elementos. A condição económica da família era adequada às necessidades, provindo os rendimentos maioritariamente do vencimento do
progenitor, trabalhador por conta própria na instalação de Ar Condicionado, sendo a mãe
doméstica;
• o seu crescimento e processo de socialização foram contextualizados no seio da família nuclear num cenário sócio residencial inserido num meio tido como adequado às necessidades, em ..., com rede paritária constituída por elementos da área residencial e dos clubes desportivos de localidades próximas à área de residência, tendo prática federada de diferentes modalidades entre os 6 (seis) e os 18 (dezoito) anos de idade;
• o arguido realizou o seu percurso escolar de forma regular, com conclusão do 12° ano de escolaridade, com realização de formação no Instituto de Soldadura e Qualidade, na sequência da qual estagiou por 8 (oito) meses e iniciou actividade profissional aos 20 (vinte) anos de idade a favor da empresa G...;
- revelou um percurso profissional ascendente, com exercício de funções,
predominantemente de coordenação de serviços e de técnicos no departamento de assistência técnica ao cliente, tendo rescindo do exercício de tais funções, em 2007, por desentendimentos com as políticas de despedimento de colaboradores decorrente da compra da G... pela "S...";
• no mesmo ano iniciou actividade por conta própria como consultor comercial e como gestor de controlo de custos, tendo em 2013, com um sócio, constituído a empresa MB..., sedeada no Luxemburgo;
• o arguido autonomizou-se em 2005, fixando residência na ..., em habitação própria, adquirida com recurso a hipoteca bancária;
• contraiu matrimónio em 2010 (aos 32 anos de idade), tendo, em 2011, sido pai da sua única filha, actualmente com 7 (sete) anos de idade;
• os presentes autos constituem-se como o primeiro contacto do arguido com o sistema de administração da justiça penal;
• à data dos factos (Novembro de 2015), o arguido mantinha residência com o cônjuge e filha, na ..., desempenhando actividade profissional por conta própria na empresa MB...;
• o arguido suspendeu a actividade da empresa MB..., mantendo, ainda assim, exercício laboral por conta própria como consultor comercial. Actualmente, desenvolve actividade como motorista de transporte de passageiros (táxi) a favor da empresa "P...", simultaneamente com o exercício profissional como consultor;
• em 2018 ocorreu a ruptura da relação em 2018, tendo a filha e cônjuge regressado aos ..., para junto da família alargada;
- o arguido mantém residência concomitantemente na ... e nos ..., em casa da sua família nuclear, mantendo desta forma acompanhamento próximo e contado diário com afilha menor;
- no plano dos rendimentos, actualmente, o arguido aufere perto de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) mensais, tendo como gastos mensais aproximados: €387,00 (trezentos e oitenta e sete euros) com hipoteca bancária; €15,00 (quinze euros), €68,00 (sessenta e oito euros) e €24,00 (vinte e quatro euros), respectivamente com consumos de água, de electricidade e de gás; €80,00 (oitenta euros) com telecomunicações; €300,00 (trezentos euros) com créditos pessoais; e despesas com afilha menor, num valor não estimado;
• o arguido refere a existência de danos pessoais decorrente da presente situação jurídico-penal, destacando gastos elevados para fazer face ao pagamento das despesas inerentes à sua defesa;
• manifesta consciência crítica ante as noções de vítima e de dano, manifestando-se disponível para colaborar com o Sistema de Administração da Justiça Penal, ainda que não se revendo na qualidade de arguido;
• o arguido, presentemente com 40 anos de idade, beneficiou de um enquadramento familiar favorável, com rede paritária constituída, predominante, por elementos do meio desportivo decorrente da prática de diversas modalidades entre os 6 e os 18 anos de idade. O arguido denota ao longo do seu percurso de vida uma condição predominante de ocupação laboral e de integração social adequada;
• actualmente, desenvolve actividade profissional como motorista de transporte de passageiros (táxi) em simultâneo com a actividade de consultor, mantendo residência concomitantemente na ... (sozinho) e em ... (agregado da progenitora) por forma a manter contacto diário com a filha menor, actualmente com 7 (sete) anos de idade;
• o arguido não apresenta contactos anteriores com o sistema de administração da justiça penal. Não se constatam acentuadas necessidades de intervenção por parte dos serviços de reinserção social junto do arguido, dependendo do mesmo e da sua capacidade de auto gestão a possibilidade de manutenção de uma futura inserção normativa.»
II.3. Nessa conformidade, o arguido foi, entre outras determinações, condenado como autor material, na prática de 1 (um) de crime de abuso de confiança, p.p. nos termos do disposto no art. 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução, pelo período de cinco anos, nos termos do art. 50.º, n.ºs 1 e 5, do CP, sujeita a regime de prova, nos termos dos artigos 53.º e 54.º, com a elaboração de plano de reinserção e mediante supervisão e fiscalização da DGRSP.
A suspensão da execução da pena foi, ainda, subordinada ao cumprimento pelo arguido do dever de indemnizar a ofendida-assistente o valor global de € 254.262,00, no período de vigência da suspensão da execução, a iniciar aquando do trânsito em julgado do acórdão condenatório, devendo juntar documento comprovativo de tal pagamento.
II.4. A Revisão: breves considerações de ordem geral
A revisão de sentença penal é admitida nos casos taxativamente previstos no art. 449.º do CPP, que constitui norma excecional na medida em que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, um sério desvio aos princípios da estabilidade das decisões judiciais e da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito; tal desvio é permitido e mesmo garantido pelo artigo 29.º, n.º 6, da CRP, ao cidadão injustamente condenado (no que aqui releva), nos termos que a lei prescrever, e ainda pelo artigo 4.º, n.º 2 do Protocolo Adicional n.º 7 à CEDH (relativamente a decisão penal condenatória), sempre com base em novos elementos que ponham seriamente em causa a justiça de decisão transitada em julgado, elementos que, porém, devem constituir «(…) circunstâncias “substantivas e imperiosas” (substancial and compeling)», autorizando assim, «…a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada” (…)» (cfr. Damião da Cunha e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [Paulo Pinto de Albuquerque, Org.], vol. II, 5.ª ed. atualizada, Lisboa, UCP Ed., 2023, p. 755, bem como a jurisprudência do STJ e do TEDH e a doutrina aí citadas).
O valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo instituto do caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado, designadamente o princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) (cfr., J.J. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 1998, pp. 256-257).
A consagração constitucional da admissibilidade do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que constituem, igualmente, condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e, afinal, daquela mesma paz jurídica.
Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria, em não menor grau, o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias.
O recurso de revisão, afastando assim o princípio de utilidade, e não de justiça, de res judicata pro veritate habetur, constitui, pois, um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no próprio sistema jurídico, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente estabelecidos, e apenas quando um forte interesse material o justificar, ou seja, aqueles casos julgados que Alberto dos Reis considerou terem sido formados “em condições anormais”, em que “ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa.” (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra: Coimbra Editora, p. 158).
Conforme se diz no acórdão do STJ de 07-04-2021 - proc. n.º 921/12.8TAPTM-J.S1 – relator: Cons. Nuno Gonçalves: «Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário e no regime, substantivo e procedimental, especial. Por isso, somente os fundamentos firmados pelo legislador podem legitimar a admissão da revisão da condenação transitada em julgado. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica – art.11º do Código Civil». Por outro lado, como se sustenta ainda no Ac. STJ de 26-09-2018, «do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.»
São fundamentos da revisão da decisão penal transitada em julgado, que pode ser concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o art. 449.º do CPP, as hipóteses taxativas ali previstas:
“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como prova do crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.” (negritos nossos, dado o relevo para a apreciação do recurso).
O arguido-requerente suscita a existência de motivos que, na sua perspetiva, se integram nas alíneas c), d) e g), do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
Todavia, afigura-se-nos que importa apreciar uma questão prévia, atinente à decisão de realização de diligências de prova requerida.
II.5. Questão prévia: arguição de nulidade do despacho da Senhora juíza de Direito titular de 24-02-2025 (ref.ª Citius .......57), de indeferimento da realização das diligências de prova requeridas
Na sequência da apresentação do recurso de revisão do arguido, consta do despacho sob escrutínio o seguinte:
«Apesar da invocação do estatuído na alínea d) do n.º 1 do Art.º 449.º, do Código de Processo Penal, a verdade é que os fundamentos quer de facto, quer de direito foram já invocados pelo arguido no decurso dos presentes autos, tendo sido apreciados pelas Instâncias Superiores, pelo que, inexistem factos novos ou meios de prova inovatórios, não sendo assim, e consequentemente, nem necessária, nem indispensável, nem essencial para a descoberta da verdade, a realização das diligências requeridas, porquanto já constantes dos autos e, por isso, objecto de apreciação.»
O arguido-requerente veio reagir contra tal despacho por requerimento de 27-02-2025 (ref.ª ......83), arguindo a nulidade do mesmo por, supostamente, ter fundamentado erradamente a decisão de indeferimento da realização das diligências de prova requeridas, dizendo que o que veio requerer não foi efetivamente objeto de apreciação.
Mediante contraditório do Ministério Público, que pugnou pela inexistência de qualquer nulidade, a Senhora juíza de Direito titular dos autos veio proferir despacho em 24-03-2025 (ref.ª Citius .......29), indeferindo a arguição de nulidade.
Por requerimento de 27-03-2025 (ref.ª ......70) veio o arguido-requerente, de novo, além de solicitar certidão de elementos processuais para dar conhecimento ao CSM, pedir que «(…) com a máxima urgência, seja corrigido, por nulidade e erro grosseiro de julgamento/apreciação, o despacho ora notificado».
Tal requerimento mereceu o despacho da Senhora juíza de Direito titular dos autos, com o seguinte teor:
«Veio o arguido insurgir-se contra uma passagem constante do terceiro parágrafo do primeiro despacho datado de 24.03.2024, que se prende com a arguição de nulidade num anterior requerimento apresentado.
Desde já, tal segmento do despacho não integra o cumprimento do estatuído no Art.º 454.º, do Código de Processo Penal, como se constata pela parte do despacho em causa em que efectivamente se dirige ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça, sem descurar que, todo o processado faz parte integrante do presente Recurso Extraordinário de Revisão, pelo que, não se mostram minimamente mitigados, nem coarctados quaisquer garantias e direitos de defesa do arguido.
Sem descurar que, este despacho se prendeu com a pronúncia relativamente ao requerimento apresentado pelo arguido em que foi suscitada a nulidade do despacho anteriormente proferido, sendo certo que, o conteúdo do terceiro parágrafo surge na sequência do aludido no segundo parágrafo quanto à suscitada questão da incompetência dos Tribunais Portugueses, vindo nesse contexto, entendendo-se não existir, atendendo à exegese da globalidade do despacho e da informação que segue, erro grosseiro, nem se verifica qualquer nulidade, pois, o arguido discorda da decisão do Tribunal, o que é legitimo e será devidamente apreciado em sede do presente Recurso de Revisão.
Destarte, a questão substantiva que o arguido pretende ver dirimida, sê-lo-á cabal, devida e plenamente decidida aquando da subida do presente Recurso Extraordinário de Revisão ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça.
Notifique.»
Na fase preparatória da fase rescindente do recurso de revisão, ao juiz competente na fase instrutória assiste uma competência ativa e negativa, no sentido de autorizar ou de negar a realização de diligências de prova – requeridas ou outras, de sua iniciativa –, desde que se demonstre e justifique a sua pertinência, ou não.
Em rigor, o despacho que poderia ser questionado é o despacho de 24-02-2025, enquanto despacho ordenador de diligências de prova na fase preparatória da fase rescindente (que se tramita no tribunal da condenação). Tal despacho é um despacho suscetível de impugnação, no contexto do procedimento extraordinário de revisão.
Como é sabido, é garantida a possibilidade de impugnação de despacho do juiz a recusar a realização de diligências requeridas pelo requerente da revisão. Acompanhando o que diz, a tal respeito, o Conselheiro Pereira Madeira, «(…), como estamos no âmbito de um procedimento específico, urgente e a decidir em último recurso pelo Supremo – recurso extraordinário – não tem cabimento no processo a interposição de um recurso ordinário para o efeito. Apresentada a impugnação do despacho do juiz, esta seguirá abrangida pelo recurso extraordinário e será apreciada pelo Supremo no âmbito do recurso de revisão» (Código de Processo Penal Comentado, 2.ª ed. revista, A. Henriques Gaspar et al., Coimbra: Almedina Ed., 2016, p. 1550 e Ac. STJ de 31-10-2013, Proc. n.º 11/05.0FCPTM-A.S1).
O arguido apenas veio arguir a sua nulidade, que não foi reconhecida pela Senhora juíza de Direito titular dos autos.
Em rigor, o referido despacho de 24-02-2025 transitou em julgado.
Porém, mesmo sem pretender convolar o requerimento de arguição de nulidade para um “recurso atípico” do despacho de indeferimento de realização de diligências de prova, não fica o Supremo Tribunal, enquanto instância decisória do pedido de revisão, impedido de determinar a realização de quaisquer diligências de prova que considere necessárias para a cabal decisão de tal pedido (art. 455.º, n.º 4, do CPP).
II.6. Deve recordar-se, em termos preambulares, que a Senhora juíza de Direito titular do processo-base, na sua Informação ao abrigo do disposto no art. 454.º do CPP, prestada em 24-03-2025, se pronuncia pela negação da revisão, invocando a desnecessidade de produção da prova pretendida pelo requerente – requisição de cópias do processo-crime tramitado pelas autoridades judiciárias angolanas –, face ao estabelecimento da competência internacional dos tribunais nacionais. Por outro lado, nas pronúncias do acórdão condenatório e do acórdão do TRL, foi entendido que a existência de processo em Angola não obstava à prossecução dos autos, sendo certo que toda a informação já constava dos autos quando foi proferido o acórdão de 1.ª Instância, nomeadamente desde 11-03-2019. Por fim, nenhuma questão “nova” teria sido trazida aos autos.
É nisso acompanhada pela resposta do Ministério Público junto do tribunal de 1.ª Instância ao requerimento de revisão, bem como na promoção do Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ.
No seu requerimento inicial, formulado em 28-01-2025, de revisão do acórdão condenatório em causa, o arguido-requerente vem alegar existir inconciliabilidade entre os factos que resultam da documentação que apresentou com tal requerimento, relativamente aos que foram dados como provados e se transcreveram em II.2.
Tais factos consistiriam naqueles que vêm mencionados na cópia digital (não autenticada) de uma suposta certidão da secretaria da PGR de Angola junto do serviço de investigação criminal - SIC – Geral (autoridade policial angolana), em ..., datada de 09-01-2019, e são suportados numa participação apresentada em 10-05-2016, no Departamento de Crimes contra as Pessoas, do SIC, em ..., por BB, enquanto administradora da “M..., Lda.”, contra DD, EE, o aqui requerente AA e FF. Tais factos foram indiciariamente qualificados, em tal documento, como crimes de burla por defraudação e de ameaça de morte, pp. pp. respetivamente, nos artigos 451.º e 379.º do Código Penal angolano [então em vigor].
Invoca o requerente – reconhecendo não o poder demonstrar – que tal participação teria dado origem a um processo-crime iniciado como instrução preparatória n.º 820/2016-02, o qual teria merecido decisão de mérito de aplicação da Lei de Amnistia n.º 11/16, de 12 de agosto, publicada no Diário da República (de Angola), I Série, nº 137, de 12 de Agosto de 2016, em data anterior à do acórdão condenatório de 1.ª Instância proferido no processo-base, data essa que, contudo, é incerta.
O requerente sugere mesmo que só depois do arquivamento do processo-crime em Angola, por aplicação da lei de amnistia, a assistente teria apresentado queixa em Portugal – cfr. pontos 14. e 33. do reqt.º inicial e 7. das conclusões.
O requerente assume não ter localizado o referido processo e, consequentemente, não poder comprovar por qualquer meio qual o exato sentido do despacho que teria apreciado tais factos, considerando, no entanto, que só poderia ter sido após a data da entrada em vigor da referida Lei n.º 11/16, ocorrida em 12 de agosto de 2016 (art. 8.º do referido diploma), através de despacho de arquivamento do Ministério Público, ou de juiz angolano, os quais, no entendimento do requerente, enquanto despachos que poem fim ao processo, teriam de se considerar equivalentes a sentença, para o efeito do disposto no art. 449.º, n.º 2, do CPP, sob pena de inconstitucionalidade (ponto 15. do seu recurso).
O requerente juntou, ainda, uma cópia de mensagem eletrónica (e-mail), enviado em 23-05-2019, e reencaminhado em 24-05-2019, aparentemente recebido no endereço eletrónico do advogado do requerente, que dá nota da tentativa, infrutífera, de localização do referido processo, por terceiros, nos competentes departamentos judiciários angolanos, mencionando que tal tarefa foi acrescidamente dificultada porquanto não obtiveram indicação do arguido (e advogado?) sobre o local onde se poderia encontrar, nem o requerente o forneceu.
Nenhuma documentação oficial existe nos autos que pudesse confirmar o teor da dita certidão.
Nenhum documento que certifique ou, sequer, documente qualquer despacho ou decisão de arquivamento do suposto processo-crime – do Ministério Público ou de algum juiz de tribunal da República de Angola – foi junto pelo arguido, por suposta inultrapassável dificuldade na obtenção da pertinente informação sobre o departamento ou tribunal onde corre(u) o processo, sendo certo que, aparentemente, em “09-01-2019” a instrução preparatória n.º 820/2016-02, originada com base na referida participação da representante da aqui assistente, afinal ainda corria termos na Direcção de Combate aos Crimes contra as Pessoas do SIC-Geral, de ..., a cargo do investigador GG, ou seja, em tal data, não teria sido arquivada.
Nenhuma prova existe de o requerente ter feito diretamente diligências junto das autoridades judiciárias angolanas no sentido de obter a pertinente informação sobre a pendência e eventual decisão de arquivamento por aplicação de amnistia existente no aludido processo-crime, nem sequer informando se o processo teria corrido contra si, nos tribunais angolanos, na sua ausência, e em que termos.
De certo, o que resulta das suas alegações é o que sempre tem vindo a requerer nos autos, aproveitando tais circunstâncias para suscitar a questão da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos factos pelos quais o requerente foi condenado.
Alega, assim, existir, uma coincidência de factos, entre aqueles que são objeto do suposto processo-crime angolano e os que fundamentam a sua condenação no processo-base, defendendo, em primeiro lugar, não serem os tribunais portugueses os competentes internacionalmente e, alternativamente, existir, com a sua condenação, violação do princípio non bis in idem, considerando que, na sua conjetura, o processo-angolano teria sido arquivado por amnistia, pelo que não poderia ser condenado pelos “mesmos factos”, no tribunal nacional.
Importa, porém, desde já, dilucidar duas questões distintas na argumentação do requerente, que, de resto, retoma argumentação já exposta em fases anteriores do processo, designadamente na fase de instrução, de julgamento e de recurso: 1) a questão da (in)competência internacional dos tribunais nacionais para conhecer da matéria de facto e de direito objeto do processo, e 2) a questão da violação, pelos tribunais nacionais, do princípio non bis in idem.
A primeira foi já oportuna e definitivamente apreciada, enquanto única questão colocada no RAI, pelo Juiz de Instrução Criminal de .../Juiz ... – na decisão de 22-06-2018 (ref.ª Citius .......66) – tendo ali sido afirmada a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos factos imputados aos arguidos no âmbito dos presentes autos.
Por seu turno, no despacho de recebimento dos autos para julgamento, de 28-09-2018 (ref.ª Citius .......62), a Senhora juíza de Direito titular do Juízo Central Criminal de .../Juiz ..., considerou, igualmente, ser o Tribunal competente.
É certo, também, que tal questão não voltou a ser expressamente apreciada, aquando do requerimento do arguido, de 11-03-2019 (ref.ª ......99) para junção de prova documental, onde o arguido a voltou a suscitar.
No acórdão revidendo, o tribunal assumiu, implicitamente, que mantinha competência em termos internacionais.
Porém, tendo tal questão (da in/competência internacional dos tribunais nacionais) sido objeto do recurso do arguido-requerente do acórdão condenatório de 26-04-2019, a mesma foi explicitamente apreciada pelo TRL, no seu acórdão de 29-10-2019. Este Tribunal Superior considerou estar definitivamente estabelecida a competência internacional dos tribunais portugueses, tendo rejeitado o recurso quanto a tal matéria, por existir caso julgado quanto à mesma. O acórdão do TRL de 14-01-2020 veio a indeferir a arguição de nulidade daquele acórdão.
A assunção da competência internacional pelos tribunais nacionais, exclui, correspondentemente, a competência de qualquer outra jurisdição, designadamente a angolana.
Quanto à segunda questão, que não contende com a primeira, nunca foi esclarecida a exata e concreta situação processual do arguido perante a jurisdição estrangeira.
Efetivamente, inexiste qualquer facto demonstrado acerca da mesma. Só a versão trazida pelo arguido existe nos autos.
Como ponto prévio a esta questão, devemos aqui desde já advertir que não pode o procedimento extraordinário de revisão de sentença converter-se num processo de revisão/reconhecimento de sentença estrangeira (artigos 234.º ss. do CPP e 978.º ss. do CPC). Desde logo, não se sabe se existe “sentença estrangeira”; por outro lado, quer o disposto no n.º 3 do art. 234.º do CPP, quer o disposto no n.º 2 do art. 978.º do CPP, tornam desnecessário que se promovesse a revisão e confirmação de sentença estrangeira, uma vez que se trataria de obter mero “meio de prova”.
A esmagadora generalidade da doutrina (cfr., João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, t. V, Coimbra, Almedina, 2024, p. 523) e da jurisprudência (cfr. acs. do STJ, de 25-10-2023; rel. Cons. Maria do Carmo Silva Dias), e de 18-01-2017; rel. Cons. Raul Borges), considera que a oposição pode verificar-se entre uma sentença condenatória [penal] nacional [embora possam ser consideradas como provas, as decisões estrangeiras não são relevantes] e qualquer outra sentença proferida no âmbito processual penal ou fora dele (p. ex., na jurisdição administrativa ou civil).
Até agora, no processo, os tribunais nacionais – o da condenação e o TRL – não tiveram acesso a quaisquer elementos seguros sobre a pendência do hipotético processo-crime angolano n.º 820/2016-02, sobre que factos poderão estar em causa no mesmo e sobre que decisão terá sido proferida pelo Ministério Público ou pelos tribunais angolanos, bem como se o requerente é nele sujeito processual.
Permanece por esclarecer: onde corre(u) o processo em Angola? Sobre que factos versa ou versou? Contra quem corre, ou correu esse processo? Em que fase se encontra?
A título meramente de obiter dicta, dir-se-ia, a dar crédito ao teor da “certidão” angolana, que na data da mesma (09-01-2019) o processo de instrução preparatória ainda “corria” nos SIC, a cargo do investigador criminal GG, ou seja, nessa data não estaria “arquivado”.
Por outro lado, tal certidão teria sido solicitada pela representante da assistente, BB, sendo certo que o arguido refere no seu requerimento de 11-03-2019, ter obtido a sua cópia através de uma testemunha no processo, HH.
Por fim, os factos que são narrados na participação feita no SIC de Angola, em 10-05-2016, pela referida BB, respeitam ao enquadramento de uma factualidade relevada como “ameaça de morte”, para o que a participante teria chamado particularmente a atenção, nos seguintes termos «(…). Todavia, o que preocupa a participante é que, quando está em Angola, recebe telefonemas anónimos, de chamadas não identificáveis que a ameaçam, caso insista em tentar reaver o dinheiro irá pagar com a vida».
O processo de instrução Preparatória estaria, por isso, na Direcção de Combate aos Crimes contra as Pessoas, do SIC angolano. Ou seja, os factos que configurariam eventuais delito(s) contra o património (burla por defraudação) ou não foram valorizados pelas autoridades angolanas ou não assumiriam o protagonismo que o arguido pretende que lhes seja atribuído agora, para suscitar a questão da violação do princípio non bis in idem.
Em suma, ignora-se qual a factualidade concretamente investigada na dita instrução Preparatória angolana.
Em rigor, não haveria, segundo a própria versão do arguido, inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento ao acórdão condenatório (do tribunal nacional) e os que estariam (ou estão?) em causa no processo-crime angolano, antes haveria coincidência entre eles.
Simplesmente, como refere o Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ,
«Se a alegada aplicação da amnistia foi acto do Ministério Público, tratou-se de um despacho puramente declaratório, em cujo âmbito não consta o rol de quaisquer factos-provados (e não provados) susceptível do seu cotejo lógico-dialéctico com a questão-de-facto apurada no Acórdão condenatório do arguido proferido no PCC 6376/16.0..., para se averiguar eventual inconciliabilidade;
Se foi acto do Tribunal, proferido ainda antes do trânsito em julgado de eventual condenação, soçobra, de igual forma, a possibilidade desse cotejo lógico;
Se foi acto do Tribunal, mas ditado já após o trânsito em julgado de uma eventual condenação (amnistia imprópria), essa possibilidade representaria, no caso, um autêntico non sense, pois que o recorrente procura, isso-sim, a demonstração da plena igualidade das questões-de-facto de duas decisões diversas, para fundar a violação do ne bis in idem.»
Embora se trate de meras hipóteses, deve esclarecer-se, desde já, que, caso haja sido proferido de arquivamento por aplicação da Lei de Amnistia angolana ou por despacho judicial prévio a qualquer julgamento, e existência de tais despachos nunca poderiam constituir fundamento de uma eventual violação do princípio non bis in idem.
É que apenas os factos dados como provados em decisões judiciais, sejam elas condenatórias ou absolutórias podem ser inconciliáveis e desencadear este mecanismo extraordinário de quebra do caso julgado. A contradição entre os factos constantes de uma decisão condenatória (revidenda) e os factos constantes de um despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público (ac. do STJ de 26-11-2015, rel. Cons. Isabel São Marcos) – que apenas cria caso decidido, portanto, reversível por intervenção hierárquica – ou de uma decisão de entidade administrativa é, para este efeito, irrelevante. Por outro lado, a existência de um despacho judicial prévio de aplicação de amnistia e de extinção do procedimento criminal, prévio a julgamento, não surte, igualmente, qualquer efeito preclusivo da sua reapreciação, dado que não haveria julgamento sobre a materialidade dos factos tipicamente relevantes: não se teriam, em suma, estabelecido quaisquer factos provados.
Só há verdadeira oposição entre decisões processualmente semelhantes, ou seja, que metodologicamente obedecem aos mesmos pressupostos: aquilo que é diferente (v.g., tendo como base graus de certeza diversos) não pode ser comparado. As decisões que põem termo ao processo são equiparadas às sentenças para permitir a sua revisão (artigos 449.º, n.º 2 e 464.º) e não para alargar os fundamentos da quebra do caso julgado (neste sentido, acs. do STJ, 12-05-2016, rel. Cons. Souto de Moura, e de 26-11-2015; rel. Cons. Isabel São Marcos). Nessa medida, não assiste razão ao requerente relativamente ao que alega no ponto 15. I.ª Parte, do seu recurso: o que está em causa no art. 449.º, n.º 2, do CPP, é a própria decisão revidenda, e não a que seja inconciliável com ela.
Nessa medida, assiste razão à Senhora juíza de Direito titular do processo em considerar irrelevante a verificação do arquivamento do processo-crime angolano por despacho do Ministério Público ou de juiz angolano anteriormente ao julgamento, mesmo que tenha ocorrido anteriormente à data da prolação do acórdão condenatório (26-04-2019).
Volvendo ao caso vertente, analisemos a configuração da pretensão do recorrente, que a densifica nos pontos e 16. e 35. do seu requerimento inicial:
«16 – Porque um dos fundamentos da revisão é o previsto no art. 449º, nº 1, alínea d) do CPP) – requer-se que o Tribunal proceda às diligências indispensáveis para descoberta da verdade material, nomeadamente ordenando a obtenção da Lei Angolana 11/16, já referida como Lei da Amnistia, bem como solicitar às autoridade angolanas cópia de todo o processo-crime com a referência 820/2016-02, uma vez que o Recorrente, não obstante ter realizado todos os esforços para obter a documentação deste processo angolano o não ter conseguido concretizar; contudo às autoridades judiciárias, donas da aplicação da justiça concreta e conforme à lei aplicável e evitando duplicação de julgamentos sobre os mesmos factos, impõem-se sumamente a realização de tais diligências (como até dispõe o disposto do art. 453º do CPP), o que mais do que se requerer se implora seja feito.
(…)
35 - Para esse efeito, e ao abrigo do disposto nos artigos 453º, nº 1 do Código de Processo Penal e do art. 662º, nº 2 do Código de Processo Civil (aplicável), requer-se seja oficiado às autoridades competentes do Estado de Angola, no sentido de transmitirem ao presente processo o teor da decisão de arquivamento contra o aqui Recorrente e, preferencialmente, cópia de todo o processo».
A competência da jurisdição penal nacional encontra-se assente, por trânsito em julgado, após a decisão sobre questão prévia do Senhor juiz de instrução criminal de 22-06-2018.
A existência de uma certidão da participação que terá dado origem ao processo-crime angolano, bem como de outros elementos documentais atinentes a uma eventual tentativa de restituição de quantias à M..., Lda., apresentados em 11-03-2019, foram tomados em consideração no acórdão condenatório revidendo, assim como no acórdão do TRL de 24-10-2029, que o confirmou.
A informação sobre a alegada impossibilidade de localização do processo-crime angolano é conhecida pelo arguido (e pelo seu advogado) pelo menos desde data anterior a 23-05-2019, que foi quando o seu advogado recebeu a mensagem eletrónica dos contactos em Angola, confirmando a alegada impossibilidade de localização (ainda dentro do prazo de recurso do acórdão de 1.ª Instância).
A própria alegação da aplicação da lei de amnistia angolana – conducente ao pretenso arquivamento do processo-crime em Angola – foi já ventilada no recurso para a Relação do acórdão de 1.ª Instância, interposto em 27-05-2019. Mas não foi objeto de expressa apreciação pelo TRL, por se considerar facto superveniente à decisão ali recorrida (o acórdão revidendo).
Por outro lado, não se compreende como pode o arguido ser tão assertivo quando refere nas suas alegações, que:
«7ª – Ou seja, antes do acórdão português proferido no presente processo [presume-se que se refira ao de 1.ª Instância], o caso já havia sido julgado e em sentido favorável ao Recorrente: com o respetivo arquivamento ao abrigo da aplicação evidente da referida Lei da Amnistia angolana – facto de que apenas após o seu julgamento em Portugal do Recorrente teve conhecimento.» (itálico nosso),
quando ele próprio assume não saber em que “tribunal” tal processo-crime se encontra(rá) e quando aponta mais frequentemente para a possibilidade de arquivamento do processo-crime em momento prévio ao julgamento.
Esses fundamentos poderiam oportunamente ter baseado, como basearam, um recurso ordinário da decisão condenatória sobre matéria de direito.
Mas sem sucesso, pois o acórdão do TRL de 29-10-2019 não os tomou em linha de conta.
Fazendo uma breve resenha cronológica dos passos processuais ocorridos, temos, assim, que:
- a acusação proferida pelo Ministério Público foi deduzida em 18-04-2018;
- o despacho do juiz de instrução, a decidir a questão da competência internacional dos tribunais portugueses foi proferido em 22-06-2018;
- o despacho de recebimento da acusação, considerando competente o tribunal, foi proferido em 28-09-2018;
- o requerimento de junção de elementos documentais, pelo arguido (com certidão da participação em Angola) deu entrada em 11-03-2019;
- o início das sessões da audiência de julgamento deu-se em 21-03-2019;
- o despacho de admissão da junção dos documentos (entrados em 11-03-2019) foi proferido na sessão de 28-03-2019;
- o acórdão (condenatório) de 1.ª Instância foi proferido em 26-04-2019;
- o recurso para o TRL do acórdão condenatório, em que alude ao arquivamento do processo-crime angolano por aplicação da lei de amnistia, foi interposto em 27-05-2019;
- o acórdão do TRL, a julgar improcedente o recurso, foi proferido em 29-10-2019;
- acórdão do TRL, a indeferir a arguição de nulidade do acórdão de 24-10-2019, foi proferido em 14-01-2020;
- o requerimento de revisão foi apresentado em 28-01-2025.
Assim, tendo ficado estabelecida a competência dos tribunais nacionais, em matéria criminal, para julgar os factos em causa nos autos, a invocação, pela primeira vez, no recurso para o TRL do acórdão condenatório, do arquivamento do suposto processo-crime em Angola por aplicação da lei de amnistia de 2016, pode assumir algum relevo para a dilucidação da situação de violação do princípio non bis in idem, mas apenas na hipótese de ter havido efetivo julgamento pelos factos em tribunal angolano.
Qualquer outra decisão que tenha determinado o eventual arquivamento do processo-crime por amnistia em Angola em fase prévia ao julgamento, não teria a virtualidade de surtir o efeito de violação do princípio non bis in idem.
Defende o arguido que o processo-crime angolano teria sido arquivado ou julgado ainda antes da decisão condenatória nacional, o acórdão proferido em 26-04-2019, sendo certo que tal só poderia ter ocorrido entre a data da entrada em vigor da Lei n.º 11/2016 (12 de agosto de 2016) e aquela data.
Importará, todavia, saber se o que existe é uma sentença condenatória angolana do arguido, a que teria sido aplicada a amnistia (imprópria) por despacho posterior (sob condição resolutiva?), ou um mero despacho prévio a declarar o crime amnistiado.
Por isso, afigura-se-nos oportuno e pertinente que, previamente à prolação de qualquer decisão final, possa obter-se informação junto das competentes Autoridades angolanas – ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 15.º, n.º 1, da Convenção de Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da CPLP (aprovada pela Resolução da AR n.º 46/2008, de 12-09) –, sobre qual a fase atual do processo-crime n.º 820/2016-02, originado com a participação que o arguido juntou, designadamente certificando se o mesmo era ali arguido e se tal processo foi, ou não, arquivado por aplicação da Lei de Amnistia n.º 11/2016, de 12-08, e, em caso afirmativo, em que termos, por que entidade, e quando – devendo enviar-se cópias dos elementos documentais apresentados pelo arguido e solicitar-se cópias digitais dos elementos processuais relevantes demonstrativos das solicitadas informações, devendo tais diligências ser empreendidas pelo do tribunal da condenação, através da Autoridade Central para a Cooperação Judiciária em Matéria Penal (PGR, nos termos do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008 de 12-09).
III. Decisão
Nestes termos, acordam em conferência nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em determinar, ao abrigo do disposto no art. 455.º, n.º 4, do CPP e nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 15.º, n.º 1, da Convenção de Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da CPLP (aprovada pela Resolução da AR n.º 46/2008, de 12-09), que o tribunal da condenação obtenha, através da Autoridade Central (PGR), informação junto das competentes Autoridades Angolanas, sobre se existe, ou existiu, um processo-crime n.º 820/2016-02, originado com a participação que o arguido juntou, e, em caso afirmativo, qual o estado/fase atual do mesmo, bem como se o requerente era, ou é, ali arguido e se tal processo foi, ou não, arquivado por aplicação da Lei de Amnistia n.º 11/2016 e, em caso afirmativo, em que termos, por que entidade, e quando – devendo enviar-se cópias dos elementos documentais apresentados pelo arguido e solicitar-se cópias digitais dos elementos processuais relevantes demonstrativos das solicitadas informações.
Sem tributação.
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Lisboa, STJ, 12-06-2025
(Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente da Secção - art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP)
Os juízes Conselheiros
Jorge dos Reis Bravo (relator)
Celso Manata (1.º adjunto)
Vasques Osório (2.º adjunto)
Helena Moniz (Presidente da Secção)