RECURSO PER SALTUM
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
ESCOLHA DA PENA
Sumário


A escolha da pena de multa em vez da prisão  estando em causa a detençao de arma associada à  posse de munições para além das inseridas na própria arma, em concurso efectivo com outros tipo de criminalidade punido com pena de prisão, não deve ser opção por a pena de multa perder, nesse contexto, a sua eficácia  preventiva

Texto Integral

Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Proc. C. C. nº 534/24.1T9SNT do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste -Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., em que é arguido AA,

Foi por acórdão de 5/3/2025, proferida a seguinte decisão:

“Por todo o exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de ..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em:

“A) Julgar a acusação do Ministério Público procedente por parcialmente provada e, em consequência:

1.1 Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo disposto no artº 21º, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-C anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2 Condenar o arguido AA pela prática de crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º n.º 1 alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 04 de setembro, n.º 17/2009, de 06 de maio, n.º 26/2010, de 30 de agosto, n.º 12/2011, de 27 de abril e n.º 50/2013, de 24 de julho, e 50/2019, de 24 de julho (Regime Jurídico das Armas e Munições), na pena de 2 (dois) anos de prisão.

1.3. Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em 1.1 e 1.2., nos termos do art.º 77º, n.º 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido AA, na pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão.

2. Condenar o arguido em 4 Ucs. de taxa de justiça, nos termos do art. 8.º, n.º 9,

do RCP, em conjugação com a Tabela III anexa a este diploma.

3. Ordenar a recolha de amostras de ADN ao arguido e a ulterior introdução do

resultante perfil de ADN e dos correspondentes dados pessoais na base de dados de perfis de ADN, com finalidades de investigação criminal, nos termos dos artigos 8.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro.

***

Quanto aos objetos apreendidos

Determino:

a. Perdido a favor do Estado todo o estupefaciente apreendido nestes autos, e, bem assim, da respectiva embalagem e amostra cofre, o qual deve ser destruído logo que transite a presente decisão (artigo 62º, nºs 1 e 6, do citado diploma).

b. Que se devolva o quantum monetário, mediante a mediante a notificação dos arguidos a que alude o art. 186.º, n.º 3 do CPP, sem prejuízo pelo pagamento das custas do processo.

c. Quanto aos demais equipamentos (telemóveis, balança e faca), os quais foram utilizados pelos arguidos na prática dos factos de que vão acusados, determino respectivo perdimento.

d. Perdidas a favor do Estado as armas apreendidas e munições apreendidas nestes autos e, consequentemente, determina-se a sua entrega à PSP, a quem competirá fixar-lhe destino, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.”

Recorreu o arguido para a Relação de Lisboa, recurso que foi mandado subir para este Supremo Tribunal, tendo o arguido no final da sua motivação formulado as seguintes conclusões:

“1. O arguido considera que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º2 do Artigo 40.º e Artigo 71.º, ambos do Código Penal, incorrendo em erro de aplicação ao caso concreto.

2. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, entendemos que o Tribunal a quo deveria ter optado pela aplicação de uma pena de multa ao arguido.

3. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, “o Tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite”4 e “o Tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (...) impuserem a aplicação da pena de prisão”.

4. Do mesmo modo, “O momento relevante para o apuramento das necessidades preventivas é o do julgamento e não o da prática do facto, razão pela qual o Tribunal pode ponderar factos novos (...)”.

5. Vertendo ao caso concreto e analisando cada uma das questões apresentadas, verifica-se que, não obstante os referidos antecedentes criminais, o arguido nunca foi condenado pelo mesmo crime nem por crime da mesma natureza.

6. Apesar de reconhecemos que as necessidades de prevenção geral são significativas quanto ao referido crime, quanto às necessidades de prevenção especial, há que valorar o facto de o arguido nunca ter sido condenado pela prática deste crime – razão pela qual consideramos que as mesmas não são particularmente acentuadas relevantes ao ponto de se excluir a aplicação da pena de multa.

7. É, assim, possível fazer um juízo de prognose favorável no sentido da suficiência da pena de multa.

8. Consideremos que o Tribunal, ao ponderar a prática do crime de tráfico de estupefacientes para a escolha da pena a aplicar (multa ou prisão), procedeu a uma incorreta aplicação do disposto no Artigo 70.º do Código Penal.

9. Em primeiro lugar, não resulta da matéria de facto dada como provada que a arma apreendida fosse usada em qualquer contexto relacionado com o crime de tráfico de estupefaciente ou que assumisse qualquer função específica nessa atividade.

10. Em segundo lugar, a valoração da prática de um crime na escolha da pena a aplicar a outro corresponde a uma dupla valoração em desfavor do arguido da mesma circunstância/circunstância (neste caso os factos e crime de tráfico de estupefacientes).

11. Assim, tendo em consideração que a escolha da pena deve ter por base necessidades de prevenção geral e especial (sendo que o arguido não apresenta qualquer condenação da mesma natureza e as que apresenta – roubo – remontam há mais de dez anos), cremos que a sua condenação em pena de multa mostra-se adequada.

12. Ademais, é do conhecimento geral que estamos perante uma arma de baixo calibre (6.35mm – e, como tal, menor letalidade e gravidade) e, dentro das armas de fogo comuns, a pistola de calibre 6.35 é talvez a arma pequena e com menor letalidade de ação.

13. Pelo que o acórdão recorrido deverá ser revogado nessa parte, condenando-se o recorrente numa pena de multa de 100 dias à razão diária de 6,00€.

14. Sendo de manter a pena de prisão, as circunstâncias em que o crime foi praticado (que se inserem numa única ocasião), o passado do arguido, a sua inserção familiar e social, ar arma e seu poder de letalidade não foram devidamente ponderadas para efeitos de determinação da pena.

15. A pena a aplicar deverá ser fixada em 1 ano de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida e em 4 anos e 3 meses quanto ao crime de tráfico de estupefacientes.

16. As medidas da pena excederam a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido.

17. As penas aplicadas são excessivas e desproporcionais face à conduta do arguido e respetiva gravidade.

18. Estamos perante uma pistola comum, com um menor poder de letalidade que muitas outras, apta a disparar invólucros de um calibre pequeno (6.35mm).

19. O arguido confessou a sua posse e mostrou-se arrependido.

20. Não se provou que a tenha usado em qualquer contexto de perigosidade ou na prática de crimes.

21. Relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, foi dado como provado que o arguido realizou atos de venda de haxixe, única e exclusivamente, num determinado período temporal que ainda se reveste curto.

22. Não foram encontrados sinais exteriores de riqueza.

23. Resulta da matéria de facto dada como provada que o arguido tem uma vida modesta, possuiu apoio familiar e dispõe de possibilidades de empregabilidade no mercado de trabalho assim que for restituído à liberdade:

24. O arguido confessou parcialmente os factos pelos quais vinha acusado, assumindo a posse do produto estupefaciente encontrado e demais objetos, demonstrando arrependimento.

25. A quantidade de produto apreendido não revela expressiva, pois estamos perante cerca de 2 quilogramas de haxixe (que não deixa de ser uma droga leve).

26. Não apresenta antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

27. Já os antecedentes criminais relevantes que apresenta (crime de roubo e de ofensas à integridade física) remontam a factos praticados em 2009 e 2011, isto é, há mais de uma década.

28. Tais circunstâncias têm de levar a conclusão diversa daquela que o Tribunal tomou quando condenou o arguido numa pena de em 2 (seis) anos de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida e de 5 anos e 6 meses pelo crime de tráfico de estupefacientes.

29. A aplicação de 1 ano de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida e em 4 anos e 3 meses quanto ao crime de tráfico de estupefacientes da referida pena revelam-se suficiente para assegurar as finalidades de punição, para efeitos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal, ao contrário do que sucedeu.

30. Em cúmulo, pugnamos pela aplicação ao arguido de uma pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

31. Não obstante os antecedentes criminais averbados no CRC do arguido (mas que remontam há mais de uma década), cremos ser de se fazer uma prognose favorável ao seu comportamento futuro, pois o arguido confessou parte dos factos pelos quais vinha acusado e não apresenta qualquer condenação pela prática de crime da mesma natureza, sendo de suspender a pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal.

32. O Tribunal a quo, ao condenar o arguido na pena de 6 anos e 3 meses anos de prisão, com base nos fundamentos supra expostos, viola o disposto no n.º2 do Artigo 40.º, 71.º e o Artigo 77.º, todos do Código Penal.

33. Já se for de manter as penas aplicadas a cada um dos crimes, cremos que o Recorrente deverá ser condenado, em cúmulo, numa pena única de 5 anos e 6 meses anos de prisão (não o tendo feito, o Tribunal violou o Artigo 77.º do Código Penal e a medida da pena excedeu a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido, pelos mesmos motivos já apresentados quando pugnamos pela redução das penas parcelares aplicadas).

34. Por todo o exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado/modificado e

substituído por douto acórdão que determine:

A) A condenação do recorrente numa pena de multa de 110 dias à taxa diária de 6,00€ (seis euros) pela prática do crime de detenção de arma proibida ou a redução da pena de prisão para 1 ano.

B) A redução da pena aplicada ao arguido para 4 anos e 3 meses, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes e, em cúmulo, a sua condenação em 5 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução (nos termos do disposto noArtigo 50.º do Código Penal).

Se assim não se entender,

C) A redução da pena única aplicada ao recorrente para 5 anos e 6 meses de prisão.”

O Mº Pº respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência

Neste STJ o ilustre PGA foi de parecer que o recurso deve improceder.

Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP

Não foi apresentada resposta.

Procedeu-se à conferencia com observância do formalismo legal

Cumpre apreciar.

Resulta do acórdão recorrido (transcrição):

“II. Fundamentação

A) De Facto

1. O arguido AA, dedicou-se à venda de produto estupefaciente, designadamente, canábis, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Abril de 2023 até 25 de janeiro de 2024, data em que foi detido à ordem dos presentes autos.

2. O arguido AA dedicou-se a tal atividade como forma de obter rendimentos.

3. O arguido AA dedicou-se a tal actividade principalmente na zona de ..., na área da sua residência.

4. Para concretização das transações relacionadas com a actividade de tráfico de estupefacientes, o arguido AA utilizava telemóveis para estabelecer contactos com terceiros consumidores, nomeadamente através da rede social Telegram e WhatsApp, tendo utilizado diversos números de telemóvel, para combinar os locais de entrega, os preços e as quantidades de produto estupefaciente a transacionar através de linguagem codificada, o que aconteceu, pelo menos, nos dias 3 de abril de 2023, 18 de abril de 2023, 21 de abril de 2023, 4 de julho de 2023, 10 de julho de 2023, 16 de julho de 2023, 30 de julho de 2023, 1 de setembro de 2023, 3 de outubro de 2023 e 28 de dezembro de 2023.

5. No dia 3 de abril de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por indivíduo identificado como BB, com o objetivo de este adquirir 10 gramas de cocaína, pelo valor de 350,00€1.

6. No dia 18 de abril de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por um indivíduo identificado como CC, com o objetivo de este lhe adquirir dois quilogramas de canábis, pelo valor de 1525,00€ (mil, quinhentos e vinte e cinco euros) o quilograma.

7. No dia 21 de abril de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por indivíduo identificado como DD com o objetivo de este lhe adquirir meio quilograma de canábis, pelo valor de 740,00€ (setecentos e quarenta euros)4.

8. No dia 4 de julho de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por um indivíduo não identificado para saber o valor de meio quilograma de canábis, tendo arguido informado o respetivo valor, concretamente 750,00€ (setecentos e cinquenta euros).

9. No dia 10 de julho de 2023, através da rede social WhatsApp o arguido foi contactado por um indivíduo identificado por EE com o objetivo de este lhe adquirir uma quantidade não apurada de Mdma.

10. No dia 16 de julho de 2023, através da rede social WhatsApp o arguido foi contactado por um indivíduo identificado por FF com o objetivo de este lhe adquirir uma quantidade não apurada de cocaína.

11. No dia 30 de julho de 2023, através da rede social WhatsApp o arguido foi contactado por um indivíduo identificado por GG (turista estrangeiro no ...) com o objetivo de este lhe adquirir uma quantidade não apurada de MDMA.

12. No dia 1 de setembro de 2023, através da rede social WhatsApp o arguido foi contactado por indivíduo identificado como HH com o objetivo de este lhe adquirir 20 pastilhas de LSD pelo valor unitário de 2,00€ (dois euros).

13. No dia 3 de outubro de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por um indivíduo identificado como II com o objetivo de este lhe adquirir mil pastilhas de LSD pelo valor unitário de 1,1€ (um euro e dez cêntimos)11.

14. No dia 28 de dezembro de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por indivíduo identificado como Mr JJ com o objetivo de este lhe adquirir um quilograma de canábis, pelo valor de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros)12.

15. Durante o período referido em 1, o arguido procedeu ao registo na plataforma Telegram, utilizando antigas conversas, de diversas anotações sobre a quantidade de produto estupefaciente solicitado, o destinatário e o respetivo valor.

16. No dia 4 de abril de 2023, o arguido registou na aplicação Telegram as seguintes mensagens relativas aos produtos estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“1k – 2 KK cmg 1sobrinhacmg 2 LL 2 MM 3 bleucmg

2 NN 3 Pearce cmg

Falta

1 MM

2 NN cmg

2 LL

3 tropa OO cmg

2 OO Cacem amigo n pagou”.

17. No dia 2 de junho de2023, o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem: “3K

5 PP cmg certo

3 LL certo cmg

1 QQ cmg3

1 MM

5 OO certo cmg

5 LL

4 MM

1 KK

2 meu chapa pagou 1p

Outro 1K

1 KK

2 eu cmg”.

18. No dia 4 de julho de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“5 RR cmg

3 SS cmg

1 MM cmg

6 djoks

5 PP falta 150

1 LL pago cmg

5 RR pago cmg

SS 4 pagou cmg

5K

RR 5cmg

4 OO cmg

2 MM cmg

1 TT cmg

1 RR cmg

1 MM cmg

1 MM cmg

1 SS cmg

5 UU cmg

1 kdjok cmg

1 MM cmg

White

50 djoks cmg 1250

50 VV cmg 1100

100 WW

40 XX

10 poço

10 YY deu 200 falta 100

De 50

3 WW falta 1

2 LL 60

2 djok ZZ 80

5 djoks” 15

19. No dia 13 de julho de2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem

com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“4 lacas AAA 480 1 foi de gato

100gr white djoks cmg 2470

1 laca meia djoks 210 cmg

2.5 MM

(…)

Primo BBB apanhar 120 de 3 gramas.”

20. No dia 5 de agosto de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“OO meio

Djoks 1k

MM 1k LL levou uma CC 1 pago ccmg

CCC 1k

5 xikinho do kilo MM 600 falta 100

2 BBB 300cmg

5 LL

LL pagou 5 de sinaloa

1 DDD cmg

White 1 CC cmg

1 SS cmg

1 CC cmg

Meia primo cmg

EEE 1 prima FFF

2 GGG falta 145

SS?”

21. No dia 20 de agosto de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“10k 74 cmg

26 RR pagou 18

Eu 6 K anteror.”

22. No dia 2 de outubro de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“4 HHH

1 SS

2 MM certo pagou mais 2 das 4 Rafinha

1 KK

1 III

1 escura aberta tá meia

1 KK.”

23. No dia 3 de outubro de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“1 UU certo

1 KK crto

1 certo

1 NN

1 MM.”

24. No dia 10 de outubro de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“1 JJJ certo

2 MM

1 MM.” 21

25. No dia 2 de novembro de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“1 LL crua 40 certo e 2 que devia certo

10 euros cozida CC ficou 110 na gaveta

10g III 280

10 CC cozido certo

KKK pagou 40 levou mais 40

40 WW certo

110 cozida k devi djok

1 LLL 40 certo

SS 3 lacas certo pagou mais uma k devia

MMM 80 certo 80 iaia n pagou

1 alemao pagou

WW 10 certo cozi mais 20 cero

40 amigo NNN cozi

30 cozi WW 40

5g OOO

Meia PPP crua certo com 10 cozida oferta

50 BBB cozido

30 BBB cozido certo levou 4

BBB 20 cozida ao todo deve 70€

Meia LLL 20 certo.”

26. No dia 3 de novembro de 2023 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“LLL 1 crua certo

WW 30 cozida certo

WW 30 certo

WW 30 cozida

WW 5g crua

20 KKK cozid.”

27. No dia 8 de janeiro de 2024 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“QQQ 3 pagou 2 mais 1 quarto com cmg

1 SS 1500 cmg

1kg RRR 1500 cmg

1 k alemão 1475 cmg

5 MM certo cmg lucro tirado

5 SS cmg

5 PP cmg lucro tirad

PPP 2 320 cmg

1 MM pago cmg

200 euros SSS deu da erva

White

50 WW cmg

10 WW

5 SS 150 cmg

10 puto MM deu 190 falta 160.” 24

28. No dia 16 de janeiro de 2024 o arguido registou na aplicação Telegram uma mensagem com a quantidade de produto estupefaciente solicitado e o respetivo valor, concretamente a seguinte mensagem:

“HHH 220 que devia

RR 360 uma laca

PPP 140 5g white

290 duas lacas TTT pago” 25

ta 160.”

29. No período referido em 1, o arguido partilhou, através das redes sociais Telegram e WhatsApp com diversas pessoas, cuja identidade não foi possível apurar, fotografias como produto estupefaciente que transacionava, designadamente canábis e pastilhas de LSD.

30. No dia 25 de janeiro de 2024, pelas 07h00, o arguido AA tinha guardado na sua residência, sita na Praceta ... ..., ..., pertencendo-lhe, dentro de um saco de cor verde do supermercado Lidl, 22 (vinte e duas) placas de canábis, que tinham colado autocolantes com o logotipo “tio patinhas”, com um peso liquido total 2135,00gramas (L), com um grau de pureza 31,6% (THC), correspondente a 13493 doses médias individuais diárias.

31. No interior do saco encontravam-se ainda 31 (trinta e uma) notas de 20,00€ (vinte euros), perfazendo a quantia de 620,00€ (seiscentos e vinte euros).

32. O arguido ao aperceber-se da presença dos militares na sua residência, antes do início da busca, arremessou o saco com o produto estupefaciente e dinheiro referidos no ponto 30 e 31, pela janela da sala, para o terreno situado nas traseiras do prédio onde residia, tendo o mesmo sido apreendido de imediato pelos miliares da Guarda Nacional Republicana.

33. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 30, o arguido tinha na sua posse, pertencendo-lhe, guardado na sua residência:

a. na sala:

i. em cima da cadeira da mesa de jantar:

- uma bolsa tira colo, de cor preta de marca Lacoste, onde estava guardada

uma pistola marca Star calibre 6.35, cor cromada, com carregador que continha três munições, uma munição de calibre 6.35, uma nota de 20 libras do Banco de Inglaterra, 2 (duas) notas de 50,00€ (cinquenta euros), 14 (catorze) notas de 20,00€ (vinte euros), 15 (quinze) notas de 10,00€ (dez euros), 10 (dez) notas de 5,00€ (cinco euros);

ii. em cima da mesa de jantar, por cima de uma caixa de cartão:

- 3 (três) notas de 50,00€ (cinquenta euros), 23 (vinte e três) notas de 20,00€ (vinte euros), 19 (dezanove) notas do BCE de 10,00€ (dez euros), 1 (uma) nota de 5,00€ (cinco euros), um telemóvel de marca F2, cor preto, com o IMEI1 .............85 e IMEI2 .............93, com cartão introduzido da MEO com o código ...........87 e um localizador GPS;

iii. em cima do aparador de televisão:

- uma faca de abertura manual, cor preto, com inscrição na lamina de Bosidun, com vestígios na lamina de produto estupefaciente;

iv. em cima da prateleira da TV:

- uma balança de cor cinzento;

b. no quarto arguido:

i. em cima da cómoda:

- um (1) carregador metálico municiado com três munições de calibre 6.35, um papel manuscrito com anotações referentes a transações de estupefaciente, dois recibos referentes a condomínio manuscritos e quatro pedaços de papel manuscritos referentes a transações de estupefaciente.

ii. no interior da primeira gaveta da cómoda:

- 2 (duas) notas de 100€ (cem euros) e 10 (dez) notas de 50.00€ (cinquenta euros).

iii. na prateleira superior do roupeiro - um caderno com arroz espalhado.

iv. no chão junto à cama:

- um telemóvel marca XIAOMI REDMI, modelo ....33SGcor preto, ecrã partido, cartão moche introduzido no interior com o número ..................99 e um (1) telemóvel marca APPLE IPHONE, modelo 14, com cartão moche introduzido com o número ..................07 #..04.

34. No dia 18 de janeiro de 2024, o arguido AA deslocou-se à loja denominada C........., situada no ..., no ... onde mandou fazer entre 24 a 32 autocolantes com o logotipo "tio patinhas", que posteriormente colou nas placas de canábis referidas no ponto ..27.

35. A balança e faca apreendidas ao arguido destinavam-se à preparação e divisão do produto estupefaciente que o arguido vendia.

36. Os telemóveis apreendidos ao arguido eram utilizados para contactos com os consumidores.

37. O arguido conhecia as características estupefacientes dos produtos que transacionavam, guardava e que detinha, nas circunstâncias supra- descritas, tendo-o feito de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a respetiva detenção, cedência e venda a terceiros o fazia incorrer em crime.

38. Não obstante, detinha aquela substância estupefaciente, destinando-as à venda a indivíduos consumidores daquele tipo de produto.

39. O arguido não é portador de licença de uso e porte de arma, nem de licença de detenção de arma no domicílio quanto à arma descrita, mas mesmo assim, não se absteve de a ter e usar nos termos descritos.

40. O arguido tinha na sua posse a referida arma e munições cujas características bem conhecia, bem sabendo que para as deter, guardar, portar ou usar, necessitava de

uma licença específica para o efeito, não obstante não se inibiu de as deter e guardar.

41. O arguido agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Condições sócio económicas do arguido (Relatório da DGRSP):

42. À data dos factos subjacentes à presente acusação, AA residia no agregado constituído pelo próprio, pela sua companheira, actualmente com 31 anos de idade e as duas filhas do casal com 9 e 3 anos de idade. As relações no seio do agregado eram caracterizadas pela afectividade e entreajuda, apesar de mescladas por algumas discussões entre o casal, motivadas pelos consumos de estupefacientes protagonizados pelo arguido. Não são referidas dificuldades de índole económica.

43. O agregado residia num apartamento propriedade dos progenitores do arguido, pagando 250,00 euros de renda mensal. O arguido refere que nos períodos em que não trabalhava, o progenitor não cobrava a renda de casa.

44. O arguido AA trabalhava na área da construção civil, para o seu pai, empreiteiro, auferindo cerca de 800,00/900,00 euros mensais, sem qualquer vínculo contratual. A companheira auferia cerca de 900,00 euros mensais, como funcionária na “P...... ..........”.

45. O arguido convivia com pares da sua área de residência, frequentando cafés na mesma zona, mantendo consumos diários de haxixe, cocaína ao fim-de-semana e pontualmente bebidas alcoólicas em excesso.

46. Relacionava-se com os seus familiares e com os familiares da companheira.

47. O arguido nasceu em ..., sendo o agregado constituído pelos progenitores e dois irmãos com 28 e 23 anos de idade. O desenvolvimento do arguido ocorreu no seio deste agregado sendo as relações entre os seus membros pautadas pela afetividade e entreajuda, com a transmissão de regras e valores inerentes à sociedade onde o mesmo estava inserido.

48. Iniciou o percurso escolar em idade regular, completando o 8º ano de escolaridade com 13 anos de idade. Ainda frequentou o 9º ano, mas reprovou por dificuldades de aprendizagem. Frequentou também um curso profissional, mas desistiu devido ao absentismo.

49. Iniciou a actividade laboral cerca dos 17 anos de idade, trabalhando com o pai, empreiteiro de construção civil sem qualquer vínculo contratual. O trabalho não era regular, trabalhando nessa área e com o progenitor sempre que aquele o chamava e esse percurso manteve-se até à data da presente detenção. O irmão mais novo também trabalha na mesma empresa do progenitor.

50. Praticou futebol de onze, desde os 6 anos de idade, federado, na equipa do ..., até cerca dos 17/18 anos de idade, quando jogava na equipa do escalão júnior, desistindo desse percurso, dando primazia ao contacto com os pares, em detrimento do futebol.

51. Manteve um relacionamento afectivo com a sua actual companheira a partir de 2015, coabitando com a mesma em casa dos seus progenitores, a partir de 2017, data em que saiu da sua anterior prisão. Em 2019 foi viver com a companheira para a presente morada.

52. Iniciou o consumo de haxixe, com 16 anos de idade, e de cocaína cerca dos 30 anos. O consumo de bebidas alcoólicas foi iniciado cerca dos 19 anos de idade. Os consumos que tem protagonizado são efetuados em companhia dos pares.

53. Em termos pessoais, AA além de aparentar alguma imaturidade, denota lacunas ao nível do pensamento consequencial, com dificuldade em fazer as melhores opções de vida para si próprio e dificuldade em reconhecer o impacto das suas ações nos outros.

54. O arguido encontra-se preso preventivamente no EP de ..., à ordem do presente processo, desde 26-01-2024 e não apresenta qualquer registo disciplinar, interagindo normativamente com os pares e funcionários da instituição. Em reclusão encontra-se abstémio no que concerne ao consumo de estupefacientes e bebidas alcoólicas.

55. Encontra-se a frequentar a escola, com o intuito de obter o 9º ano de escolaridade. Também frequenta o clube de leitura.

56. Tem visitas regulares da companheira, das filhas, dos progenitores e pontuais dos irmãos.

57. Do registo criminal do arguido encontram-se averbados as seguintes condenações: a. No âmbito do processo n.º 17/09.0..... da Comarca da Grande ...- Noroeste, Unidade Orgânica de ... – Juízo de Pequena Instância Criminal (J2), por decisão de 2009/03/18, transitado em julgado em 2009/04/17, pela prática de um crime de roubo, p. e p. art.º 210º, n.º 1, ocorrido em 2009/03/03, na pena de 8 meses de prisão suspensa pelo período de um ano.

b. No âmbito do processo n.º 1368/11.9..... da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Unidade Orgânica de ... – Juízo de Média Instância Criminal (J2), por decisão de : 2012/12/13, transitado em julgado em 2014/07/02, pela prática de um crime de ofensa `integridade física, p. e p. art.º 143º, n.º 1 e um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1 do Cód. Penal, ocorridos em 2011/08/08, na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão.

c. No âmbito do processo n.º 65/21.1..... da Comarca da Comarca de Faro, Unidade Orgânica de ... – Juízo C. Genérica de ... (J2), por decisão de 2022/10/03, transitado em julgado em 2022/10/31, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, ocorrido em 2021/05/25, na pena única de 120 dias de multa à taxa de €5,5.

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Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente e no essencial:

a. No período de desde data não concretamente apurada de 2023 até 25 de janeiro de 2024 o arguido dedicou-se à venda de cocaína, Mdma e LSD; b. Que os rendimentos obtidos pelo arguido eram necessários para o seu sustento e da sua família e para fazer face aos seus gastos pessoais, não exercendo, no mencionado período temporal, qualquer outra atividade remunerada.

c. O arguido dedicou-se a tal actividade também na zona de ..., onde se deslocou durante os meses de verão.

d. Facto 6, 8, 10, 12, 15, 17, 19, 21, 23, 25, 27, 29, da acusação com o teor idêntico, mormente: “Em momento posterior, o arguido entregou ao(s) indivíduo(s) identificado(s) o produto estupefaciente solicitado.”

e. No dia 20 de abril de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por indivíduo identificado como CC com o objetivo de este lhe adquirir uma placa de canábis, por um valor não apurado.

f. No dia 9 de julho de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por um indivíduo identificado por UUU (turista estrangeiro no ...) com o objetivo de este lhe adquirir este adquirir uma quantidade não apurada de Mdma.

g. No dia 2 de setembro de 2023, através da rede social Telegram o arguido foi contactado por indivíduo identificado como VVV com o objetivo de este lhe adquirir um quilograma de canábis, por um valor não apurado.

h. O dinheiro apreendido ao arguido, no total de 2.705,00€ (dois mil, setecentos e cinco euros) e 20£ (vinte libras) era proveniente de transações produto estupefaciente.

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Fundamentação da convicção do Tribunal

Da nulidade das pesquisas e apreensões de dados informáticos e comunicações presentes nos telemóveis XIAOMI e IPHONE 14 Pro Max. 1 apreendidos nos autos.

Por requerimento que deu entrada nos autos na véspera da data designada para a realização da audiência de julgamento, em 3-02-2025, o arguido veio invocar a extemporaneidade e ilegalidade das pesquisas e apreensões de dados informáticos e comunicações presentes nos telemóveis XIAOMI e IPHONE 14 Pro Max. 1. apreendidos nos autos.

Alega para tanto que na sequência da apreensão do aludidos aparelhos em sede de busca à residência do arguido foi proferido despacho, em 26 de janeiro de 2024, pelo Ministério Público, determinando a “extração das imagens e das mensagens guardadas no telemóvel marca XIAOMI REDMI, modelo ....33SG cor preto, com o IMEI ..................99, um telemóvel marca APPLE IPHONE, modelo 14, com cartão moche introduzido com o número ..................07 #..04 e um telemóvel de marca F2, cor preto, com o IMEI1 .............85 e IMEI2 .............93, com cartão introduzido da MEO com o código ...........87”.

Todavia, a extração dos ficheiros contidos no aparelho APPLE IPHONE, modelo 14 não respeitou o prazo a que alude o art.º 15.º, n.º 2 da Lei n.º109/2009, de 15 de Setembro, o que se extrai da conjugação da informação da GNR, datada de 20 de Fevereiro de2024 referindo que “a Direção de Investigação Criminal da GNR não dispõe neste momento de licenças válidas para o programa de extração de ficheiros. Assim no telemóvel Iphone 14 apreendido conforme prova AB06 o mesmo dispõe de ficheiros que não foram extraídos pois o programa Celibrite não extrai os ficheiros pelos motivos acima explanados” (fls. 167).

Tal informação ditou que por despacho proferido em 4 de março de 2024, o Ministério Público solicitou ao GAT que informasse da viabilidade de procederem ao exame pericial do aparelho de marca IPHONE (extração de todos os ficheiros que constassem no telemóvel), o que só veio a ocorrer no dia 23 de abril de 2024 (fls. 311), daí concluindo que o aludido prazo não foi respeitado, vício gerador da nulidade da prova nos termos do disposto no n.º 3 do Artigo 116.º do C.P.P.

Outrossim, relativamente ao aparelho telemóvel de marca XIAOMI, modelo Redmi, invoca igual vício, com o seguinte fundamento.

Neste caso, o conteúdo do aparelho foi extraído na sua totalidade e devidamente gravado conforme resulta do teor de fls. 171, em 19-02-2024. Todavia, inexiste nos autos qualquer auto de apreensão ou informação que indique a apreensão de qualquer dado informático ou comunicação presente no telemóvel em causa, tal como dispõe o n.º 1 do Artigo 16.º Lei n.º109/2009, de 15 de Setembro, ainda que tenha ocorrido a abertura e leitura de comunicações (que estava autorizada), leia-se – cfr. despacho de 26 de janeiro de 2024), bem como a visualização de dados informáticos, nada consta dos autos quanto à sua apreensão.

Mediante o despacho datado de 23 de fevereiro de 2024, o Ministério Público promoveu a validação da apreensão dos dados informáticos (aludindo a fls. 169 a 177). Contudo, não se encontram quaisquer dados informáticos apreendidos. Aquilo, o que foi feito (e que consta de fls. 169 a 177) correspondeu única e exclusivamente à extração do seu conteúdo e não à apreensão de qualquer dado informático e conteúdo. Assim, e não obstante o despacho proferido em 15 de março de 2023, nenhuma apreensão concreta havia a validar.

Sem prejuízo, e mesmo que tivesse ocorrido alguma apreensão, não teria cumprido o iato temporal de 72 horas máximo para a respectiva validação.

Mais acrescenta que, mediante despacho datado de 23 de fevereiro de 2024, o Ministério Público promoveu a validação da apreensão, apenas, dos dados informáticos (aludindo a fls. 169 a 177), nada referindo quanto às comunicações.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do Artigo 2.º da Lei n.º109/2009, de 15 de Setembro, os dados informáticos correspondem a “qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma susceptível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função”. Sendo que de acordo com o Artigo 17.º da referida Lei, “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal”.

Assim, e revertendo ao caso concreto, e em síntese, para além de não resultar dos autos qualquer apreensão de mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, também não resulta dos autos qualquer despacho a ordenar ou autorizar a fazê-lo. De igual modo, o Ministério Público também nunca promoveu a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, mas apenas de dados informáticos (que, como já se viu, são conceitos diferentes).

Esta prova é, por conseguinte, nula, nos termos do disposto no n.º 3 do Artigo 116.º do C.P.P., declaração que requer.

O Ministério Público tomou posição em sede de alegações, posicionando-se pela conformidade processual dos actos em referência, concluindo pela improcedência da nulidade.

Vejamos.

A pesquisa, apreensão e validação de elementos probatório contido em dados electrónicos e conservados em sistemas informático constantes de telemóveis, computadores e outros equipamentos informáticos apreendidos é regulado pela Lei do Cibercrime, a saber: a Lei 109/2009 de 15.91.

No caso dos autos ocorreu o seguinte:

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1 Transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.

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Em cumprimento de mandato busca à residência do arguido foram apreendidos, no dia 25-01-2024 os seguintes aparelhos de telecomunicações:

- Um telemóvel XIAOMI REDMI, modelo ....33SG cor preto, com o IMEI ..................99;

- Um telemóvel marca APPLE IPHONE, modelo 14, com cartão moche introduzido com o número ..................07 #..04;

- Um telemóvel de marca F2, cor preto, com o IMEI1 .............85 e IMEI2 .............93, com cartão introduzido da MEO com o código ...........87 (auto de busca a fls. 20-22).

Por despacho datado de 26-01-2024 o Ministério Público, a par da validação das apreensões realizadas, mormente dos telemóveis nos termos do art.º 178º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal, promoveu sob o item “Exame pericial aos telemóveis apreendidos aos arguidos”, o seguinte:

“Nos presentes autos foram apreendidos ao arguido o telemóvel marca XIAOMI REDMI, modelo ....33SG cor preto, com o IMEI ..................99, um telemóvel marca APPLE IPHONE, modelo 14, com cartão moche introduzido com o número ..................07 #..04 e um telemóvel de marca F2, cor preto, com o IMEI1 .............85 e IMEI2 .............93, com cartão introduzido da MEO com o código ...........87.

Os telemóveis foram apreendidos por se entender que o conteúdo dos mesmos poderá ser relevante em termos probatórios, na medida em que resulta das regras da experiência que os contactos telefónicos entre comprador e vendedor antecedem muitas vezes o momento da compra do produto, sendo por isso de prever que o arguido manterá guardado nos telemóveis eventuais mensagens alusivas a esse negócio, bem como o contacto de alguns compradores.

No entanto, tratando-se de telemóveis pessoais existe a possibilidade de algumas das informações contidas nos respetivos suportes informáticos serem de carácter pessoal e/ou abrangidos por sigilo, nomeadamente, bancário, fiscal ou de outra natureza, pelo que o acesso às informações contidas no telemóvel deverá ser sancionado e objeto de autorização pelo Juiz de Instrução, afim de não serem violados direitos fundamentais dos cidadãos, expressamente consagrados na Constituição da República Portuguesa no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias (cfr. artº 35º, nº 4 da CRP).

Desconhece-se se as mensagens e imagens contidas nos telemóveis depois de recebidas foram lidas.

O uso dos meios de prova ora solicitados mostra-se regulamentado nos termos constantes dos art. 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa; art. 187º, 188º e 189º, nº2, do Código de Processo Penal com as alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, no art. 6º da Lei nº 5/2002 e art. 4.º, n.º1, alínea f), da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho.

Na verdade, dispõe o art. 189, nº2, do Código de Processo Penal, que a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no nº 1 do art. 187º e em relação às pessoas referidas no nº 4 do mesmo artigo, exigência reforçada pelo art. 9.º, da Lei 32/2008, de 17 de julho.

Sendo que no caso dos autos e porque se trata de crime de tráfico de estupefacientes, encontra-se este ilícito previsto no mencionado art. 187º, nº 1 alínea b) do Código de Processo Penal, não obstando este requisito à realização da diligência de investigação. Por seu turno no que concerne ao requisito do nº 4, verifica-se que a pessoa em relação à qual se pede a transcrição das mensagens e listagem de contactos é arguido nos autos.

Pelo que, na situação em análise o interesse do Estado na administração da Justiça prevalece sobre o direito protegido pelo sigilo das telecomunicações justificando-se a compressão de direitos fundamentais, nomeadamente o direito à intimidade da vida privada, pelo que atento o disposto nos art. 9º, 135º, 182º, 187º, 188º e 189º, nº 2, do Código de Processo Penal, determino que se proceda à realização de exame aos telemóveis apreendidos e promovo:

- se determine a extração das imagens e das mensagens guardadas no telemóvel marca XIAOMI REDMI, modelo ....33SG cor preto, com o IMEI ..................99, um telemóvel marca APPLE IPHONE, modelo 14, com cartão moche introduzido com o número ..................07 #..04 e um telemóvel de marca F2, cor preto, com o IMEI1 .............85 e IMEI2 .............93, com cartão introduzido da MEO com o código ...........87.”

Por despacho do mesmo dia (26-01-2024) o JIC, em conformidade com o promovido, determinou o seguinte:

“Porque nestes autos está em investigação o crime punível com pena de prisão superior a três anos, existindo razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade e a prova seria impossível ou pelo menos muito difícil de obter de outra forma, nos termos do disposto nos artºs, 187º, nº 1, al. b) e 189º, do CPP, determino a abertura e leitura de todas as mensagens e imagens enviadas recebidas ou por qualquer outra forma introduzidas na memoria dos telemóveis (IMEI e cartões por eles utilizados) apreendidos ao arguido para que sejam transcritos e juntos aos autos os que se revelarem com interesse para a investigação.

Após abertura os elementos em causa deverão ser trazidos, de imediato, ao meu conhecimento.”

Por despacho de 23-02-2024 promoveu o Ministério Público o seguinte:

“Remeta os autos à distribuição extraordinária a fim de serem os mesmos conclusos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal para apreciação das seguintes promoções:

I.

Resulta da informação de fls. 167, datada de 20-0-2024, que não foi possível proceder à extração dos ficheiros que constam do telemóvel Iphone 14 (prova AB06), por questões informáticas.

Os referidos ficheiros apenas poderão ser extraídos manualmente através de screenshot, procedimento este a ser efetuado pelo perito digital forense.

Com vista a assegurar que os ficheiros não sejam abertos antes da apresentação ao Meritíssimo Juiz, promovo que seja designada data para se proceder ao exame pericial na presença do Meritíssimo Juiz.”

Tal decisão teve por base a informação de fls. 167 referia que:

“(…) o telemóvel Iphone 14 apreendido conforme prova ABO o mesmo dispõe de ficheiros que não foram extraídos pois o programa Celebrite não extrai os ficheiros pelos motivos acima explanados.

Os referidos ficheiros apenas poderão ser extraídos manualmente através de screenshot, procedimento este a ser efectuado pelo perito forense, o que levara a que os ficheiros sejam abertos antes da apresentação ao meritíssimo JIC, não existindo outra forma de os dados contidos no aparelho serem juntos aos presentes autos.

E a fls. 168-177 foram juntos os suportes autónomos contendo os exames de exportação de dados, com cópia dos dados informáticos específicos relativamente aos demais aparelhos.

Assim, solicita-se a V. Exª que promova junto do JIC para que emita despacho no sentido do perito digital forense ser autorizado a efectuar o exame através de Screenshot”.

Por outro lado, no supra referido despacho, o Ministério Público promoveu ainda que:

“Na sequência de despacho judicial datado de 26 de janeiro de 2024 (ref. citius .......30) foram feitas pesquisas aos telemóveis apreendidos ao arguido e apreendidas, para além do mais, mensagens de correio eletrónico cujo conteúdo será de grande interesse para a descoberta da verdade material, mormente aferir da dimensão da atividade delituosa do arguido (cfr. fls. 169 a 177).

Assim, promovo a validação da apreensão dos dados informáticos e determine a junção aos autos dos referidos dados informáticos apreendidos, nos termos do art.º 16.º n.º 3 da Lei n.º 109/2009 de 15 de setembro.”

Esta promoção não mereceu provimento (vide despacho do JIC de 29-02-2024) pelo que, por despacho de 11-03-2024, o Ministério Público promoveu o seguinte:

“Fls. 183. Despacho judicial datado de 29/02/2024.

Remeta os autos à distribuição extraordinária a fim de serem os mesmos conclusos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal para apreciação das seguintes promoções:

Da informação junta aos autos a fls. 167, resulta que do exame efetuado ao telemóvel Iphone 14 apurou-se a existência de ficheiros que não foram extraídos em virtude da Direção de Investigação Criminal da GNR não dispor atualmente de licenças validas para o programa de extração de ficheiros, não sendo possível indicar a capacidade de armazenagem (tamanho dos ficheiros) sem proceder à abertura dos mesmos.

Os referidos ficheiros apenas poderão ser extraídos manualmente através de screenshot, procedimento este a ser efetuado pelo perito digital forense da GNR.

Pelo exposto, com vista a assegurar que os ficheiros não sejam abertos antes da apresentação ao Meritíssimo Juiz, promovo que seja designada data para se proceder ao exame pericial na presença do Meritíssimo Juiz e que o Ministério Público seja notificado da data que vier a ser designada.”

E quanto ao conteúdo dos demais aparelhos, foi novamente requerido que:

Fls. 179, ponto II (ref. citius .......45, de 03/02).

Na sequência de despacho judicial datado de 26 de janeiro de 2024 (ref. citius .......30) foram feitas pesquisas aos telemóveis apreendidos ao arguido e apreendidas, para além do mais, mensagens de correio eletrónico cujo conteúdo será de grande interesse para a descoberta da verdade material, mormente aferir da dimensão da actividade delituosa do arguido (cfr. fls. 169 a 177).

Assim, promovo a validação da apreensão dos dados informáticos e determine a junção aos autos dos referidos dados informáticos apreendidos, nos termos do art.º 16.º n.º 3 da Lei n.º 109/2009 de 15 de setembro.”

Por despacho do JIC de 15-03-2024 foi determinado:

“Valido a apreensão dos ficheiros informáticos os quais ficarão juntos aos autos para que possam ser examinados mais detalhadamente e confrontados com os demais elementos recolhidos pela investigação.

A secretaria agendará dia e hora com o órgão de polícia criminal para a abertura dos elementos em causa, nos termos promovidos.”

E conforme resulta do teor de fls. 205, em 2-03-2024 procedeu-se à abertura dos ficheiros juntos aos autos a fls. 69 a 177)

Efectivamente, a extracção dos ficheiros contidos no Iphone 14 foi junta aos autos através do ofício de fls. 308-314, conforme relatório datado de 30-04-2024.

Por despacho do Ministério Público datado de 12-07-2024 foi determinada a intervenção do JIC com o requerimento para:

“Validação da junção aos autos dos exames periciais efetuados aos telemóveis do apreendidos ao arguido AA.

Por despacho judicial datado de 26 de janeiro de 2024 (ref. citius .......30) foi autorizada a análise/pesquisa dos telemóveis apreendidos ao arguido, nos termos do preceituado no artigo 187.º, n.º 1, b), n.º 4,alíneas a) e b), ex vi do artigo 189.º, nº1, ambos do Código Penal.

Da análise à extração de conteúdos dos telemóveis e cartões SIM do arguido foi possível apurar que existem contactos entre os arguidos e terceiros, cujos conteúdos indiciam a existência de um negócio de trafico de estupefacientes, pelo que consideramos que as informações obtidas são relevantes e têm interesse probatório para a condenação dos arguidos.

Face ao exposto, tendo a análise do conteúdo dos telemóveis sido determinada por despacho judicial, requer-se a validação da junção aos autos dos exames e respetivo relatórios, nos termos do artigo 188.º do Código de Processo Penal.”

E este mereceu o seguinte despacho do JIC datado de 2-07-2024:

“Porque os elementos de prova digital recolhidos com o exame aos telemóveis apreendidos ao arguido AA não afectam de modo desproporcional a privacidade dos visados ou terceiros e revelam-se úteis para o apuramento dos factos em investigação, determino que fiquem juntos aos autos para que possam ser utilizados como prova de eventual acusação a deduzir ou aplicação de medidas de coação.”

Decidindo.

Feito o histórico processual sobre os aludidos elementos obtidos dos aparelhos eletrónicos vejamos se estão em conformidade legal.

In casu, foram apreendidos os aludidos aparelhos de telecomunicações (três telemóveis), apreensão que foi prontamente validada pela autoridade judiciária no prazo a que respeita o art.º 178º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal, ou seja, dentro das 78 horas máximo após a apreensão por parte da autoridade policial em sede de busca.

Note-se que o acto de apreensão dos aparelhos de telemóveis aos arguidos equivale, apenas e tão só, à retirada do poder de disponibilidade sobre um objeto físico para a esfera da investigação, podendo ser efectuada por um órgão de polícia criminal, como a GNR, e está apenas sujeita a validação por uma autoridade judiciária no prazo de 72 horas (artigo 178.º, n.º1, 3 e 6 do Código de Processo Penal), autoridade esta que não é apenas o juiz de instrução criminal, mas, também, o Ministério Público (artigo 1.º, alínea b) do Código de Processo Penal).

Assim, confirma-se a validação da apreensão física dos telemóveis em conformidade com a aludida disposição legal, pelo Digno Procurador com a direcção do inquérito, por isso, sem qualquer irregularidade que possa afectar o processado.

Essa apreensão dos aparelhos em si mesmos não se confunde com a pesquisa ou apreensão dos dados contidos nos mesmos ou acessíveis através deles.

Retira-se da promoção do Ministério Público, datada do mesmo dia 26-01-2024, que uma vez apreendidos os telemóveis, e independentemente do destino que, enquanto eventual instrumentos dos crimes, lhes pudesse vir a ser dado, o Ministério Público, em consonância com a Lei do Cibercrime, requereu ao Sr. juiz de instrução autorização para pesquisa (artigo 15.º) e, eventual, apreensão de dados (artigo 16.º), de correio electrónico e de registos de comunicações de natureza semelhante2 (artigo 17.º) que neles se contivessem. Se é certo que apenas as apreensões a que se refere esta última disposição legal estão sujeitas aautorização do juiz, podendo as restantes ser autorizadas pelo próprio Ministério Público compreende-se, e aceita-se perfeitamente que o pedido de autorização

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2 Entende-se por correio eletrónico qualquer mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do destinatário, até que este a recolha (artº. 2º nº. 1, alínea b) da Lei nº. 41/2004, de 18/08, que transpõe para o direito interno a Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas - Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas).

Em termos latos, abrange uma grande panóplia, como os SMS, EMS e MMS, conversações no Messenger, mensagens de voz relativas a comunicações ou arquivos de som e/ou imagem via Whatsapp, Viber, Skipe, Snapshat, Telegram, Facebook, in Duarte Rodrigues Nunes, “Os Meios de Obtenção de Prova previstos na Lei do Cibercrime, 2.ª edição revista e atualizada, Gestlegal, pg. 332 e ss.”

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seja conjunto dado que os vários actos se encadeiam e ser interconectam.

Este pedido mereceu provimento, tendo o Meritíssimo JIC determinado, por despacho de 26-01-2024, nos artºs, 187º, nº 1, al. b) e 189º, do CPP, a abertura e leitura de todas as mensagens e imagens enviadas recebidas ou por qualquer outra forma introduzidas na memoria dos telemóveis (IMEI e cartões por eles utilizados) apreendidos ao arguido para que sejam transcritos e juntos aos autos os que se revelarem com interesse para a investigação.

E aqui importa notar que é jurisprudência assente, estando em sintonia o acórdão do Plenário do TC N.º 687/2021 de 30.8.2021[1] (que se pronunciou sobre a alteração à Lei do Cibercrime), e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 10/2023, de 10 de novembro, que estabeleceu que “Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)”.

Na verdade este artigo 17.º da Lei do Cibercrime estabelece que “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurarem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.”3

Assim, in casu, pode afirmar-se que através do susodito despacho foi dado cumprimento ao regime legal4 aplicável, porquanto tal comando foi emanado pelo Meritíssimo JIC que determina desde logo a pesquisa, abertura e leitura dos ficheiros de Apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante tendo se aplicado, aplicando o regime do Código de Processo Penal ex vi art.º 17º da Lei do Cibercrime.

E não se diga que não foi respeitado o prazo a que alude o art.º 15º, n.º 2 – no que ao Iphone 14 se refere -, no que toca à pesquisa dos elementos relevantes pois que tal prazo de 30 dias é referente ao início da diligência e não ao seu término.

Como se retira do teor do ofício da GNR junto a fls. 167, datado de 20-0-2024, não foi possível proceder à extração dos ficheiros que constam do telemóvel Iphone 14 (prova AB06), por questões informáticas, daqui se retirando que as diligência de pesquisa tiveram início dentro do prazo de 30 dias, ainda que a respectiva extracção de ficheiros só tenha vindo a ocorrer, por razões de índole técnica, em data posterior.

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3 Na apreensão dos dados informáticos ocorre, em regra, com o acesso ao conteúdo das caixas de email, chats de conversação (WhatsApp, Messenger, Telegram, Signal, etc) e sua subsequente gravação em suporte autónomo, através de programa próprio. Estes dados digitais e informáticos não correspondem a uma realidade física.

Depois de o seu conteúdo ser devidamente processado ou acedido, nessa tarefa se incluindo a sua gravação para suporte autónomo, se obtêm dados informáticos apreensíveis. Até então, os dados informáticos são apenas um conjunto de informações encriptadas que estão gravadas num aparelho e sem acesso ao mesmo.

No momento em que ocorre o acesso a estes dados informáticos há uma efetiva compressão do direito à reserva da vida privada, direito constitucional na vertente da inviolabilidade da correspondência, que a lei processual visa salvaguardar com as garantias e formalidades que impõe, designadamente a da reserva judicial no respeitante àquela forma de correspondência eletrónica, razão pela qual é da exclusiva competência do JIC.

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Destarte, impõe-se concluir que não assiste razão ao arguido ao apontar a existência de vício de nulidade pela violação do supra referido normativo.

Ainda, e no que se refere ao conteúdo do telemóvel de marca XIAOMI, modelo Redmi, diz o arguido que não houve apreensão e, ainda que assim se entendesse, a mesma não teria sido executada ano prazo de 72 horas máximo.

Ora, também nesta afirmação, salvo o devido respeito, não assiste razão ao arguido.

Em primeiro lugar, há despacho de apreensão de todo o conteúdo retirado dos telemóveis veja-se o teor do despacho do JIC datado de 2-07-2024 onde se lê:

“Porque os elementos de prova digital recolhidos com o exame aos telemóveis apreendidos ao arguido AA não afectam de modo desproporcional a privacidade dos visados ou terceiros e revelam-se úteis para o apuramento dos factos em investigação, determino que fiquem juntos aos autos para que possam ser utilizados como prova de eventual acusação a deduzir ou aplicação de medidas de coação.”

O susodito despacho determina a junção (apreensão) aos autos dos elementos retirados dos telemóveis apreendidos (todos eles sem indicação da exclusão de algum deles).

Este despacho é precedido da diligência de abertura dos ficheiros presidido pelo Meritíssimo JIC no que toca aos aparelhos XIAOMI REDMI, modelo ....33SG cor preto, com o IMEI ..................99, telemóvel de marca F2, cor preto, com o IMEI1 .............85 e IMEI2 .............93, com cartão introduzido da MEO com o código ...........87 (opcional)5 conforme resulta do teor de fls. 205, em 2-03-2024 procedeu-se à abertura dos ficheiros juntos aos autos a fls. 69 a 177.

Destarte, conferindo-se que a ordem de pesquisa dos ficheiros de todos os telemóveis (entre eles e essencialmente de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, aos quais a lei confere uma maior exigência) é emanada pelo JIC, e foi cumprido o disposto no art.º 179º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal ex vi art.º 17º da Lei do Cibercrime, designadamente, tendo sido o JIC a primeira pessoa a tomar conhecimento dele, ordenando a sua junção ao autos, decisão para a qual não existe prazo máximo, importa concluir pela regular e válida junção de tais elementos de prova, improcedendo a arguida nulidade.

*

Em face do acima decidido o Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada e não provada, na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova documental (nela se incluindo as transcrições das correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante extraídas e juntas aos autos, em especial, as guardadas no telemóvel marca XIAOMI REDMI, modelo ....33SG cor preto) e pericial constante dos autos, aí igualmente analisada, com apelo ainda às regras da vida e da experiência comum, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127º do Código de Processo Penal.

Vejamos, então, as provas que serviram de suporte à convicção do tribunal.

Declarações do arguido

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5 Note-se que o JIC não tem, necessariamente, que designar dia para a visualização dos elementos conquanto seja o primeiro a vê-los e determine, oportunamente, a junção dos elementos que repute necessários aos autos.

E in casu, quanto ao Iphone 14, resulta do despacho que o JIC determina a sua junção aos autos, logo após junção do respectivo material, daí se extraindo que os viu em primeira linha, pois conclui que dos mesmos “não afectam de modo desproporcional a privacidade dos visados ou terceiros”.

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O arguido pronunciou-se, apenas, sobre a factualidade relativa aos itens apreendidos em sede de busca à sua residência, admitindo a posse do produto estupefaciente o qual disse estar, em exclusivo, à sua guarda, a pedido de um primo (de nome WWW) em troca do que receberia um valor monetário de €300. Que os papeis encontrados com valores manuscritos também eram do primo (e foram-lhe dados com a expressa menção de os devolver em mão). O dinheiro, seu e da mulher. Assumiu ter atirado o saco com o produto estupefaciente pela janela, o que, aliás, também foi visualizado e descrito pelos militares da GNR.

Mais, diga-se que no que toca à justificação apresentada pelo arguido para estar na posse da droga, não mereceu colhimento, atenta a demais prova trazida ao processo e anotada infra e pela inverosimilhança das mesmas à luz dos critérios de avaliação de normalidade adequação da vida

Assim, da prova testemunhal ouvida, mormente, dos depoimentos dos militares da GNR que procederam ao cumprimento dos mandados de busca, a saber: XXX, YYY, ZZZ e AAAA, obteve-se a confirmação dos locais exactos dos itens apreendidos, em conformidade com os elementos já juntos ao processo, mormente, dos autos de busca e reportagem fotográfica. Também anotaram a tentativa do arguido se livrar da droga, atirando-a pela janela.

Da conjugação do teor das comunicações trocadas entre o arguido e diversos indivíduos, a propósito da solicitação e negociação de produto estupefaciente, a par da apreensão de produtos estupefaciente (haxixe), retirou-se a convicção, sem qualquer margem de dúvida, de que o arguido, no período dado por assente, dedicou-se à venda de, pelo menos, este tipo de produto estupefaciente.

Com efeito, da leitura das respectivas conversações, e bastando-nos a título exemplificativo com as expressamente indicadas nos factos provados (cf. apenso de exame do telemóvel Xiaomi a fls. 189-191, 198-200, 164-165, 551-557, 424-432, 388-389, 284-285, 27-40, 26), retira-se que o arguido acordou, nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar, proceder à cedência/venda de produtos que disse serem estupefacientes, a indivíduos que para tanto o contactavam, mais fazendo alusão aos preços de venda e quantidades pretendidas, as quais, igualmente, acordavam que seriam entregues. Também os elementos de fls. 1-22 do apenso de exame do telemóvel Xiaomi.

Assim, e tendo por referência tais elementos, a par da apreensão de efectivo produto estupefaciente – haxixe - e de instrumentos habitualmente usados para a preparação do mesmo (como a balança), o Colectivo de Juízes convenceu-se que o arguido procedeu, no período indicado (nos factos provados, correspondendo o início ao período das primeiras comunicações realizadas e o término à data da apreensão do produtos) a esta actividade, pelo menos no que toca ao produto estupefaciente apreendido (haxixe) e valorando, evidentemente, a quantidade apreendida (superior a dois quilos) em si mesmo indiciadora da posse do estupefaciente para cedência/troca.

Efectivamente, e quanto aos demais tipos de estupefaciente, não tendo sido apreendidos, a comunicação entre o arguido e os demais indivíduos, ainda que nesse sentido, invalida um juízo de certeza bastante para a formação positiva deste Tribunal. De igual modo, e pela mesma razão, a prova negativa assente quanto à efectiva entrega dos produtos estupefacientes (veja-se os pontos Facto 6, 8, 10, 12, 15, 17, 19, 21, 23, 25, 27, 29, da acusação como não provados).

A par, referia-se a prova pericial. Também a prova documental junta aos autos, entre ela anotando-se em especial: autos de apreensão a fls. 18-22; suporte fotográfico a fls. 23-50; manuscritos com anotações a fls. 32-37 (que evidenciam os apontamentos de quantidades, pessoas e valores inclusive na parte de trás de recibos de renda em nome do arguido); informação a fls. 64; autos de exame directo a fls. 74-78, outros as fls. 87, 168-177, 241-248, 251-255, 309-314 e 318. Ainda o teor dos documentos (comunicações e outros) constantes dos apensos Xiamoi e IPhone).

Outrossim, teve relevância o depoimento da testemunha BBBB que enquadrou a transação comercial anotada no ponto 34 provado, em conjugação com a respectiva prova documental supra referida.

Também se atendeu ao depoimento das testemunhas indicadas pelo arguido, abonatórias, cujo declarações coadjuvaram o relatório social elaborado pela DGRSP e o certificado do registo criminal, matéria atinente às circunstâncias de vida e antecedentes criminais do arguido.

Diga-se que todos os depoimentos de mostraram credíveis, sem nota de reparo.

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Refira-se, ainda, quanto à matéria dada como não provada e em complemento ao acima explanado, que a enunciação dos factos sob as alíneas e. e g. não provadas, resultou da não confirmação destas conversações juntos dos respectivos apenso de exame das telecomunicações, mormente, quanto ao Iphone 14, assim assentando tal matéria como não provada.

Por fim, e quanto ao valor em monetário apreendido, na falta de prova no sentido das concretas transacções económicas e respectivos valores obtidos, não foi possível estabelecer, sem margem para dúvida, a proveniência das quantias apreendidas na residência do arguido.”

+

O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12), pelo que em face das conclusões as questões a apreciar traduzem-se em averiguar:

- escolha da pena quanto ao crime de detenção de arma

- medida das penas parcelares

- Medida da pena única e sua suspensão

+

Estabelecendo o artº 432º 1 c) CPP que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça “ c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;” e tendo o arguido recorrente sido condenado na pena única de 6 anos e 3 meses, e parcelarmente na pena de 5 anos e 6 meses e 2 anos respectivamente pelo tribunal colectivo e pretende apenas ver revista a escolha e a medida das penas e a sua suspensão, ou seja matéria de direito, não ocorre duvidar que este Supremo Tribunal é o competente, tratando-se de um recurso “per saltum” ou seja, directamente para este Tribunal sendo que nos termos do AFJ nº 5/17 que decidiu: “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.”1 pelo que compete a este Supremo tribunal conhecer de todas as questões suscitadas relativas à medida das penas parcelares e única.

Conhecendo.

Questiona o arguido a escolha da pena de prisão em vez da pena de multa fixada em alternativa no tipo legal de crime de detenção de arma, p.p. pelo artº 86.º, n.º 1, al.s c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23/2 consistente com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, e para tanto avança que as necessidades de prevenção especial são diminutas e nunca foi condenado por crime da mesma natureza e o tipo de arma em causa.

O tribunal recorrido, após expor os princípios sobre a escolha da pena, fez a sua opção ponderando: “Ora, in casu, atento os antecedentes criminais do arguido (por crime de roubo e outros) a par do circunstancialismo em que foi apreendida a arma (associada ao tráfico de produto estupefaciente) e o tipo de objectos aprendidos (também mais um carregador municiado) o que revela um grau de ilicitude e culpa elevados. Acrescem as elevadas exigências de prevenção, dado ser um crime com grande expressão no tecido social, sendo evidente o risco de que de tais armas serem utilizadas no espaço público contra outros indivíduos com consequências potencialmente muito gravosas, o que constitui a demonstração eloquente da verificação do perigo que a incriminação em causa pretende acautelar.

Nesta conformidade, entende o Colectivo de Juízes, estar afastada a aplicação de uma pena de multa, porquanto insuficiente e inadequada a satisfazer as necessidades de punição do caso”

Acresce que as exigências de prevenção geral são acentuadas e atenta a personalidade do arguido que os antecedentes criminais do arguido desde já revelam, associada à posse de munições para além das inseridas na própria arma, não permitem ajuizar que neste contexto a pena de multa permita “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Acresce que a condenação em pena de multa associada a penas de prisão perde a sua eficácia preventiva e por isso se impõe “na medida do possível, não aplicar pena de multa aos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa (cf. Acs. de 05-02-2004, Proc. n.º 515/04, de 23-06-2005, Proc. n.º 210/05, e de 06-12-2007, Proc. n.º 2813/07)”2

Improcede assim esta questão.

No que às penas parcelares respeita, questiona o arguido ambas, argumentando a sua excessividade, sendo que o passado do arguido, a sua inserção familiar e social, a arma e seu poder de letalidade não foram devidamente ponderadas na fixação da pena pelo crime de detenção de arma, devendo ser valorado em relação a ambos os crimes, a confissão e o arrependimento, a arma não ter sido usada, e ainda o curto período em que vendeu haxixe, não lhe foram encontrados sinais exteriores de riqueza e “tem uma vida modesta, possuiu apoio familiar e dispõe de possibilidades de empregabilidade” e não tem antecedentes da mesma natureza, e os demais já são de há mais de uma década, pelo que em seu entender as penas não devem ser superiores a 1 anos e a 4 anos e 3 meses de prisão.

O tribunal recorrido, após analisar as regras e princípios sobre a determinação da pena, ponderou: “No caso presente, são de sopesar as elevadíssimas exigências de prevenção geral, face à enormidade do flagelo da droga, que prolifera por todo o território mundial, quer atento o número e a proliferação de ilícitos criminais desta natureza, quer por força do contributo negativo para a prática de delitos de outra natureza, gerando grande insegurança no seio da comunidade e um sentimento de combate com determinação a este tipo de fenómenos mediante a boa administração da Justiça.

Ao nível da prevenção especial importa anotar que se mostram de grau elevado dado a existência de antecedentes criminais do arguido.

Importa ainda atender:

- a culpa do arguido que é elevada, tendo actuado com dolo directo;

- O grau de ilicitude dos factos, que é elevado, anotando-se o tempo de duração da actividade e o actuação ao nível da modalidade de detenção para venda, não olvidando a natureza e quantidades aprendidas;

- O grau de violação do bem jurídico protegido pelas normas, bem como às consequências daí resultantes, que assumem importância efectiva.

- A existência de antecedentes criminais;

- As condições económicas, sociais e culturais do arguido, modestas, plasmadas na matéria dada como assente quanto às respetivas condições pessoais de condição modesta em termos económicos e o fraco investimento pessoal ao nível da escolaridade.

- a postura do arguido em audiência de julgamento que não assumiu os factos, assim não revelando a interiorização do desvalor da sua conduta o que claramente lhe é desfavorável.”

Atento o exposto e tendo em conta o alegado pelo recorrente cremos que não há que censurar as penas aplicadas ao arguido, desde logo em face dos seus antecedentes criminais onde se inclui o crime violento (2 roubos e um de ofensa à integridade física) tendo cumprido pena de prisão, depois porque o arguido não confessou os factos, admitindo apenas a detenção da droga apreendida, cuja propriedade não assumiu, nem revelou arrependimento ao contrário do que alega. Por outro lado foi ponderada a sua situação familiar, social e cultural e seu modo de vida e de trabalho, o que denota que o arguido se tivesse querido manter uma vida de acordo com o direito poderia tê-lo feito, pois tinha as condições para o fazer, o que não ocorreu pelo que não é uma pena inferior, que iria permitir ao arguido mudar de rumo, quando o pode fazer pois tinha apoio familiar, mas resolveu seguir outro caminho. Assim tendo sido observadas as regras e as circunstâncias a atender, provadas, sendo o demais alegado irrelevante (vg. não ter usado a arma, circunstância que agravaria não apenas a sua conduta mas constituiria novo ilícito), e que apesar de a conduta delituosa haver perdurado por cerca de 10 meses assumia já um grau elevado de sofisticação no contacto com os clientes e na quantidade de estupefacientes detida (cerca de 2 quilogramas), com toda a potencialidade danosa inerente ao tráfico e ao consumo de droga, não se mostra, em face do exposto e das molduras penais, que as penas em que foi condenado sejam excessivas ou desproporcionadas, pelo que são de manter.

No que à pena única respeita, pretende o arguido a sua fixação em não mais de 5 anos e de molde a ser suspensa na sua execução, avançando para aquela fixação que a medida da pena excedeu a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido, e se forem mantidas as penas parcelares, não deve exceder 5 anos e 6 meses de prisão.

O tribunal recorrido ponderou: “…cumpre agora proceder à determinação de uma pena única relativamente ao arguido, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Por via do n.º 2 do mesmo artigo, temos que a pena aplicável tem como limite máximoa soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes.

No caso concreto, a pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e como limite máximo 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Ora, considerando as circunstâncias e gravidade dos factos, a natureza dos crimes cometidos, a personalidade do arguido, sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal como ajustada a aplicação de uma pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão.”

Tendo em conta o exposto verificamos que foi observado o critério legal e especial para a determinação da pena única, no essencial considerando os factos provados, a globalidade dos mesmos e a personalidade do arguido neles manifestada, como projeção da sua personalidade.

Estando em causa a privação da liberdade para além do principio da necessidade e da adequação da pena, impõe o artº18º 2 CRP – de aplicação directa e imediata3 – a observância do principio da proporcionalidade4 cuja observância compete em especial ao Supremo Tribunal de Justiça. Todavia sendo o recurso remédio jurídico, neste caso, em matéria de pena, a sindicabilidade da medida concreta da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, e a indicação e consideração das circunstâncias do ilícito, mas, não abrangerá a determinação, observados os parâmetros legais, do quantum exacto de pena, salvo se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”5 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar6.

Sabido, que “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global … “, atendendo à conexão e temporalidade entre os ilícitos de molde a compreender se traduzem a sua personalidade, e se esta é ou não produto de uma tendência criminosa, em ordem a apurar o efeito ressocializador da pena sobre o condenado”7, apenas há que analisar se a mesma é excessiva e desproporcionada, pois sendo-o impõe-se a intervenção corretiva deste Tribunal8.

Nesse âmbito há que atender aos factos na sua globalidade, desde o seu inicio até ao seu final ou seja a sua duração, o modo como se desenvolvia a actividade e sua sofisticação e uso das redes sociais, quantidade e qualidade do produto em causa já não compatível com o pequeno tráfico, e o perigo que dessa atividade adveio para o bem jurídico protegido e a personalidade do arguido vista como quase um modo de vida na angariação de fundos em substituição de um trabalho honesto, e pese embora casos divergentes no que à pena respeita, mas dissemelhantes nos factos e suas consequências, e as exigências de prevenção geral que são acentuadas em relação a ambas as espécies de crime em apreciação e por isso interligadas (armas e droga), sabendo que tal atividade era punida com penas de prisão que já sofrera e apesar disso e das condições da sua vida ingressou nesta nova atividade ilícita, demonstrando que a prisão sofrida não o convencera a mudar o rumo da sua vida.

É tendo em conta os factos praticados pelo arguido, - apreciados num modo global tendo em conta todas as circunstâncias já atrás elencadas, sua conexão e natureza, a temporalidade e a personalidade do arguido neles evidenciada (próxima de uma tendência criminosa com vista à angariação de fundos) sem descurar o seu estatuto social e o seu nível educacional e cultural, e tendo em conta o limite mínimo e o máximo da moldura do concurso, - que se nos afigura que a pena única em que foi condenado não excede a medida da sua culpa, nem a gravidade da sua conduta, pelo que não se mostra com potencialidade ofensiva do princípio da proporcionalidade, sendo por isso de manter.

Improcede assim o recurso.


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Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça decide:

Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida.

Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 6 UCs e nas demais custas

Registe notifique

Dn


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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 25/6/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

António Augusto Manso

Maria Margarida Almeida

______


1. De 23/6/20217 in Diário da República n.º 120/2017, Série I de 2017-06-23, páginas 3170 - 3187

2. Ac STJ 17/4/2008 Proc. 08P681, Cons. Arménio Sotto Mayor, www.dgsi.pt, e o nosso ac. STJ 19/3/2025 proc. 1073/23.3SELSB.L1.S1, www.dgsi.pt

3. “2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

4. Seguimos neste ponto o teor no nosso ac. STJ de 9/4/2025, proc. 1102.23.0JAPDL.S1 in www.dgsi.pt;

5. Neste sentido também os acórdãos do STJ de 15.10.2008 e 11.7.2024, nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1; e de 17/12/2024 Proc. 158/24.3JACBR.S1, www.dgsi.pt

6. Cfr por todos Ac.s do STJ de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639; F. Dias Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197.

7. Ac STJ 17/12/2024 citado

8. “A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1)