Tendo a sentença condenado a 2.ª Ré a pagar ao Autor determinada quantia “a título de indemnização pelos danos em consequência da actuação ilícita da 1ª ré” e tendo a Relação, em recurso de apelação, alterado a decisão e condenado (agora) “solidariamente as rés” a pagar ao autor “uma quantia, a título de indemnização pelos danos em consequência da actuação ilícita da 1ª ré, a liquidar posteriormente”, não pode a 2ª ré interpor recurso de revista, dado que a decisão da Relação lhe é mais favorável (enquanto na sentença da 1.ª instância estava obrigada a pagar a totalidade da obrigação sem direito de regresso, com o acórdão da Relação (que não a condenou a pagar mais) continua, perante o credor, obrigada a pagar a totalidade, mas fica com o direito de regresso sobre o novo devedor).
AA intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB e XL Insurance Company Se, Sucursal En Espanã, pedindo que as rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 70.106,44, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Para tal alegou que a ré BB é advogada, tendo a mesma sido contratada pelo autor para intentar uma acção indemnizatória contra os senhorios, após esta o ter aconselhado a encerrar o estabelecimento comercial e lhe ter garantido o sucesso da acção, dizendo que teria direito a uma indemnização superior a € 100.000,00; que, após ter tido conhecimento que os senhorios tinham intentado contra si uma acção de despejo e que já tinham tomado posse do locado e sido apreendidos os bens ali existentes pertencentes ao autor, informou de imediato a ré que lhe disse que iria contestar a acção e combinar com os senhorios a entrega dos bens; que, apesar de ter sido entregue à ré toda a documentação solicitada para o efeito, a mesma não intentou a acção para a qual havia sido contratada e deixou passar o prazo para impugnar o título de desocupação do locado e proceder ao levantamento dos bens, o que o autor só veio a perceber posteriormente; que a conduta da ré lhe provocou danos de ordem patrimonial e não patrimonial que computou na quantia acima referida (correspondente à soma dos valores indicados nos artigos 10, 11º, 22º, 46º a 48, 50º, 52º, 55º e 64º, da petição inicial).
Fundamentou ainda a responsabilidade da ré seguradora no facto de esta ter celebrado contrato de seguro mediante o qual garante os riscos derivados do exercício da profissão de Advogado.
A ré seguradora apresentou-se a contestar, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade do autor para peticionar os montantes invocados nos artigos 10º, 11º, 50º, 51º, 52º e 55º da petição inicial e que a ré BB sempre seria responsável pelo pagamento da franquia acordada no contrato de seguro; e, por impugnação, afirmando desconhecer a generalidade dos factos alegados na petição inicial e ainda que o autor não alegou factos suficientes que permitam concluir pela prática pela ré de qualquer facto ilícito ou pela perda de chance; que os danos não patrimoniais não revelam gravidade suficiente para ser indemnizáveis e que os juros de mora só poderão ser contabilizados a partir do trânsito em julgado da decisão que os determine.
A 1ª ré apresentou-se igualmente a contestar, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade do autor para deduzir todos os pedidos formulados nos autos; e, por impugnação, afirmando serem falsos os factos que lhe são imputados e os danos invocados. Deduziu ainda reconvenção pedindo a condenação do autor, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da ré, no valor de € 7.500,00.
Foi designada a audiência prévia e proferido o despacho saneador que se pronunciou sobre as excepções invocadas pela ré seguradora, julgando não verificada a ineptidão da petição inicial e declarando o autor parte ilegítima para peticionar os montantes referidos nos artigos 10º, 11º, 50º, 51º, 52º e 55º da petição inicial.
Posteriormente, por despacho proferido em 5.06.2020, foi proferido despacho a julgar inadmissível a reconvenção deduzida pela ré advogada, o qual foi impugnado por recurso que não veio a ser admitido.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença a julgar parcialmente procedente a acção, constando do respectivo dispositivo a seguinte:
V. DECISÃO
Pelo Exposto:
A) Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
a) Condeno a 1.ª Ré BB a pagar ao Autor AA a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), correspondente ao valor da franquia;
b) Condeno a 2.ª Ré XL INSURANCE COMPANY SE, SUCURSAL EM ESPANHA, a pagar ao Autor AA a quantia de € 27.152,50 (vinte e sete mil, cento e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data da citação até efectivo e integral pagamento;
c) Declaro que o Autor AA sofreu danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele e, por decorrência, condeno a 2.ª Ré XL INSURANCE COMPANY SE, SUCURSAL EM ESPANHA a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal calculados sobre essa importância de € 5.000,00 (cinco mil euros), contados da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento;
d) Absolvo as Rés do demais contra si peticionado pelo Autor;
B) Declaro que não há fundamento para a condenação do Autor e das Rés por litigância de má fé.
Igualmente recorreu a 1ª ré (terminando as suas alegações de recurso pedindo que o referido recurso fosse julgado procedente, por provado e, em consequência, fosse revogada a sentença recorrida por outra em que, acolhendo os argumentos da recorrente, as rés fossem absolvidas da totalidade dos pedidos e das quantias em que foram condenadas). Todavia, após várias vicissitudes processuais, o tribunal ad quem acabou por rejeitar o referido recurso, conforme despacho de 6.12.2024.
Em acórdão, a Relação de Guimarães proferiu a seguinte
“IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré seguradora, revogando parcialmente a sentença recorrida e, em consequência:
- mantém-se a condenação da 1ª ré BB a pagar ao autor AA a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), correspondente ao valor da franquia;
- condena-se solidariamente as rés BB e XL Insurance Company SE, Sucursal em Espanha, a pagar ao autor AA uma quantia, a título de indemnização pelas perdas de rendimentos sofridas em consequência da actuação ilícita da 1ª ré, a liquidar posteriormente, bem como os juros de mora à taxa legal calculados sobre a importância de € 5.000,00 (cinco mil euros), fixada a título de dano não patrimonial, contados desde a data da sentença proferida em 1ª instância e até efectivo e integral pagamento; absolvendo-se as rés do demais peticionado.”.
CONCLUSÕES
• Da Ré BB
1 - Da ilegitimidade activa do A., para propor a presente acção, porquanto, em data anterior a 2.06.015, o estabelecimento comercial, deixou de ser explorado por AA, e passou a ser explorado pela sociedade A..., Lda
2 - Tendo no dia 2.06.015, o trabalhador CC deixado de estar ao serviço do AA, passando a partir de 3.06.015, a estar ao serviço da A..., Lda, veja-se os documentos nºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6.
3 - E a prová-lo está também o facto de por carta datada de 7.09.016, a A..., Lda ter sido notificada de umProcessode Injunção que correutermos como nº 79902/16.3 ....., conforme documentos nºs 7, 8 e 9 juntos aos autos.
4 - O A. é parte ilegítima nos presentes autos.
5 - A ilegitimidade é uma excepão dilatória, que leva à absolvição das RÉS. da instância, o que se invoca.
6 - Sem prescindir,
Sempre diremos que a acção devia ter sido julgada inteiramente improcedente por não provada, com a consequente absolvição das RÉS., da totalidade do peticionado pelo A.
7 – O acórdão recorrido, não pode mandar pagar ao A. uma quantia, a título de indemnização pelas perdas de rendimentos, a liquidar posteriormente, erradamente cremos, porque quem explorava o bar era a A..., Lda, entre pelo menos Junho de 2015 e Junho de 2016, que não sendo A. nos presentes autos, não pode o Tribunal mandar pagar ao A. AA nenhuma quantia.
8 - O mês de Setembro era o mês destinado a férias e a obras, em que o bar não estava aberto.
9 - Foram incorrectamente julgados os concretos pontos de facto considerados como provados, vertidos em:
1., vejam-se os documentos 1 e 2 juntos com a contestação;
8., vejam-se os documentos juntos pela Recorrente, como docs. nºs 11 e 12 juntos com a contestação;
9., veja-se a este respeito o doc. nº 13, junto com a contestação;
10., tem a ver com o doc. nº 10, junto com a contestação;
11., o que a 1ª RÉ. elaborou foi o contrato datado de 29.05.09;
17., porquanto, em 1.09.015, já a A..., Lda, tinha despedido o trabalhador CC, e foram segundo declarações do mesmo, cfr. Acta do dia 6.01.023 para que se remete, gravado no sistema integrado de gravação digital, Habilus, entre 15:14:37 e 15:57:37, tratar ao contabilista Sr. DD. A Advogada foi contactada bem mais tarde, quando a A..., Lda já tinha comunicado ao trabalhador a extinção do posto de trabalho, tudo feito a nível contabilístico e não com a Advogada ora em causa. Veja-se a este propósito os factos dados como provados no nº 22.
19. e 20., estão incorrectamente julgados, porquanto, não foi aberto o bar, palavras do A. em sede de declarações de parte, prestadas nodia 13.01.023, cfr.Acta para que se remete, gravadas mo sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática Habilus, entre os pontos 10:11:40 a 12:21:56, e que a instâncias da Mma Juíz a Quo, perguntado porque não estava aberto o bar, respondeu, “era um bocado ruidoso, a D. EE dormia ali e era ruidoso. Provavelmente eu iria lá a ter a GNR, provavelmente com o bar cheio.”
E das duas uma, ouo A.vai para o contabilista como funcionário da A..., Lda, como este refere terem ido, ou vai para o escritório da Advogada, pois, no facto provado em 17., diz que o A. logo na manhã do dia seguinte, procurou no seu escritório a Advogada, e no facto 22., que em 1.09.015, a A..., Lda já havia comunicado ao trabalhador CC a sua decisão de extinguir o posto de trabalho;
23., quer dizer que quando o A. foi falar com a Advogada, já tinha feito a comunicação ao trabalhador, tal como consta do doc. nº 3, junto com a contestação;
24., tal como o A. referiu em declarações de parte, os senhorios não mandaram fechar o bar, nem sair logo, denunciaram o contrato para o termo do prazo, Junho de 2016. E como não queria mais abrir o bar, que já estava desmontado para as obras, tentou negociar para sair antes do prazo;
25., de igual modo, incorrectamente julgado, sendo que o A. disse porque é que a A..., Lda não quis abrir o bar, e não havendo oposição dos senhorios até final do contrato, Junho de 2016, estes não quiseram pagar nada. E não existindo o tal contrato assinado, não havia pertinência para qualquer acção judicial;
63., quem pagou ao trabalhador da A..., Lda, CC, foi a A..., Lda, não o A., veja-se a este propósito docs. nºs 4, 5 e 6, juntos com a contestação da ora Recorrente;
64., não é da responsabilidade da Recorrente, veja-se a este propósito o constante de fls. 41 a 45 da sentença;
65., o A.não tem direito a nenhuma indemnização, a A..., Lda não esteve até final do contrato, Junho de 2016, a explorar o bar porque não quis, e o A. explicou a razão;
66., a A..., Lda, não continuou a explorar o bar até Junho de 2016, porque não quis, e desde 2007/2008 que recebe subsídios agrícolas, tal como consta dos factos dados como provados em 67. e 68.
10 – Quanto aos factos dados como não provados, os vertidos nos parágrafos 6 e 7 estão incorrectamente julgados, porquanto,
relativamente ao parágrafo 6º devia ter sido dado como provado, pois como o A. mudou o ramo de negócio e destino do local arrendado, o Município exigiu-lhe elementos que nunca satisfez, cfr. doc. 12 junto com a contestação, e funcionava sem licença e alvará. Em 31.08.015, a A..., Lda fechou o bar, não fez as obras e nunca mais abriu, por vontade própria. E quando chegou à fala com a Advogada, já foi em data bem posterior;
relativamente ao parágrafo 7, em que foi dado como não provado que a Advogada foi contactada bem mais tarde, quando a A..., Lda, já tinha comunicado ao trabalhador CC a extinção do posto de trabalho, quando devia ter sido dado como provado, pois o mesmo resulta dos factos dados como provados em 22.
11 – Posto isto, a pretensão indemnizatória do A., nos meses em que o bar esteve encerrado, a respeito da perda de rendimentos, não pode obter procedência.
12 – Por um lado, não era o A. que explorava o bar, mas a A..., Lda, que não é parte no Processo, e o tribunal não pode condenar as RÉS., a pagar ao A. nenhuma quantia, muito menos a liquidar posteriormente.
13 – Por outro lado, não existe qualquer comportamento da 1ª RÉ., de onde derive o dever de indemnizar.
14 – Quem encerrou o bar foi a A..., Lda, e não foi com o conselho jurídico da 1ª RÉ. Desmontou o bar, não fez obras, porque não as quis fazer e não abriu, por moto próprio.
15 – Sem o original do contrato celebrado em 2009 assinado, não existia qualquer viabilidade para propor a acção, o que o A. bem sabia e a RÉ. não lhe mentiu.
16 – Não foram violadas pela Advogada, quaisquer normas estatutárias nem contratuais, nem lhe causou nenhum dano objectivado na perda do direito de acção. Nem violou quaisquer deveres acessórios ou laterais de conduta no cumprimento do mandato. Não existe qualquer facto ilícito verificado, nem nexo causal entre este e o dano, que não existiu, resultante da não instauração da acção.
17 – Não existe qualquer responsabilidade civil da 1ª RÉ., de onde derive o dever de indemnizar, a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais.
18 – Razão pela qual as RÉS. só podem ser absolvidas da totalidade do peticionado pelo A., considerando a acção inteiramente improcedente por não provada, absolvendo-as a 1ª RÉ. da quantia em que manteve a condenação e as RÉS. numa quantia a titulo de indemnização pelas perdas de rendimentos sofridas a liquidar posteriormente.
TERMOS EM QUE:
Nos melhores de direito aplicável e com o sempre mui douto suprimento de V/EXAS., deve o presente recurso ser considerado inteiramente procedente por provado, revogando-se e alterando-se o acórdão recorrido, por outro em que, acolhendo-se os argumentos da Recorrente, no sentido da absolvição das RÉS. da totalidade dos pedidos, e da quantia mantida à 1ª RÉ., e da quantia a liquidar posteriormente às RÉS.
• Da Ré Insurance Company SE, Sucursal En Espanã
1. A obrigação de pagamento de juros é acessória da obrigação principal de pagamento da indemnização de € 5.000,00 fixada a título de danos morais, não podendo constituir-se sem esta.
2. Não tendo a 2.ª ré e ora recorrente sido condenada no pagamento de qualquer quantia a título de dano não patrimonial, não pode ser condenada no pagamento dos juros de mora associados a essa obrigação, tendo sido violado o disposto no artigo 806.º do Código Civil.
3. Inexistem factos que sustentem a existência do dano de perda de “chance” e uma qualquer condenação solidária das rés numa indemnização por danos não patrimoniais.
4. O ponto 66. da matéria de facto tem um teor meramente jurídico-conclusivo.
5. O autor não demonstrou a probabilidade de obtenção de rendimentos não fosse
a conduta ilícita da 1.ª ré.
6. Esta probabilidade a extrair do “julgamento dentro do julgamento” é uma conclusão de facto a extrair de dados factuais.
7. A prova dessa probabilidade não pode ser relegada para liquidação posterior em execução da decisão, pois que tal prova é constitutiva do direito indemnizatório por perda de oportunidade que o autor se arroga titular.
8. O tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e os artigos 342.º, n.º 1, 483.º, n.º 1 e 563.º do Código Civil.
9. Por requerimento com a referência 2300233 apresentado com o recurso de apelação, a recorrente fixou a sua sucumbência em € 32.152,50 (trinta e dois mil, cento e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), sendo que a autora não recorreu e o recurso da 1.ª ré não foi admitido.
10. A condenação ainda que ilíquida sempre teria que ter como limite aquele valor, tendo sido violado o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Assim,
requer-se a V. Exas. que, dando provimento à pretensão da recorrente, decidam julgar procedente o presente recurso.
Quanto ao recurso da 1ª Ré, sustenta a sua improcedência, “por falta de razão, argumento e fundamentação”, daí dever manter-se a decisão recorrida.
Considerando as posições já tomadas nas respectivas alegações, não vemos necessidade ou justificação para ouvir as “partes” sobre a eventualidade de se não conhecer do objecto da revista (normal) por causa da dupla conforme (ut arts. 655º e 654º, nº2 do CPC). Sobre isto já emitiram pronúncia o Autor (na sua resposta às alegações) – peça, naturalmente, dada a saber à Ré seguradora – e a própria seguradora (cfr. p 8, fine da sua alegação de recurso).
Apreciemos, então, da verificação de dupla conforme, inviabilizadora do recurso de revista normal.
Foi proferida sentença, a julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) Condenada a 1.ª Ré BB a pagar ao Autor AA “a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), correspondente ao valor da franquia”;
b) Condenada a 2.ª Ré XL INSURANCE COMPANY SE, a pagar ao Autor “a quantia de € 27.152,50 (vinte e sete mil, cento e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré …, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data da citação”;
c) Declarado “que o Autor AA sofreu danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele” e, por decorrência, condenou “a 2.ª Ré (…) a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal calculados sobre essa importância de € 5.000,00 (cinco mil euros), contados da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento”;
d) Absolvidas as Rés do demais contra si peticionado pelo Autor;
Apelaram ambas as rés. Porém, como observa o ac. recorrido, “após várias vicissitudes processuais, o tribunal ad quem acabou por rejeitar o referido recurso, conforme despacho de 6.12.2024”.
Assim, a Relação apenas se pronunciou sobre o recurso da 2ª ré/ seguradora, decidindo:
- Manter a condenação da 1ª ré no pagamento dos € 5.000,00 (cinco mil euros), da franquia;
- Condenar solidariamente as duas rés (BB…e seguradora)1 a pagar ao autor “uma quantia, a título de indemnização pelos danos em consequência da actuação ilícita da 1ª ré, a liquidar posteriormente”, “e juros de mora à taxa legal calculados sobre a importância de € 5.000,00 (cinco mil euros), fixada a título de dano não patrimonial” (esta parte parece inútil, pois teve lugar na sentença tal condenação);
- Absolver as rés do demais peticionado.
Vejamos.
Parece evidente que a única dissidência entre as decisões é o valor dos danos patrimoniais, cuja quantificação a Relação relegou para momento posterior.
Na verdade, em causa está a condenação “em consequência da actuação ilícita da 1ª Ré”:
i. a sentença condenou a 2.ª Ré XL INSURANCE COMPANY SE, a pagar ao Autor, a tal título, a quantia de € 27.152,50 (vinte e sete mil, cento e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos);
ii. a Relação condenou ambas as Rés, “solidariamente”, a pagar ao autor “uma quantia, a título de indemnização pelos danos em consequência da actuação ilícita da 1ª ré, a liquidar posteriormente”2.
Como, aliás, bem refere a 2ª Ré nas suas alegações, por requerimento com a referência 2300233 apresentado com o recurso de apelação, esta recorrente fixou a sua sucumbência em € 32.152,50 (trinta e dois mil, cento e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos) – € 27.152,50 + € 5.000,00.
Ora, se é certo que a Relação alterou a condenação única da 2ª Ré para solidária de ambas as rés, a verdade é que:
i. Por um lado, a condenação, ainda que ilíquida, das rés nunca poderia ser superior àquela quantia. O que quer dizer que, mesmo que se admitisse o recurso da 2ª ré, em caso de procedência do mesmo, sempre teria o dispositivo que ser alterado no sentido da condenação no que se viesse a liquidar posteriormente, mas sempre até ao limite de € 32.152,50;
ii. a decisão da Relação de condenar solidariamente ambas as rés é, obviamente, mais favorável à ré Seguradora. É que, enquanto na sentença da 1.ª instância estava obrigada a pagar a totalidade da obrigação sem direito de regresso, com o acórdão da Relação continua, perante o credor, obrigada a pagar a totalidade, mas fica com o direito de regresso sobre o novo devedor. E nesta perspectiva das coisas, é evidente que o acórdão lhe é mais favorável. Logo, não poderá recorrer de revista (normal)3.
Acresce que, se é verdade que o acórdão da Relação não condenou a seguradora a pagar menos do que a sentença da 1.ª instância, também é verdade:
i. Que não a condenou a pagar mais;
ii. Que de tal acórdão nunca resultará uma condenação superior à da 1.ª instância. E, como vimos, tendo sido a 2ª ré (seguradora) que recorreu de apelação (da sentença que a condenou a pagar ao Autor € 27.152,50 e juros), o efeito do julgado em apelação não pode ser mais desfavorável ao recorrente (n.º 5 do artigo 635.º do CPC). Logo, a liquidação referida na decisão da Relação será no máximo daquele valor de 27. 152,50 euros (pois, não resulta do acórdão que o limite terá ou poderá ser superior – o que, acentue-se, pelo referido, nunca poderia ocorrer).
Nesta senda, é aplicável à revista da seguradora o regime do n.º 3 do artigo 671.º do CPC que reza:.
“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
Trata-se de uma norma que reflecte a designada de dupla conforme, como situação processual impeditiva do direito potestativo ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça; portanto, do acesso ao recurso de revista.
De facto, a dupla conforme, prevista naquele n.º 3 do art.º 671 do Código de Processo Civil, é um entrave à interposição de recurso para o Supremo Tribunal da Justiça, sendo três os requisitos (cumulativos) para que se verifique: ausência de voto de vencido, uma conformidade
essencial de fundamentação, e, finalmente, uma conformidade decisória.
A ausência de voto de vencido é evidente.
Há uma conformidade decisória no segmento sob controvérsia (quantificação dos danos não patrimoniais). E sem fundamentação essencialmente diferente.
Com efeito, no que respeita à matéria sob análise – da responsabilidade civil do advogado perante o seu cliente, no âmbito do patrocínio assumido –, o “quadro jurídico” traçado ou seguido em ambas as instâncias foi, no essencial, o mesmo, sendo que os eventuais adicionais argumentos aduzidos pela Relação não têm “potencialidade” para pôr em causa a dupla conforme.
Ou seja, a argumentação usada pela Relação em nada descaracterizou o conceito de dupla conforme.
Efectivamente, de acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação seja completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª instância, ou seja, somente deixa de existir dupla conforme “quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada” – acórdão do STJ de 17-11-2021 (Reclamação n.º 22990/16.1T8PRT-B.P1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt)4.
Nestes termos, não é admissível a revista (normal ou comum) interposta pela Ré XL Insurance Company Se, Sucursal En Espanã.
Nada obsta à apreciação do mérito da revista.
Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).
Da ilegitimidade activa do Autor para propor a presenta acção.
Da impugnação da decisão da matéria de facto e respectivas consequências ao nível da decisão de direito
III – FUNDAMENTAÇÃO
III. 1. FACTOS PROVADOS
É a seguinte a matéria de facto provada e não provada (após impugnação em recurso):
A. Factos Provados5
1. O Autor explorou o estabelecimento comercial denominado “Bar ...”, sito em ..., entre o ano de 2006 e o ano de 2015.
2. Para o funcionamento do Bar, o Autor, em 12 de Julho de 2006, celebrou com FF o denominado «contrato de arrendamento comercial» que se encontra junto a fls. 113/114 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo por objecto a loja 1, do primeiro andar, do prédio sito na Avenida de ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..34.º.
3. Com vista ao alargamento do espaço de funcionamento do Bar, o Autor, em 10 de Março de 2008, celebrou com o mesmo senhorio o denominado «contrato de arrendamento comercial» que se encontra junto a fls. 116/117 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo por objecto a loja 2 do mesmo imóvel.
4. Em ........2013 faleceu FF e o lugar de senhorios do Autor passou para a herança indivisa por óbito daquele com o NIF ... ... .59.
5. No ano de 2015, por volta do mês de Abril/Maio, o Autor constituiu a sociedade “A..., Lda” que passou a explorar o estabelecimento comercial “Bar ...” e, a partir do dia 03.06.2015, passou a ter ao seu serviço o trabalhador CC, que até então ali laborava ao serviço daquele.
6. Ao longo dos vários anos de exploração do Bar, o Autor incrementou os seus rendimentos passando de um rendimento anual bruto de cerca de € 30.000,00 para valores de cerca de € 70.000,00/80.000,00.
7. Tal ocorreu em virtude de o “Bar ...” ser conhecido como um lugar de referência em ... para o divertimento nocturno, devido ao bom ambiente e às boas condições que oferecia, atraindo muitos clientes.
8. Através do processo n.º 81/2007 a correr os seus termos na Câmara Municipal de ..., o Autor, por sua iniciativa, providenciou pela regularização da situação do Bar, com vista à obtenção de licença de utilização e respectivo alvará para o fim a que foi destinado, alterando este de comércio para café.
9. Antes, porém, houve de ser regularizada a situação do prédio que integrava as lojas n.ºs 1 e 2 que tinham sido dadas de arrendamento ao Autor, em razão de o mesmo não estar constituído em regime de propriedade horizontal, passando aquelas a constituir uma fracção.
10. Na sequência, e até para efeitos de actualização do valor da renda e definição do modo de pagamento da mesma, foi reformulado o contrato de arrendamento do Bar ..., tendo-se firmado, em substituição dos contratos de 2006 e 2008 referidos em 2. e 3., o denominado «contrato de arrendamento comercial» de 29.05.2009 que se encontra junto a fls. 343-345 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11. Tudo foi tratado pela 1.ª Ré, em representação e a pedido do Autor, na qualidade de Advogada.
12. Em Julho de 2015, já em representação da sociedade “A..., Lda”, e com o conhecimento e consentimento dos senhorios, o Autor decidiu fazer obras de remodelação e melhoramento nas lojas onde funcionava o “Bar ...”, tendo para tal contratado a empresa “Construções ..., Lda”.
13. O preço acordado para a execução de tais obras foi de € 13.500,00, tendo a A..., Lda pago à empreiteira, por cheque, o valor de € 4.065,04 para início das obras.
14. A A..., Lda comprou à empreiteira um pavimento no valor de € 2.973,05 para ser aplicado no Bar.
15. No dia 30.08.2015 (domingo), com o fim das festas em honra da Nossa Senhora ..., o Autor decidiu encerrar o Bar por 15 dias, para a realização das obras.
16. No dia 31.08.2015, à noite, quando o Autor se encontrava a desmontar os equipamentos para se iniciarem as obras, apareceram familiares e herdeiros do falecido FF que o informaram, verbalmente, para não fazer as obras porque pretendiam dar outro destino às lojas n.ºs 1 e 2 arrendadas.
17. Porque tivesse ficado preocupado com tal informação, o Autor, logo na manhã do dia seguinte, procurou no seu escritório a 1.ª Ré, Dra. BB, na qualidade de Advogada, tendo esta lhe dito, de imediato, para não iniciar as obras enquanto não reunisse com os senhorios.
18. A reunião realizada no dia 05.09.2015 não teve qualquer resultado satisfatório em razão de terem os senhorios oferecido uma indemnização cujo valor estava aquém da compensação que a 1.ª Ré achava justa para o seu cliente, face ao investimento por este feito desde 2006 e ao volume de facturação alcançado.
19. Então, a 1.ª Ré aconselhou o Autor a não mais abrir o Bar até se definir a situação com os senhorios.
20. O Autor assim fez, face ao conselho de alguém em quem confiava e que já lhe havia tratado de outros assuntos.
21. Por carta de 29.09.2015 que se encontra junta a fls. 106/107, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, endereçada ao Autor e por este recepcionada em 01.10.2015, os senhorios comunicaram-lhe a sua oposição à renovação do contrato firmado em 12.07.2006, com efeito a partir de 01.07.2016.
22. Em 01.09.2015, a A..., Lda já havia comunicado ao trabalhador CC sua decisão de extinguir o seu posto de trabalho, o que veio a efectivar-se no dia 31.10.2015. 23. O Autor logo deu conhecimento à 1.ª Ré do teor da referida carta.
24. Por entender que o seu cliente não poderia ser despejado sem mais, nomeadamente sem o pagamento de uma indemnização por perda de rendimentos, a 1.ª Ré tentou negociar, através do advogado que representava os senhorios, a saída do Autor do arrendado.
25. Face à frustração das negociações, que decorreram até ao início do ano de 2016, a 1.ª Ré comunicou ao Autor que deveriam avançar com uma acção judicial contra aqueles, aconselhando-o a manter o Bar fechado, o que fez.
26. Para o efeito o Autor entregou à Ré, a solicitação desta, uma procuração forense assinada por aquele em nome próprio e em representação da A..., Lda e a documentação necessária, à excepção do exemplar assinado do contrato referido em 10., em virtude de não o ter encontrado.
27. Também lhe entregou, por cheque emitido em 24.02.2016, a importância de € 1.200,00 a título de provisão para honorários e/ou despesas.
28. Sucede que, em data não concretamente apurada mas anterior a 07.09.2016, a EDP Comercial – Comercialização de Energia, S.A. instaurou contra a A..., Lda um procedimento de injunção solicitando o pagamento de serviços prestados.
29. Regularmente notificada, a A..., Lda, representada pela 1.ª Ré, na qualidade de sua mandatária, deduziu em 21.09.2016 a oposição que se encontra junta a fls. 334-336 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
30. Na sequência da remessa do processo n.º 79902/16.3.... para o Juízo de Competência Genérica de ..., desta Comarca de Bragança, a 1.ª Ré procedeu ao pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça, tendo pago a 2.ª prestação em 06.12.2016 no valor de € 51,00.
31. A audiência de julgamento teve lugar em 17.01.2017, com a presença da 1.ª Ré, do Autor e de uma testemunha que apresentaram.
32. Por falta de prova dos factos alegados no requerimento de injunção, o Tribunal concedeu a palavra à 1.ª Ré para alegações finais, que para o efeito usou, tendo de imediato proferido sentença absolvendo a A..., Lda do pedido.
33. Em 04.11.2016, os senhorios instauraram procedimento especial de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento, que aí correu termos sob o n.º 3734/16.4......
34. O Balcão Nacional do Arrendamento converteu o requerimento de despejo em título para a desocupação do locado.
35. No seu requerimento de despejo, os senhorios designaram a Sra. Agente de Execução GG para a desocupação do locado.
36. Às 12:50 horas do dia 16.05.2017 a Sra. Agente de Execução afixou um aviso na morada Av. ..., 1.º andar, Loja 1, ... ....
37. Tal morada foi indicada pelos senhorios por requerimento de 24.11.2016, inclusivamente para efeitos de notificação do requerido AA, aqui Autor.
38. Nessa morada sempre esteve instalado o Bar ..., que deixou de laborar a partir do dia 31.08.2015.
39. Através do referido aviso a Sra. Agente de Execução fez saber ao Autor “que, não tendo encontrado qualquer pessoa presente neste local em condições de poder ser notificada, fica informado que se procedeu ao arrombamento da porta de acesso, encontrando-se as chaves na posse do proprietário do imóvel”.
40. E advertiu “de que dispõe do prazo de 30 dias para proceder ao levantamento dos bens sob pena de serem considerados abandonados”.
41. Nele a Sra. Agente de Execução deixou todos os seus contactos (n.ºs de telefone, fax e telemóvel, domicílio profissional e endereço electrónico).
42. Naquela data, e com a presença de dois militares da G.N.R., que para o efeito foram requisitados, procedeu-se ao arrombamento de portas com a substituição de fechaduras para apreensão dos bens móveis que se encontravam no interior do estabelecimento comercial.
43. Os referidos bens móveis são os que se encontram identificados na «relação de bens existente no locado» junta a fls. 213-215, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
44. Alertado por terceiros, o Autor deslocou-se à referida morada e, perante a carta que encontrou na caixa do correio e após leitura do aviso, aí tomou conhecimento de que os senhorios tinham instaurado um processo contra si e já tinham tomado posse do locado, que estavam apreendidos todos os bens ali existentes e que tinha um prazo de trinta dias para remover os bens, sob pena de serem considerados abandonados.
45. De imediato o Autor informou a 1.ª Ré do que tinha acabado de saber e de que nunca tinha recebido qualquer tipo de correspondência na morada da sua residência.
46. A 2.ª Ré remeteu às 18:47 horas do dia 19.06.2017 para o escritório da Sra. Agente de Execução, por via telemática, um requerimento, por si subscrito em nome do Autor e da A..., Lda, e por referência ao processo identificado em 33., informando da morada “Rua do ..., ... ...” para a qual deveriam ser notificados.
47. A Sra. Agente de Execução endereçou ao Autor e para a morada indicada o «ofício» que se encontra junto a fls. 216 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, solicitando a junção da procuração forense que conferia poderes à 1.ª Ré para subscrever o referido requerimento.
48. Por requerimento de 02.10.2017, que se encontra junto a fls. 155-157 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a 1.ª Ré, em nome do Autor e da A..., Lda, remeteu, por via telemática, a procuração forense solicitada pela Sra. Agente de Execução, outorgada a seu favor pelo Autor em 28.01.2016, conferindo-lhe “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos”.
49. E solicitou à Sra. Agente de Execução a designação de dia e hora para facultar ao Autor o acesso ao estabelecimento comercial a fim de retirar os bens, do qual o A. teve inteiro conhecimento.
50. Em 12.02.2018, a Secção do Juízo de Competência Genérica de ..., desta Comarca de Bragança, fez concluso ao Juiz o processo n.º 173/17.3.8....
51. Em 19.02.2018 foi proferido o despacho que se encontra junto a fls. 165/166, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, julgando infundado e extemporâneo o requerimento apresentado pela 1.ª Ré em 02.10.2017 e ordenando que a Sra. Agente de Execução diligenciasse pelo regular andamento dos autos.
52. Em 21.03.2018 o Autor apresentou requerimento no processo n.º 173/17.3.8... revogando a procuração que havia conferido à Sra. Dra. BB, aqui 1.ª Ré, e juntando procuração forense a favor da Sra. Dra. HH.
53. A 1.ª Ré teve conhecimento da revogação da procuração pelo Autor por notificação expedida em 23.03.2018.
54. Pelo menos desde finais de Janeiro de 2016 o Autor não mais levantou a correspondência do Bar.
55. Apesar de todas as diligências feitas nesse sentido, melhor descritas em 25. e 26., por razões não concretamente apuradas, a 1.ª Ré não chegou a propor qualquer acção indemnizatória contra os senhorios do Autor.
56. Não obstante, o Autor esteve sempre convencido de que o fizera, já que a 1.ª Ré lhe ia dizendo que teriam de aguardar por notícias do Tribunal sem nunca revelar que ainda não havia proposto a acção.
57. Disso tomou o Autor conhecimento através da nova advogada que tinha contratado.
58. A quantia de € 1.200,00 referida em 27. foi usada pela 1.ª Ré para pagamento da taxa de justiça no proc. n.º 79902/16.3 ..... e respectivos honorários.
59. À data de 16.09.2017 os bens que compunham o recheio do Bar e que se encontram discriminados na relação de bens referida em 43. já haviam revertido para os senhorios, sem qualquer possibilidade de recuperação.
60. Para o Bar ... o Autor adquiriu:
- uma bancada refrigerada de inox com grupo à esquerda pelo valor de € 1.314,00;
- uma bancada de inox com duas prateleiras e uma porta e escaparate de inox pelo valor de € 2.000,00;
- uma arca congeladora Orima e um suporte de plasma pelo valor total de € 280,00; - um ventilador pelo valor de € 1.000,00;
- um plasma LG pelo valor de € 1.639,20;
- 3 mesas altas e 12 bancos de bar pelo valor total de € 768,00;
- 7 mesas com tampo preto, 28 cadeiras em branco e 10 bancos altos pelo valor total de € 5.000,00;
- acrílicos redondos com reclame, imagem para balcão, imagem para WC, imagem música com placa luxobond, imagem TV, bolsa acrílica e papel decorativo pelo valor total de € 768,35;
- uma mesa de som e sistema de som com microfones sem fios e com fios, amplificador, várias fichas e cabos e outros equipamentos de som pelo valor global de € 4.207,10.
61. Em Abril e Maio de 2015, o Autor adquiriu, também para o Bar ..., várias bebidas, alcoólicas e não alcoólicas, num total de 48 garrafas, pelo valor total de € 669,42.
62. No ano de 2015, até Junho, com a actividade do Bar ... o Autor arrecadou a quantia bruta de € 21.722,12.
63. Na sequência do encerramento do Bar, o Autor, em representação da A..., Lda, pagou ao trabalhador CC, em Outubro de 2015, a importância de € 4.114,50 a título de vencimento, indemnização e subsídios de férias e natal.
64. O Autor sofreu grande desgosto e ficou deprimido quando foi confrontado com a perda de todos os bens que constituíam o recheio do Bar ..., vendo desfeito todo o seu trabalho de anos.
65. E sentiu-se muito desiludido e traído quando percebeu que a 1.ª Ré não tinha zelado pelos seus interesses, defraudando a confiança que nela depositava e a expectativa de ser indemnizado pelos senhorios em acção judicial que por aquela foi aconselhado a propor e sempre esteve convencido de que tinha entrado no Tribunal.
66. Como consequência do sucedido com o Bar ..., o Autor sofreu perda de rendimentos que lhe asseguravam uma vida desafogada, tendo-se confrontado com uma alteração da sua situação económica, especialmente porque a sua companheira se encontrava grávida e tinham feito os seus planos tendo em conta o rendimento global de ambos.
67. Desde 2007/2008 que o Autor recebe subsídios agrícolas de olival.
68. O Autor tornou-se um empresário agrícola no concelho de ..., dedicando-se à produção de amêndoa desde 2012/2013, para o que também recebe subsídios do Estado, tendo auferido a esse título no ano de 2015 o valor global de € 30.445,24.
69. Entre a Ordem dos Advogados e a Companhia de Seguros XL Insurance Company SE, Sucursal em Espanha foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela Apólice n.º ES..........19A.
70. Através do referido contrato de seguro a Ré assumiu a responsabilidade de pagar os eventuais prejuízos causados a terceiros no exercício da advocacia por advogados inscritos na Ordem dos Advogados, com um limite de € 150.000,00 por sinistro.
71. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2020.
72. Através desse contrato firmado com a 2.ª Ré foi, ainda, acordada a franquia de € 5.000,00 por sinistro.
B. Factos não provados
- a Ré BB disse ao Autor que para o despejarem teriam de lhe pagar uma indemnização no mínimo de cem mil euros ou mais;
- garantindo-lhe que iriam ganhar a acção e que a indemnização seria superior a cem mil euros.
- a quantia de € 1.200,00 entregue à Ré foi para pagamento de serviços por esta prestados para obtenção de alvará de licença, referente ao Bar ..., que se encontrava numa situação de ilegalidade, desde há vários anos, funcionando sem licença de utilização e respectivo alvará;
- a partir do momento em que comunicou ao Autor que o processo tinha dado entrada no Tribunal de Bragança, a 1.ª Ré deixou de atender as chamadas telefónicas do Autor e se mostrou sempre indisponível para o atender no seu escritório;
- mas numa reunião que o Autor marcou com a Ré, no ano de 2017, a Autora voltou a garantir que o processo tinha entrado no Tribunal e que o iriam ganhar, dizendo até que “nem que eu cometa uma loucura e accione o meu seguro”;
- quando falou com a Advogada, já a A..., Lda tinha fechado o café, que funcionava há muito tempo sem licença nem alvará;
- a Advogada foi contactada bem mais tarde, quando a A..., Lda, já tinha comunicado ao trabalhador CC, a extinção do posto de trabalho;
- o Autor adquiriu para o Bar uma máquina do gelo e várias canecas no valor de € 1.315,00, várias garrafas de bebidas brancas, num total de € 2.860,00, vários sumos, águas e outras bebidas num valor total de € 500,00, uma vitrine publicitária do “B!” com um valor comercial de € 600,00, prateleiras, estantes e móveis em ferro no valor de € 100,00, granito do balcão no valor de € 800,00, uma caixa de ferramentas com vários conjuntos de chaves no valor de € 150,00, três guarda sois no total de € 300,00;
- o Autor adquiriu um aparelho de ar condicionado no valor de € 2.000,00 para instalar no bar após as obras.”.
• Da ilegitimidade activa do Autor para propor a presenta acção.
Na sua contestação, a Recorrente apresentou-se a contestar, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade do autor para deduzir todos os pedidos formulados nos autos; e, por impugnação, afirmando serem falsos os factos que lhe são imputados e os danos invocados. Deduziu ainda reconvenção pedindo a condenação do autor, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da ré, no valor de € 7.500,00.
No despacho saneador declarou-se o autor parte ilegítima, apenas para peticionar os montantes referidos nos artigos 10º, 11º, 50º, 51º, 52º e 55º da petição inicial, tendo legitimidade para o demais peticionado – sendo de referir que na sentença se voltou “à carga” quanto à suscitada ilegitimidade activa do Autor, ali se tendo dito, “preto no branco”, que “não tem razão a 1.ª Ré quando invoca a excepção da ilegitimidade do Autor para instaurar a presente acção. Este era seu cliente em nome próprio e em representação da A..., Lda, convergindo, pois, na mesma pessoa todos os danos decorrentes da actuação ilícita da 1.ª Ré”.
É certo que a Ré BB recorreu da sentença.
Porém, como se diz no acórdão recorrido, “após várias vicissitudes processuais, o tribunal ad quem acabou por rejeitar o referido recurso, conforme despacho de 6.12.2024”.
Do exposto resulta que – a Ré seguradora não questionou a legitimidade activa da Autor – a decisão quanto à legitimidade do Autor, no que tange ao peticionado abrangido pelo dispositivo da sentença, transitou em julgado, não podendo a Recorrente vir agora procurar “ressuscitar” tal questão adjectiva.
Assim, e sem mais delongas, improcede esta questão.
Como dito supra, embora a Ré BB tenha recorrido da sentença, tal recurso não foi admitido (como se vê do despacho de 6.12.2024) – sendo que desse despacho não foi apresentada qualquer reclamação, para apreciação superior.
Ora, embora a Ré seguradora tenha, no seu recurso de apelação, impugnado a decisão da matéria de facto, a mesma foi julgada totalmente improcedente – sendo que na revista da mesma seguradora não vem posta em causa a matéria de facto.
Do exposto ressalta à evidência que, mantendo-se inalterada a matéria de facto tal como foi fixada na primeira instância, da qual a Recorrente BB não recorreu (melhor, recorreu mas o recurso foi rejeitado), não pode agora vir recorrer nesse segmento.
Diz a Recorrente que “Foram incorrectamente julgados os concretos pontos de facto considerados como provados, vertidos em” 1, 8, 9, 10, 17, 19, 20, 23, 24, 25, 63, 64, 65 e 66 – sem dizer, porém (e desde logo) como considera que deveriam ter sido julgados – e, outrossim, que “estão incorrectamente julgados os vertidos nos parágrafos 6 e 7” – também aqui sem dizer como considera que deveriam ter sido julgados!
Ora, a impugnação aduzida não tem qualquer viabilidade:
i. Primeiro, porque as alegações recursivas, tal como estão elaboradas, não fazem qualquer sentido: uma “mistura” dificilmente compreensível e aceitável (impugna factos, remete para a contestação, coloca transcrições, etc…) – veja-se que nem sequer põe em causa a ilicitude e culpa que foram apreciadas pela Relação e levaram à fixação de uma responsabilidade solidária, que na prática é a parte que lhe é desfavorável.
ii. Segundo, porque damos aqui por reproduzido o que – de forma expansiva e bem fundamentada – ficou dito no acórdão recorrido a respeito da impugnação da matéria de facto, a revelar à saciedade por que razão a matéria de facto devia manter-se (como se manteve) tal como foi fixada na sentença.
Como é sabido, a intervenção do Supremo Tribunal no campo dos factos justifica-se apenas nas situações excepcionais em que se está perante erros de direito – ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – que, por definição integram a sua competência.
Situação que aqui se não verifica, de todo.
E se é certo que o exercício do poder-dever funcional previsto no artigo 662º, 1, do CPC pode ser objecto de sindicação em revista quando, exercido dentro dos poderes de reapreciação da matéria de facto, houver motivo para ser censurado por não uso ou uso deficiente ou patológico (error in procedendo) ou ilegal (error in judicando) relativo à identificação, interpretação e aplicação de normas de direito probatório material, não se vislumbra que a Relação tivesse, por qualquer forma, beliscado, minimamente, os limites da sua actuação relativamente aos seus aludidos poderes de reapreciação da matéria de facto.
Como tal, vinga aqui o princípio da irrecorribilidade ditado pelo artigo 662º, 4, do CPC, que se confirma nos artigos. 682º, 1 e 2, e 674º, 3, do CPC, tendo a Relação agido conforme as regras do jogo da livre apreciação da prova sem valor tarifado.
Quanto ao mais, dado que a Recorrente condiciona a alteração de direito em função da pretendida alteração da matéria de facto, mantendo-se inalterada esta, nada há a dizer quanto àquela.
Assim, também improcede esta questão – claudicando todas as conclusões das alegações da revista.
IV. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em:
1. Não admitir o recurso de revista interposto pela Ré XL Insurance Company Se, Sucursal En Espanã;
2. Julgar improcedente o recurso interposto pela Ré BB e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.
Custas das revistas a cargo dos respectivos recorrentes.
Lisboa, 17.06.2025
Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)
Carlos Portela (Juiz Conselheiro 1º adjunto)
Isabel Salgado (Juíza Conselheira 2º Adjunto)
_______
3. Como, acerca do alcance do artigo 671º, nº 3 do NCP, há muito escrevia TEIXEIRA DE SOUSA (in Cadernos de Direito Privado, 21, 21 e seguintes), “Há casos nos quais o funcionamento do sistema da dupla conforme não levanta certamente nenhuns problemas. Se, por exemplo, o réu tiver sido absolvido na 1.ª instância e vier a ser condenado na Relação (ou vice-versa), é claro que o acórdão da Relação é “desconforme” com a decisão da 1.ª instância e que, por isso, a revista é admissível nos termos gerais. Mas também há casos nos quais a aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das instâncias pode ser bastante mais complexa…Um dos casos … é aquele que se refere às decisões relativas a obrigações pecuniárias (respeitantes, por exemplo, a prestações contratuais ou a indemnizações resultantes de incumprimentos contratuais ou de responsabilidade extra-obrigacional).
(…) Do exposto decorre a necessidade de construir um critério pelo qual se possa aferir em que condições as decisões das instâncias, respeitantes a diferentes montantes pecuniários, estão abrangidas pelo regime da dupla conforme. O critério proposto desdobra-se nas seguintes premissas:
– O apelante que é beneficiado com o acórdão da Relação relativamente à decisão da 1.ª instância – isto é, o réu que é condenado em “menos” do que na decisão da 1.ª instância ou o autor que obtém “mais” do que conseguiu na 1.ª instância – nunca pode interpor recurso de revista para o Supremo, porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido a – para ele menos favorável – decisão da 1.ª instância…”.
4. Neste sentido e a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos do STJ de 17-11-2021 (Revista n.º 712/19.5T8LSB.L1.S1), de 04-11-2021 (Revista n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1), de 09-06-2021 (Incidente n.º 1035/10.0TYLSB-B.L1.S1), de 22-06-2021 (Revista n.º 15319/16.0T8PRT.P1.S1), de 06-05-2021 (Revista n.º 1097/16.7T8FAR.E2.S1), de 29-04-2021 (Revista n.º 115/16.3T8PRG.G1.S1), de 02-03-2021 (Revista n.º 2622/19.7T8VNF-B.G1.S1), de 02-03-2021 (Revista n.º 30690/15.3T8LSB.L1.S1) e de 18-03-2021 (Revista n.º 22563/19.7T8LSB.L1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.
Assim também se pronunciou ABRANTES GERALDES (Recursos em Processo Civil, 6.ª Ed., Almedina, 2020, pág. 413), defendendo que: “a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quanto a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância”.
Como também se afirma no acórdão do STJ, de 27.4.2017, no proc. n° 273/14.1TBSCR.L1.S1 (TOMÉ GOMES) - disponível em www.dgsi.pt. – , ‘’Para efeitos de descaracterização da dupla conforme nos termos do nº 3 do artigo 671º do CPC, verifica-se fundamentação essencialmente diferente quando o acórdão da Relação, embora confirmativo da decisão da 1ª instância, sem vencimento, o faça com base em fundamento de tal modo diferente que possa implicar um alcance do caso julgado material diferenciado do que viesse a ser obtido por via da decisão recorrida”.
Se a Relação eventualmente, aqui ou ali, seguiu (como, na verdade, seguiu) um rumo um pouco mais trabalhado, mas sempre para atingir o mesmo resultado, ou, do lado inverso, se aditou um ou outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado na sentença, tal em nada belisca a manutenção da dupla conforme.
Ou o Ac do STJ de 8-01-2015 – proc. 346/11.2TBCBR.C2-A.S1 – JOÃO BERNARDO – , referindo que a expressão “fundamentação essencialmente diferente” na manutenção do decidido na 1.º instância, “enquadra os casos em que a confirmação da sentença na 2.º instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.º instância“.
5. Assinalando-se a negrito a matéria de facto impugnada na apelação, impugnação essa que improcedeu in totum.