CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
CARTÃO DE CRÉDITO
JUROS REMUNERATÓRIOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
AMORTIZAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
LIVRANÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sumário


Resultando da factualidade apurada que, não só a obrigação emergente de contrato de atribuição e utilização de crédito não consubstancia uma obrigação unitária de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, como não existe uma coincidência temporal entre os juros e o capital que compunham cada pagamento a realizar, não é aplicável ao caso o prazo de prescrição de cinco anos previsto no art. 310.º, al. e), do CC.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, executados nos autos principais de execução para pagamento de quantia certa movida pela Scalabis – STC, S.A. (por cessão de créditos no lugar da exequente inicial Caixa Geral de Depósitos, S.A.), deduziram embargos de executado.

Alegam, em síntese, o preenchimento abusivo da livrança dada à execução, dado que o contrato subjacente tinha como limite de crédito o montante de € 45.000,00 e que a data de emissão da livrança não é a que veio a ser aposta naquele título.

Mais alegam que, com o pagamento de € 50.000,00 efectuado por um dos avalistas (JJ), se extinguiu a dívida, cujo limite não podia ser superior a € 45.000,00, sendo que o direito de crédito invocado sempre estaria prescrito, nos termos do disposto no art. 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil.

Quanto ao crédito emergente do contrato de abertura de crédito em conta corrente alegam que o devedor originário (L..., Lda) deixou de pagar as prestações em 2012, pelo que, à data do preenchimento da livrança, o crédito já estava prescrito.

Requerem que os embargos sejam julgados procedentes e declarada extinta a execução.

A exequente contestou, alegando, no essencial, que o valor em dívida é o que consta do requerimento executivo, dado que o aval prestado não se encontrava limitado ao capital, não existindo qualquer desconformidade entre o preenchimento levado a cabo e o acordo de preenchimento da livrança, sendo que a data aposta corresponde à da consolidação da operação.

Alegou ainda que o pagamento efectuado foi um pagamento parcial, imputando-se o valor pago sucessivamente a despesas, a indemnização, a juros e, só depois, ao capital. Quanto à prescrição da dívida, a mesma não se verificou, atenta a natureza do contrato celebrado que não é um contrato de mútuo; no contrato de abertura de crédito o prazo de prescrição a considerar é de 20 anos, pelo que a dívida não está prescrita.

2. Foi proferida sentença, decidindo-se julgar os embargos procedentes e, em consequência, declarar extinta a execução.

3. A exequente interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora concedido provimento ao recurso, decidindo anular a sentença proferida por violação do princípio do contraditório.

4. Regressados os autos ao Tribunal de 1.ª instância, em cumprimento do acórdão proferido, foram as partes notificadas para exercerem o contraditório, o que fizeram através dos requerimentos que apresentaram nos autos. Por sentença de 29.04.2024 os embargos foram julgados procedentes, declarando-se extinta a execução.

5. Desta decisão interpôs a exequente embargada recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a revogação da decisão recorrida com a consequente determinação do prosseguimento da execução. Por acórdão de 10.10.2024 o recurso foi julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se os embargos improcedentes.

6. Desta decisão vêm os embargantes interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“a) No que respeita ao contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04, o douto Acórdão recorrido padece de um claro erro de julgamento, tendo violado ainda a Lei substantiva e processual, cfr. n.º 1, alínea a) e b) do citado artigo 674.º, pois, o crédito em causa, tem as características necessárias para ser aplicável o tal o prazo de prescrição de curto prazo, motivo pelo qual, o douto acórdão recorrido efetua uma errónea aplicação da Lei substantiva, explanada no artigo 310.º, alínea e), do CC, violando assim, o disposto nos artigos 576.º, n.º3 e 579.º, ambos do CPC;

b) Senão vejamos, os ora recorrentes, na qualidade de avalistas das livranças dadas à execução, e em sede de embargos de executado, alegaram a prescrição da obrigação subjacente às mesmas e consequente prescrição da obrigação cambiária, foi sobre tal prescrição que a 1.ª Instância se pronunciou, e não sobre a prescrição cambiária, que como é fácil de verificar ainda não ocorreu, nem tem relevância para o caso;

c) A douta Relação de Évora limitou-se a transcrever os factos dados como provados sob os n.ºs 3 e 4, sem que explanasse ou fundamentasse a razão pela qual considerou que o vencimento e modo de pagamento do dito contrato não era suscetível de enquadrar um vencimento faseado do “capital total”;

d) Porém, e conforme resulta do teor de tais factos dados como provados (n.ºs 3 e 4), o pagamento do “capital total”, nos termos do contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04, seria feito em prestações, antecipadamente acordadas, as quais correspondiam a 5% do saldo do cartão a pagar no dia 10 de cada mês, tal como também se afere do teor do mesmo;

e) Pelo que, e contrariamente ao alegado pela douta Relação de Évora, o saldo do supra referenciado cartão de crédito não tinha uma única data de vencimento, mas sim um vencimento faseado, pese embora, e ainda que se entenda que o pagamento do mesmo configura uma situação de prestação única, mas de reembolso faseado por acordo das partes, ainda assim, tem aplicabilidade o disposto no artigo 310.º, alínea e), do CC, tal como tendo sido entendimento Jurisprudencial maioritário;

f) Por conseguinte, in casu, a situação integra o disposto no artigo 310.º, tanto na alínea e), como na d), do CC, pois e também como consta dos factos dados como provados (n.º 5), o vencimento integral da dívida emergente do contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04, ocorreu a 10/09/2012 e os presentes autos de execução só foram instaurados em 16/12/2022 (facto provado sob o n.º 15, mas redigido com um lapso de escrita, basta atentar a certificação Citius constante do requerimento executivo), pelo que, nessa data, tal dívida já se encontrava prescrita;

g) Acresce que, os avalistas, ora recorrentes, podem invocar a prescrição da obrigação subjacente por terem intervindo no pacto de preenchimento da livrança caucionada pelo contrato, melhor identificado supra, pois de harmonia com o disposto no artigo 17.º da LULL, aplicável às livranças por força do disposto no artigo 77.º desse mesmo diploma, no domínio das relações imediatas podem, em regra, ser invocadas as exceções inerentes à relação fundamental ou subjacente;

h) E os ora recorrentes (avalistas da livrança dada à execução), encontram-se no domínio das relações imediatas, tudo se passando como se a relação cambiária não existisse, ou seja, como se deixasse de ser literal e abstrata, ficando sujeita à arguição de exceções que nessas relações pessoais se fundamentam;

i) Uma vez verificada a prescrição, pelo decurso do respetivo prazo, é conferida ao devedor, seu beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito;

j) E extinta a obrigação fundamental, extinta também está a obrigação cambiária, nada sendo devido pelos avalistas, ora recorrentes;

k) A prescrição constitui uma exceção perentória, pelo que devem os ora recorrentes ser absolvidos do pedido exequendo, relativamente à obrigação exequenda resultante do contrato de atribuição e utilização de cartão de crédito Caixaworks com o n.º .........04, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 576.º, n.º 3 e 579.º, ambos do CPC e do n.º 1, do artigo 304.º, do CC.

l) Acresce ainda que, o douto Acórdão recorrido não se pronuncia quanto à prescrição dos juros em relação a nenhum dos contratos que caucionavam as livranças dadas à execução, sequer efetua a diferenciação entre o capital aposto nas mesmas e os respetivos juros, por conseguinte, não podia ter-se no mesmo decidido conforme se decidiu.

m) Tal Acórdão encontra-se assim também ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) 1.ª parte, aplicável “ex vi” artigo 666.º, conforme 674.º n.º 1, alínea c), todos do CPC, uma vez que, não alterou a douta decisão da 1.ª Instância no respeita à prescrição dos juros (são apostos nas livranças valores correspondentes a mais de 10 anos de juros, cfr. alegado na contestação aos embargos de executado), limitando-se a dizer não ser aplicável o prazo de prescrição de curto prazo, de 5 anos, face às características dos créditos concedidos, pelo que a apelação nunca poderia ter procedido na íntegra por não se encontrarem especificados todos os fundamentos de Direito que a justificam;

n) Por fim, e relativamente à imputação do pagamento no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), salvo melhor entendimento, mas sem conceder, a douta Relação de Évora não alterou o decidido pela 1.ª Instância, pois esta não considerou a dívida emergente do contrato de abertura de crédito prescrita e também não considerou a imputação daquele valor a tal dívida, unicamente porque a dívida emergente do contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04, havia sido considerada prescrita;

o) Efetivamente, a 1.ª Instância considerou ainda que a imputação deveria ter sido efetuada à livrança que caucionava o contrato de abertura de crédito, porquanto esta era a dívida mais antiga e o avalista que pagou o dito valor não consignou o pagamento a nenhuma das dívidas;

p) Assim, e ainda que não tivesse sido considerada a prescrição da dívida emergente contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04, mantinha-se a imputação efetuada à livrança que caucionava o contrato de abertura de crédito, ou seja, à livrança no valor de € 29.821,85;

q) Pelo que, o douto Acórdão recorrido e, no que respeita a este segmento decisório, padece também de nulidade, pois, mais uma vez, não especifica todos fundamentos de Direito que justificam a decisão de julgar a apelação integralmente procedente e, em consequência, totalmente improcedentes os embargos de executado, nos termos e conforme dispõe o artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC;

r) Acresce que, a problemática da imputação dos € 50.000,00 (cinquenta mil euros) já havia sido objeto de um outro Acórdão proferido pela Relação de Évora e, nessa sequência, o douto Tribunal da 1.ª Instância proferiu em 13/03/2024 sob a Ref.ª Citius “......43”, um despacho para que as partes se pronunciassem sobre tal imputação, tendo ambas exercido o respetivo contraditório;

s) E tendo os ora recorrentes defendido que o douto Tribunal da 1.ª Instância não estava sujeito, nem às alegações das partes, nem à interpretação e aplicação das regras de direito, conforme determina o n.º 3, do artigo 5.º, do CPC, devendo por isso ser aplicado o disposto no artigo 784.º do CC, e em consequência, ser o valor dos € 50.000,00 (cinquenta mil euros) imputado à dívida mais antiga, isto é, à Livrança n.º ................14, no valor de € 29.821,85;

t) Assim, e, contrariamente, ao defendido pelo douto Acórdão recorrido, foi colocada em causa a imputação efetuada pela ora recorrida, em sede de requerimento executivo, e as partes tiveram oportunidade de se pronunciar sobre tal imputação;

u) Acresce ainda que, e caso não se entenda conforme supra exposto, mas sem conceder, sempre se diga ainda que a ora recorrida (conforme alega em sede de requerimento executivo) imputou os € 50.000,00 (cinquenta mil euros) no pagamento dos juros de mora e do imposto do selo sobre os juros de mora;

v) Porém, a douta decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, considerou como já se disse supra, os juros vencidos há mais de cinco anos, prescritos nos termos do disposto no artigo 310.º, alínea d), do CC, decisão que douta Relação de Évora não alterou, aliás, nem conheceu, motivo pelo qual, nunca poderiam os € 50.000,00 (cinquenta mil euros) ter sido imputados do modo que a recorrida os imputou, pois, os juros que alegadamente “pagaram” estariam já prescritos;

w) Em suma, mal andou a douta Relação de Évora, ao decidir como decidiu.”.

Terminam pedindo que seja concedida a revista, julgando-se os embargos procedentes e extinguindo-se, assim, a execução.

7. A recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

“A. Não merece qualquer censura o douto Acórdão recorrido ao considerar que ao contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04 não é aplicável o prazo prescricional previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.

B. No contrato em causa, o reembolso das quantias eventualmente utilizadas, não obedece a uma obrigação unitária, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações compostas de capital e juros.

C. Foi estipulado que “Sobre as quantias em dívida, resultantes de operações de aquisição de bens e serviços, aditamentos de dinheiro (cash advance) e utilização efectuadas ao abrigo do n.º 1.2, serão devidos juros remuneratórios a partir da data de emissão do extracto que as inclua, caso as mesmas não sejam pagas até ao 20º dia posterior ao da respectiva emissão”, cfr. cláusula 30ª das condições gerais.

D. A jurisprudência exige que o vencimento das prestações remuneratórias coincida temporalmente com o vencimento das prestações de amortização do capital, para efeitos da aplicação do disposto no artigo 310 do Código Civil, alínea e).

E. In casu, o douto Acórdão recorrido é, igualmente, perentório: “… os créditos em execução não têm tais características, antes que o capital total tem uma única data de vencimento e não um vencimento faseado.”

F. Trata-se, pois, de uma única obrigação pecuniária e, por consequência, à situação em apreço aplica-se a regra geral, prevista no seu artigo309.º, que fixa o prazo ordinário de prescrição (aplicável por inexistência de prazo especial) de 20 anos, não se verificando, deste modo a invocada excepção de prescrição.

G. Consequentemente, entendeu, ainda, o douto Acórdão recorrido que se se considerar que as dívidas não estão prescritas, não se coloca nenhum problema com a imputação que o credor fez dos€ 50.000,00 entregues pelo avalista JJ, em 07.12.2022, à dívida titulada pela livrança n.º ................58, [sublinhado nosso].

H. Aliás, e ainda que admitindo, por mera hipótese e sem conceder, a prescrição da dívida emergente do contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04, não se alcança como pôde o Tribunal de 1.ª instância, extravasando as mais elementares regras de interpretação, concluir pela imputação daquele valor à outra Livrança dada à execução.

I. Nada impede o pagamento, a título espontâneo, pelo devedor de uma dívida prescrita.”.

Termina pugnando pela improcedência do recurso com a manutenção da decisão do acórdão recorrido.

8. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, veio a ser proferido despacho da relatora do seguinte teor:

“Nos presentes autos de embargos de executado, vieram os embargantes interpor recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação que, revogando a sentença recorrida, julgou improcedentes os embargos, invocando, entre o mais, nulidades do acórdão recorrido.

Não tendo o tribunal ‘a quo’ conhecido das arguidas nulidades, ao abrigo do art. 617.º, n.º 5, primeira parte, do CPC, baixem os autos ao Tribunal da Relação para conhecimento de tais nulidades.”.

9. Regressados os autos ao Tribunal da Relação, por acórdão da conferência de 08.05.2025 pronunciou-se aquele pela não verificação das arguidas nulidades do acórdão recorrido.

II – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, por não se ter pronunciado sobre a prescrição dos juros; e, ainda, por falta de fundamentação no que respeita à decisão da problemática relativa à imputação do pagamento no valor de € 50.000,00;

• Saber se ao crédito emergente do contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04 é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 310.º, alíneas e), do CC, e se os juros vencidos há mais de cinco anos à data da citação se devem considerar prescritos nos termos do art. 310.º, alínea d), do CC;

• Saber se o pagamento do valor de € 50.000,00 deve ser imputado à livrança que caucionou o contrato de abertura de crédito, por ser a dívida mais antiga, ou à livrança indicada pelo credor.

III - Fundamentação de facto

Vem provado o seguinte:

1. Os autos de execução por quantia certa a [que] estes [autos] se encontram apensos têm por título executivo uma livrança com o número ................58, de € 117.079,70 (cento e dezassete mil e setenta e nove euros e setenta cêntimos), vencida em 25/05/2022 e uma livrança com o número ................14, de € 29.821,85 (vinte e nove mil, oitocentos e vinte e um euros e oitenta e cinco cêntimos), vencida em 25/05/2022, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.

2. No âmbito da sua actividade, a Exequente celebrou com a sociedade “L..., Lda”, um contrato de atribuição e utilização de cartão de crédito Caixaworks, com o n.º .........04, assinado em data não concretamente apurada, mas posterior a 09-07-2009, e um contrato de abertura de crédito em conta-corrente com o n.º PT ...............92, datado de 20 de Março de 2007, aos quais os ora executados e JJ deram o seu aval, e cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.

3. Nos termos acordados no contrato de cartão de crédito CaixaWorks, o saldo devedor deve ser pago no vigésimo dia posterior à emissão do extracto, na modalidade de 5% (cinco por cento), só se vencendo juros caso o saldo devedor não seja pago na data prevista.

4. Nos termos da cláusula 30ª das condições gerais, foi acordado que “Sobre as quantias em dívida, resultantes de operações de aquisição de bens e serviços, aditamentos de dinheiro (cash advence) e utilização efectuadas ao abrigo do n.º 1.2, serão devidos juros remuneratórios a partir da data de emissão do extracto que as inclua, caso as mesmas não sejam pagas até ao vigésimo dia posterior ao da respectiva emissão”.

5. A “L..., Lda” não procedeu ao reembolso dos montantes em dívida, relativos a tal contrato, vencidos a 10 de Setembro de 2012.

6. Nos termos acordados, e constantes do contrato de abertura de Crédito em conta-corrente (de utilização simples), cujo teor se dá aqui por reproduzido, a exequente concedeu um crédito, de montante até € 15.000,00 (quinze mil euros), sendo que nos termos da cláusula 8.1 “O capital em dívida vence juros a uma taxa correspondente à Euribor a três meses, em vigor na data do início de cada período de contagem de juros, arredondada para o quarto de ponto percentual superior e acrescida de um spread de 4%, donde resulta, na data da feitura do contrato, a taxa de juro nominal de 8% ao ano”.

7. Nos termos da cláusula 10.1, “Os juros serão calculados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e serão liquidados e pagos postecipadamente e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros” e, nos termos da cláusula 10.3, “O capital será reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado”.

8. Já nos termos da cláusula 23.1, “Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo a cliente e os avalistas atrás identificados para o efeito entregam à Caixa, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pelos primeiros e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, (…)”.

9. A “L..., Lda” não procedeu ao reembolso dos montantes em dívida, vencidos a 29 de Dezembro de 2012.

10. Os créditos emergentes desses financiamentos encontram-se titulados, respectivamente, pela Livrança com o número ................58, de € 117.079,70 (cento e dezassete mil e setenta e nove euros e setenta cêntimos), vencida em 25/05/2022, e pela Livrança número ................14, de € 29.821,85 (vinte e nove mil e oitocentos e vinte e um euros e oitenta e cinco cêntimos), vencida em 25/05/2022, ambas subscritas pela sociedade acima identificada e avalizadas pelos executados AA, BB, CC, DD, HH, II, EE, FF e GG e ainda por JJ.

11. A sociedade “L..., Lda” foi declarada já insolvente no processo que correu termos sob o n.º 118/14.2....., cujo encerramento foi anunciado a 06 de Maio de 2014.

12. Por carta datada de 25 de Maio de 2022, a ora exequente comunicou à embargante BB que se encontrava vencida e não paga a responsabilidade emergente do contrato de atribuição e utilização de cartão de crédito Caixaworks, celebrado em 2009-07-09 com a empresa “L..., Lda” e que fixaram para 2022-05-25 o vencimento da livrança em branco, que preencheram para o valor de € 117.079,70 (cento e dezassete mil, setenta nove euros, setenta cêntimos), correspondente ao valor total do crédito na data de vencimento fixada, solicitando o seu pagamento, sob pena de procedimento judicial para cobrança do crédito.

13. Por carta datada de 25 de Maio de 2022, a ora exequente comunicou à embargante BB que se encontrava vencida e não paga a responsabilidade emergente do contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 2007-03-29 com a empresa “L..., Lda” e que fixaram para 2022-05-25 o vencimento da livrança em branco, que preencheram para o valor de € 29.821,85 (vinte e nove mil, oitocentos e vinte e um euros e oitenta e cinco cêntimos), correspondente ao valor total do crédito na data de vencimento fixada, solicitando o seu pagamento, sob pena de procedimento judicial para cobrança do crédito.

14. Foi efectuado por JJ um pagamento no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), em 07.12.2022, imputado pela exequente à dívida titulada pela livrança número ................58.

15. A execução foi intentada em 20 de Março de 2023. [rectius a partir da consulta do Citius: em 21 de Dezembro de 2022]

IV – Fundamentação de direito

1. Nulidade do acórdão recorrido

Nas conclusões recursórias l), m), n) a q) e v), os recorrentes imputam ao acórdão recorrido o vício de nulidade por omissão de pronúncia e também, tanto quanto é possível apreender-se, de falta de fundamentação, previstos no art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC. Na verdade, constata-se que, ainda que os recorrentes subsumam a arguição de nulidade no art. 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do CPC, o certo é que os mesmos não invocam propriamente uma contradição entre os fundamentos e a decisão, mas sim a omissão de pronúncia e a falta de fundamentação da decisão, quer no que respeita à prescrição dos juros, quer no que respeita à imputação do pagamento de € 50.000,00.

1.1. Os recorrentes fundamentam a invocada nulidade por omissão de pronúncia sustentando, em síntese, que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos (e que o Tribunal de 1.ª instância declarou prescritos ao abrigo do disposto no art. 310.º, alínea d), do Código Civil), limitando-se a dizer não ser aplicável o prazo de prescrição de curto prazo, de cinco anos, aos créditos exequendos.

A omissão de pronúncia está contemplada no art. 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte (aplicável aos acórdãos da Relação ex vi art. 666.º do CPC), segundo o qual é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

Intrinsecamente relacionado com este preceito legal, dispõe o art. 608.º do CPC que:

“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278. º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

De acordo com os preceitos legais acabados de citar, apenas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, desde que assumam relevância para a decisão de mérito, sendo que “para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão.” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 794).

Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 737), “[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado”.

Neste sentido, o Tribunal deve resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (ver, a título de exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 10-12-2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, as questões a resolver para os efeitos do n.º 2 do art. 608.º e da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º, ambos do CPC, são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo com a pronúncia sobre considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor aos quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.

Por sua vez, a nulidade por falta de fundamentação, prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, apenas ocorre perante a falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada. Neste sentido, ver o entendimento consolidado da jurisprudência deste Supremo Tribunal (a título de exemplo, refiram-se os acórdãos de 08-06-2021, proc. n.º 215/16.0T8VPA.G2.S1, de 09-12-2021, proc. n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1, e de 08-02-2024, proc. n.º 995/20.8T8PNF.P1.S2, todos consultáveis em www.dgsi.pt).

Feitas estas considerações gerais, cumpre apreciar a decisão recorrida.

1.2. Em face das conclusões do recurso de apelação, as questões a decidir pelo Tribunal da Relação consistiam em saber “se o Tribunal a quo decidiu bem ou mal as problemáticas da imputação do valor de € 50.000,00, entretanto pago por conta da dívida” e se ocorreu “a prescrição dos créditos da Apelante “Scalabis – STC, S.A.”, que se encontram em execução nos autos de que os presentes embargos são Apenso – rectius, se é de lhes aplicar um prazo de 5 anos, como foi decidido, ou um prazo de 20 anos”.

Sobre a questão da prescrição, o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:

“Não cremos, porém, salva melhor opinião, que as dívidas exequendas já estejam prescritas.

Se olharmos apenas para as Livranças que titulam a execução, abstraindo dos factos e negócios que lhes subjazem, vemos que o seu prazo de prescrição é de três anos e conta-se a partir da data do vencimento dos títulos respectivos (vide o artigo 70.º, ab initio, da LULL, aplicável às livranças ex vi do seu artigo 77.º: “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”).

Ora, o vencimento das Livranças que, in casu, foram dadas à execução ocorreu a 25 de Maio de 2022, tendo a execução sido logo instaurada em 20 de Março de 2023.

Mas mesmo que olhemos só aos créditos, independentemente dos títulos executivos que os suportam, verificamos que, dadas as especificidades que têm, lhes é aplicável o prazo de prescrição normal de vinte anos e não o especial, de curto prazo, de cinco anos.

Com efeito, nos termos estatuídos no artigo 310.º, alínea e), Código Civil, “Prescrevem no prazo de cinco anos: e) as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.

Porém, os créditos em execução não têm tais características, antes que o capital total tem uma única data de vencimento e não um vencimento faseado.

O primeiro é um contrato de atribuição e utilização de cartão de crédito Caixaworks; o segundo, um contrato de abertura de crédito em conta-corrente (vide ponto 2 dos factos provados: «No âmbito da sua actividade, a exequente celebrou com a sociedade “L..., Lda”, um contrato de atribuição e utilização de cartão de crédito Caixaworks, com o n.º .........04, assinado em data não concretamente apurada, mas posterior a 09-07-2009, e um contrato de abertura de crédito em conta-corrente com o n.º PT ...............92, datado de 20 de Março de 2007, aos quais os ora executados e JJ deram o seu aval»).

E quanto ao vencimento e modo de pagamento, vide os pontos seguintes também dos factos provados: «3. Nos termos acordados no contrato de cartão de crédito CaixaWorks, o saldo devedor deve ser pago no 20º dia posterior à emissão do extracto, na modalidade de 5%, só se vencendo juros caso o saldo devedor não seja pago na data prevista»; «4. Nos termos da cláusula 30ª das condições gerais, foi acordado que “Sobre as quantias em dívida, resultantes de operações de aquisição de bens e serviços, aditamentos de dinheiro (cash advence) e utilização efectuadas ao abrigo do n.º 1.2, serão devidos juros remuneratórios a partir da data de emissão do extracto que as inclua, caso as mesmas não sejam pagas até ao 20º dia posterior ao da respectiva emissão»; «6. Nos termos acordados, e constantes do contrato de abertura de Crédito em conta-corrente (de utilização simples), a exequente concedeu um crédito, de montante até € 15.000,00, sendo que nos termos da cláusula 8.1, “O capital em dívida vence juros a uma taxa correspondente à Euribor a três meses, em vigor na data do início de cada período de contagem de juros, arredondada para o quarto de ponto percentual superior e acrescida de um spread de 4%, donde resulta, na data da feitura do contrato, a taxa de juro nominal de 8% ao ano»; «7. Nos termos da cláusula 10.1, “Os juros serão calculados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e serão liquidados e pagos postecipadamente e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros” e, nos termos da cláusula 10.3, “O capital será reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado» (são nossos os sublinhados efectivados no texto da factualidade).

Por fim: «12. Por carta datada de 25 de Maio de 2022, a ora exequente comunicou à embargante BB que se encontrava vencida e não paga a responsabilidade emergente do contrato de atribuição e utilização de cartão de crédito Caixaworks, celebrado em 2009-07-09 com a empresa “L..., Lda” e que fixaram para 2022-05-25 o vencimento da livrança em branco, que preencheram para o valor de € 117.079,70, correspondente ao valor total do crédito na data de vencimento fixada, solicitando o seu pagamento, sob pena de procedimento judicial para cobrança do crédito»; «13. Por carta datada de 25 de Maio de 2022, a ora exequente comunicou à embargante BB que se encontrava vencida e não paga a responsabilidade emergente do contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 2007-03-29 com a empresa “L..., Lda” e que fixaram para 2022-05-25 o vencimento da livrança em branco, que preencheram para o valor de € 29.821,85, correspondente ao valor total do crédito na data de vencimento fixada, solicitando o seu pagamento, sob pena de procedimento judicial para cobrança do crédito» (os sublinhados são nossos).

Decorrentemente, dadas tais características dos créditos concedidos e em execução no processo de que os presentes embargos de executado são Apenso, é-lhes inaplicável aquele prazo de prescrição de curto prazo, de cinco anos, pelo que se terá agora que revogar o que vem decidido na douta sentença recorrida a esse respeito.

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, ora se tenha que retirar da ordem jurídica a douta sentença da 1ª instância que assim veio a decidir, e procedendo o presente recurso de Apelação.”.

Do teor da fundamentação acabada de transcrever, constata-se que o acórdão recorrido se pronunciou sobre a questão suscitada a propósito da prescrição dos créditos exequendos, aplicando-lhe o prazo ordinário de 20 anos não fazendo qualquer distinção entre o capital aposto nas livranças e os respectivos juros.

A circunstância de não ter feito tal distinção, podendo consubstanciar um eventual erro de julgamento de direito, não se confunde com uma verdadeira nulidade por omissão de pronúncia ou ausência absoluta de fundamentação. Com efeito, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a problemática suscitada em recurso e determinou a aplicação indistinta do prazo de prescrição mais longo aos créditos exequendos, afastando a subsunção dos mesmos ao regime previsto no art. 310.º do Código Civil.

Improcede, assim, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

1.3. Os recorrentes imputam ainda ao acórdão recorrido o vício de nulidade por falta de fundamentação de direito, previsto no art. 615.º, n.º 1, alínea b), ex vi art. 666.º, ambos do CPC.

Alegam os recorrentes, a este propósito, que o Tribunal da Relação não alterou o decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, uma vez que, segundo argumentam, este último não considerou a imputação dos € 50.000,00 à dívida emergente do contrato de abertura de crédito unicamente porque a dívida emergente do contrato de atribuição e utilização de crédito havia sido considerada prescrita. Com efeito, conforme invocam, o Tribunal de 1.ª instância considerou ainda que a imputação deveria ter sido efectuada à livrança que caucionava o contrato de abertura de crédito por ser essa a dívida mais antiga.

Nesta medida, consideram os recorrentes que o Tribunal da Relação, não tendo refutado a fundamentação da 1.ª instância no que concerne a este último argumento de direito, acabou por não fundamentar a decisão proferida acerca da imputação daquele montante nos termos em que o fez.

Vejamos.

No âmbito da apreciação desta concreta questão, o Tribunal da Relação limitou-se a fundamentar o decidido nos seguintes termos:

“… se se considerar que as dívidas não estão prescritas, não se coloca nenhum problema com a imputação que o credor fez dos € 50.000,00 entregues pelo avalista JJ, em 07.12.2022, à dívida titulada pela livrança n.º ................58, que era inicialmente dum valor de € 117.079,70, e que passou, pois, para € 69.695,10, de capital, montante por que a exequente a veio a apresentar à execução (vide o ponto 14 da factualidade provada: “Foi efectuado por JJ um pagamento no valor de € 50.000,00, em 07.12.2022, imputado pela exequente à dívida titulada pela livrança n.º ................58”).

A exequente alegara, logo na execução, que os mencionados € 50.000,00 haviam sido imputados à operação titulada pela livrança ................58 (vide facto alegado no ponto 5.º do douto requerimento executivo: Foi efectuado apenas um pagamento no valor de € 50.000,00, em 07.12.2022 no que respeita à dívida titulada pela livrança ................58).

Aparentemente, ninguém pôs em causa tais factos, nem na execução, nem nos presentes embargos de executado.

Mas a douta sentença da 1ª instância, diferentemente, veio a modificar tal imputação (50.000,00) à dívida titulada pela livrança n.º ................14, que fora preenchida pelo valor de € 29.821,85, vindo, assim, a considerar o seu pagamento total, e até mais, em detrimento do valor titulado pela primeira (de € 117.079,70) – situação que desencadeou um coro de protestos da parte da agora exequente Scalabis – STC, S.A.”.

Se, conforme é alegado pelos recorrentes, o acórdão recorrido não chega a analisar a perspectiva de se tratar aquela da dívida mais antiga (fundamento de direito mobilizado pela 1.ª instância), a verdade é que é possível extrair do excerto citado as razões pelas quais o não faz. Não existe, assim, a invocada ausência de fundamentação, a única circunstância conducente à existência da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

Com efeito, o Tribunal recorrido acaba por explicitar a razão pela qual imputou o pagamento efectuado pelo avalista nos termos em que o fez: porque não considerou prescritas as dívidas e porque a imputação feita pelo credor e indicada no requerimento executivo não foi objecto de qualquer impugnação pelos executados, nem nos autos principais de execução, nem nos embargos de executado.

Diferente será saber se o Tribunal a quo decidiu correctamente ou não. Todavia, como é, entendimento pacífico, as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento, seja de facto, seja de direito (cfr., a título de exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 23-11-2023, proc. n.º 779/20.3T8VFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), pelo que não devem ser as mesmas acolhidas quando se sustentem em mera discordância em relação ao decidido, o que se verifica no caso.

Pelo exposto, improcede também a invocada nulidade por falta de fundamentação.

2. Saber se ao crédito emergente do contrato de atribuição e utilização de crédito Caixaworks n.º .........04 é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 310.º, alínea e), do CC, bem como se os juros vencidos há mais de cinco anos à data da citação se devem considerar prescritos nos termos do art. 310.º, alínea d), do CC

2.1. Importa, antes de mais, apurar se o regime aplicável à prescrição do crédito decorrente do contrato de atribuição e utilização de cartão de crédito Caixaworks é o regime do art. 309.º do Código Civil, ou seja, a norma que estabelece o prazo geral de 20 anos – como foi decidido no acórdão recorrido –, ou o previsto no art. 310.º, alínea e), do mesmo Código, que prevê o prazo de cinco anos, como decidiu a 1.ª instância.

A sentença da 1.ª instância considerou prescrita a dívida decorrente de tal contrato, assentando a sua fundamentação no facto de estar em causa um mútuo oneroso:

“[A]través da utilização do cartão de crédito, o cliente beneficia de um “plafond” para adquirir bens, sem que, para o efeito, necessite de liquidez, ou seja, de manter a conta provisionada de fundos para o efeito. Estamos perante uma modalidade de concessão de crédito. Trata-se também de um mútuo oneroso, na medida em que o capital seria reembolsado em prestações mensais, acrescidas de juros remuneratórios contabilizados à taxa prevista no contrato.”.

Aí se acrescentou:

“É verdade que as prestações seriam de montante variável, em função das utilizações efetuadas em cada mês, mas tal não lhe retira a caraterística de prestação periódica, em virtude do pagamento do saldo do extrato não ocorrer na modalidade de 100%, mas apenas 5%. Se a modalidade de reembolso escolhida fosse de 100% do saldo, já não poderíamos falar de quotas de amortização, para efeitos da previsão do art. 310.º, al. e) do CC. Este facto é essencial para caracterizar o acordo entre o cliente e o banco. A partir do momento em que o pagamento do extrato é apenas de 5% está a conceder-se um crédito, num determinado montante, ao cliente, e não apenas um diferimento ou dilação do pagamento.”.

Diferentemente, o acórdão recorrido entendeu que o crédito em execução não tem as características previstas na alínea e) do art. 310.º do Código Civil, uma vez que, atento o quadro factual apurado, “o capital tem uma única data de vencimento e não um vencimento faseado”.

Vejamos.

Estabelece o art. 309.º do Código Civil que “[o] prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.”.

Preceitua, por sua vez, o art. 310.º, alíneas d) e e), do mesmo Código:

“Prescrevem no prazo de cinco anos:

(…)

d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;

e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.”.

Com este regime, visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos, retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 280).

A propósito deste preceito legal, afirma Ana Filipa Morais Antunes («Algumas questões sobre prescrição e caducidade», Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 47):

“[O] preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios.

Este dado tem, como observado, importantes reflexos em matéria de prazo prescricional, na medida em que permite suportar a conclusão de que será aplicável a referida prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

Na verdade, na situação prevista no artigo 310.°, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, outra hipótese, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração.

O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.

Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra.” [bold nosso]

Sobre a problemática em causa, o AUJ n.º 6/2022, proferido no processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 (publicado em Diário da República n.º 184/2022, 1.ª Série, de 22-09-2022) fixou a seguinte decisão uniformizadora:

“I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”

A alínea e) do art. 310.º do CC tem, pois, em vista os casos em que o devedor, além do capital, está obrigado a pagar juros e em que, por convenção dos contraentes ou por imposição da lei ou dos usos (cfr. 2ª parte do n.º 1 do art. 763.º do Código Civil), o capital é pago por partes, às prestações, com os juros.

É o que se passa, por exemplo, com o contrato de mútuo oneroso (sobre o qual incide o referido AUJ n.º 6/2022), quando as partes convencionam o reembolso do capital em prestações, pagáveis com os juros remuneratórios.

Ora, no caso sub judice, e tendo em consideração o quadro factual apurado, antecipe-se, desde já, que se adere ao entendimento propugnado pelo Tribunal da Relação.

Com efeito, o que resulta da matéria de facto é que o reembolso das quantias eventualmente utilizadas não obedece a uma obrigação unitária, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações compostas de capital e de juros.

Pelo contrário, o que foi concretamente acordado entre as partes é que o saldo devedor – caso existisse – seria pago no 20.º dia posterior à emissão do extracto na modalidade de 5%, só se vencendo juros caso o saldo devedor não fosse pago na data prevista.

Ficou ainda estipulado que, sobre as quantias em dívida, resultantes de aquisição de bens e serviços, adiantamentos de dinheiro e utilização efectuadas, seriam devidos juros remuneratórios a partir da data de emissão do extracto que as inclua, caso as mesmas não sejam pagas até ao 20.º dia posterior ao da respetiva emissão (cfr. cláusula 30.ª das condições gerais - ver factos provados 3. e 4.).

Resulta, assim, da factualidade provada, que, não só a obrigação em causa não consubstancia uma obrigação unitária de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, como não existe uma coincidência temporal entre os juros e o capital que compunham cada “prestação”.

Em suma, entende-se que o quadro factual apurado não concede margem à interpretação realizada pela 1.ª instância. Por um lado, apesar da modalidade escolhida, não estava o cliente impedido de proceder ao pagamento da totalidade do saldo utilizado (caso em que não seriam devidos juros); por outro lado, a modalidade escolhida, de pagamento de 5%, confere ao utilizador do cartão de crédito um diferimento ou dilação do pagamento do remanescente, a ocorrer em momento e montante não predeterminados, sendo este também um facto determinante para não se subsumir a prestação em causa na previsão do art. 310.º, alínea e), do CC.

Efectivamente, atendendo a que o disposto no art. 310.º, alínea e), do CC, se refere a obrigações de pagamentos simultâneos e predefinidos de capital e de juros, não vemos como é que o referido preceito legal pode ser aplicável ao caso dos autos.

Afastando-se a subsunção do crédito em causa ao referido preceito legal, forçoso é concluir pela aplicação ao crédito em causa do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no art. 309.º do CC.

Nestes termos, considerando a data do vencimento das dívidas exequendas – 10.09.2012 e 29.12.2012 (cfr. factos provados 5. e 9.) –, conclui-se que ainda não decorreram os 20 anos previstos na lei para a prescrição dos montantes devidos, pelo que a dívida não prescreveu.

Deste modo, improcede esta pretensão dos recorrentes, não merecendo censura a decisão recorrida na parte em que entendeu que o prazo de cinco anos não é aplicável à obrigação de reembolso da dívida que tem por base o contrato de atribuição e utilização do cartão de crédito Caixaworks n.º .........04.

2.2. Quanto ao prazo de prescrição da obrigação de pagamento de juros (convencionais ou legais), não oferece dúvidas que, de acordo com a alínea d) do art. 310.º do Código Civil, a mesma prescreve no prazo de cinco anos. Tampouco oferece dúvidas que a prescrição se interrompe com a citação (art. 323.º, n.º 1, do Código Civil).

Vejamos, porém, que repercussão tem esta conclusão sobre o caso dos autos.

Verifica-se que, no requerimento executivo, a exequente reclamou o pagamento de juros sobre os seguintes montantes:

• Sobre o montante de € 69.695.10 (parte da primeira livrança, preenchida pelo valor de € 117.079,70), a partir da data de vencimento (25.05.2022 de acordo com os factos provados 1 e 10);

• Sobre o montante de € 29.821,85 (valor da segunda livrança), a partir da respectiva data de vencimento (25.05.2022, de acordo com os factos provados 1 e 10).

Ora, à data em que ocorreu a citação dos diversos executados (entre Janeiro e Fevereiro de 2023), tais obrigações de juros não se encontravam prescritas.

Assim, os juros que se venceram há mais de cinco anos à data da citação só poderão ser aqueles que tenham sido incluídos nas dívidas emergentes das relações subjacentes, isto é, do contrato de utilização de cartão de crédito e do contrato de abertura de crédito. Porém, tais juros não se encontram discriminados nem no requerimento executivo nem na petição de embargos.

Cabendo aos embargantes o ónus de prova e de alegação dos factos extintivos (prescrição) do direito invocado pela exequente (cfr., respectivamente, o n.º 2 do art. 342.º do CC e o n.º 1, in fine, do art. 5.º do CPC), a falta de cumprimento de tais ónus determina que se considere que a inviabilidade de discriminação dos juros relativamente às dívidas de capital – as quais, reitere-se, não prescreveram – lhes seja desfavorável.

Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso, também nesta parte.

3. Da imputação do pagamento do valor de € 50.000,00 entregues pelo avalista JJ à dívida titulada pela livrança n.º ................58

Resulta da matéria de facto provada que, em 07.12-2022, um dos avalistas entregou, por conta das dívidas exequendas, a quantia de € 50.000,00, que a exequente imputou à dívida titulada pela livrança n.º ................58, no valor de € 117.079,90.

O Tribunal de 1.ª instância considerou que, perante a prescrição de tal dívida, não era legítimo à exequente imputar o pagamento recebido a essa dívida. O mesmo Tribunal admitiu ainda os argumentos de que o avalista não consignou o pagamento àquela dívida em concreto e que a data de emissão da livrança que titula a dívida de € 29.821,85 é mais antiga, como é mais antiga a assunção dessa obrigação, tendo em conta que o contrato em causa data de 2007.

Diferentemente, o acórdão recorrido entendeu que, não estando prescrita a dívida supra apreciada (cfr. ponto IV, 2.1. do presente acórdão), não se coloca qualquer problema com a imputação que a credora fez dos € 50.000,00 entregues por um dos avalistas, tanto mais que a exequente alegara logo na execução que a mencionada quantia havia sido imputada à operação titulada pela livrança n.º ................58 (cfr. ponto 5.º do requerimento executivo), facto que não foi posto em causa, nem na execução, nem nos embargos de executado.

Acompanha-se de perto a argumentação expendida no acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal de 1.ª instância apenas analisou a questão da imputação em razão da prévia consideração da prescrição da dívida à qual o credor havia imputado o pagamento. Afastada a prescrição de tal dívida, e não tendo a questão da imputação da dívida sido suscitada em sede de embargos de executado, não haveria sequer que a problematizar, sendo certo que não se trata de questão de conhecimento oficioso.

Contudo, tendo a questão sido efectivamente apreciada pelas instâncias e tendo sido de novo suscitada em sede de recurso de revista, importa afirmar que o juízo decisório do Tribunal da Relação se encontra em conformidade com o regime legal aplicável.

Com efeito, o art. 783.º, n.º 1, do CC dispõe o seguinte:

“Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere.”.

Se, porém, o devedor não tiver feito a designação, como sucedeu no caso dos autos, deve o cumprimento imputar-se, no caso de várias dívidas vencidas e igualmente garantidas, como se verifica in casu, na mais onerosa para o devedor, conforme resulta expressamente do art. 784.º, n.º 1, do Código Civil – o que corresponde à imputação que foi feita pelo credor (dívida titulada pela livrança n.º ................58), que é a mais onerosa para o devedor.

Verifica-se, pois, que a imputação de valores foi correctamente efectuada, pelo que a pretensão dos recorrentes improcede igualmente nesta parte.

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de Junho de 2025

Maria da Graça Trigo (relatora)

Isabel Salgado

Emídio Santos