SUMÁRIO (elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC):
Tendo sido alegado que o tomador de seguro não comunicou, nem explicou ao autor o teor das cláusulas em discussão nos autos e assumindo tais factos relevância para a decisão de direito e não tendo sido oportunamente levados ao elenco de factos provados ou não provados, impõe-se a baixa do processo do tribunal recorrido para se proceder à ampliação da matéria de facto, de forma que esta constitua base suficiente para a decisão da causa.
AA veio propor acção declarativa de condenação contra Generali Vida - Companhia de Seguros, S.A.
Pede: (i) a condenação da Ré a pagar ao Autor todas as quantias que se vier a apurar que pagou ao Novo Banco, S.A. relativamente aos contratos de crédito contratados, desde a data da certificação da invalidez do Autor, 10 de Março de 2017, e até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a data do pagamento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento, (ii) a condenação da Ré a pagar ao Autor todas as quantias que se vier a apurar que pagou à Ré, relativamente aos contratos de seguros de vida contratados, desde a data da certificação da invalidez do Autor, 10 de Março de 2017, e até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a data do pagamento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento, (iii) a condenação da Ré a pagar ao Novo Banco, S.A. o capital seguro em dívida relativo aos contratos de empréstimo contraídos pelo Autor, e (iv) a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Regularmente citada, contestou a Ré por excepção dilatória, invocando a ilegitimidade do Autor, por esta caber ao Novo Banco, S.A., e por impugnação motivada e por excepção peremptória de direito material.
O Autor pronunciou-se sobre as excepções invocadas e invocou a nulidade das cláusulas constantes das condições gerais, cujo texto foi junto aos autos pela Ré.
Foi proferido despacho pré-saneador a convidar o Autor a fazer intervir nos autos o tomador do seguro invocado na petição, que veio este fazer, requerendo a intervenção principal do Novo Banco, S.A., como associado da Ré, intervenção que foi admitida por despacho de fl. 98.
O Novo Banco, S.A., contestou a acção defendendo-se por impugnação.
A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA, contra Generali Vida – Companhia de Seguros, S.A., em que é Interveniente Principal, como associado da Ré, o Novo Banco, S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente:
• Condeno a Ré a pagar ao Chamado o capital actualmente em dívida nos empréstimos mencionados na alínea a), do ponto II.1.;
• Condeno a Ré a restituir ao Autor todas as quantias referentes às prestações liquidadas por este ao Chamado desde 10.03.2017, em execução dos empréstimos mencionados na alínea a), do ponto II.1., até ao dia do pagamento do capital referido na alínea anterior, acrescidas de juros contados à taxa legal de 4% sobre o valor de cada uma das prestações desde a data de pagamento de cada uma delas, até integral e efectivo pagamento;
• Condeno a Ré a restituir ao Autor todas as quantias referentes aos prémios de seguro liquidadas por este entre 03.04.2017 a 02.09.2019, acrescidas de juros contados à taxa legal de 4% sobre o valor de cada um dos prémios desde a data de pagamento de cada um deles, até integral e efectivo pagamento.
Absolvo a Ré e o Chamado do demais peticionado.
Inconformada com esta decisão, a Ré Generali recorreu, vindo a Relação de Guimarães, em acórdão, a “julgar improcedente a apelação”.
De novo inconformada, vem a Ré Generali interpor Recurso de Revista Excepcional, “ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 671º, 672º, nº 1, als. a) e c), 674º, 675º, 676º e 638º, todos do Código de Processo Civil, juntando para o efeito as respectivas alegações que remata com as seguintes
CONCLUSÕES
1 – O presente Recurso de Revista Excepcional é admissível por verificação dos
requisitos das als. a) e c) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil.
2 - No que diz respeito ao fundamento constante da al. c), ele queda-se pela junção do Acórdão-fundamento em anexo, cuja nota de trânsito em julgado se protesta juntar.
3 - No que diz respeito à al. a), caberão no seu âmbito nomeadamente situações que surjam e sejam tratadas com frequência, e em alguns casos de forma diversa, questões de difícil solução e debatidas de forma controversa na doutrina e na jurisprudência, ou ainda cuja solução suscita dúvidas e bem assim que sejam susceptíveis de afectar relevantes interesses gerais de uma comunidade, ou seja, se vocacionem a uma melhor aplicação do direito, o que se considera ser o caso.
4 - Fundamentalmente e em síntese, no âmbito do contrato de seguro de Vida, de grupo, objecto dos presentes autos, o Acórdão recorrido, em conformidade com a sentença proferida em 1ª instância, considerou excluídas, por não terem sido comunicadas ao segurado por parte do Banco Tomador, as cláusulas enunciadas nas als. c) a f) do ponto II.1. da sentença, considerando a ora Recorrente responsável pelo pagamento do capital seguro e demais verbas constantes do respectivo segmento decisório, nos termos do artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
5 - Contudo, por um lado, não só não fez constar da matéria de facto dada como provada tal ausência de comunicação do clausulado, impedindo, assim, o recurso sobre matéria de facto quanto à questão, na medida em que inviabilizou a possibilidade de cumprimento da al. a), do nº 1, do artigo 640º do CPC;
6 - E, por outro lado, apesar de reconhecer tratar-se de um seguro de grupo em que a obrigação de cumprimento dos deveres de informação recai sobre o tomador do seguro, acolheu a jurisprudência que não desonera a seguradora do cumprimento de tais deveres, em concreto, o Acórdão do TJUE de 20 de abril de 2023, proferido no Processo C-262/22 e citado no acórdão do STJ de 29.02.2024;
7 – Ora, a omissão no elenco dos factos provados, do facto respeitante à não comunicação do clausulado do contrato, impede, por um lado, que seja extraída a consequência jurídica da exclusão das cláusulas enunciadas nas als. c) a f), do ponto II.1, sob pena de violação do preceituado nos nºs 3 e 4 do artigo 607º do CPC;
8 – E, por outro lado, não menos importante, veda à ora Recorrente a possibilidade de interpor recurso sobre matéria de facto, relativamente ao facto omisso, ou seja, relativamente à questão da comunicação ou não comunicação do clausulado do contrato;
9 - Tal circunstância, afecta ostensivamente as possibilidades de defesa da ora Recorrente, já que a impede de recorrer de facto, relativamente ao facto omisso, uma vez que não pode dar cumprimento ao preceituado no artigo 640º, nº 1, al. a) do CPC;
10 – Não podendo, pois, considerar-se, ao contrário do entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, uma mera “fundamentação deficiente”;
11 – Limitando as garantias de defesa da Recorrente, nomeadamente, a possibilidade de recorrer de facto, relativamente ao facto omisso, o Acórdão recorrido é assim violador do preceituado no artigo 195º, nº 1 do CPC e a interpretação adoptada desrespeitadora do disposto no artigo 20º da CRP;
12 - Por assim ser, estamos claramente perante uma nulidade da Sentença e do Acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. b) do CPC, impondo-se a inclusão, no elenco da matéria de facto dada como provada, do facto respeitante ao não cumprimento dos deveres de informação das cláusulas de invalidez do contrato de seguro dos autos;
13 - Como sabemos nos seguros de vida associados a mútuos, toda a fase pré-contratual até à celebração do contrato ocorre, exclusivamente, entre o Banco Tomador e o mutuário pessoa a segurar, não existindo, nessa fase, qualquer contacto directo entre seguradora e segurado;
14 - A seguradora não tem assim, qualquer possibilidade, de cumprir ou fazer cumprir os deveres de informação dos contratos de seguro que comercializa, celebrados por intermédio dos Bancos, cujo ónus lhes é, de resto, expressamente transferido, conforme consta do clausulado dos contratos;
15 - Não podemos, pois, conceder, que numa tal circunstância, se responsabilize a seguradora pelo incumprimento de um dever que impende exclusivamente sobre o Banco, na medida em que não há, entre ambos, relação comitente-comissário, nem foi legalmente estabelecida qualquer responsabilidade objectiva a cargo da seguradora;
16 - Assim, aderimos inteiramente à jurisprudência explanada no Acórdão-fundamento, não sendo de acolher a decisão proferida no Acórdão do TJUE de 20 de abril de 2023, Processo C-262/22 e citado no acórdão do STJ de 29.02.2024, uma vez que esta decisão, além de considerar que é sempre necessário apreciar as circunstâncias do caso concreto, se debruçou sobre uma situação de uma cláusula contratual qualificada de abusiva em relação ao consumidor, o que não foi o caso dos autos;
17 - Por outro lado, tal Acórdão do TJUE de 20 de abril de 2023 citado no acórdão do STJ de 29.02.2024, fundamenta-se na directiva 93/13, que ainda não estava em vigor à data da celebração do contrato de seguro dos autos – 2011;
18 - Contrariamente ao entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, o Acórdão-fundamento decidiu que, em tal circunstância, a cláusula não comunicada não se considerava excluída, podendo a seguradora opô-la ao segurado;
19 - Como é referido no Acórdão-fundamento, “por força do disposto nos arts. 2º, nº1 , do citado DL nº 72/2008 impõe-se a aplicação, em matéria do “dever de informar”, do art. 78º desta mesma lei, que estabelece, no seu nº1, que « (…) o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como o espécimen elaborado pelo segurador »; no seu nº 3 que « Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores» e, no seu nº 5, que « o contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos nºs 1 e 2 seja assumido pelo segurador».
20 - Ora, concordamos, em absoluto com este entendimento, considerando que, em situações como a dos presentes autos, bem diversas da situação do citada no Acórdão do TJUE de 20 de abril de 2023, deverá ser acolhido o enquadramento jurídico vertido no Acórdão-fundamento, não sendo de considerar excluídas do contrato de seguro, as cláusulas não comunicadas pelo Banco Tomador, podendo a Recorrente opô-las ao segurado;
21 - Termos em que, deverá admitir-se a presente revista, por forma a serem dirimidas as questões solvendas, não só pela flagrante oposição de julgados, mas também para uma melhor aplicação do direito, dadas as interpretações e consequências jurídicas díspares que o caso dos autos comporta, seja por reporte a decisões judiciais pretéritas sobre o mesmo objecto, seja por confronto contra decisões judiciais proferidas noutras acções judiciais, cuja jurisprudência é contrária à vertida no douto acórdão recorrido, não descurando, finalmente, o princípio da confiança, como princípio ético-jurídico fundamental da ordem jurídica.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao Recurso de Revista Excepcional apresentado pela Recorrente em conformidade com as presentes alegações, revogando-se o Acórdão, absolvendo-se, em consequência a ora Recorrente do pedido.
Remetidos os autos à Formação, o recurso de revista excecional interposto pelos autores foi admitido, com fundamento no disposto na al. a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, quanto à questão de saber se, no âmbito de um seguro de grupo, a pessoa segura pode ou não opor à seguradora a falta de cumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte do tomador de seguro instituição financeira.
A Formação admitiu a revista excepcional.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Nada obsta à apreciação do mérito da revista.
Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).
• Da nulidade do acórdão da Relação por falta de inclusão de factos atinentes à (não) comunicação das cláusulas cuja exclusão se discute nos autos e da necessidade de ampliação da matéria de facto;
• Da oponibilidade da falta de cumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte do tomador de seguro instituição financeira à seguradora (ou seja, se ao Autor, no âmbito do contrato de grupo, pode ou não opor à seguradora a falta de cumprimento dos deveres de comunicação e informação por parte do tomador de seguro instituição financeira).
III – FUNDAMENTAÇÃO
III. 1. FACTOS PROVADOS
É a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:
a) O Autor celebrou com a Ré, em 18 de Agosto de 2011, um acordo, apelidado de vida crédito habitação (2 cabeças), titulado pela apólice nº .... .........00, associado aos empréstimos nºs. 0007/0615/.............34 e 0007/0615/.............35, concedidos pelo Chamado (Banco Espírito Santo/Novo Banco), com o capital máximo seguro de € 124.990,00, sendo tomador do seguro o Autor, as pessoas seguras o Autor e sua mulher, BB, e beneficiário o Chamado, nos termos das condições particulares, juntas aos autos de fls. 10 a 14 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) Nos termos dessas condições particulares, o benefício irrevogável a favor do Chamado ascende até ao valor máximo de € 124.990,00, em caso de morte e em caso de invalidez total permanente;
c) Nos termos da Cláusula 1ª (objecto da cobertura), nº 1, do título cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva, das condições especiais, “em caso de Invalidez Absoluta e Definitiva da Pessoa Segura a Companhia garante pela presente Cobertura Complementar o pagamento de um Capital igual ao garantido em caso de morte pelo seguro principal”;
d) E de acordo com o nº 3 da supra citada cláusula, “para efeito desta Cobertura Complementar considera-se que a Pessoa Segura se encontra em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente e ainda: a) nos casos de patologia psíquica, a situação de invalidez permaneça ininterruptamente durante 2 anos; b) nos casos de doença, o estado de invalidez se mantenha, ininterruptamente durante os seis meses”;
e) Nos termos da Cláusula 1ª (objecto da cobertura), nº 1, do título cobertura complementar de invalidez total e permanente, das condições especiais, “em caso de Invalidez Total e Permanente do Segurado a Companhia garante pela presente Cobertura Complementar o pagamento de um Capital igual ao garantido em caso de morte pelo seguro principal”;
f) E de acordo com o nº 3 da supra citada cláusula, “para efeito desta Cobertura Complementar considera-se que o Segurado se encontra em estado de Invalidez Total e Permanente quando, por consequência de doença ou acidente e independentemente da sua vontade, fique totalmente incapaz de exercer, com carácter permanente e irreversível, a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com as suas capacidades, conhecimentos e aptidões e ainda quando desse estado resultar: a) uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em caso de Invalidez Total e Permanente resultante de acidente; b) uma perda de ganho de pelo menos 66%, em caso de Invalidez Total e Permanente resultante de doença.
Considera-se perda de ganho, a diferença entre o rendimento mensal auferido, pelo Segurado, em situação de plenas faculdades físicas e mentais e de pleno emprego, e o valor atribuído pelo Sistema Nacional de Saúde por efeitos de uma Invalidez Total e Permanente; c) nos casos de patologia psíquica, a situação de invalidez permanecer, ininterruptamente, durante 2 anos; d) nos casos de doença, o estado de invalidez se mantenha, ininterruptamente durante seis meses”;
g) O Autor nasceu a ... de ... de 1980;
h) O Autor era ladrilhador;
i) O Autor, em 10 de Março de 2017, em ..., quando procedia à limpeza da fachada de um edifício, ao puxar a mangueira que utilizava para o efeito, e porque esta se prendeu, sofreu um movimento de retracção nas costas, o que o levou a cair;
j) Em consequência desse movimento, o Autor sofreu cervicalgia e lombalgia com ciatalgia direita;
k) Com hérnia discal volumosa em C6-C7 com compressão medular e alterações de mielopatia;
l) Foi tratado cirurgicamente no Hospital de ... (2017), sendo posteriormente seguido em consultas de neurologia (Hospital de ...) e de Urologia e Fisiatria (UL...);
m) Como sequelas da patologia apresenta tetraparesia espástica, de predomínio direito (lado dominante) e bexiga e intestino neurogénicos;
n) Não consegue cortar a carne com uma faca, abotoar-se, conduzir carros com transmissão manual e deslocar-se em qualquer tipo de terrenos;
o) Em 2021, foi submetido a nova cirurgia da coluna lombar;
p) As sequelas de que padece são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
q) O Autor é portador de uma Incapacidade Permanente Parcial de 73,519%;
r) Esta incapacidade é permanente e irreversível, podendo agravar-se no futuro com a evolução das doenças;
s) O Autor não se encontra completa e totalmente incapacitado para exercer qualquer tipo de profissão, sem prejuízo do que se deu por provado em n) e p);
t) Necessita de ajuda de terceira pessoa de forma parcial para algumas actividades do dia-a-dia, do uso de canadiana para se movimentar e de um veículo com transmissão automática para conduzir;
u) Necessita, de forma permanente, de consultas de fisiatria, urologia e de dor crónica;
v) Em Janeiro de 2018, o Autor submeteu-se à avaliação de uma Junta Médica, presidida pelo Dr. CC, que lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 75%;
w) Encontra-se aposentado por invalidez relativa desde 02.05.2019;
x) Por sentença proferida pelo Juízo do Trabalho, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no âmbito do processo de acidente de trabalho nº 901/18.0.8..., o Autor foi submetido a perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, tendo da mesma resultado que, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, o mesmo ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de € 66,8800%, conforme se retira de fls. 16 a 18 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
y) Em 30 de Janeiro de 2018, o Autor comunicou à Ré a sua doença solicitando o accionamento do contrato de seguro celebrado, conforme se retira da missiva cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 58 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
z) Com datas de 22 de Fevereiro de 2018 e de 2 de Maio de 2018, a Ré remeteu ao Autor as missivas cujas cópias se encontram a fls. 58v e 59 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
aa) O Autor apôs as suas assinaturas nos documentos cujas cópias constam de fls. 59v a 62 (proposta do contrato de seguro e anexos) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
bb) De 08.04.2017 a 08.04.2024, o Autor liquidou as prestações relativas ao empréstimo nº 0007/0615/.............34, no valor global de € 23.163,66;
cc) De 08.04.2017 a 08.04.2024, o Autor liquidou as prestações relativas ao empréstimo nº 0007/0615/.............35, no valor global de € 9.613,92;
dd) De 03.04.2017 a 02.09.2019, o Autor liquidou as quantias mensais do prémio de seguro relativo ao acordo mencionado em a), no valor global de € 962,05.
II) Factos não provados. (com exclusão dos enunciados fácticos de carácter conclusivo, dos enunciados fácticos irrelevantes e dos enunciados descritores de matéria de direito)
Da petição inicial: artigos 1º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea a), 5º a 6º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea i), 16º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas n) e p), 23º a 27º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas bb) e cc), e 27º a 31º.
Da contestação da Ré: artigos 1º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea a), 62º a 66º, 67º a 69º, 71º a 76º e 78º a 81º.
Da resposta do Autor: inexistem.
Da contestação do Chamado: inexistem.).
A. Da nulidade do acórdão da Relação por falta de inclusão de factos atinentes à (não) comunicação das cláusulas cuja exclusão se discute nos autos e da necessidade de ampliação da matéria de facto
Invoca a recorrente Generali Vida - Companhia de Seguros, S.A. a nulidade do acórdão da Relação por falta de fundamentação da matéria de facto que suporta a análise de direito empreendida, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Como é consabido, a invocada nulidade encontra-se relacionada com o comando constitucional ínsito no art. 205.º, n.º 1, da CRP, que dispõe que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”.
Ora, é através da fundamentação das decisões que os tribunais colhem legitimidade para, por um lado, resolver o litígio em mãos e, por outro, para impor a sua decisão às partes. Assim é porque apenas as decisões cujas razões se encontrem expressas podem ser compreendidas (e acatadas) pelos respetivos destinatários.
Explicadas, ainda que brevemente, as razões subjacentes ao vício em análise, cumpre consignar que a nulidade por falta de fundamentação se verifica sempre que o tribunal incumpra o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados e de justificar, com recurso a normas jurídicas e respetiva interpretação, a decisão jurídica a que chegou.
Como é evidente, o vício em análise apenas será de se considerar verificado em casos em que a decisão surja de tal forma inquinada que não seja possível às partes compreender as razões pelas quais tal decisão foi tomada, o que não sucederá sempre que esteja em causa uma fundamentação meramente deficiente ou não convincente1.
Ora, analisando a decisão recorrida temos por manifesto que não se verifica a invocada nulidade. É que, vistas as decisões das instâncias resulta claro que pelas mesmas foi selecionada a matéria de facto considerada relevante, tendo esta decisão sido fundamentada com recurso aos meios de prova produzidos nos autos.
De resto, a própria recorrente reconhece isso mesmo ao não invocar, em parte alguma, o referido vício por referência aos factos selecionados e levados ao elenco de factos provados e não provados.
Vejamos.
Como é sabido, compete às instâncias a fixação da matéria de facto e a apreciação das provas que suportam tal fixação.
Na verdade, como se diz no acórdão do STJ, de 31-10-20242, “de acordo com o preceituado no artigo 674.º, n.º 3, CPC, o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou, que fixe a força de determinado meio de prova.”.
Ou o ac. do STJ, de 04-07-20233, que, de forma particularmente cristalina, consignou que “Na fixação da matéria de facto relevante para a solução do litígio, a última palavra compete ao tribunal da Relação, através do exercício dos poderes que lhe são legalmente conferidos (art. 662.º, n.os 1 e 2, do CPC). De resto, não cabe tão pouco recurso para o STJ da decisão adotada, nesta sede, pelo tribunal da Relação (art. 662.º, n.º 4, do CPC). O STJ limita-se, no desempenho da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o respetivo regime jurídico aos factos já anterior e definitivamente fixados. Apenas conhece de direito. No âmbito do recurso de revista, o modo como o tribunal da Relação fixou os factos apenas é sindicável no caso de ter sido aceite um facto sem produção da espécie de prova para o efeito legalmente imposta, ou na hipótese de terem sido inobservados os preceitos concernentes à força probatória de certos meios de prova. Em último recurso, o STJ pode determinar a ampliação da decisão de facto (art. 46.º da LOSJ; arts. 662.º, n.º 4, 674.º, nos 1 a 3, e 682.º, nos 1 e 2, do CPC).”4.
Assim, portanto, se vê que o eventual erro na fixação da matéria de facto não se mostra abrangido pelos poderes de cognição do STJ.
O que pode suceder é que o STJ, enquanto tribunal vocacionado para a aplicação do Direito e para a procura da solução jurídica a propugnar, venha a considerar que a matéria de facto fixada se mostra insuficiente para a decisão de direito a proferir nos autos.
Tal sucederá sempre que existam factos oportunamente alegados que, sendo relevantes para a decisão de direito, não tenham sido oportunamente levados ao elenco de factos provados ou não provados.
É o caso dos autos.
Efetivamente, mostra-se alegado nos autos que o tomador do seguro não comunicou e/ou não explicou ao autor, em momento anterior ou concomitante com a celebração do contrato de seguro, o teor das cláusulas cuja exclusão se discute nos autos e que se reconduzem, tudo visto, ao conceito de incapacidade relevante para efeitos de cobertura do seguro dos autos.
Estes factos – essenciais – foram invocados e não foram reconduzidos ao elenco de factos provados e não provados, não permitindo às partes a sua discussão própria, ou seja, em sede de impugnação da matéria de facto.
É verdade que o tribunal da 1.ª instância fez menção à ausência de prova de tal facto e à circunstância de o ónus da prova competir à ré.
Sucede, porém, que, inexiste no elenco de factos provados e não provados qualquer referência a este facto, o que impede, reitera-se, que: i) se afirme que tal facto resultou não provado ou provado; ii) se discuta em sede própria a convicção das instâncias quanto à demonstração ou quanto à não demonstração de tal facto.
Ora, como é consabido, sempre que a matéria de facto para decisão da causa se mostre insuficiente, o STJ pode determinar a baixar do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do disposto no art. 682.º, n.º 3, do CPC.
Assim, v.g., acórdão do STJ de 17-01-2023 (proc. n.º 1202/18.9T8CBR.C2.S1): “O STJ pode, ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do art. 682.º do CPC, ordenar ex officio a ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.”5.
Fica, assim, prejudicada a análise das demais questões suscitadas nos autos.
Face ao exposto, acorda-se em anular a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, nos sobreditos termos, em ordem a constitui base suficiente para a decisão de direito (ut artº 682º, nº3 do CPC).
Custas a fixar a final.
Lisboa, 17.06.2025
Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)
Maria da Graça Trigo (Juiza Conselheira 1º adjunto)
Carlos Portela (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)
_______
1. Neste sentido, o STJ tem-se pronunciado, de forma unânime, no sentido de que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
2. Proc. n.º 706/16.2T8LRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
3. Proc. n.º 19645/18.6T8LSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, ainda, v.g., os acórdãos de 11-01-2024 (proc. n.º 187/17.3T8PVZ.P1.S1), de 31-10-2024 (proc. n.º 706/16.2T8LRA.C1.S1), de 28-02-2023 (proc. n.º 7430/19.2T8PRT.P1.S1) e de 24-05-2025 (proc. n.º 2237/20.7T8PNF.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
5. Neste sentido, se pronunciaram, designadamente, os acórdãos de 20-09-2023 (proc. n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1), de 10-02-2022 (proc. n.º 2357/20.8T8MAI.P1.S1), de 29-03-2022 (proc. n.º 6417/16.1T8LSB.E1.S1), de 07-10-2010 (proc. n.º 1364/05.5TBBCL.G1.S1) e de 10-01-2023 (proc. n.º 35/20.7T8PN1-A.C1.S1) – à excepção do último, estão todos publicados em www.dgsi.pt.