No caso dos autos, não se verifica a invocada ofensa do caso julgado formal.
1. Em sede de embargos de executado (Apenso D) deduzidos por AA, BB e CC contra DD, foi, em 04/07/2023, proferido saneador-sentença que julgou os embargos procedentes, determinando a extinção da execução.
A exequente embargada interpôs recurso de apelação desta decisão, o qual não foi admitido pelo Tribunal da 1.ª instância.
A embargada apresentou reclamação do despacho de não admissão, ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil, e os embargantes, na resposta, requereram que a embargada fosse sancionada com taxa de justiça excepcional no mínimo de 4 UCs, nos termos do disposto no art. 531º do CPC.
A convite do Tribunal da 1.ª instância, a embargada pronunciou-se no sentido de não se verificarem os pressupostos para a aplicação da referida taxa.
2. Por despacho de 25/03/2024, o Tribunal da 1.ª instância determinou a remessa ao Tribunal da Relação da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de apelação.
Nesse mesmo decisão, relativamente à pretensão dos embargantes de condenação da embargada em taxa sancionatória excepcional, foi exarado o seguinte:
“Admito o contraditório quanto ao pedido de condenação em taxa sancionatória excecional, nos termos do art. 531.º do Código de Processo Civil, com a ref. n.º .....83.”.
3. Por decisão da relatora do Tribunal da Relação de 07/04/2024, foi indeferida a reclamação do despacho de não admissão do recurso de apelação.
Desta decisão da relatora, no que respeita ao pedido de condenação da embargada em taxa sancionatória excepcional, consta o seguinte:
“Sobre a pretensão dos embargantes, de que seja a reclamante sancionada com a aplicação de taxa sancionatória excecional, ao abrigo do art.º 531º do CPC, verificamos que as razões invocadas pelos embargantes se prendem essencialmente com a conduta da embargada nos autos a correrem na primeira instância, sendo certo que foi já proferido despacho nos autos pelo Sr. Juiz, a mandar cumprir o contraditório relativamente a tal pretensão, donde se depreende que considerou ser da sua competência a apreciação da questão suscitada. Assim sendo, escusamo-nos de apreciar tal questão em sede de recurso.”. [bold nosso]
Desta decisão não houve impugnação para a conferência.
4. Tendo os autos baixado ao Tribunal da 1.ª instância, foi exarado, em 30/04/2024, o seguinte despacho:
“Uma vez que a Douta Decisão relegou para este Tribunal (a quo) a apreciação do pedido de fixação da taxa sancionatória excecional nos termos do art. 531.º e tendo em conta que os reclamantes já vieram apresentar nota discriminativa nos termos do art. 25.º do RCP, deverão os mesmos esclarecer se mantêm o pedido anteriormente formulado”.
5. Em 25/08/2024, o Tribunal da 1.ª instância proferiu despacho do seguinte teor:
“Compulsados os autos verifica-se que na Douta Decisão Singular, proferida neste apenso G, plasmou-se: “Sobre a pretensão dos embargantes, de que seja a reclamante sancionada com a aplicação de taxa sancionatória excecional, ao abrigo do art.º 531º do CPC, verificamos que as razões invocadas pelos embargantes se prendem essencialmente com a conduta da embargada nos autos a correrem na primeira instância, sendo certo que foi já proferido despacho nos autos pelo Sr. Juiz, a mandar cumprir o contraditório relativamente a tal pretensão, donde se depreende que considerou ser da sua competência a apreciação da questão suscitada. Assim sendo, escusamo-nos de apreciar tal questão em sede de recurso.”
Com efeito, por requerimento exarado no apenso D, com a ref. n.º .....01, vieram os embargantes pugnar pela aplicação de taxa sancionatória especial.
Cumpriu-se contraditório prévio, tendo-se pronunciado os embargados.
Cumpre apreciar e decidir.
[…]
Pelo exposto, após auscultação prévia das partes quanto ao disposto nos arts. 531.º do Código de Processo Civil e art. 10.º do RCP, uma vez que o incidente de reclamação ao despacho de não admissão de recurso foi considerado manifestamente improcedente, decide-se pela aplicação ao incidente de taxa sancionatória excecional nos termos do art. 531.º do Código de Processo Civil e art. 10.º do RCP; considerando que o reclamante, agindo na pessoa do Ilustre Mandatário, não tomou as diligências necessárias e a prudência devida ao suscitar o presente incidente, tendo agido de modo imprudente e temerário, pelas razões já expostas, fixando-se a taxa de justiça, nos termos do art. 10.º do RCP, ut art. 531.º do Código de Processo Civil, em 5UC.”.
6. Desta decisão interpôs, a embargada recurso de apelação para o Tribunal da Relação, o qual, por acórdão de 18/12/2024, veio a ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão da 1.ª instância de aplicação de taxa sancionatória excepcional.
7. Novamente inconformada, veio a embargada interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi apresentado neste Tribunal em 07/04/2025, formulando as seguintes conclusões:
“A – Salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido encerra várias contradições, sobre a determinação da competência para se pronunciar sobre a reclamação interposta, do despacho de não admissão do recurso, que, como se sabe, a decisão sobre tal reclamação é da competência, não do Tribunal recorrido, mas do tribunal superior para onde se recorre.
B – Porém, entende o Tribunal recorrido, no seu douto Acórdão, que a matéria alegada na reclamação do despacho de não admissão de recurso, pode pelo Tribunal superior ser relegada, para o tribunal recorrido.
C – Sabendo-se que, em tal fase, está completamente extinto o poder jurisdicional do tribunal recorrido, quanto à matéria que se discute na reclamação do despacho que produziu.
D – Estamos perante a violação das regras de competência em razão da hierarquia, por parte do decidido no douto Acórdão recorrido.
E – Assim, sendo incompetente em razão da hierarquia, o tribunal de primeira instância, tal despacho é nulo, pois foi proferido por quem não tinha competência, sendo uma irregularidade que influi na decisão recorrida, o que não é entendido pelo douto Acórdão recorrido.
F – É, ainda, nulo por ser proferido, pela primeira instância, após se ter esgotado o poder jurisdicional do Juiz, quer nos presentes autos, apenso G, quer nos autos anteriores.
G – Além de nulos, o despacho da primeira instância, que o douto Acórdão recorrido confirma é contraditório com os doutos despachos proferidos, nos autos, anteriormente, pela primeira instância, quer o despacho de não admissão do recurso, quer o da admissão da reclamação, existindo caso julgado, consubstanciando decisões contraditórias, com a do douto Acórdão recorrido, que confirma a decisão sobre a taxa sancionatória excecional, produzida pela primeira instância.
H – Pelo exposto, o douto Acórdão recorrido, confirmando um despacho nulo, apresentando, além disso, fundamentação contraditória com despachos anteriores, transitados em julgado, que se pronunciaram sobre os atos praticados pela recorrente, jamais, esta, praticou outros atos, em que tenha agido sem a prudência ou diligência devida.
I – O despacho recorrido, infringiu, entre outras, as disposições, legais dos Art.os 96º e segs, 195º, 531º, 613º, 620º, 621º e 643º, todos do C.P.C..”
Não foi apresentada resposta.
8. Não obstante se verificar dupla conforme entre as decisões das instâncias e o valor do presente incidente ser apenas de € 610,00, tendo o recurso sido interposto com fundamento em violação das regras de competência em razão da hierarquia e em ofensa do caso julgado, é o mesmo admissível ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea a), primeira e segunda partes, do CPC.
9. Para apreciação do presente recurso releva apenas a factualidade processual constante do relatório supra.
10. O recurso tem como objecto as seguintes questões que correspondem aos fundamentos de admissibilidade do mesmo recurso:
• Violação das regras de competência em razão da hierarquia;
• Ofensa do caso julgado formal.
11. Alega a recorrente que o acórdão recorrido incorreu em violação das regras de competência em razão da hierarquia ao considerar que o Tribunal de 1.ª instância podia apreciar e decidir o pedido formulado pelos embargantes de condenação da embargada, ora recorrente, em taxa sancionatória excepcional.
Consideremos, porém, a fundamentação do acórdão recorrido, na parte relevante:
“[I]ndependentemente do que determinam as normas sobre a quem compete aplicar a taxa sancionatória especial e o momento em que tal pode ocorrer, não é possível no presente caso, em que foi relegado para a primeira instância a apreciação dessa matéria, sem qualquer oposição das partes, que com isso se conformaram, considerar agora que aquele relegar para momento posterior e instância inferior a decisão sobre a aplicação da taxa não tem eficácia nos autos, discutindo-o.
Conclui-se, portanto, que não é possível neste momento retirar qualquer consequência desses invocados vícios, nem sequer discuti-los, havendo que considerar que a primeira instância podia conhecer de tal matéria aquando da descida dos autos, contendo decisão que lhe relegara tal competência, sem ter que aprofundar se a decisão que deixou a aplicação da taxa sancionatória excecional para a 1ª instância, após a descida dos autos, implicou alguma inversão da competência em razão da hierarquia, a extemporaneidade da decisão ou que esta fosse proferida em momento em que já se devia considerar esgotado o poder jurisdicional, como agora alega a Recorrente (embora à data nada tenha oposto).”.
Resulta claramente desta fundamentação que o Tribunal a quo não tomou posição sobre a questão da competência do Tribunal de 1.ª instância para apreciar o referido pedido por entender que o conhecimento de tal questão se encontrava prejudicado pelo efeito do caso julgado formal formado por decisão anterior.
Ora, se se verificar que a questão da competência não pode ser reaberta por, quanto a ela, se ter formado caso julgado formal, tampouco poderá este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a mesma.
Temos, pois, que a sua apreciação se encontra dependente do juízo acerca da questão da ofensa do caso julgado.
12. Relativamente à questão da invocada ofensa do caso julgado formal, importa começar por considerar o teor da fundamentação do acórdão recorrido:
“Do mérito do recurso
Como salienta o despacho recorrido no seu introito e como referem os Recorrido nas suas alegações, na decisão singular que decidiu a reclamação [interposta ao abrigo do art. 643.º do CPC] foi expressamente relegado para a primeira instância a apreciação da aplicação da taxa sancionatória excecional.
A Recorrente afirma que assim não foi, truncando a citação do despacho. Na decisão diz-se que depreende que foi o tribunal reclamado que “considerou ser da sua competência a apreciação da questão suscitada” e não que foi a parte que entendeu nesse sentido.
Com efeito, este Tribunal da Relação de Guimarães na decisão da reclamação afirmou expressamente que não se pronunciaria sobre a aplicação da taxa sancionatória excecional, escusando-se a tal, porquanto a primeira instância teria assumido a competência ao determinar o contraditório.
Resulta claro, assim, que nessa decisão se relegou para momento posterior e para o tribunal inferior a apreciação da questão da aplicação dessa taxa. O tribunal de 1ª instância cumpriu essa determinação e, invocando esse fundamento, apreciou e decidiu sobre a aplicação dessa taxa.
Fê-lo nos próprios autos em que a parte fez a reclamação que foi considerada sancionável, após a sua descida: a decisão foi, pois, proferida nos autos em que foi levantada a questão da aplicação da taxa, nos autos em que a questão foi respondida pela parte, nos autos em que lhe foi determinado que se tomasse a decisão e nos autos em que foi apreciada a reclamação. Assim, a decisão foi tomada no apenso correto, onde tudo se passou.
A decisão da reclamação (proferida por esta 2ª instância) que relegou o conhecimento da aplicação da taxa sancionatória excecional para momento posterior e pela 1ª instância não obteve qualquer recurso ou reclamação, nessa ou noutra parte, sendo, atendendo à posição da Recorrente, dela suscetível, visto que que a entender-se que a aplicação da taxa tinha que ser apreciada pelo tribunal que decidiu o incidente se traduziria na nulidade de omissão de pronúncia.
Assim, a mesma faz caso julgado formal, i e, como decorre do despacho recorrido e das contra-alegações, tem força obrigatória no processo, o que implica que não se possa contrariar ou repetir tal decisão e logo apreciar se foi bem ou mal fundada.
Tornou-se, pois, indiscutível, face a essa decisão, nestes autos, a quem competia a apreciação e aplicação da taxa sancionatória excecional pela dedução da reclamação e se a mesma podia ser aplicada depois de prolatada a decisão: assim foi decidido e acatado pelas partes e cumprido pelo tribunal a quo. Não pode agora, novamente, nestes autos, e pela mesma instância, discutir-se a validade dos argumentos em que se fundamentou tal decisão ou se a mesma violou qualquer norma e muito menos decidir-se em contrário. Tal poria em causa as legitimas expetativas das partes e até do tribunal de 1ª instância, que confiaram na força da primeira decisão.
Termos em que por ter sido decidido na anterior decisão que competia ao tribunal de 1ª instância a aplicação da taxa sancionatória excecional, sem qualquer reclamação nem recurso, mais não há que acatar tal decisão, não podendo agora ser discutida.
(…)
Ora, a determinação de qual deve ser o tribunal que vai conhecer de certa matéria (e o momento em que tal vai ocorrer) não é de mero expediente, nomeadamente por incidir diretamente sobre questões que encerram a aplicação de pressupostos processuais (a competência do tribunal) e bem assim impedir que ocorra a extinção do poder jurisdicional sobre determinada matéria. Muito menos se pode considerar que a determinação da competência para o conhecimento desta questão está sujeita a um poder discricionário.
Assim, há que considerar que o mesmo tem força de caso julgado formal, pelo que tem força obrigatória no processo e já não pode voltar a ser discutido, tendo nos autos a sua eficácia plena.
Como é bom de ver, há que assegurar a estabilidade das decisões judiciais, a legitima expetativa dos intervenientes processuais quanto à vinculação do processo às decisões que sobre ele incidem e que não tendo sido objeto de recurso se estabilizaram.
(…)
Alega ainda a Recorrente que o despacho é contraditório com os que o precederam, mas não se vê nenhuma oposição entre eles: o facto de a reclamação observar os requisitos legais e ser tempestiva, como se constatou por despacho, em nada contende com a inviabilidade do seu conteúdo ou com o seu valor ou desvalor, o qual se discutiu na aplicação da sanção.
Neste recurso apenas são invocadas razões processuais que retirariam eficácia ao despacho apelado. Não foi posto em causa, sem ser com a citada nulidade, o mérito ou fundo desse despacho, não havendo, pois, que o discutir, sendo que a simplicidade da questão em debate na reclamação era patente e só algum interesse na dilação do processo justificaria que se pusesse em causa a rejeição do recurso.
Assim, improcede a apelação na sua totalidade.”.
Insurge-se a recorrente contra o decidido, alegando o seguinte:
“[O] despacho da aplicação da taxa sancionatória excecional proferido, nos autos de reclamação da competência do Tribunal da Relação, além de o tribunal de primeira instância ser incompetente, em razão da hierarquia, para tal decisão em tais autos, sendo, o despacho recorrido, extemporâneo; pois, quando é proferido já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do Juiz e, para além disso, é contraditório com os despachos sobreditos, anteriormente, proferidos e transitados em julgado.
Pela própria decisão do Tribunal da Relação, presume-se que, na reclamação, não há fundamento para a taxa sancionatória, que pensa referir-se a conduta da recorrente em autos anteriores, porém é evidente que nas decisões do tribunal de primeira instância, não há qualquer censura à conduta da recorrente, pelo contrário, no último despacho afirma:
“A reclamação ora apresentada é legal e tempestiva, sendo apresentada por quem tem legitimidade para o efeito (...)”
Não se entende toda a fundamentação e conclusão quer do despacho da primeira instância, quer o douto Acórdão recorrido, em que, o tribunal de primeira instância, não era competente para proferir e sendo, o mesmo, extemporâneo, pois estava esgotado o poder jurisdicional do Juiz, quando o proferiu. Sendo, o mesmo, considerado nulo.
Para além de todas as decisões, anteriores, irem em sentido contrário, e que tinham transitado em julgado. Por isso, o douto Acórdão recorrido ao decidir, confirmando o despacho da primeira instância, sobre a taxa sancionatória excecional, invocada na reclamação, como decidiu, ofende os casos julgados, além da violação das regras de competência em razão da hierarquia.”. [bold nosso]
Os próprios termos da impugnação da recorrente revelam que, ainda que sob a aparência da alegação de ofensa do caso julgado, tal impugnação pretende reiterar a invocada (in)competência do Tribunal de 1.ª instância para decidir da aplicação da taxa sancionatória excepcional.
Analisada atentamente a sucessão de actos processuais que consta do relatório deste acórdão (cfr. supra, pontos 1 a 5), não só não se vislumbra que a decisão do Tribunal de 1.ª instância, confirmada pelo acórdão da Relação, incorra em violação de qualquer decisão despacho anteriormente proferido, como se entende ser essencialmente correcto o juízo do mesmo acórdão, de acordo com o qual tal decisão se impunha em função da necessidade de respeitar o caso julgado formal formado pela decisão anterior – transitada em julgado – da relatora do Tribunal da Relação de 07/04/2024, na qual se exarou o seguinte: “Sobre a pretensão dos embargantes, de que seja a reclamante sancionada com a aplicação de taxa sancionatória excecional, ao abrigo do art.º 531º do CPC, verificamos que as razões invocadas pelos embargantes se prendem essencialmente com a conduta da embargada nos autos a correrem na primeira instância, sendo certo que foi já proferido despacho nos autos pelo Sr. Juiz, a mandar cumprir o contraditório relativamente a tal pretensão, donde se depreende que considerou ser da sua competência a apreciação da questão suscitada. Assim sendo, escusamo-nos de apreciar tal questão em sede de recurso.”. [bold nosso]
Improcede, assim, a pretensão da recorrente.
13. Concluindo-se, como se concluiu, pela improcedência da invocada ofensa do caso julgado formal, fica prejudicada a apreciação da questão da (in)competência hierárquica, em conformidade com o que acima se esclareceu (cfr. ponto 12 do presente acórdão).
14. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 17 de Junho de 2025
Maria da Graça Trigo (relatora)
Isabel Salgado
Orlando Nascimento