Não há condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, se a decisão visada não contém qualquer condenação.
Alega, em conclusão, o seguinte:
“a) A Douta Revista decidiu quanto ao pedido da autora (Recorrente) se enquadra na “restituição das quantias que a autora entregou à ré – que é o que pode discutir-se e o que a autora, no essencial, pretende com esta ação – é apenas a parte/ a prestação parcial, que, em consequência da resolução do contrato promessa, sempre caberia a esta”;
b) O pedido da autora (Recorrente) na sua petição inicial enquadra-se em “Condenar-se a Ré a restituir à Autora a quantia recebida a título de sinal, em dobro”.
c) A “ restituição do sinal em dobro”, dada a sua natureza jurídica não se pode confundir, e diverge notoriamente (na sua natureza), do simples petitório da restituição das quantias entregues (antecipação de cumprimento).
d) Existem diferenças marcantes entre o regime do sinal e o regime da antecipação de cumprimento, de tal forma que tais dinâmicas impedem que a segunda seja uma função do primeiro.
e) É de tal forma notória a diferenciação entre a quantia entregue a título de sinal e a quantia entregue a título de antecipação de cumprimento que para os contratos em geral, inicialmente, deve-se destacar que a presunção é da não existência de sinal quando as partes nada determinarem, segundo estabelece o artigo 440º do Cód. Civil.
f) É nula a decisão que condene a restituição ao promitente-comprador (Autora Recorrente) do sinal, em singelo, quando esta havia pedido o pagamento do sinal em dobro, porque os fundamentos de facto (resolução por incumprimento) e de direito (art. 442.º, n.º 2, do CC), são completamente distintos para a restituição em dobro e para a restituição em singelo.
g) O juiz não pode proferir sentença que transponha os limites do pedido quanto ao seu próprio objeto, pelo que, não havendo coincidência entre a decisão e o pedido, a sentença é nula.
h) A decisão da restituição das quantias que a autora (Recorrente) entregou à ré (Recorrida) não respeita o objeto do pedido que é a condenação da Ré (Recorrida) a “restituir a quantia recebida a título de sinal, em dobro”.
i) A Douta Revista decidiu em objeto diverso do pedido, pelo que obrigatoriamente terá que se concluir pela sua nulidade com fundamento na da alínea e) do nº 1 do artº 615º, aplicável ex vi artº 685º e artº 666º todos do Cód. do Proc. Civil.
j) Por ser nula a Douta Revista deve manter-se “in totum” o Venerando Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que não merece censura”.
2. A autora / recorrente Sofanes, S.A., apresentou resposta à reclamação, concluindo:
“a) Afigurasse-nos que a Reclamante ao arguir a nulidade da Douta Decisão mais não é do que para manifestar a discordância e pugnar pela alteração do sentido decisório a seu favor;
b) A Reclamação apresentada carece de total fundamento, uma vez que este Douto Tribunal apreciou a questão que constituía o objeto do Recurso de Revista, inexistindo assim a invocada nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 alínea e) do CPC;
c) A Douta Decisão de Revista deverá manter-se “in totun”, por não merecer qualquer censura”.
Dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC:
“É nula a sentença quando:
(…) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Ora, desde logo, a questão a que se respondeu foi, tal como vem formulada no Acórdão reclamado, a de saber “se deve proceder a excepção de ilegitimidade da autora para a presente acção” ou, como se diz adiante, “saber se a autora tem legitimidade – legitimidade processual – para propor a presente acção”.
E, como decorre da respectiva fundamentação, no Acórdão ora reclamado não se condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Na verdade, não se condenou de todo, tendo-se este Supremo Tribunal limitado a decidir que (e a demonstrar por que) “não se encontra razão [para] confirmar a procedência da excepção dilatória da ilegitimidade da autora”.
É, aliás, tão visível que não houve qualquer condenação que nem sequer se condenou a parte vencida em custas, tendo (também) esta condenação sido relegada para final.
Para a decisão deste Supremo Tribunal era absolutamente indiferente as quantias em que a ré seria, a final, condenada. No recurso de revista apenas se apreciou se a autora era ou não parte legítima para a acção, não se fazendo – nem cabendo fazer – qualquer juízo (de mérito) sobre as quantias que a autora considerava devidas por força da resolução do contrato-promessa.
Para aquela decisão só importou que o contrato-promessa estava resolvido por decisão transitada em julgado, não havendo, portanto, impedimento, no plano da legitimidade processual, a que a autora viesse propor a presente acção nem prejuízo para a sua utilidade.
Leia-se, designadamente, a seguinte passagem do aresto:
“Ora, em face do que se viu, não é possível dizer que a decisão da presente acção não é susceptível de dirimir o conflito entre a autora e a ré por não intervirem as restantes promitentes-compradoras. Note-se que o contrato-promessa foi resolvido conforme declaração judicial transitada em julgado, a ré foi condenada, na mesma decisão, a restituir o que cabia a outra das promitentes-compradoras, as quantias entregues pela autora à ré constam dos factos provados (cfr. factos provados 7 a 18). Não se vê, em suma, razão para a acção não prosseguir, em especial com fundamento em qualquer ilegitimidade da autora”.
Tudo visto, não resta senão concluir pela improcedência da arguição de nulidade do Acórdão.
DECISÃO
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Catarina Serra (relatora)
Carlos Portela
Isabel Salgado