RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REFORMA
ACÓRDÃO
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
LAPSO MANIFESTO
ERRO DE JULGAMENTO
INDEFERIMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Sumário


Determina o artigo 613.º, n.º 1, do CPC que “[p]roferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


1. No dia 23.04.2025 proferiu este Supremo Tribunal de Justiça Acórdão em cujo dispositivo pode ler-se:

Pelo exposto, concede-se provimento à revista nos seguintes termos:

1) anula-se o Acórdão recorrido na parte em que rejeitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no tocante à pretensão de aditamento aos factos provados dos factos não provados constantes das alíneas a) e c);

2) determina-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, se apreciar a impugnação da decisão sobre matéria de facto naquela parte, extraindo-se as eventuais consequências ao nível da decisão de direito.

2. Vêm agora a rés / recorridas CSFALA, Lda., e SSG - Produção de Energia Solar, Lda., requerer “a RETIFICAÇÃO / REFORMA do douto acórdão, o qual deverá ser decido em conferência, ao abrigo dos artigos 614.º, n. º1, 616.º, n. º2, 666.º, n.º 1 e 2, aplicáveis ex vi artigo 685.º, todos do Código de Processo Civil”.

Alegam o seguinte:

(1§) Aprioristicamente, e para que o presente requerimento seja bem recebido e – acima de tudo, bem interpretado – cabe-nos expressar o nosso maior respeito pelo douto acórdão e pelo poder jurisdicional último deste tribunal.

(2§) No entanto, porque entendem as Recorridas ter-se tratado de um lapso compreensível, vêm estas esclarecer e propugnar a retificação/reformado douto acórdão nos termos abaixo apresentados.

Ora,

(3§) Entendeu este douto tribunal que a Autora Recorrente cumpriu o ónus processual imposto pelo artigo 640.º do CPC, em particular o dever que incumbe ao recorrente de “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” [art. 640.º, n.º 2, alínea a)].

(4§) Com efeito, refere o Acórdão que «mesmo admitindo o desdobramento da al. b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC na dupla vertente referida no Acórdão recorrido dir-se-á que a alegação da apelante contém o que é preciso para se considerar que ela (i) rebateu a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo (ao referir que resultava da prova testemunhal a prova de dois factos que o Tribunal recorrido havia, indevidamente, dado

como não provados)e (ii)tentou demonstrar que a prova produzida incutia uma decisão sobre a matéria de facto diferente (ao alegar que aquela prova testemunhal obrigava ao aditamento à factualidade provada de dois factos dados como não provados pelo Tribunal recorrido)» (negritos nossos).

… e

(5§) Efectivamente, quando apreciada a apelação da Autora aqui sob escrutínio – tal qual denota o acórdão deste tribunal – não podemos negar que é possível nele constatar indicações de passagens das gravações como estas:


(6§) Tudo o que, à primeira vista, seria suficiente –tal qual estabelecido por este douto tribunal – para se dizer cumprido o ónus de impugnação vertido no 640.º CPC, não fosse o facto de as remissões serem feitas para a gravação áudio, na sua integralidade.

(7§) De facto, entendem as Rés, ora Recorridas – com o máximo respeito por este tribunal – que este facto não foi apreciado nem qualificado por este douto tribunal por lapso e omissão compreensíveis. O que se entende, tendo em conta a forma enigmática com que a Autora Recorrente procedeu à impugnação da matéria de facto. Vejamos muito pronta e sucintamente.

(8§) Quando a Autora Recorrente diz que tais factos devem ser considerados provados porque assim resulta da “audição do depoimento de AA de 26/01/2023, desde 11:30 – 12:31, passagem que se ressalva de 44min, a 46min.”, o que a Autora faz é reportar-se à integralidade da gravação deste depoimento que ocorreu no dia26/01/2023, entre as 11h30m da manhã até às 12h31m da tarde, – não ao minuto 11.30 até 12.31 da


gravação: (consultável via Citius, no separador das gravações)

(9§) Ou seja – de forma simplificada – a Recorrente diz que deve considerar-se o depoimento integral de AA, menos a parte que surge ao minuto 44 até ao minuto 46.

(10§) Ainda que á primeira vista possa parecer que a Recorrente remete para a passagem que vai do minuto 11:30s até minuto 12:31s, quando avaliado o que antecede, é imperioso concluir que a Recorrente remete para a totalidade da gravação, ou seja uma hora de depoimento, ressalvada a parte que não lhe interessa.

(11§) Método de impugnação a que a Recorrente procede para os testemunhos de BB e CC.

Ora,

(12§) Ainda que as Recorridas acompanhem o princípio expendido por este doutro tribunal de que é necessário fazer uma apreciação substancial e proporcional do cumprimento do ónus de impugnação do art. 640.º do CPC em detrimento de uma avaliação puramente formalista, a verdade é que o recurso apresentado pela Recorrente é uma violação clamorosa do princípio mais básico que dá corpo à exigência do art. 640.º: indicar, com exatidão e detalhe razoável quais os elementos do processo que impunham uma decisão diversa.

(13§) E, convenhamos, chamar a juízo 3 depoimentos integrais, todos de aproximadamente uma hora cada (“ressalvados” alguns minutos), não pode, para bem de um processo civil justo, legal e equitativo, ser admissível.

(14§) E, claro está, não se trata, com este requerimento, de uma simples discordância das Recorridas perante o Acórdão proferido, mas antes do que estas consideram tratar-se – com o devido respeito – de um evidente e incontroverso lapso (vide Ac. STJ Proc. N.º 12380/17.4T8LSB.L1.S1, 28-01-2021, ROSA TCHING).

Nestes termos e nos demais de direito que V/Ex.as doutamente suprirão, deve o Acórdão ser retificado/reformado no sentido de rever o lapso/omissão de verificação de incumprimento do ónus de impugnação do art. 640.º do CPC”.

2. A autora / recorrente Esplendor da Planície, Unipessoal, Lda., respondeu nos seguintes termos:

1.° Refere a Recorrida, nas alíneas (8§) e (9 §), que a Recorrente se reporta à integralidade da gravação do depoimento de AA, de forma simplificada, entendendo, então, que o que está a ser pedido é que «deve considerar-se o depoimento integral de AA, menos a parte que surge ao minuto 44 até ao minuto 46».

2.° Considera, assim, que «chamar a juízo 3 depoimentos integrais, todos de aproximadamente uma hora cada (“ressalvados” alguns minutos), não pode, para bem de um processo civil justo, legal e equitativo, ser admissível» (vide alínea 13§).

3.° Salvo o devido respeito, as remissões das gravações dos depoimentos mencionados e invocados pela Recorrente estão devidamente concretizadas, não assistindo razão à Recorrida, senão vejamos,

4.° Nos termos do artigo 640.º, n.º 2, alínea a), Cód. Proc. Civil, «Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

5.° Ora, relativamente ao depoimento de AA, em concreto, veja-se que a Recorrente indicou o seguinte:

«Audição do depoimento de AA de 26/01/2023, desde 11:30 - 12:31, passagem que se ressalva de 44min a 46min».

A Recorrente remeteu, assim, para a data em que o depoimento foi gravado (26/01/2023), o horário do dia 26/01/2023 em que a sessão foi gravada (11h30 - 12h31, conforme tabela com que a Recorrida nos vem confrontar) e a passagem da gravação em que se funda o recurso (44min a 46min).

Significa, neste caso, que a Recorrente vem ressalvar/destacar/salvaguardar a passagem do depoimento entre os 44min e os 46min da gravação, não correspondendo esta «à parte que não interessa», mas, precisamente, ao oposto - à parte em que se vem fundar o recurso.

6.° A referência às gravações é clara e precisa, tendo-se indicado o momento exato em que se funda o recurso, pelo que a pretensão da Recorrida não tem qualquer fundamento”.


*


Determina o artigo 613.º, n.º 1, do CPC que “[p]roferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.

De acordo com o disposto n.º 2 do mesmo preceito, pode, porém, haver lugar à arguição de nulidades nos termos do artigo 615.º do CPC.

Estas disposições são aplicáveis no âmbito do recurso de revista, ex vi dos artigos 666.º, n.ºs 1 e 2, e 685.º do CPC.

No caso em concreto, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, nos presentes autos, por Acórdão de 23.04.2025.

A reclamação para a Conferência, meio que as recorrentes ora utilizam, seria o meio adequado para o pedido de rectificação ou reforma do Acórdão, bem como para a arguição da nulidade.

Acontece que não foram arguidas nulidades, pelo que nada há a suprir.

Acresce que não se vislumbra que haja omissão dos nomes das partes, quanto a custas ou de algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, nem se vislumbra que ocorra erro de escrita ou de cálculo ou qualquer inexactidão devida a outra omissão ou lapso manifesto.

Tão-pouco se regista lapso manifesto do qual tenha resultado erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou meios de prova plena que, só por si, impliquem decisão distinta da proferida. A decisão proferida está em plena conformidade com a norma aplicável: ao contrário do que alegam os reclamantes, a recorrente / ora reclamada cumpriu o ónus do artigo 640.º do CPC, nomeadamente especificando, como se exige na al. b) do n.º 1 desta norma, “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”; por conseguinte, não deve a impugnação da decisão sobre a matéria de facto ser rejeitada.

Para o que releva para a presente reclamação, conclui-se que não há motivo para proceder à rectificacão de erros materiais ou à reforma do Acórdão, nos termos dos artigos 613.º, n.º 2, 614.º, n.º 1, ou 616.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

Aquilo que resulta do alegado pelas recorridas na reclamação é, sim, exclusivamente, a sua insatisfação ou discordância quanto ao decidido.

Ora, uma vez proferido o Acórdão, as partes já não dispõem de oportunidade nem meio para o fazer. Dito por outra forma: com a prolação do Acórdão esgotou-se definitivamente o poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça.


*


DECISÃO

Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.


*


Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

*


Lisboa, 17 de Junho de 2025

Catarina Serra (relatora)

Ana Paula Lobo

Carlos Portela