ARRESTO
GARANTIA PATRIMONIAL
PERDA
JUSTO RECEIO
INDÍCIOS
INSUFICIÊNCIA DO ATIVO
CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO
SOCIEDADE UNIPESSOAL
ANÚNCIO
VENDA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Sumário


Resultando da factualidade provada indícios como a prolongada inacção da promitente-vendedora relativamente a diligências que lhe cumpria desenvolver, a incontactabilidade da mesma e o anúncio público de venda do prédio objecto do contrato prometido, deve considerar-se justificado o receio, por parte da promitente-compradora, da perda da garantia patrimonial do crédito, nos termos e para os efeito do artigo 619.º do CC e do artigo 391.º do CPC.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

Recorrente: O..., unipessoal, Lda.

Recorrida: J...., Unipessoal, Lda


*


1. Tendo O..., unipessoal, Lda, intentado procedimento cautelar contra J...., Unipessoal, Lda., foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente a providência solicitada (arresto).

2. A requerente interpôs recurso, na sequência do que o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu Acórdão em que se decidiu, a final:

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante”.

3. A requerente “vem Interpor RECURSO DE REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça, a subir imediatamente e nos próprios autos, nos termos do n.º2 al. d), do artigo 629.º, do CPC, por acórdão da Relação que esteja em contradição com outro;

Ou, assim não se entendendo, em alternativa como Revista Excecional, nos termos das alíneas a), b), e c), do n.º1 e n.º2 do artigo 672.º, do CPC….

Conclui as suas alegações assim:

1. Vem a Recorrente interpor RECURSO DE REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça, a subir imediatamente e nos próprios autos, nos termos do n.º2 al. d), do artigo 629.º, do CPC, por acórdão da Relação que esteja em contradição com outro.

2. Ou, assim não se entendendo, em alternativa como Revista Excecional, nos termos das alíneas a), b), e c), do n.º1 e n.º2 do artigo 672.º, do CPC, face à necessidade de apreciação da questão importante de se saber se estamos perante caso julgados contraditórios ou não, o alcance do caso julgado e os factos provados, causa de pedir e pedidos que resultam da sentença proferida nos autos 441/25.0T8VCT, em comparação com os autos de Processo 1236/06 enquanto acórdão fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 09-05-2006 (vide https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/CAF8D610F733C7398025718C003EB97F), o que se mostra de especial relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito, face aos interesses de particular relevância social em causa e os princípios de certeza e segurança jurídicas, bem como a necessidade de apreciação de acórdãos proferidos (designadamente o recorrido e aquele proferido no acórdão fundamento).

3. Nos presentes autos, veio a Recorrente peticionar seguinte:

a) Examinadas as provas produzidas, decretar a providência nominada e consequentemente ser arrestado o prédio propriedade da Requerida sito na Rua da..., União de Freguesias de ... (...), concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..57, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..83 da mencionada União de Freguesias;

b) Requer-se, igualmente, que a providência seja decretada sem que, nos termos do art.º 366, nº 1 e 393º do CPC, a Requerida seja ouvida, sob pena de a audiência por em risco sério o fim ou a eficácia da providência;

c) Requer-se ainda, nos termos do artigo 369.º do CPC, a inversão do Contencioso, declarando assim resolvido o contrato promessa e condenando a Requerida ao pagamento à Requerente do dobro de quanto esta prestou, ou seja, €333.600,00 (trezentos e trinta e três mil e seiscentos euros);

d) Mais se requereu que a Requerida seja citada, também, na pessoa da sua Gerente AA, residente na Rua ..., ..., nos termos do artigo 223.º, n.º1, do CPC2.

4. O valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o Tribunal apreciá-las de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica que a lei impõe ao Julgador.

5. De acordo com os artigos 391.º e 392.º. do CPC, conjugados, são requisitos do Arresto: justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito; demonstração da probabilidade da sua existência; consequente receio invocado, ou seja "periculum in mora".

6. O Código Civil dispõe no seu artigo 619.º n° 1 que "o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo".

7. Resulta assim da conjugação destes preceitos legais que a função do arresto é garantir a satisfação do direito do credor, de forma que obtida sentença de condenação, esta produza o seu efeito útil.

8. No caso dos Autos entendeu o Douto Acórdão de que se recorre pela probabilidade da existência do crédito, o qual ficou demonstrado, mas entendeu não ter sido demonstrado o justo receio da perda da garantia patrimonial.

9. Decisão da qual a Recorrente discorda em absoluto.

10. Neste caso em concreto, salvo outro e melhor entendimento, os Excelentíssimos Desembargadores não conseguiram vislumbrar a verdade material que estava disponível e acessível.

11. Pois a prova produzida quer testemunhal quer documental impunha uma decisão diversa.

12. E, em consequência, teriam de proceder todos os pedidos formulados pela Apelante e ser consequentemente revogada a Doutra Sentença de que se apelou.

13. A Recorrente atento o ónus de prova que sobre si impendia (art.º 342.º C. Civil), logrou demonstrar quer o seu direito de crédito, quer o justo receio da sua perda.

14. No decurso do julgamento em Primeira Instância foi produzida prova bastante de que existe um receio por parte da Requerida quanto à perda da garantia patrimonial e do incumprimento do contrato promessa por parte da sociedade Requerida.

15.A Recorrente alegou e provou que além do incumprimento do contrato promessa e venda da fracão que lhe foi prometida vender, não existem no património da requerida bens suficientes para garantir a restituição do sinal em dobro, a que tem direito.

16. Abrantes Geraldes, em “Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 2.ª edição, pág. 187”, que ora se cita, escreve que: “o fundado receio da perda da garantia patrimonial tanto pode resultar da existência de sinais de o devedor se estar a colocar numa situação de insolvência, que o impeçam de garantir o seus créditos, como se encontrar num processo de dissipação do seu património através da venda de bens que dificultem assim aos credores a satisfação do seu crédito, ou até pelas dificuldades que os credores possam ter no contacto com os devedores, tudo indícios de que o devedor se furta ao cumprimento das suas obrigações e intencionalmente, coloca o credor numa situação de fragilidade e perigo”.

17.A prova, já evidenciada supra e dada como matéria de facto provada em Primeira Instância, revela que o prédio objecto do contrato promessa em apreço na presente providência se encontra à venda.

18. Revisitada a Sentença de Primeira Instância, foi dado com provado que entre Recorrente e Recorrida foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de uma fracção a construir no imóvel sito na Rua da ..., União de Freguesias de ... (...), concelho de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..83 da mencionada União de Freguesias.

19. Resultou provado que o prédio não sofreu quaisquer obras até à presente data.

20. Resultou provado que a Recorrente entregou, a título de sinal e princípio de pagamento, 100% do preço.

21. Resultou como provado que até à presente data e desde a celebração do contrato promessa, a Recorrida, como era seu dever contratual, não se propôs realizá-la nem de qualquer modo tentou contatar a Requerida ou respondido às suas interpelações

22. Está provado que a Recorrida está incontactável.

23. E mais relevante, que a Recorrida através do seu sócio único pôs já à venda, através duma imobiliária, o prédio onde as fracções prometidas vender e que e qua até à presente data (a cinco meses do fim do prazo) não foram construídas e constituídas.

24. Ora, são estes factos que, além de revelarem uma situação de manifesta intenção de incumprimento, também não podem deixar a promitente-compradora indiferente quanto à justa expectativa de reparação dos seus prejuízos, sobretudo quando não lhe é possível contactar com a promitente – vendedora.

25. São legítimas, por isso, as preocupações da Recorrente, sendo que só a Recorrida poderá demonstrar que são infundadas, e se decidiu na ausência da sua audição.

26. Mais se releva que em caso de realização da venda do imóvel jamais a requerida verá satisfeito o seu crédito, vendo irremediavelmente perdidos €166.800,00.

27. Salienta-se que existem outros contratos promessa, e que os mesmos também não foram cumpridos, como decorre da ação interposta pelo credor S..., Lda.

28. Aliás, os documentos ora juntos concretizam e efectivam os temores óbvios da Recorrente, pois a não se admitir o arresto, atenta a alienação efectuada pela Recorrida, porá seriamente em causa a realização do direito de crédito da Recorrente.

29. Ou, obrigará a esta a esforços judiciais, provavelmente infrutíferos, com ações judiciais de Impugnação Pauliana, cujo resultado poderá ser demasiado tardio.

30. Ou seja, a manutenção do indeferimento do aresto recorrido levará a uma duplicação desnecessária de processos, à repetição de todo o respectivo ritualismo - da petição inicial ao julgamento e putativos recursos - em violação do Princípio da Economia Processual, corporizado no art. 130º do CPC.

31. Daí que tais factos põem em crise a conclusão da Douta Decisão do Tribunal da Relação, quanto à verificação do segundo elemento para decretamento da providência cautelar de arresto - justificado receio da perda de garantia patrimonial.

32. Por si só, os documentos juntos aos autos com a Petição Inicial (Publicidade de Venda em agência imobiliária, correspondências enviadas à devedora, certidão do Serviço de Finanças), acrescidos do que ora supervenientemente se juntam, implicam necessariamente decisão diversa da proferida, resultando a decisão de um lapso manifesto.

33. Releva-se, para efeitos do artigo n.º2 al. d), do artigo 629.º, do CPC, aqui a jurisprudência fundamento, com interpretação já sedimentada no ordenamento jurídico português, designadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 1236/06JTRC:

“ A prática de actos ou assunção de atitudes que inculquem a suspeita de que o devedor pretende subtrair os seus bens à acção dos credores torna justificável o receio de perda da garantia patrimonial do crédito. 2. Estando provado que entre requerentes e requeridos foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de duas fracções dum imóvel; que os requerentes entregaram, a título de sinal e princípio de pagamento, 83% do preço; que decorreram quase dois anos entre a data em que deveria ter sido celebrada a escritura de compra e venda e a data da sentença sem que os requeridos se tenham proposto realizá-la; e que os requeridos estão incontactáveis e puseram já à venda as fracções prometidas vender, deve entender-se que está provado o receio de perda de garantia patrimonial.

34. Como se lê ainda nesse aresto, e que é de total aplicação aos presentes autos:

“E entre o prejuízo dos requeridos com a imobilização parcial e temporária do seu património e o eventual prejuízo irrecuperável dos requerentes com o indeferimento da providência, parece que seria sensato optar pelo deferimento e esperar que os requeridos apresentem prova de que o receio dos requerentes é infundado, tendo em vista o disposto nos artigos 385.º, n.º 5 e 388.º, 1, a) do Código de Processo Civil. Descurar esta hipótese e partir, sem mais, para o indeferimento é que se afigura desajustado, face às circunstâncias do caso concreto, podendo estar a deixar, ao que tudo indica, os requerentes em situação delicada. A ponderação de interesses atendíveis, impõe ao intérprete uma solução de equilíbrio, que aponta no deferimento da providência, nesta fase do processo cautelar, considerando que o receio dos agravantes perderem a garantia patrimonial do seu crédito é justificado.”

38. Devidamente analisados – o acórdão recorrido e o acórdão fundamento- verifica-se uma manifesta oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito.

39. No procedimento cautelar é suficiente a prova da probabilidade da existência do crédito e a justificação do justo receio de perda da garantia patrimonial, porquanto à Requerida está sempre garantido o exercício do post-contraditório.

40. É completamente aleada da realidade quotidiana a afirmação o douto acórdão da relação de que “ o facto de existir no prédio uma placa a anunciar a sua venda, não significa que a requerida não vai cumprir com a requerente”.

41. Ou que “o facto da requerente só conhecer estes património da requerida não significa que esta não tenha outros bens.”

42. Não só não conhece como está provado que é o único bem imobiliário pertença da requerida – conforme certidão da AT junta aos autos.

43. É de elementar bom senso que, só sendo conhecido esse património imobiliário, e tendo sido esse facto demonstrado documentalmente pela certidão do Serviço de Finanças de ..., não se pode exigir à Recorrente que demonstre existe outro património ou direitos.

44. Pouco longe estaremos da probatio diabolica.

45. Violados estão por isso os artigos 365.º, n.º 1; 391.º n.º 1 e 407.º, n.º 1 do Código do Processo Civil e ainda o disposto no artigo 619° do Código Civil.

46. Por último, e malogradamente, não só o receio era tão justificado e evidente, que veio a concretizar-se.

47. Conforme resulta da leitura da certidão permanente da CRP de ..., consultada em 29/05/2025 – Cfr. Doc. 1 que se junta para todos e devidos efeitos legais – a Recorrida transmitiu mediante dação em pagamento ao seu sócio único o bem a arrestar.

48. Ora, tal facto é superveniente à prolação à Douta Sentença em Primeira Instância e ao Douta Acórdão da Relação, porquanto apenas na presente consulta é visível essa publicidade feita pelo registo predial.

49. É certo que esse registo é provisório por natureza, porém não constava da certidão à data da propositura do Arresto, não podendo a recorrente conhecer do mesmo, uma vez que data de 14/05/2025.

50. Porém, não se encontra prevista no atual regime processual civil a possibilidade de serem alegados, na fase de recurso de apelação ou revista, factos supervenientes ao encerramento da audiência de julgamento em 1.ª instância, relativos à relação jurídico-material.

51. O que não significa que não possam ser invocados factos supervenientes que determinem a inutilidade do recurso ou da lide, que respeitem à verificação de pressupostos processuais que ainda possam ser conhecidos nessa fase que sejam factos notórios ou do conhecimento funcional do juiz.

52. Pelo que, há que atender às particularidades do presente caso.

53. Dada a evidência dos factos e o primado da justiça material em consonância com o que “ab initio” foi sempre alegado pela Recorrente, devem ser sido admitidos e valorados os documentos que se juntam, relativamente à prova dos factos.

54. Os documentos que ora se juntam não estavam na disponibilidade e ao alcance da Recorrente, pelo que são supervenientes à própria decisão do Tribunal da Relação, sendo a anotação e registo em sistema de 14/maio/2025 – Cfr. Certidão da CRP ora junta.

55. Na verdade a prova da alienação do imóvel carece de prova documental.

56. Ora, não sendo o Requerido previamente citado não se lograria a sua confissão.

57. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião deve a prova documental ora junta ser admitida ao abrigo dos artigos 680.º, n.º1 e 674.º, n.º3 do CPC”.

4. No Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido o seguinte despacho:

Remeta ao Supremo Tribunal de Justiça para que aí se decida quanto à verificação dos pressupostos de revista excecional, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 672.º do CPC”.


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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se existe justificado receio de perda da garantia patrimonial.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, cujo escopo social é a compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim, gestão e administração, arrendamento e exploração de imóveis, alojamento mobilado para turistas, administração e gestão de condomínio.

2) A Requerida tem como escopo social a promoção imobiliária, investimentos imobiliários, desenvolvimento de projetos de edifícios habitacionais e não habitacionais, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esses fim e arrendamento de imóveis próprios.

3) No exercício das suas atividades sociais e por documento particular, Requerente e Requerida celebraram contrato promessa de compra e venda, no dia 13 de outubro de 2023, mediante o qual a Requerida promete vender à Requerente a fração autónoma designada pela letra “D”, destinada a habitação, a construir no prédio de que a sociedadeJ...., Unipessoal, Lda. é proprietária, o qual se encontra sito na Rua da ..., União de Freguesias de ... (...), concelho de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..83 da mencionada União de Freguesias.

4) O prédio urbano identificado no número que antecede é composto por cinco apartamentos.

5) O valor do contrato prometido é de €166.800,00 (cento e dezasseis mil e oitocentos euros).

6) O pagamento do preço foi já efetuado na sua integralidade e por transferências bancárias realizadas em 23 de outubro de 2023, nos seguintes montantes: €5.000,00, €45.000,00, €25.000,00, €24.999,00 e €50.000,00.

7) O remanescente foi pago mediante transferência de €16.801,00 (dezasseis mil e oitocentos e um euros), já previamente entregue pela Promitente Compradora à sócia gerente da Requerida.

8) Sucede que a Gerente da Requerida (BB) era também a TOC da sociedade Requerente, em quem a Gerente da Requerente (de nacionalidade francesa) depositava extrema confiança, mercê de uma relação profissional de cerca de 8 anos, sem quaisquer incidentes.

9) Razão pela qual a Requerente aceitou proceder ao pagamento da integralidade do preço com a celebração do contrato promessa.

10) Acordaram as partes promitentes que os pagamentos se efetuariam mediante transferência bancária para a conta indicada pela Requerida, com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 5, do Banco Millennium BCP, como sucedeu.

11) A escritura pública deveria realizar-se previsivelmente até 31 de agosto de 2025, sem prejuízo de o prazo estar condicionado à conclusão e legalização da respetiva fração, com a possibilidade de prorrogação de prazo.

12) Em 27 de junho e 2 de agosto de 2024, suspeitando da inexistência de obras no prédio por ali não haver quaisquer movimentos, a Requerente, através do seu mandatário, notificou por carta a Requerida para comparecer no prédio em data a agendar por acordo no prazo de cinco dias e dar conta do andamento dos trabalhos.

13) Rececionadas pela Requerida as correspondências com A/R em 01/07/2024 e 08/08/2024, esta não compareceu e nunca contactou a Requerente.

14) Inconformada a Requerente tentou contactar a então gerente da Requerida, BB, quer por telefone, quer por email - ... e ....

15) Embora sem sucesso.

16) Não há no prédio quaisquer sinais de intervenção urbanística, andaimes ou afixação de alvará de construção.

17) Foi colocada no prédio uma sinalética publicitária da Agência Imobiliária ....

18) Consultado o site online da ..., à data da propositura da providência, encontrava-se o anúncio em vigor - https://www.era.pt/imovel/predio-...-.......06 – para venda do imóvel no estado em que se encontrava e com processo de licenciamento para constituição de frações autónomas, pelo valor de €380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros).

19) Sobre o imóvel em causa existe outro contrato-promessa de venda de bens futuros celebrado com S..., Lda, que respeita às frações autónomas “A” e “C”.

20) A S..., Lda e CC propuseram providência cautelar de arresto contra BB, J...., Unipessoal, Lda e DD, que correu termos neste Juízo Central Cível – J... sob o nº 2598/24.9 .8....

21) E que foi julgada improcedente, por ter sido considerado que inexistia qualquer crédito dos Requerentes sobre os Requeridos.

22) A S..., Lda propôs ainda ação comum contraJ...., Unipessoal, Lda que corre termos neste Juízo central Cível – J... sob o nº 122/25.5 .8....

23) A Requerente só conhece como sendo património da Requerida o prédio sito na Rua da ..., União de Freguesias de ... (...), concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..57, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..83 da mencionada União de Freguesias.

Quanto aos factos não provados, afirmou o Tribunal recorrido:

“Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a justa decisão da causa. Nomeadamente, não resultaram provados os seguintes factos:

I. Nenhuma fração será construída e os contratos promessas não serão cumpridos em agosto de 2025.

II. A Requerida tem intenção de não cumprir o contrato.

III. A Requerida pretende furtar-se ao cumprimento das obrigações decorrentes desse contrato e do seu incumprimento.

IV. A Requerida agiu e age de má-fé com o fim de impedir a satisfação do direito da credora, a aqui Requerente”.

O DIREITO

Da admissibilidade do presente recurso

De acordo com o artigo 370.º, n.º 2, do CPC:

Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.

O preceito ressalva, naturalmente, os casos em que é sempre admissível o recurso. Entre tais casos está o previsto no artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, onde se diz:

Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: (…) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

A norma é invocada como primeiro fundamento do presente recurso.

A sua aplicabilidade está subordinada a determinados requisitos, entre os quais avultam o não cabimento de recurso por motivo estranho à alçada e do tribunal (que se verifica) e a existência de uma contradição jurisprudencial1.

A contradição de julgados para efeitos desta norma há-de ser apreciada segundo critérios idênticos aos adoptados nos restantes recursos de revista que dependem de oposição de julgados, ou seja, nos recursos interpostos ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. c), e do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do CPC, nos recursos de revista excepcional interpostos ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC e nos recursos para uniformização de jurisprudência, interpostos ao abrigo do artigo 688.º, n.º 1, do CPC2.

Discorrendo a propósito dos recursos do último tipo, enuncia Abrantes Geraldes os requisitos fundamentais da contradição de julgados3. Destacar-se-ia, de entre eles, com especial interesse para o caso em apreço, os seguintes: estar em causa uma ou mais questões de direito, existir uma relação identidade da questão de direito, a questão de direito em causa ser essencial para o resultado das decisões e existir uma oposição ou contradição frontal entre as decisões.

Concluir-se-á, em suma, que existe oposição de julgados ou contradição jurisprudencial quando – e apenas quando – o Acórdão recorrido estiver em oposição frontal com outro proferido no domínio da mesma legislação que respeite à mesma questão de direito de carácter essencial.

Ora, facilmente se conclui que, tendo os acórdãos em confronto analisado a questão de saber se existia, ou não, “justificado receio de perder a garantia patrimonial do [] crédito”, para o efeito do artigo 391.º do CPC, os respectivos sentidos decisórios não assentaram em entendimentos divergentes quanto ao alcance deste conceito indeterminado, mas sim na sua densificação a partir da factualidade provada em cada um dos casos.

Da decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo recolhe-se a seguinte informação:

- A requerente e a requerida celebraram contrato-promessa de compra e venda de fracção (cfr. facto provado 3).

- O pagamento do preço (€166.800,00) foi integralmente realizado (cfr. factos provados 5, 6 e 7).

- A escritura pública deveria realizar-se previsivelmente até 31 de Agosto de 2025, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação para conclusão e legalização da fração (cfr. facto provado 11).

- Passado quase um ano, suspeitando da inexistência de obras no prédio por ali não haver quaisquer movimentos, a requerente, através do seu mandatário, notificou por carta a requerida para comparecer no prédio em data a agendar por acordo no prazo de cinco dias e dar conta do andamento dos trabalhos (cfr. facto provado 12).

- Recebidas pela requerida as cartas enviadas com aviso de recepção, esta não compareceu e nunca contactou a requerente (cfr. facto provado 13).

- Inconformada, a requerente tentou contactar a então gerente da requerida, quer por telefone, quer por email, embora sem sucesso (factos provados 13 e 14).

- Não há no prédio quaisquer sinais de intervenção urbanística, andaimes ou afixação de alvará de construção (cfr. facto provado 16).

- Foi colocada no prédio uma sinalética publicitária de uma agência imobiliária (cfr. facto provado 17).

- Consultado o site online desta agência, à data da propositura da providência, encontrava-se o anúncio em vigor para venda do imóvel no estado em que se encontrava e com processo de licenciamento para constituição de frações autónomas, pelo valor de €380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros) (facto provado 18).

- A requerente só conhece como sendo património da requerida o referido prédio (cfr. facto provado 23).

Posto isto, leia-se a fundamentação do Acórdão recorrido, na parte relevante:

Relativamente ao requisito de perda da garantia patrimonial – que é o foco da discordância neste recurso -, não é preciso que a perda de garantia patrimonial seja certa ou venha a tornar-se efetiva. Exige-se, tão-só, que haja um receio justificado dessa perda.

Importa realçar, no entanto, que não basta o receio subjetivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a pretensão a que julga ter direito.

O que é decisivo é que o credor fique ameaçado de lesão por ato do devedor e seja razoável e compreensível o seu receio de ver frustrado o pagamento do seu crédito.

Numa palavra, o receio, para ser considerado justificado por exigência da lei “há-de assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação” (cfr. Jacinto Bastos, “Notas” Vol. II, pág. 268).

Como se diz no Acórdão do STJ de 01/06/2000, Sumários, 42, 28, “O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adote, ou tenha o propósito de adotar uma conduta (indiciada por factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objetivamente, o titular do crédito a recear ver frustrado o pagamento do mesmo” (…).

Ora, no caso de que nos ocupamos, o tribunal decidiu bem, pois dos factos provados não pode concluir-se o receio justificado de perda da garantia patrimonial do crédito da requerente, desde logo porque não se sabe qual o património da requerida que poderá responder por esse alegado crédito. A requerente limita-se a extrair conclusões que não oferecem a segurança e certeza necessárias, antes pelo contrário, fazendo um exame precipitado das circunstâncias que narra (como bem salienta a decisão recorrida).

Como acima já se referiu, o receio para ser considerado justificado por exigência da lei “há-de assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação”.

No caso dos autos não vem alegado qualquer ato de dissipação, sonegação ou ocultação de bens, fuga da devedora ou situação patrimonial desta que conduza àquele receio, designadamente, face ao montante do crédito da requerente em confronto com o património imobiliário de que será proprietária a requerida (e dizemos será, porque nenhuma prova se faz relativamente à inexistência de outro património). Veja-se, até, que na outra providência cautelar proposta, não se deu como provada a existência do crédito dos aí requerentes sobre a requerida.

Assim, não se provando que o património da requerida seja insuficiente para o pagamento dos seus débitos e que esteja em dificuldades financeiras ou com o intuito de não cumprir ou que “encetou uma atuação de ocultação ou depauperação de bens” e, portanto, haja justo receio da perda da garantia patrimonial, decidiu-se bem ao julgar improcedente a providência solicitada4.

Voltando agora a atenção para o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.05.2006 (Proc. 1236/06), invocado como Acórdão-fundamento, pode ler-se:

Decidiu-se em acórdão desta Relação ( Acórdão de 26-11-2002, Proc. 3306/02 (H. Roque), emwww.dgsi.pt/jtrc/nsf/ ) que “só existe justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito, quando as circunstâncias se apresentam do modo a convencer que está iminente a lesão do direito, a perspectivar, justificada e plausivelmente, o perigo de ser vir a tornar inviável, ou altamente precária, a realização da garantia patrimonial do crédito do requerente”.

Abrantes Geraldes, em “Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 2.ª edição, pág. 187”,citado pelos agravantes, escreve, a dado passo, que: “o fundado receio da perda da garantia patrimonial tanto pode resultar da existência de sinais de o devedor se estar a colocar numa situação de insolvência, que o impeçam de garantir o seus créditos, como se encontrar num processo de dissipação do seu património através da venda de bens que dificultem assim aos credores a satisfação do seu crédito, ou até pelas dificuldades que os credores possam ter no contacto com os devedores, tudo indícios de que o devedor se furta ao cumprimento das suas obrigações e intencionalmente, coloca o credor numa situação de fragilidade e perigo”.

Assim, dizemos nós, a prática de actos ou assunção de atitudes que inculquem a suspeita de que o devedor pretende subtrair os seus bens à acção dos credores torna justificável o receio de perda da garantia patrimonial do crédito.

Está provado que entre requerentes e requeridos foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de duas fracções dum imóvel; que os requerentes entregaram, a título de sinal e princípio de pagamento, 83% do preço; que decorreram quase dois anos entre a data em que deveria ter sido celebrada a escritura de compra e venda (27/03/2004) e a data da sentença (22/12/2005) sem que os requeridos, como era seu dever contratual, se tenham proposto realizá-la; e que os requeridos estão incontactáveis e puseram já à venda, através duma imobiliária, as fracções prometidas vender.

São factos que, além de revelarem uma situação de incumprimento, também não podem deixar os promitentes-compradores indiferentes quanto à justa expectativa de reparação dos seus prejuízos, sobretudo quando não lhes é possível contactar com os promitentes – vendedores. São legítimas, por isso, as preocupações dos apelantes, sendo que só os apelados poderão demonstrar que são infundadas, e se decidiu na ausência da sua audição.

A ausência de prova da inexistência de outros bens dos requeridos não assegura que os requerentes ainda possam ter o seu crédito garantido com o património daqueles. E entre o prejuízo dos requeridos com a imobilização parcial e temporária do seu património e o eventual prejuízo irrecuperável dos requerentes com o indeferimento da providência, parece que seria sensato optar pelo deferimento e esperar que os requeridos apresentem prova de que o receio dos requerentes é infundado, tendo em vista o disposto nos artigos 385.º, n.º 5 e 388.º, 1, a) do Código de Processo Civil. Descurar esta hipótese e partir, sem mais, para o indeferimento é que se afigura desajustado, face às circunstâncias do caso concreto, podendo estar a deixar, ao que tudo indica, os requerentes em situação delicada. A ponderação de interesses atendíveis, impõe ao intérprete uma solução de equilíbrio, que aponta no deferimento da providência, nesta fase do processo cautelar, considerando que o receio dos agravantes perderem a garantia patrimonial do seu crédito é justificado5.

Decorrendo a factualidade provada no âmbito do Acórdão-fundamento da respectiva fundamentação, logo se conclui que existe, neste plano, uma proximidade – uma proximidade quase flagrante – com o Acórdão recorrido. Se não veja-se.

Em ambos os casos está em causa um contrato-promessa que os requerentes / promitentes-compradores temem não venha a ser cumprido porque passou um tempo considerável sem haver notícias ou “desenvolvimentos”, os requerentes / promitentes-compradores não conseguem contactar os requeridos / promitentes-vendedores apesar das tentativas sucessivas e a venda da coisa objecto do contrato-prometido é anunciada ao público. Em ambos os casos o preço da coisa foi integralmente pago ou pago na parte substancial. E em ambos os casos está ausente a prova de que o património dos requeridos / promitentes-vendedores é insuficiente para a satisfação dos créditos dos requerentes / promitentes-compradores.

A circunstância de no caso decidido pelo Acórdão-fundamento terem decorrido quase dois anos entre a data em que deveria ter sido celebrada a escritura de compra e venda e a data da sentença sem que os requeridos, como era seu dever contratual, se tenham proposto realizá-la e de, distintamente, no caso dos autos a escritura pública (ainda) dever realizar-se previsivelmente até 31 de agosto de 2025 (cfr. facto provado 11) em nada afecta a conclusão sobre a semelhança da matéria de facto pois, para o que cumpre apreciar, pouco importa a natureza do crédito (se, designadamente, houve já incumprimento do contrato-promessa e se modificou o objecto do direito do credor) mas sim, exclusivamente, o requisito do justificado receio da perda da garantia patrimonial.

A verdade é que, não obstante aquela proximidade, as decisões divergiram: no Acórdão-fundamento os factos descritos bastaram para se dar por verificado o justificado receio enquanto no Acórdão recorrido não.

O que sucedeu – repete-se – foi que os dois tribunais se distanciaram quanto ao entendimento a dar à questão de direito – quanto ao preenchimento, em concreto, do conceito indeterminado de “justificado receio”, designadamente sobre a necessidade de prova da inexistência / insuficiência de outros bens do devedor para dar por verificado o justificado receio.

Chegados aqui, não resta senão confirmar-se a alegada contradição de julgados e, estando preenchidos os restantes requisitos do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, concluir-se que a revista é admissível ao abrigo deste fundamento específico.

Do objecto do recurso – Do justificado receio de perda da garantia patrimonial

Dispõe-se no artigo 619.º, n.º 1, do CC:

O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.

A disposição é reiterada, quase ipsis verbis, no artigo 391.º, n.º 1, do CPC:

O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.

No n.º 2 deste artigo apresenta-se o arresto como uma apreensão judicial de bens.

Mas, antes de tudo, convém recordar que o arresto é uma providência cautelar e, em consonância com isso, o seu decretamento está sujeito a determinados requisitos, nomeadamente a ocorrência de justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito – que é, essencialmente, a questão que se discute no presente recurso.

Como explicam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora: pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se de do receio de que o devedor de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo: acs. do TRL de 17.7.74, BMJ, 239, p. 247, e de 28.11.2013, Fernanda Isabel Pereira, www.dgsi.pt, proc. 3703/13, e do STJ de 24.11.88, Abel Delgado, BMJ, 381, p. 603, respetivamente quanto à tentativa de venda de um prédio prometido vender (…), ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito (ac. do TRC de 13.11.79, Ferreira Pinto, BMJ, 293, p. 441)6”.

No n.º 1 do artigo 392.º do CPC determina-se:

O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência”.

Esclareça-se, antes de mais, que a actividade probatória exigível ao requerente é condicionada pelo enquadramento num procedimento cautelar, que tem carácter urgente. Quer isto dizer que o requerente apenas tem de trazer aos autos factos ou eventos que mostrem que o seu receio de perda da garantia patrimonial é fundado, assente em factos ou eventos objectivos e não se deve simplesmente a uma condição psicológica específica sua. Por sua vez, o juiz deve efectuar um juízo baseado nas regras da experiência e com recurso ao critério do homem medianamente prudente, devendo considerar que existe justificado receio logo que conclua que um homem medianamente prudente, colocado diante dos mesmos factos ou eventos, teria o mesmo receio do requerente de perda da garantia patrimonial.

Esclareça-se ainda que o que está aqui em causa é (tão-só) apreciar o requisito do justificado receio para o efeito do juízo sobre o decretamento do arresto e não apreciá-lo para o efeito do juízo sobre a aplicabilidade do artigo 369.º do CPC – e inversão do contencioso, pedido que o requerente também formula nesta acção. Sempre teria de ser assim, numa primeira fase, dado que o decretamento da providência cautelar e a inversão do contencioso são pedidos sucessivos nesta acção, o que quer dizer que são distintos e autónomos e como tal devem ser tratados.

Esclarecido isto, dir-se-ia que, perante os factos provados e, sobretudo, alguns dos destacados anteriormente, aquando da aferição da contradição de julgados, um homem medianamente prudente, colocado diante dos mesmos indícios, designadamente a prolongada inacção da devedora / requerida, a incontactabilidade da mesma, o anúncio de venda do prédio, o desconhecimento de outros bens integrantes do património da devedora (cfr. factos provados 12, 13, 14, 16, 17 e 18), recearia da mesma forma que a requerente alega recear a impossibilidade de realização o seu crédito à custa do património da requerida.

Acresce que, como se deduz da sua firma (J...., Unipessoal, Lda.) a requerida é uma sociedade por quotas unipessoal, logo uma entidade que se presta a ser constituída com facilidade (sem grandes formalidades ou outras exigências como o montantes mínimos de capital) e dissolvida com a mesma facilidade (quase por mera vontade do sócio, que é único). Tudo isto deve ser sopesado porque é susceptível de “passar pela cabeça” de um homem normal, incutindo-lhe, compreensivelmente, a convicção de que o seu crédito ficará irremediavelmente por satisfazer.

Em particular quanto à prova de que os bens a arrestar constituem a única garantia patrimonial e, consequentemente, não existem outros bens para satisfazer o crédito, esclareça-se que ela não é legalmente exigida7. O que importa é que o receio seja fundado ou justificado, sendo variados os factos em que ele é susceptível de se exteriorizar8 mas neles se incluindo, sem dúvida, os alegados pela requerente e considerados provados.

Por tudo isto, propende-se para considerar que existe, de facto, um risco forte e “palpável” de perda da garantia patrimonial, logo o “justificado receio” que é alegado pela requerente.

Não deixa de se notar que a requerente alega agora que existe um registo provisório relativamente ao prédio visado no arresto, mostrando que ele foi recentemente transmitido (cfr. conclusões 46 a 57). Pede a requerente, inclusivamente, que seja admissível a junção de documento, já que, segundo ela, tal documento provaria a transmissão do prédio (dação em pagamento) pela requerida para o seu sócio único (cfr. conclusão 57), reforçando a existência do alegado justificado receio.

Sucede que, como se disse, os factos constantes da decisão sobre a matéria de facto foram já considerados suficientes para se dar por verificado o justificado receio da perda da garantia patrimonial, pelo que a apreciação daquele documento sempre seria irrelevante ou mesmo inútil.

Deve acrescentar-se, todavia, que a confirmar-se tal transmissão, ela pode não ser absolutamente destituída de impacto na solução a dar à presente acção, sendo possível que condicione, designadamente, o juízo sobre a adequação ou utilidade do decretamento da providência cautelar requerida. Como é sabido, o arresto incide, em princípio, sobre bens do devedor, titularidade esta que, aliás, cabe à requerente do arresto provar, de acordo com as normas gerais (cfr. artigo 342.º do CC)9. Prevê-se – é certo – no n.º 2 do artigo 619.º do CC o direito de o credor requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor mas isso apenas na hipótese de esta transmissão ter sido judicialmente impugnada (acção de declaração de nulidade, acção de anulação ou impugnação pauliana)10. Esta é, todavia, uma questão cuja apreciação ultrapassa o quadro dos poderes-deveres do Supremo Tribunal.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento à revista e revoga-se o Acórdão recorrido, dando-se por verificado o justificado receio de perda da garantia patrimonial que é requisito do arresto.

Determina-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que aí possa ser apreciada o pedido enunciado na conclusão 57 da revista, bem como, se assim o entender, os restantes pedidos cujo conhecimento ficou prejudicado.


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Custas pela requerida.

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Lisboa, 17 de Junho de 2025

Catarina Serra (relatora)

Maria da Graça Trigo

Carlos Portela

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1. Cfr., sobre estes requisitos, Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), pp. 60 e s.

2. Isto em razão da identidade de fundamento. Cfr., neste sentido, quanto aos recursos interpostos ao abrigo da al. c) e da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º, do artigo 672.º, n.º 2, al. c) e do artigo 688.º, n.º 1, do CPC, Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., p. 73.

3. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pp. 529-537.

4. Sublinhados nossos.

5. Sublinhados nossos.

6. Cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), p. 144 (sublinhados nossos).

7. Para uma lista (extensa) das mais comuns com base na jurisprudência cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, Coimbra, Almedina, 2016 (2.ª edição), pp. 233-235.

8. Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, cit., p. 230.

9. Cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, cit., p. 150.

10. Cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, cit., p. 151.