I. Tendo em conta o disposto nos artigos 399.º e 400.º, n.º 1, al. e) – quanto aos crimes punidos com penas inferiores a 5 anos de prisão –, 432.º, n.º 1, al. b) – quanto aos invocados vícios da decisão recorrida e nulidades – e 428.º e 434.º do CPP – não atribuição ao Supremo Tribunal de Justiça de poderes de cognição em matéria de facto –, não é admissível o recurso quanto às questões que lhes dizem respeito, sendo os cinco recursos rejeitados nesta parte (art.º 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).
II. Não se evidenciando vícios ou nulidades de que cumpra oficiosamente conhecer (artigos 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), limita-se a apreciação do recurso às questões relacionadas com: (a) alegadas proibições de valoração da prova do crime de homicídio qualificado consumado; (b) a qualificação jurídica do crime de homicídio consumado; (c) a não aplicação do regime penal aplicável aos jovens adultos; e (d) a medida das penas parcelares aplicadas ao crime de homicídio consumado e das penas únicas.
III. As questões suscitadas a propósito da validade da prova, quer quanto às escutas telefónicas, admissíveis quanto a «pessoa que sirva de intermediário» (art.º 187.º, n.º 4, al. b), do CPP), quer quanto à apreensão dos telemóveis e dos dados dele retirados, foram todas elas, apreciadas pelo tribunal recorrido em concordância com a fundamentação do acórdão da 1.ª instância, tendo sido observadas todas as normas relativas a pressupostos e procedimentos impostos pelas regras do processo penal e da lei do cibercrime, nomeadamente mediante autorização do juiz.
IV. Estão preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de homicídio do artigo 131.º do CP, praticado por todos os arguidos em coautoria (art.º 26.º do CP), pois que, dado que cada contribuição singular completa um todo unitário (a realização do tipo), todas as contribuições individuais e objetivas têm que ser imputadas reciprocamente a todos os coautores, que atuaram nos limites do acordo estabelecido entre eles, de praticar o facto conjuntamente.
V. Não se suscitam divergências no que respeita à qualificação do crime do homicídio por verificação das circunstâncias que constituem os exemplos-padrão da previsão das alíneas h) (prática do facto «juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas») e j) («frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas») do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal.
VI. O n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006 («Lei das armas») só afasta a agravação da pena nos casos em que o uso ou porte de arma é elemento do tipo de crime ou dá lugar a uma agravação mais elevada; comportando um fator de agravação da ilicitude em função da perigosidade para um bem jurídico ou para uma série de bens jurídicos, o uso de arma não constitui elemento típico do crime de homicídio, pois que, sendo um crime de execução livre, ao tipo de homicídio é indiferente a forma como o resultado morte é provocado.
VII. Os factos, de gravidade muito elevada, integram-se num tipo de cultura e criminalidade marginal, de confronto violento de grupos rivais organizados, geradora de elevados níveis e sentimentos de insegurança, a evidenciaram muito particulares e elevadas necessidades de prevenção geral e especial, que, por si mesmos, dificultam severamente a formulação de um juízo favorável à atenuação especial da pena.
VIII. Razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime justificariam, desde logo, a não aplicação do regime penal dos jovens adultos, por a isso se oporem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico; devendo ser vistos no contexto de criminalidade de grupo altamente violenta, são muito graves os factos praticados, quer no que respeita ao grau de ilicitude, ao modo de execução conjunta e às suas consequências, quer no que se refere à intensidade e persistência da intenção criminosa, revelando personalidades que, embora jovens, evidenciam já muito elevado grau de desprezo por valores essenciais da vida em sociedade, nomeadamente pelo valor vida.
IX. Não é necessário verificar se a determinação da medida da pena aplicada ao crime de homicídio e da pena única respeita os critérios legalmente impostos pelos artigos 40.º, 71.º e 77.º do CP, pois que, considerando que os limites mínimos das penas aplicadas ao crime de homicídio, agravado pelo n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, são agora fixados em 16 anos de prisão, que as penas concretamente aplicadas a esses crimes, de 14 anos e de 14 anos e 4 meses, são inferiores àquele limite mínimo, e que não foi interposto recurso pelo Ministério Público, a proibição da reformatio in pejus (artigo 409.º, n.º 1, do CPP) impede que estas penas possam ser fixadas em medida superior. O mesmo sucedendo com as penas únicas, de 16 anos de prisão, aplicadas a cada um dos recorrentes, que coincidem com o limite mínimo da pena aplicável ao mais grave dos crimes em concurso, que constituiria o novo limite mínimo da moldura penal do cúmulo (artigo 77.º, n.º 2, do CPP).
1. Em 2 de dezembro de 2023, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, proferiu acórdão pelo qual os arguidos foram condenados nos seguintes termos:
1. O arguido AA:
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73ºdo Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 16 anos de prisão.
2. O arguido BB
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73.º do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 16 anos de prisão.
3. O arguido CC
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73.º do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, na pena única de anos 16 anos de prisão.
4. O arguido DD
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal, na pena de 14 anos e 4 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73.º do Código Penal, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos e 3 meses de prisão.
5. O arguido EE
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73.º do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos de prisão.
6. O arguido FF
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73.º do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos de prisão.
3. Discordando, interpuseram todos os arguidos recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 11.07.2024:
Concluindo, «no que concerne ao crime de detenção de arma proibida, não tendo ficado provado que os arguidos, com excepção do AA, transportaram, empunharam ou detiveram a arma, independentemente da anuência dada à utilização pelos co-arguidos (o que relevará, nos termos a seguir expostos, para se considerar a agravante a que aludem os n.º 3 e 4 do citado art. 86º) inexiste a prática de actos de execução, necessários à autoria, impondo-se, assim, a sua absolvição quanto a este tipo criminal»,
E, consequentemente, na procedência dos recursos, «pela absolvição dos arguidos BB, CC, DD, EE e FF quanto ao crime de detenção de arma proibida»,
Decidiu:
«a) Revogar o acórdão recorrido na parcela em que foram condenados pela prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º 1 da Lei das Armas, os arguidos BB, CC, DD, EE e FF;
b) Alterar a qualificação jurídica dos factos dados por assentes no acórdão recorrido, subsumindo-os, antes, aos crimes de homicídio (consumado e na forma tentada), p. e p. pelos art. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. h) e j, e 73º do Código Penal, com a agravação a que alude o art. 86º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro;
c) Confirmar no mais o decidido.»
4. Na sequência do decidido no acórdão do Tribunal da Relação, agora recorrido, encontram-se os arguidos condenados nos seguintes termos:
1. O arguido AA:
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j) do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j) e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos de prisão.
2. O arguido BB
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o art. 86º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos de prisão.
3. O arguido CC
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, nºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos de prisão.
4. O arguido DD
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 14 anos e 4 meses de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro na pena de 4 anos e 9 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos e 3 meses de prisão.
5. O arguido EE
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos de prisão.
6. O arguido FF
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 14 anos de prisão.
- Pela prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e j, e 73.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 16 anos de prisão.
5. Não se conformando com a decisão do acórdão da Relação de Lisboa, vêm os arguidos AA, BB, DD, EE e FF interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação de que extraem as seguintes conclusões (transcrição):
5.1. O arguido AA:
«A- O recorrente, jovem com 18 anos de idade à prática dos factos, foi condenado em coautoria, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, um crime de homicídio na forma consumada, e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de prisão de 16 (dezasseis anos), pena de prisão essa que o recorrente entende ser demasiado excessiva face à sua idade e condições pessoais e familiares, que permitem crer que o jovem condenado pode vir a retirar vantagens para a sua ressocialização com a atenuação da pena de prisão que lhe foi aplicada, em consonância com o estabelecido no artigo 4.º do DL 401/82 de 23 de Setembro;
B- Pese embora o arguido cumpra o requisito formal (idade) para que lhe fosse aplicado o regime especial para jovens e a sua pena de prisão ser especialmente atenuada, entendeu o Tribunal “aquo”, não proceder à aplicação do regime, desconsiderando todos os factos pessoais do mesmo possibilitam concluir por um juízo de prognose positiva, quanto ao efeito que da atenuação especial da pena pudesse resultar vantagens, para a reinserção social do jovem recorrente;
C- O Tribunal “a quo”, e bem assim, o Tribunal de 1.ª instância, limitaram-se a proferir uma conclusão vaga e genérica de que o regime especial para jovens não seria de aplicar no âmbito dos presentes autos, em virtude da “ilicitude dos factos”, concluindo, em suma que “inexistem circunstâncias que amparem um prognóstico favorável quanto às vantagens da atenuação especial das penas em termos da prevenção da reincidência” sem qualquer alusão criteriosa aos factos individuais do ora recorrente, como deveria;
D- Tal como muito bem já clarificou o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 31 de Março de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 499/14.8PWLSB.L1.S1, “A única coisa que a lei impõe como limite à aplicação desta atenuação especial é a consideração de que o arguido não tirará quaisquer vantagens para a sua reintegração social daquela diminuição.”;
E- Neste sentido, entende o recorrente que o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, tendo feito uma incorreta apreciação e aplicação do artigo 4.º do DL 401/83 de 23 de Setembro, tendo sido igualmente violado o disposto nos arts.º 40° n.°s 1 e 2, 42° n.° 1, 9.º , 72.º 73.º do C.P;
F- Com efeito, o recorrente AA, nunca incorreu em qualquer prática de conduta ilícita do foro criminal / tutelar cível e/ou contra-ordenacional, assumindo sempre o seu percurso vivencial conforme o direito;
G- O recorrente no momento da sua detenção tinha a sua vida social e financeira estabilizada em ..., com contrato de trabalho em vigor com a empresa G.. ...... ....., vivendo do seu trabalho e assumindo a sua independência financeira, não dependendo de auxílio de terceiros;
H- O recorrente não pretende prosseguir a sua vida em território nacional, sendo que é em ... que pretende prosseguir com a sua vida profissional;
I- Em suma, a decisão do Tribunal “a quo” em não aplicar o regime especial para jovens ao caso em concreto, viola o artigo 4.º do DL 401/82 e 9.º, 40.º n.º 1 e 2, 72.º 73.º do C.P, visto que não se pode extrair da prova produzida, que o arguido com a atenuação da sua pena, não retiraria qualquer vantagem para a sua reintegração;
J- Na realidade, seguindo de perto a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, sempre que resulte algum dado que permita considerar que a atenuação especial trará vantagem para a ressocialização do delinquente, esta atenuação deve ser aplicada, sem que as exigências de prevenção geral por si só sejam de molde a afastar este regime especial;
K- A aplicação do regime especial para jovens não se confunde com o tipo de ilícito que se encontre sob julgamento, sendo que a maior o menor gravidade do ilícito não influi na decisão da aplicação do regime, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração;
L- Conforme sobejamente defendido por este Supremo Tribunal de Justiça, o único obstáculo que a lei impõe como limite à aplicação do regime especial para jovens é a consideração de que o arguido não tirará quaisquer vantagens para a sua reintegração social daquela diminuição, o que, face à matéria assente não nos permite lograr tal conclusão;
M- Este “saber se tirará vantagens ou não” apenas resultará do que o recorrente estará disposto a fazer uma vez em liberdade, encontrando-se o mesmo completamente focado em desenvolver-se profissionalmente em território francês, assegurando a sua autonomia financeira, como tinha vindo a fazer até à sua detenção;
N- Destarte, não se verificam factos que façam concluir que o jovem arguido de 18 anos (à data da prática dos factos), ainda em fase de formação da sua personalidade, tem já uma “personalidade adversa à ressocialização”, sendo, por isso, seriamente de crer que a atenuação especial da pena funcionará como estímulo à reinserção social do jovem, prosseguindo e desenvolvendo a sua vida profissional, tal como se encontrava à data da sua detenção;
O- Por fim, conclui-se que o acórdão recorrido incorre em manifesto erro de julgamento ao não aplicar o regime especial para jovens delinquentes, porquanto, inexiste qualquer fundamento de facto e de direito que obstaculize à sua aplicação ao caso concreto, pelo que se impõe que a decisão de não aplicação do regime especial ao ora recorrente seja revogada, e substituída por outra, que proceda à aplicação do referido regime especial para jovens delinquentes e se proceda à inerente atenuação da pena de 16 anos de prisão aplicada ao recorrente AA;
P- Pois só com a aplicação da pena de uma pena de prisão especialmente atenuada nos termos supra enunciados, se salvaguardarão as exigências da prevenção geral e especial em todas as suas vertentes, nomeadamente a positiva, que foi completamente olvidada no acórdão recorrido, e que neste momento, têm V.Exas, Colendos Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça, oportunidade de revogá-lo, e dar uma oportunidade ao jovem recorrente, pois conforme sustentado por V.Exas, “Ao menos aos jovens deve ser reconhecida uma oportunidade de refazer a vida”.
Termos em que, e pelo mais que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, procedendo-se à atenuação especial da pena de prisão aplicada ao arguido AA, ora recorrente (…)».
5.2. O arguido BB
«1) O Acórdão condenatório padece de erro notório de valoração da prova;
2) O Arguido não pode ser condenado com base apenas em declarações vagas e contraditórias de uma única pessoa, a testemunha GG, que relatou à Polícia Judiciária o que havia ouvido dizer na rua por terceiros e pelo marido, tanto mais que quer esta testemunha, quer o marido não confirmaram tais declarações em audiência, onde os respectivos depoimentos teriam a devida validade probatória.
3) O acórdão recorrido tratou de modo igual Arguidos, cujo envolvimento e participação nos factos imputados foi diferente, pelo que merece firme censura e a sua revogação por este tribunal superior, devendo as soluções de penalização tomar em atenção os aspectos individuais de cada Arguido;
4) Nenhum dos Arguidos tentou matar o HH, devendo ser todos absolvidos de tal crime que não praticaram, muito especialmente o Arguido BB que não teria tido qualquer intervenção ou controle sobre tal acto; 5
5) Nas circunstâncias factuais concretas, reconhecidas na matéria de facto provada, é arbitrário concluir do facto de nenhum dos arguidos ter disparado sobre o HH que o queriam matar – se quisessem tê-lo-iam visado, o que não sucedeu; 6
6) Melhor dizendo, o Arguido AA não apontou para nem disparou sobre o HH, porque não pretendia atingir este. Se pretendesse tê-lo-ia atingido com a mesma facilidade com que atingiu o malogrado II, pois que se encontravam lado a lado.
7) O arguido BB tinha 17 anos à data dos factos imputados pelo que deveria ter-lhe sido aplicada a atenuação especial da pena prevista no artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, para que este jovem tivesse a possibilidade de se reabilitar e reintegrar na sociedade;
8) A sujeição do Arguido BB a uma pena superior a 8 anos de prisão não serve os fins da justiça criminal por não ser adequada a permitir a reabilitação deste jovem;
9) A jurisprudência portuguesa tem condenado homicidas cruéis a penas inferiores às que foram impostas no acórdão recorrido, o que constitui uma injustiça relativa, por divergência de decisões judiciais sobre a mesma matéria;
10)Das conclusões acima enunciadas resulta que o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 27º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o artigo 204º do Código de Processo Penal, artigo 410º do Código de Processo Civil, artigo 374 nº 2 do Código de Processo Penal, artigos 29 e 71 do Código Penal, artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro.
Nestes termos e nos melhores de Direito (…) deve a decisão recorrida ser revogada por violar o disposto nos preceitos acima referidos da Constituição da República Portuguesa, do Código Penal e de Processo Penal e a Jurisprudência dominante, absolvendo-se o Arguido dos crimes que não praticou.
Quando assim se não entenda, sempre deverá o Arguido BB ser absolvido do crime de tentativa de homicídio que se mostra completamente afastado pela matéria de facto dada como provada.
Em qualquer dos casos sempre deveria o Arguido BB beneficiar do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes procedendo-se à atenuação especial da pena em termos de permitir a reabilitação deste jovem.»
5.3. O arguido DD:
«1. Enferma em nosso modesto entendimento o douto acórdão de nulidade por falta de fundamentação uma vez que da motivação terá necessariamente de se perceber o raciocínio lógico perpetuado pelo douto tribunal à quo na apreciação da prova para a formação da convicção para dar a factualidade dada como assente nos termos em que sucedeu.
2. E é exatamente nesse descritivo de raciocínio que, com todo o respeito, o douto acórdão recorrido enferma de vicio uma vez que não se alcança da douta motivação do douto acórdão recorrido com que bases, com que critérios, foi dado como provado o plano gizado entre os arguidos no ponto 1 dos factos dados como provados, sendo que a falta desse plano acarretaria consequências na demais factualidade dada como provada.
3. O douto tribunal a quo limita-se a fazer referência a nomes de testemunhas, sem que sequer enuncie claramente a forma como esses depoimentos conduziram à formação da convicção, faltando o exame crítico das provas.
4. Igualmente, existem diversos documentos que o douto tribunal se limita a remeter para eles, sem especificar que concretos documentos relevaram e para que pontos de facto concretos.
5. Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
6. O dever de indicação e exame crítico das provas, na fundamentação da decisão de facto, exige que o tribunal explicite o processo lógico e racional que seguiu na apreciação das provas que fez (que seja transparente, que se perceba o juízo decisório que fez sobre as provas submetidas à sua apreciação, explicando os motivos pelos quais determinadas provas e não outras - por exemplo, de sentido contrário - o convenceram).
7. Enferma assim o douto acórdão recorrido de nulidade, nos termos do art.º 379º, nº 1, al. a), com referência ao art.º 374º, n.º 2, ambos do CPP, o que expressamente se arguí.
8. Acresce que nos autos as interceções telefónicas iniciaram-se com familiares de suspeitos, tendo sido consideradas relevantes para a acusação e como meio de prova as interceções telefónicas entre a mãe e a namorada de um dos arguidos.
9. A mera presunção de que apenas por ser mãe e namorada de um suspeito leva a pressupor que as mesmas possam vir a estabelecer qualquer contacto com o mesmo, mas nem tendo esse contacto qualquer conexão com o crime em causa, é amplamente extravasar a letra e o espírito da lei.
10. Admitir as presentes interceções telefónicas é abrir a porta para que na investigação de qualquer crime se possa autorizar a interceção dos telemóveis de todos os familiares, amigos, conhecidos e vizinhos porque aparentemente pode sempre haver qualquer comunicação com os mesmos.
11. Não havendo qualquer conexão entre a mãe e a namorada com os crimes investigados não podiam tais autorizações de interceções telefónicas terem sucedido, violando-se assim o art.º 190º do Cód. processo Penal e encontrando-se aquelas interceções feridas de nulidade insanável, o que se requer.
12. Sendo que as interceções e depoimentos das testemunhas JJ e KK apenas ocorreram e apenas a investigação teve conhecimento da existência dessas pessoas por ser a primeira amiga e a segunda mãe da LL, que era a namorada do arguido AA, e por isso foi alvo de interceção.
13. Verifica-se assim a nulidade insanável de todas aquelas interceções telefónicas nos termos do art.º 190º do Cód. Processo Penal, sendo que face a essa nulidade nem a identidade daquelas testemunhas seria conhecida, pelo que se encontra igualmente essa prova testemunhal ferida de nulidade por efeito à distância da primeira nulidade.
14. Já quanto às declarações da testemunha GG, a mesma diz que apenas falou o que ouviu dizer e que a sua preocupação era de tirar o seu companheiro das instalações da Polícia Judiciária porque sabia que o seu companheiro era inocente e tinha sido levado como suspeito, não podendo assim ser dada credibilidade ao seu depoimento.
15. Noutra vertente, não esquecemos ter o arguido ora recorrente, assim como a maioria dos arguidos, assinado termo de consentimento para que o seu telemóvel fosse acedido, mas uma coisa é o termo de consentimento, ou seja, a desnecessidade de autorização judicial para aceder ao telemóvel, outra coisa é a validação da apreensão e a junção aos autos como prova documental.
16. Com todo o respeito e salvo melhor entendimento, não pode ser considerada a autoridade competente nos termos e para efeitos do disposto na Lei do Cibercrime o MP, mas sim o Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal.
17. A Lei do Cibercrime neste ponto é clara, quando são apreendidos dados ou documentos informáticos com conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos que possam pôr em causa a privacidade do titular ou de terceiro, são sob pena de nulidade apresentadas ao Exmo. Sr. Juiz de Instrução que pondera da sua junção aos autos tendo em conta os interesses no caso (artº 16º, nº 3).
18. Não tendo sequer nunca essa apreensão sido validada pelo Mmo. JIC mo que respeita aos documentos extraídos dos telemóveis dos arguidos e que contam entre outros de fls. 2808 a 3019.
19. Assim sendo, dúvidas não restam que estamos perante prova proibida que são autênticos limites à descoberta da verdade material.
20. Atento o exposto, requer-se a V. Exas. que declare toda a prova retirada dos telemóveis apreendidos como proibida, por serem nulas.
21. Sendo igualmente nulas por derivação as provas obtidas através das interceções telefónicas nos termos e para efeitos do art.º 32º, nº 8 da CRP e art.º 126º, nº 3 do CPP, Nulidades insanáveis essas que desde já se invocam e que são extensíveis aos demais arguidos!
22. Impondo-se assim a absolvição do arguido por ausência de prova quanto à sua culpabilidade.
23. Se assim se não entender, se os arguidos apontam para a pessoa atingida notoriamente é porque seria aquela o alvo.
24. Com efeito, se o alvo era a vítima II (e por isso para ela apontaram), poderiam até por negligência ter também morto o HH e aí aplicar-se-ia o crime de homicídio.
25. Porém, se os atos resultam a intenção de matar apenas uma e não de duas pessoas, porque apenas apontaram para um deles, apesar de o outro ter sido atingido numa mão, perspetiva-se mais o cometimento de uma ofensa à integridade física do que uma tentativa de homicídio, devendo assim o arguido ser absolvido do crime de crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73º do Código Penal de que foi vítima HH e condenado por um crime de ofensa à integridade física simples nos termos do art.º 143º do Cód. Penal, podendo nesse caso ser aplicado uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, perspetivando-se que uma pena de multa satisfaça ainda as necessidades de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
26. Ainda que assim se não considere, deverá o arguido ser absolvido daquele homicídio na forma tentada e condenado por um crime de ofensa à integridade física qualificada nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 145º do Cód. penal.
27. Ainda que assim se não entenda, devemos aferir da justiça da espécie e medida das penas parcelares, bem como da pena única porque foi o Recorrente condenado.
28. Não considerou o tribunal a quo adequada à condenação pelo crime de detenção de arma proibida a pena de multa prevista na parte final do art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
29. Dos autos, da matéria de facto dada como provada no douto acórdão ora recorrido e das regras da experiência comum, parece-nos que a pena de multa colmatará as necessidades de prevenção geral e especial.
30. Pelo que a substituição da pena de prisão em que o recorrente foi condenado pelo crime de detenção de arma proibida por uma pena de multa ajustada em função da actuação e resultados obtidos pela actuação do recorrente, será o suficiente para precaver as necessidades de prevenção geral e especial no caso em concreto.
31. Caso assim se não entenda, sempre haverá que se aferir da medida das penas parcelares e da pena única aplicadas ao recorrente, as quais considera o Recorrente serem excessivas e prejudiciais à sua ressocialização demonstrando-se as penas demasiado elevadas e superiores à sua culpa.
32. Sendo que o arguido apenas regista um antecedente criminal, por crime de menor gravidade e de diferente natureza.
33. Devendo ser aplicado o Regime Especial para Jovens Delinquentes.
34. Por todas estas razões, estamos em crer que deverão ser inferiores as penas parcelares a serem impostas ao recorrente, não devendo as mesmas ultrapassarem os limites mínimos legais.
35. Devendo igualmente ser inferior a pena única aplicada em cúmulo jurídico.
36. O Tribunal "a quo" violou o disposto nos arts. 40° n.°s 1 e 2, 42° n.° 1, 50° n° 1, 53° 1, 43 n° 1 al. b), 70° e 71°, 379.º, n.º 1, alínea b), todos do CP, 27 n° 1, 1ª parte, e 13° n° 1, ambos da CRP.»
5.4. O arguido EE
«Emerge o presente recurso da discordância em relação ao acórdão que condenou o recorrente pela prática, em co-autoria, dois crimes de homicídio qualificado, p. p. pelos artigos 131º, 132º, alínea e) agravado pelo artigo 86º, n.º 3 e 4 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, um na forma tentada (na pessoa do ofendido HH) e outro na forma consumada (na pessoa do falecido II).
As razões de discordância com a decisão são, simultaneamente, de facto e de direito:
I. Antes de mais, no seu modesto entender, haver insuficiência da matéria de facto dada como provada para a condenação do recorrente - al. a) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P. Inexiste prova da alegada participação, a título de co-autoria e/ou de cumplicidade, nos alegados factos dados como provados.
II. Por outro lado, por entender haver contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão a propósito dos factos provados em 1 a 15 (quanto ao recorrente), por um lado, e aos factos não provados - alínea b) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P.
III. Acresce que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente tenha participado nos factos descritos na acusação mostrando-se erradamente julgados a propósito dos factos provados em 1 a 15 dos factos provados, tanto mais que resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência e de demais prova indirecta que o arguido/ recorrente não esteve no local dos factos nem nos momentos imediatamente anteriores e/ou posteriores.
IV. Por outro lado, ainda, o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação relativamente à matéria assente dos factos provados em 1 a 15 dos factos provados (quanto ao recorrente).
V. Adicionalmente, independentemente disso, o acórdão em crise enferma ainda do vício de insuficiência para a decisão, dos factos provados em 1 a 15 dos factos provados (quanto recorrente), por um lado, e aos factos não provados quanto à alegada participação do recorrente nos factos descritos na acusação, existindo erro de julgamento quanto àqueles factos também devendo, para o efeito, ser ordenado o reenvio do processo para julgamento.
VI. Em resultado da prova produzida em audiência de julgamento existiu errado enquadramento jurídico, por inexistência dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime imputado - homicídio qualificado, quanto muito verificar-se-á o preenchimento do tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado (dano morte) na pessoa do falecida II e um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa do ofendido HH).
VII. Deve ser revogado o acórdão na parte em que deu como provados os factos 1 a 15 devendo o mesmo ser substituído por outro que os dê como não provados quanto à alegada participação do aqui recorrente,
VIII. Em caso de não serem dados como não provados os factos 1º a 15º dos factos dados como provados deve ser reenviado o processo para julgamento para suprir as insuficiências do acórdão.
IX. Considera ainda que atento o relatório social e as circunstâncias pessoais e profissionais do arguido, a ausência de qualquer averbamento no certificado de registo criminal, a idade do arguido à data dos factos a pena aplicada considera-se excessiva devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que, no máximo, seja de 5 anos de pena de prisão devendo a mesma ser suspensa na execução mediante medidas de injunção a determinar pelo Tribunal.
Impõem solução diversa:
- Uma melhor apreciação do conjunto da prova produzida, designadamente: - Toda prova documental junta aos autos.
- Toda prova documental junta aos autos.
- E uma correcta apreciação daqueles elementos no cotejo com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas HH; GG, MM, NN, OO; PP.
- A correcta apreciação do conjunto da prova levará necessariamente a uma diferente resposta aos factos em crise, com as legais consequências, como é de justiça.
Requer:
- a realização de audiência para debate da matéria referida no ponto I a IX da presente motivação, o que faz nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 411º do C.P.P.
Em suma:
- Há insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de condenar o recorrente, assim como pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crimes de homicídio qualificado, na forma tentada e na forma consumada, previsto e punido pelo 131º do Código Penal.
- Há contradição insanável na fundamentação, entre os factos assentes e entre esses e a decisão (artigo 410º, n.º 2, alínea a) do C.P.P.)
- Há errada valoração do conjunto da prova produzida e, consequente, erro de julgamento quanto aos factos tendentes à formação da convicção de que o recorrente foi coautor dos factos descritos nos artigos 1º a 15º dos factos provados.
- Em qualquer circunstância, deve revogar-se o acórdão recorrido e substituí-lo por outro que, fazendo correcta apreciação e valoração da prova produzida, o absolva da prática de todos os crimes em que foi condenado, ou, no limite, que condene pela alegada prática de um crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado (na pessoa do falecido II) e um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa do ofendido HH), devendo, caso assim se entenda, revogar a pena aplicada e substituí-la por outra, a qual, em cúmulo jurídico, seja próxima do limite dos 5 anos devendo ser suspensa na execução mediante a imposição de injunções.»
5.5. O arguido FF
«1. Por Acórdão proferido pelo douto Tribunal “a quo” foi o arguido FF condenado em co-autoria e em cúmulo jurídico nas penas únicas de 16 anos de prisão pela prática de um crime na forma consumada de homicídio qualificado referente ao ofendido II, um crime na forma tentada de homicídio qualificado referente ao ofendido HH e um crime de detenção de arma proibida.
2. Por Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de ... foi revogado o acórdão proferido em primeira instância e alterada a qualificação jurídica dos factos dados por assentes, subsumindo-os, antes, aos crimes de homicídio (consumado e na forma tentada), p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. h) e j) e artº 73º do CP, com a agravação que alude o artº 86º, nº 3 e 4 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
3. Foram efectuadas somente súmulas da declaração do arguido FF em sede de 1º interrogatório e dos depoimentos das testemunhas, nem foi efetuado o exame crítico de tais provas, sem indicação mínima sobre a credibilidade merecida por cada meio de prova, impossibilitando o ora recorrente perceber e apreciar a bondade dos critérios lógicos que seguiu e, inviabilizando a correta apreciação da impugnação da matéria de facto irá ser apresentada.
4. Constituirá prova ilícita toda aquela que seja obtida ou produzida, mediante a violação de normas de direito material, que tutelam direitos fundamentais dos cidadãos, ou aquela cuja formação ou produção em si mesma consubstancie um ilícito.
5. Nulidade das escutas telefónicas realizadas nos autos por as mesmas haverem sido dirigidas contra pessoa que não tinha o estatuto quer de arguido quer de suspeito
6. Perante tamanha violação dos mais elementares princípios orientadores dos meios de obtenção de prova, devem todas as escutas realizadas nos presentes autos, no que concerne às testemunhas LL, JJ, QQ, RR, SS, KK, TT e uma UU (mãe do TT), esta última nem sequer chegou a ser arrolada como testemunha, serem declaradas nulas, por serem prova proibida e, como tal, não podendo ser utilizadas.
7. Sendo um meio de prova proibida, ilícita, torna-se numa nulidade insanável, impedindo a utilização da prova obtida por seu intermédio, conforme o disposto nos arts. 126º, nº 3 e 190º do CPP.
8. O Douto Acórdão enferma de um erro notório na apreciação da prova, conforme o disposto no nº 2, alínea c) do artigo 410º do C.P.P..
9. Existe erro notório “(…) quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não poderia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.”.
10. A valoração da prova depende de um juízo resultante das regras de experiência comum e que esse juízo para ser valorado como um erro notório necessita que seja de tal forma evidente que um observador médio se apercebe facilmente de tal erro.
11. Do relatório constante de fls. 2564, correspondente à pesquisa de resíduos de disparo de armas de fogo, onde foi taxativo ao concluir que qualquer eventual presença de resíduos de disparo nas amostras recolhidas não é tecnicamente correlacionável com a ocorrência em causa.
12. Quanto à determinação da distância do disparo, atento o teor do relatório a fls. 3021, a mesma está tecnicamente inviabilizada por não existir qualquer arma suspeita, não tendo sido remetidos cartuchos carregados idênticos ao cartucho suspeito enviado e não é possível apurar qual a distância que terá sido efectuado o disparo.
13. Relativamente à prova produzida em julgamento, nomeadamente, através do depoimento das testemunhas nada foi possível retirar do que disseram em relação, à dinâmica (espaço e tempo), arma utilizada, meio de transporte, motivação ou mesmo autoria dos disparos.
14. Sendo que o ora recorrente considera que os factos dados como provados em 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14 e 15 foram incorrectamente julgados, devendo ter sido considerados como não provados, tendo por base as declarações do arguido FF e das testemunhas supra indicadas.
15. É manifesto não ter existido qualquer prova que os arguidos actuaram em conjunto, gizando um plano com vista a uma retaliação por factos ocorridos anteriormente.
16. Ao arguido FF não lhe pode ser assacado qualquer autoria (ou mentoria) de um plano com vista a uma retaliação a um gangue rival.
17. O Tribunal “a quo” não tem elementos que permitam concluir que o arguido FF previu o resultado ou mesmo tivesse qualquer intenção de provocar ferimentos conducentes à morte de uma pessoa e a um ligeiro ferimento noutra.
18. Aliás, atendendo ao resultado das diversas perícias, não é possível aferir a distância a que foi feito o tiro, se a carrinha se encontrava parada ou em movimento, se os tiros foram direccionados e, mais importante, se o falecido II e a testemunha HH eram alvos quem queriam efectivamente atingir.
19. Relativamente ao arguido FF não existe qualquer prova que tenha gizado um plano em co-autoria com os restantes arguidos para retaliação de umas ofensas físicas perpetradas em relação a um elemento do grupo ... do qual ele nem sequer fazia parte, desconhecendo-se sequer se conheceria o elemento chamado VV.
20. Os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores no Acórdão ora recorrido relativamente ao crime de detenção de arma proibida na sua parte decisória acabam por concluir que “(…) no que concerne ao crime de detenção de arma proibida, não tendo ficado provado que os arguidos, com excepção de AA, transportaram, empunharam ou detiveram a arma”.
21. Relativamente aos pontos 1 e 6 os mesmos deverão ser considerados como não provados em relação ao arguido FF atenta a sua absolvição relativamente ao crime de detenção de arma proibida por não se ter provado que transportou, empunhou ou deteve a arma.
22. É por demais evidente a necessidade de aplicação do princípio in dúbio pro reo em relação ao arguido FF, considerando que a fundamentação do douto Acórdão recorrido no limite levanta algumas hipóteses, leia-se dúvidas, que não têm qualquer sustentabilidade face à prova produzida e lícita existente nos autos.
23. O arguido FF estava devidamente inserido, familiar, social e profissionalmente.
24. O crime de homicídio qualificado vem previsto no artigo 132º do Código Penal que nos diz no nº1 que “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.”
25. Já no nº 2 do referido artigo, são indicadas circunstâncias que no caso concreto sejam suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade.
26. Também resultou provado que o alegado comportamento do arguido FF não foi pessoalmente direccionado às vítimas, mas sim a uma lógica de grupo, tendo os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores considerado “(…) sem que, daqui, se possa inferir que o motivo de agir foi torpe, já que, apesar de injustificado, surge respaldado na subjectividade dos agentes e objectivamente no submundo em que se insere a actividade delituosa, num devir amiúde verificado e transponível até, no seu âmago, para lógica inerente a toda e qualquer guerra.”
27. Atento tal desiderato, os Exmo.s Srs. Juízes Desembargadores subsumiram as condutas dos arguidos aos crimes de homicídio qualificado, desta feita, na previsão típica das alíneas j) e h) do nº 2 do artº 132º do CP.
28. Considera-se que mesmo atendendo a todo acervo probatório levado em linha conta pelo tribunal “a quo”, ainda assim, não é suficiente para qualificar a conduta dos arguidos como dolosa.
29. A mais correcta interpretação e aplicação dos factos ao direito aplicável, atentos os factos aqui em questão, seria a de enquadrar estes factos no crime de ofensa à integridade física grave, nos termos do art.º 144.º al. d) ou, a assim não se entender, sempre estaríamos perante o crime previsto no art.º 145.º n.º 1 al. a) do Código Penal, por força do resultado que se veio a verificar, nomeadamente ter-lhe “provocado perigo para a vida”.
30. O douto Acórdão recorrido para além de considerar que não existiu um motivo torpe por parte dos arguidos, acrescentou a absolvição do arguido FF do crime de detenção de arma proibida por não ter resultado provado que a transportou, empunhou ou deteve a arma.
31. Uma vez que não ficou provada a intenção de matar, violou o tribunal a quo o princípio da legalidade e nessa medida padece a decisão de inconstitucionalidade por violação dos artigos 1º, 2º, 3º, 18º, 20º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
32. O art.º 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio “ne bis in idem”.
33. Não se alcança, nem se entende, a aplicação da agravação prevista no artº 86º, nº 3 da Lei das Armas, atendendo que, do mesmo modo, o arguido FF é absolvido do crime de detenção de arma proibida.
34. A subsunção de agravar a pena com base no nº 3 do artº 86º da Lei das Armas só seria possível se o ora arguido e recorrente tivesse sido condenado no necessário crime de detenção de arma proibida.
35. Tal aplicação deste normativo legal e, como tal, agravando-se a medida da pena relativamente ao crime de homicídio qualificado, é uma clara violação do princípio non bis in idem, devendo a mesma ser obrigatoriamente revista.
36. Tendo em conta o procedimento de determinação da pena que acaba de ser exposto e a enumeração exemplificava contida no n.º 2 do art. 71º do Código Penal, deverão ser seleccionadas, no complexo integral dos factos, as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, sejam expressivas das exigências concretas da culpa e da prevenção, geral e especial, sendo de relevar, neste conspecto, o grau de participação/intervenção de cada um dos arguidos na execução do plano criminoso.
37. Ao nível dos factores atinentes à execução do facto, deve ser tomado em linha conta o diverso grau de desenvolvimento da actuação de cada um dos arguidos, nomeadamente, ao que concerne ao arguido FF este não pertencia ao grupo ..., não transportou, empunhou ou deteve qualquer tipo de arma envolvida nos disparos que resultaram na morte do desditoso II e um ligeiríssimo ferimento na mão da testemunha HH.
38. O arguido FF insurge-se contra a medida concreta desta pena de prisão, pois considera que a mesma é excessiva e pugna pela respectiva redução para o limite mínimo, atento o que acima expôs, sendo certo que, em prima facie pugna pela aplicação primordial do princípio do in dúbio pro reo.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando procedente a nulidade alegada por provada, bem como, alterando-se o douto Acórdão proferido, e consequentemente:
O arguido FF ser-lhe aplicado o princípio do in dúbio pro reo e, consequentemente, absolvido de todos os crimes.
Caso V.Exas. assim não o entendam, o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio, igualmente, proceder-se à desqualificação dos crimes pelos quais foi condenado, passando a uma condenação por um crime de ofensa à integridade física simples no que concerne ao ofendido HH e um crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado relativamente ao ofendido II, assim ver reduzida a pena e, ainda, insurge-se contra a medida concreta desta pena de prisão, pois considera que a mesma é excessiva e pugna pela respectiva redução para o limite mínimo por erro de subsunção e errada aplicação da agravação prevista no artº 86º, nº 3 da Lei das Armas (…)».
6. Foi também interposto recurso pelo arguido CC, o qual, porém, não foi admitido, por extemporaneidade, conforme despacho do juiz desembargador relator de 17.9.2024, confirmado por decisão definitiva do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2024 proferido em conhecimento de reclamação desse despacho, nos termos do artigo 405.º do CPP.
7. Respondeu a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação, dizendo, em defesa da improcedência do recurso, que (transcrição parcial):
«1. Não se verifica a nulidade do acórdão por falta de fundamentação quando o acórdão em crise transcreveu a motivação da decisão de facto da 1.ªinstância, analisou-a detalhadamente e, criticamente, fê-la sua e formou a sua convicção.
2. Razão pela qual o TRL apreciou corretamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objetividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insuscetível de crítica.
3. Não se verifica a nulidade por proibição de prova quando as intercessões telefónicas recaiam sobre terceiro que possa servir de intermediário, quando existam fundadas suspeitas de que receba ou transmita mensagens destinadas ou provenientes dos suspeitos, como é o caso da namorada de um suspeito, por se indiciar, na fase de inquérito, que a mesma teria estado envolvida numa viagem organizada para ir ao encontro do namorado, então suspeito, o qual se havia ausentado para o estrangeiro, após a ocorrência dos factos em investigação. e fundamentou com clareza e objetividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insuscetível de crítica.
3. Não se verifica a nulidade por proibição de prova quando as intercessões telefónicas recaiam sobre terceiro que possa servir de intermediário, quando existam fundadas suspeitas de que receba ou transmita mensagens destinadas ou provenientes dos suspeitos, como é o caso da namorada de um suspeito, por se indiciar, na fase de inquérito, que a mesma teria estado envolvida numa viagem organizada para ir ao encontro do namorado, então suspeito, o qual se havia ausentado para o estrangeiro, após a ocorrência dos factos em investigação.
4. O Tribunal valorou como prova o correio eletrónico e os registos de comunicações telefónicas provenientes dos telemóveis dos arguidos que nisso previamente e expressamente consentiram e, nos termos doartigo15.º, n.º 3 e n.º 4 da Lei do Cibercrime, no que respeita a esses arguidos, não há obrigação da comunicação imediata à autoridade judiciária para validação (relatório – art.º 253.º do C.P.P.), o mesmo sucedendo em relação à apreensão autorizada pelos arguidos, titulares do direito que a Lei quis proteger.
5. Não ocorreu qualquer prova que estivesse proibida de ser conhecida e valorada pelo Tribunal (artigo 126.º, n.º 3 do C.P.P.).
6. Porque existiu prévio consentimento no acesso ao conteúdo dos telemóveis dos arguidos, com exceção da prova obtida do telemóvel do arguido AA, a qual não foi tida em conta pelo Tribunal, no que respeita ao conteúdo dos restantes arguidos, tal prova é válida e pode ser considerada.
7. O artigo 15.º, n.º 1 da Lei do Cibercrime (Lei 109/2009, de 15/09) trata da pesquisa de dados informáticos quando autorizada pelo titular desses dados ou ordenada pela autoridade judiciária (MP/JIC/JUIZ).
8. Por sua vez, o artigo 16.º, n.º 1 da Lei do Cibercrime trata da apreensão de dados informáticos quanto autorizada pelo titular desses dados ou ordenada pela autoridade judiciária (MP/JIC/JUIZ).
9. Porquanto existiu consentimento expresso para acesso ao conteúdo dos telemóveis dos arguidos, com exceção do arguido AA, legítimos titulares desse direito, não existe proibição de prova na utilização desses dados, nos termos previstos nos artigos 126.º, n.º 3 do C.P.P. e artigos 32.º, n.º 8 e 34.º, n.º 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.
10. No processo penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, contemplado no art. 127.º do C.P.P., que impõe, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
11. O TRL fez uma criteriosa apreciação da prova produzida em julgamento, vertida na motivação de facto relatada no acórdão da 1.ª instância, que fez segundo as regras da experiência comum, nos termos do art. 127.º do C.P.P.
12. Resulta da fundamentação suficientemente objetivada, que a prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum, e em obediência aos princípios da livre apreciação da prova, da oralidade da audiência de julgamento, permitiu ao TRL concluir que os arguidos cometeram os crimes por que vieram a ser condenados.
13. A valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação.
14. Quando um grupo de pessoas aborda outras duas, e uma delas dispara por duas vezes na direção daquelas duas pessoas, a curta distância, com uma arma caçadeira, visando todos retaliar uma ação anterior sobre outra pessoa de um grupo rival, é por demais plausível, e expetável, que se vise atingi-las com o propósito de lhes retirar a vida, o que no caso do ofendido HH só não ocorreu por motivos alheios à vontade dos arguidos, pelo que a motivação de facto da decisão quanto aos factos provados 8. e 13. se mostra de acordo com as regras da experiência.
15. A decisão do TRL, à semelhança do que sucedeu com a decisão da 1.ª instância, mostra-se de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, por que conforme com as regras da experiência comum.
16. A existência dos vícios da decisão a que se refere ao rt. 410.º, n.º 2, do C.P.P., depende somente do escrutínio do texto do acórdão, pois que é dele que devem resultar, por recurso às regras da experiência comum, e não da reapreciação da prova que foi produzida em audiência ou fora dela.
17. A decisão não atenta contra as regras da experiência, da lógica ou do normal suceder, antes as seguindo, mostrando-se as premissas de acordo entre si e a decisão está conforme com elas.
18. Não se vislumbra que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão, que exista qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos dados como assentes ou entre estes e os factos considerados não provados ou entre a motivação e a decisão, e, igualmente, não sobressai da decisão, por si só e/ou com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha evidente na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
19. A existência de violação do princípio in dubio pro reo pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, permite concluir, por forma mais do que evidente, que o Tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
20. Do texto da decisão de facto não resulta que o julgador, em face da prova produzida, ficou num estado de dúvida irremovível sobre um facto e, nesse estado, decidiu contra o arguido, ou que o julgador decidiu contra o arguido de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao sentido da decisão, nem a prova produzida conduz a essa dúvida.
21. O estado de certeza sobre os factos, vertido na fundamentação da decisão de facto, sem o mínimo de indício de dúvida/incerteza, como é o caso, afasta a violação pelo Tribunal recorrido do princípio in dubio pro reo associado ao princípio da inocência.
22. O enquadramento jurídico dos factos provados nos crimes de homicídio, qualificado nas formas consumadas e tentada não merece reparo.
23. O TRL tal como o Tribunal da 1.ª instância apreciaram tudo o atinente à culpa dos arguidos, destacando o que os diferenciava, não tendo violado o art. 29.º, nem o art. 71.º, do CP no que concerne ao arguido BB em face dos factos provados.
24. Não se mostra viável a aplicação do regime penal especial para jovens à pena de prisão em que foram condenados os arguidos/recorrentes AA, BB e DD em face das suas personalidades, dos pares com que acompanham, da inserção social, da frágil situação familiar, da inexistência de projetos de vida concretos, da ausência de assunção de responsabilidade e de arrependimento, e bem assim das por de mais elevadas exigências de prevenção geral.
25. Ademais, a ausência do arguido/recorrente AA para ..., onde veio a ser detido no âmbito do MDE emitido nestes autos, indica que se procurou eximir à sua responsabilidade nos atos praticados.
26. O crime de homicídio qualificado agravado, é punido com pena de 16 a 25 anos de prisão, e na forma tentada é punido com pena de 3 anos, 2 meses e 12 dias de prisão a 22 anos, 2 meses e 20 dias de prisão.
27. A condenação na forma agravada resultou da alteração da qualificação operada oficiosamente pelo TRL, pelo que por força da proibição da reformatio in pejus o TRL não agravou, na medida, as penas parcelares e a pena única impostas na decisão recorrida.
28. Apenas pode colocar-se em causa a medida da pena parcelar pelo crime na forma tentada, pois a pena pelo crime na forma consumada e a pena única são insuscetíveis de ser reduzidas em face da proibição da reformatio in pejus.
29. O arguido DD foi punido pelo crime de homicídio na forma tentada em pena que se situa muito próximo do limite mínimo da pena abstrata, a qual se afigura adequada, proporcional e ajustada em face dos factos provados, das finalidades das penas [art. 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP – prevenção geral e especial, medida da culpa] e dos requisitos de determinação da medida da pena [art. 71.º, do CP – culpa do agente, exigências de prevenção, circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem a favor e contra o agente].
30. Tal pena, corresponde a uma punição compatível com a elevada ilicitude dos factos [planejamento, intercessão da vítima, utilização de arma de fogo, sem permitir à vítima defender-se, seguida de fuga e colocação da arma utilizada em esconderijo para se furtar, ou dificultar, a ação da Justiça] e com o elevado grau da culpa dos arguidos [atuação em retaliação e por surpresa].
31. As penas aplicadas aos arguidos cumprem o estatuído nos arts. 40.º e 71.º do CP, não ultrapassam a medida da sua culpa, correspondem ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos tutelados e às expectativas comunitárias.»
8. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer de concordância com a condenação e com o Ministério Público na Relação, nos seguintes termos:
«[…]
2. Questões preliminares específicas […]
2.1. Vislumbram–se fundamentos para a rejeição parcial dos recursos e que obstam ao seu conhecimento nalgumas questões, incluindo-se a decisão recorrida na alínea b) do n.º 1, do artigo 432.º, e artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal. […]
2.3. Vícios da matéria de facto (alegados – nas específicas situações previstas no artigo 432.º, n.º 1, alínea a) e c), do Código de Processo Penal) ou oficiosamente a sindicar, que resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal): Não se vislumbram os vícios em causa, ainda que constituam fundamento de alguns dos recursos interpostos.
2.4. O recorrente EE requer a realização de audiência nos termos do artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, pelo que importaria apenas promover a designação de data para julgamento nos termos do artigo 416.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
2.4.1. Sem prejuízo, porém, a nosso juízo, todos os recursos, incluindo o deste arguido, devem ser julgados em conferência por respeitarem a decisão que conhece a final do objeto do processo – artigo 419.º e 435.º, do Código de Processo Penal, não devendo ser acolhida a pretensão do arguido EE quando requer a realização de audiência para debate da matéria invocada nos pontos I a IX das conclusões do seu recurso pois, embora se refira a esse pontos I a IX, como pontos da “motivação”, não o são verdadeiramente, pois não têm correspondência na sistematização que da motivação fez.
Ou seja, só pode entender–se que é ao âmbito das conclusões formuladas que o recorrente se refere, e que respeitam a erros–vícios (impugnação ampla da matéria de facto), erro de julgamento, nulidade por falta de fundamentação e qualificação dos factos apenas pelos crimes de ofensa à integridade física qualificada e outro simples, além da medida das penas.
A nosso juízo, a audiência constituirá um ato processual supérfluo se tiver por objeto discussão de matéria de facto, respetivos vícios, insuficiências, erros que servem de parâmetro à diversa qualificação dos factos sustentada pelo requerente, atendendo aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que conhece apenas de Direito, nos termos do artigo 434.º, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, determina o artigo 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal que, “no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”.
Trata–se de redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, pretendendo–se agilizar o processamento dos recursos em sede penal, tornando a audiência a exceção e não a regra, determinando que à mesma apenas se proceda quando for expressamente requerida e impondo ao requerente que especifique os pontos da motivação que, em concreto, pretende debater nessa audiência.
Parece–nos claro que a intenção legislativa é a de que a audiência, além de facultativa e dependente de pedido expresso e atempado, se destina a discutir algumas e não todas as questões suscitadas em sede de recurso e ao longo da motivação.
No caso, ao estarem essas questões referidas às conclusões e a todos os números pelos quais as divide e expõe e não à parte ou partes da motivação propriamente dita, importa concluir que no requerimento apresentado não são especificados os pontos da motivação que o recorrente pretende ver debatidas, as quais não se confundem com a globalidade e o resumo das questões do recurso que estão sintetizadas nas conclusões.
Deste modo, ignora-se quais os pontos da motivação que, em concreto, pretende o arguido EE ver debatidos, designadamente que questões jurídicas pretende debater (quais? todas? segmentos específicos?), sendo irrelevante que queira discutir questões de facto, embora o requeira também.
Na senda do acórdão do TC n.º 163/2011, não basta que a audiência seja requerida para ser realizada, visto que, no caso em apreço, não é requerimento que se nos afigure relevante à luz dos requisitos legais, que não estão cumpridos, além de que o debate das questões constantes das conclusões de recurso já foi amplamente conduzido pelas instâncias, tornando a audiência desnecessária, repetitiva e ociosa, razões pelas quais o Ministério Público manifesta desde já a sua oposição, promovendo o respetivo indeferimento, sem que com isso fique afetado o direito de recurso e às garantias de defesa do recorrente.
3. Objeto da decisão. Questões de fundo: […]
Na parte que aqui releva, o TRL alterou a qualificação jurídica relativamente aos crimes de homicídio qualificado, um consumado e outro tentado, enquadrando um e outro nos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. h) e j, e 73º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, revogando a condenação dos arguidos pela prática do crime do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1 da Lei das Armas, que passou a agravante dos crimes de homicídio consumado e tentado, nos termos do artigo 86º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Todavia, manteve as penas aplicadas pela primeira instância em relação aos crimes pelos quais proferiu condenação, em sintonia com o Assento n.º 4/95.
Para a correção dessa subsunção jurídica o TRL observou o disposto no artigo 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
4.2. Enquadramento jurídico e análise. Rejeição parcial dos recursos e questões remanescentes a apreciar:
A alteração oficiosa da qualificação jurídica dos factos, no que se refere aos crimes de homicídio consumado e tentado – ainda que a revogação da condenação dos arguidos pelo crime de posse de arma proibida se possa e deva considerar uma decisão in mellius – não é uma decisão confirmatória da decisão de 1.ª instância quanto ao crime de homicídio qualificado e quanto ao crime de homicídio tentado, pois as instâncias divergiram na qualificação jurídica dos factos, tendo os arguidos sido condenados por crimes mais graves do que aqueles pelos quais tinham sido condenados pela 1.ª instância.
Ainda que tenha havido confirmação das penas aplicadas, o mesmo não ocorreu com a qualificação jurídica dos factos, matéria em que houve uma alteração que se deve entender como substancial, nos termos do artigo 1.º, alínea f) do Código de Processo Penal.
Porém, se assim é, ou seja, se não estamos perante situação de irrecorribilidade parcial no quadro de uma conformidade decisória (cf. artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal), já quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, que foi punido, para cada um dos arguidos, com pena de prisão que variou entre 4 anos e 6 meses e 4 anos e 9 meses de prisão, os recursos não são admissíveis nessa parte e, portanto, parcialmente e em tudo o que respeitem a essa condenação, pois, face à alínea e) do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, não foi aplicada pena superior a 5 anos de prisão quanto ao crime de homicídio qualificado tentado em que foram condenados os cinco recorrentes.
Nessas partes, em tudo o que impugnam a decisão do TRL no que se refere à condenação dos recorrentes pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. h) e j, e 73º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, os recursos devem ser rejeitados.
Acresce que, em relação ao que extravasa as questões relativas à condenação dos recorrentes pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, e que se cingem à invocação quer de erros–vício, quer de nulidades previstas e referidas no artigo 410.º, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal, tratam–se de questões que só podem constituir fundamento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos taxativamente estabelecidos nas alíneas a) e c) do n.º 1, do artigo 432.º do Código de Processo Penal, em conformidade com o que também dispõe o artigo 434.º do Código de Processo Penal “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 432.º.”.
Com fundamento nos vícios previstos no artigo 410.º do Código de Processo Penal ou com fundamento em nulidade não sanada (artigo 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância ou nos casos de recurso per saltum, de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos.
Não sendo esse o caso dos autos, e porque a legitimação para o recurso assenta na alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdão da Relação tirado em recurso com fundamento em nulidade não sanada ou erros–vício, conforme jurisprudência consensual deste Tribunal – cf., entre muitos, o acórdão de 01-03-2023, no processo n.º 589/15.0JABRG.G2.S1 -3.ª Secção, Ernesto Vaz Pereira (Relator)1.
Face à irrecorribilidade legal, não devem também ser admitidos os recursos nessas partes.
Por fim, em tudo o que demais, nos recursos, se relaciona com alegados erros de valoração da prova ou errada convicção do TRL, por violação do princípio in dubio pro reo, são matérias ou aspetos do recurso que não podem ser objeto de cognição por este Supremo Tribunal de Justiça, cujos poderes se limitam exclusivamente ao reexame da matéria de Direito, sem prejuízo de poder ser sindicado quando a sua violação resultar evidente do texto da decisão recorrida, em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Não sendo manifestamente esse o caso – como demonstrou também o Ministério Público em 1.ª e 2.ª instância – nem tendo os recorrentes demonstrado cabalmente que o fosse, os recursos interpostos que contendem com a decisão da matéria de facto, porque esta está definitivamente decidida pela Relação, não cabendo na esfera de cognição do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre os alegados erros de valoração da prova ou errada convicção do TRL, por violação do princípio in dubio pro reo, a decisão da Relação é igualmente irrecorrível nessa parte.
Por via do que fica dito, devem os recursos ser parcialmente rejeitados, por inadmissibilidade legal, tanto nas partes em que impugnam a condenação pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigo 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. h) e j, e 73º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, quer quanto às questões que lhe são atinentes; quer em relação aos invocados erros–vício ou nulidades previstas e referidas no artigo 410.º, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal; quer quanto às questões relacionadas com alegados erros de valoração da prova ou errada convicção do TRL, tudo em conformidade com os artigos. 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.ºs 2 e 3 e 434.º, do Código de Processo Penal.
Do que se vem de sustentar ficam para apreciar as questões relativas à aplicação do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes (DL n.º 401/82, de 23/09) (levantadas pelos arguidos AA, BB e DD); proibição de valoração de prova (levantada pelo arguido FF e DD); qualificação jurídica quanto aos crimes de homicídio qualificado consumado (arguido EE e FF) e medida da pena parcelar e única (arguidos BB, DD, EE e FF).
Quanto a essas questões (e às que demais foram suscitadas nos recursos, caso não se acolha o que se defende quanto à rejeição parcial dos recursos), são questões que já foram apreciadas e decididas pelo TRL e a sua reedição no âmbito do presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não significa que devam merecer apreciação e resposta diversa, muito menos a de substituir a convicção do tribunal a quo pela discordância que sobre a respetiva decisão os recorrentes manifestam, como lucidamente sintetiza o Ministério Público em 2.ª instância.
Vale por dizer que, na resposta apresentada, o Ministério Público da 2.ª instância, com sólida argumentação, rebateu integralmente as pretensões dos recorrentes em relação aos aspetos que, com relevância, podem ser conhecidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Os respetivos termos, constantes da motivação e conclusões da resposta aos recursos, sufragam–se sem reserva, nada mais, com relevo, se oferecendo acrescentar, não se mostrando, pois, a nosso juízo, violados quaisquer preceitos legais.
4.3. Conclusão:
Em conformidade, somos de parecer que os recursos deverão ser parcialmente rejeitados e no mais julgados improcedentes, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.»
9. Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram.
Indeferido o requerimento do arguido EE para realização de audiência, por despacho de 02.06.2025, de que não foi apresentada reclamação, seguiram os recursos para julgamento em conferência – artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.
II. Fundamentação
Dos factos
10. Mostra-se estabelecida a seguinte matéria de facto, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação:
10.1. Factos provados:
«Do despacho de pronúncia
1. Entre o dia 16.02.2022, após as 13h05, e o dia 19.02.2022, antes das 22h40, o arguido AA (também conhecido por WW), o arguido FF (também conhecido por XX), o arguido DD (também conhecido por YY), o arguido CC (também conhecido por ZZ), o arguido EE (também conhecido por AAA) e o arguido BB, todos pertencentes ao grupo do ..., denominado “...”, com exceção do arguido FF, formularam o propósito e delinearam um plano que passava por atingir elementos do grupo de ..., denominado “...”, seu rival, como forma de retaliação aos factos que tinham sucedido, na semana anterior, dos quais resultou como ferido um elemento daquele (VV), nem que para tanto tivessem de utilizar, pelo menos, uma caçadeira de que dispunham.
2. À data dos factos, os arguidos não possuíam licença nem autorização de uso e porte de arma que os habilitasse a deter ou manusear a referida caçadeira.
3. Assim, no dia 19.02.2022, em hora próxima das 22h40, e na execução do referido plano, os arguidos AA, FF, DD, CC, EE e BB deslocaram-se à localidade de ..., sita em ..., no veículo ligeiro de mercadorias, de marca Citroën, de modelo Jumper, de cor branca, com a matrícula ..-..-NQ, nela percorrendo as artérias da referida localidade, o que fizeram com o objetivo de localizar elementos do antedito grupo rival e, deste modo, retaliarem em relação ao que tinha sucedido no dia 16.02.2022.
4. Na ocasião, o referido veículo foi conduzido pelo arguido FF.
5. Na referida carrinha, para além do condutor acima identificado, também seguiam: o arguido DD; o arguido BB; o arguido CC, na sua parte traseira; o arguido EE, na sua parte traseira; e o arguido AA, na sua parte traseira.
6. Nas referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar, os arguidos encontravam-se munidos de uma caçadeira de características não concretamente apuradas, tendo acordado utilizá-la para atingir elementos do grupo de ..., denominado “...., conforme acima se aludiu.
7. Cerca das 22h40 do referido dia 19.02.2022, assim que avistaram II e HH, que se encontravam, em concreto, no Cruzamento entre a Rua de ... e a Rua ..., da referida localidade, os acima referidos conduziram o mencionado veículo na sua direção.
8. Após o que pararam o referido veículo uns metros à frente do mencionado local e, de imediato, foram abertas as portas traseiras a partir do seu interior, momento em que, em ato contínuo, o arguido AA – que estava na respetiva zona de carga – empunhou a caçadeira que trazia, apontou-a na direção de II e HH e, de imediato, com ela efetuou, pelo menos, dois disparos, vindo a atingir II nas costas, na zona lombar direita.
9. Como consequência, direta e necessária, da descrita atuação dos arguidos AA, FF, DD, BB, CC e EE, a
10. A morte de II foi devida a lesões traumáticas toraco-abdominais produzidas por ação de natureza perfuro-contundente, por projéteis de arma de fogo, etiologia médico legal homicida, delas tendo resultado a sua morte, que foi declarada pelas 23h35 do referido dia 19.02.2022.
11. Também como consequência, direta e necessária, da descrita atuação dos arguidos AA, FF, DD, o arguido CC, o arguido EE e BB vieram os disparos de caçadeira a atingir o corpo de HH, causando-lhe ferimentos na mão esquerda, que lhe geraram dor e incómodo.
12. Ao agirem da forma descrita, os arguidos AA, FF, DD, BB, CC, EE quiseram e conseguiram provocar a morte de II, tendo assim atuado, em grupo e motivados apenas por vingança em relação a um episódio que tinha sucedido, dias antes, em relação a um dos elementos do grupo a que pertenciam, bem sabendo que ao dispararem, como dispararam, e ao atingirem o corpo do mesmo com munições deflagradas por uma caçadeira, tal era apto a fazê-lo e que, deste modo, iriam alcançar o objetivo que pretendiam, ou seja causar a sua morte, como causaram, o que fizeram em comunhão de esforços e vontades e na execução de um plano por todos gizado.
13. Nas mesmas circunstâncias descritas, em comunhão de esforços e vontades e na execução do plano por todos gizado, os arguidos AA, FF, DD, BB, CC, EE quiseram ainda provocar a morte de HH, tendo assim atuado, em grupo e motivados apenas por vingança em relação a um episódio que tinha sucedido, dias antes, em relação a um dos elementos do grupo a que pertenciam, bem sabendo que ao dispararem, como dispararam, na direção do mesmo com munições deflagradas por uma caçadeira, tal era apto a provocar-lhe a morte, o que não conseguiram por razões alheias à sua vontade.
14. Mais sabiam os arguidos AA, FF, DD, BB, CC, EE que a detenção da referida caçadeira, pelas suas características, lhes era absolutamente proibida e, não obstante, detiveram-na e utilizaram-na da forma descrita.
15. Agiram em tudo e sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Do pedido de indemnização civil
16 - A demandante perdeu o seu único filho de sexo masculino no qual depositava muita esperança em relação ao futuro, porque tratava-se de um jovem bastante promissor, em termos académicos, que queria prosseguir com os seus estudos, eventualmente no ....
17 - À data do óbito com 17 anos de idade deixou duas irmãs, BBB e CCC.
18 - O jovem II era uma pessoa muito alegre, gostava de conviver com os jovens da sua idade, com quem se dedicava a música nos tempos livres.
19 - Gostava muito da mãe bem como das suas duas irmãs, que ficaram psicologicamente afetadas com a morte prematura do seu irmão.
20 - Os disparos não provocaram a morte imediata de II, deixando-o em sofrimento e apercebendo-se de que tinha a vida presa por um fio, que se foi esvaindo até ao último suspiro.
21 - A mãe ora demandante e as duas irmãs da vítima sofreram e vão sofrer com a dor, tristeza e saudade pela perda do filho e irmão.
Mais se provou, quanto às condições pessoais e socais dos arguidos o seguinte:
1- AA nasceu em ...-...-2003, pelo que tinha 18 anos de idade à data da prática dos factos.
À data da alegada prática dos fatos, desde há cerca de um ano, AA coabita com a família materna alargada, em concreto, com quatro primos, na zona da ..., inscrita num meio sociocomunitário desfavorecido, conotado com a existência de elevados índices de criminalidade.
Correlacionou este enquadramento sociofamiliar com a sua então dita iniciativa de autonomização habitacional face ao agregado familiar de origem, em rutura sobretudo com o pai, e supervisão parental deste, descrita como autoritária, em contraponto com a postura permissiva atribuída à mãe que, segundo o mesmo, continuou a contribuir para o seu sustento.
O arguido não desenvolvia qualquer atividade quotidiana estruturada, registando um percurso marcado por várias retenções ao nível do 5.º ano de escolaridade, por falta de cumprimento do dever de assiduidade, quando frequentou a Escola Básica 1.
Com aproximadamente dezassete anos, noutra escola, veio a obter equivalência ao 2.º ciclo de escolaridade através da alegada conclusão de um Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF), uma medida socioeducativa adotada depois de esgotadas todas as outras medidas de integração escolar.
Nesta sequência, sucedeu-se um período de vida em que AA reconheceu a sua debilidade socioeconómica, bem assim a ocupação do seu tempo livre no convívio com grupos de pares conotados com rotinas desestruturadas, eventualmente antissociais, desde o gaming à frequência de festas, no seio das quais é banalizado o consumo de substâncias psicotrópicas, até à participação em dinâmicas de rivalidade entre grupos juvenis, parece que perpetuadas de geração em geração, tendo por base os bairros residenciais de pertença, não raro, com recurso a redes sociais.
Ainda que o arguido tenha expressado ausência de identificação com algumas das motivações intrínsecas a estas redes de convivialidade, segundo o próprio, não deixou de alegada e passivamente participar em videoclipes, em simultâneo, aumentando a sua preocupação e consequentemente adotando estratégias em linha com a sua segurança pessoal e perceção de necessidades de defesa.
Assim, visando o distanciamento de lógicas de conflito, com potencial significativo de violência, mas também motivado para alcançar um estilo de vida autónomo e socialmente integrado, desde data não concretamente especificada, mas já com dezoito anos, AA inscreveu a sua iniciativa de emigração para ....
Em ..., inicialmente, o arguido contou com o apoio de um familiar aí estabelecido, afirmando a sua posterior integração laboral como servente em obras de construção civil, durante cerca de dois meses.
Na sequência da rotura do relacionamento com o referido familiar, descrito como abusivo no que respeita a questões de gestão financeira, o arguido logrou alternativa de trabalho a favor de uma empresa internacional dedicada a cruzeiros fluviais.
Conforme documentos por si exibidos, o respetivo contrato de trabalho foi denunciado pela entidade empregadora durante o período de teste, pelo que vigorou no período de tempo compreendido entre 13-06-2022 e 10-07- 2022.
Até ser preso preventivamente, em território francês, à ordem dos presentes autos, o arguido afirmou ter alcançado novo contrato de trabalho a favor de empresa com atividade na área de limpezas predial e industrial, conforme documentos exibidos, celebrado em 18-07-2022.
Em simultâneo, face à medida coativa que sobre si recai, o arguido representou-a como que reconciliadora com o seu agregado familiar de origem, que ora reintegrou, composto pelo pais e quatro irmãos, mais novos.
Depende dos primeiros, profissionalmente ativos enquanto operador de armazém e empregada de limpezas, para a satisfação das suas necessidades básicas.
Em termos futuros, de um modo global, o arguido limitou-se a projetar um estilo de vida autónomo e socialmente integrado.
O seu registo criminal não tem averbadas quaisquer condenações.
2- BB nasceu em ...-...-2004, pelo que tinha 17 anos de idade à data da prática dos factos.
À data da alegada prática dos fatos, BB residia na morada constante dos presentes autos, o que se verifica desde os seus dezoito meses de idade, quando entrou em Portugal, vindo da ..., país do qual é natural e nacional, ainda que se afirme indocumentado.
Integrava e continua a integrar o agregado familiar constituído pela sua mãe, por uma irmã uterina, mais velha cerca de dois anos de idade, e um outro irmão uterino, com treze anos, residindo numa habitação de realojamento social, localizada na zona da ..., inscrita num meio sociocomunitário desfavorecido, conotado com a existência de elevados índices de criminalidade.
O processo de crescimento e desenvolvimento decorreu num contexto familiar e socioeconómico marcado por uma gestão controlada dos rendimentos disponíveis, na ausência de carências materiais significativas, uma vez que com a sua vinda para Portugal, ambos integraram o agregado familiar dos avós maternos, que os apoiaram.
O posterior falecimento do avô, com emigração da avó para a ..., aí reagrupando-se a outros familiares, foram assinalados como acontecimentos críticos em termos afetivos e socioeconómicos, assim como o falecimento do companheiro da mãe do arguido, no ano 2020, com o qual o mesmo terá estabelecido uma relação semelhante à habitualmente verificada entre pai e filho.
Assim, a satisfação das necessidades básicas do arguido assenta predominantemente na gestão dos rendimentos mensais da mãe, copeira de profissão, sendo certo que o seu pai biológico é descrito como uma figura parental ausente.
Por seu lado, BB referiu a ausência de qualquer experiência de trabalho e subsequente falta de autonomia económico-financeira, devido ao fato de não ter regularizada a sua situação de permanência em Portugal, desde que entrou no país.
Com efeito, ainda que BB associe impactos negativos para a gestão do seu percurso de vida decorrentes do facto de estar indocumentado, ainda segundo o próprio, tendo tal limitado e consequentemente frustrado o seu projeto de ser jogador de futebol, afigura-se fracamente orientado para a sua resolução.
A este propósito, regista-se que o arguido referiu ter mantido a prática de futebol, com treino estruturado por clubes de futebol, no caso, ambos da sua área residencial, por um período total de cerca de seis meses e uma semana.
Acresce que em termos escolares, tendo em conta o insucesso verificado, que o fato de estar indocumentado, parece ter dificultado o encaminhamento do arguido para resposta educativa/formativa mais adequada.
Mediante articulação com a Escola Básica 1, foi possível apurar e esclarecer que no ano letivo 2017/18, quando contava treze anos de idade, o arguido concluiu o 2º ciclo de escolaridade.
Nos anos letivos subsequentes, até ao ano 2022/23, ano da sua última matrícula, BB registou retenções ao nível do 7.º ano de escolaridade, por último, tendo ultrapassado o limite de faltas injustificadas e uma vez ultrapassada a idade da escolaridade obrigatória, foi excluído da frequência da escola.
Assim, à data da alegada prática dos fatos, pela quinta vez, BB frequentava o 7.º ano de escolaridade, na Escola Básica 1, persistindo em comportamentos absentistas, pese embora a sinalização desta realidade junto da competente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.
Em contexto escolar, regista-se que não foram assinalados incidentes disciplinares de relevo.
Sujeito à medida de coação de OPHVE, o arguido limitou-se a referir a ocupação do tempo com jogos de computador.
Conforme é do conhecimento desse Tribunal, por via de relatórios de incidentes, o arguido não tem manifestado comportamento consentâneo com as regras e obrigações intrínsecas, não evidenciando motivação para alterar a sua conduta, pese embora advertido pelos serviços, pelo que se avalia que - pela postura imatura evidenciada e fraco pensamento consequencial - não reúne condições pessoais compatíveis com a manutenção da medida coativa aplicada.
Mais se regista que relativamente ao seu envolvimento no presente processo, BB limitou-se a ostentar uma postura desafetada. Em termos futuros, o arguido revelou estar ciente de que qualquer projeto implica prévias diligências com vista à regularização da sua situação de permanência em território português.
O arguido não tem averbadas quaisquer condenações no seu registo criminal.
3- CC nasceu em ...-...-2002, pelo que tinha 20 anos de idade à data da prática dos factos.
CC integra o agregado familiar da progenitora, com quem sempre residiu na morada dos autos, tratando-se de uma habitação camarária, localizada numa zona conotada com a existência de elevados indicies de criminalidade.
A dinâmica familiar mostra-se aparentemente funcional e normativa, sem problemas nas suas vivências, tendo ambos os progenitores estado presentes na infância e desenvolvimento do arguido, não obstante se terem separado quando ele era pequeno.
Ainda de acordo com as fontes, persiste a existência de um enquadramento familiar coeso, proporcionado por ambos os progenitores.
O progenitor do arguido reside com a companheira, no bairro ..., zona relativamente próxima da casa do filho.
A situação económica do agregado é descrita como equilibrada, sendo a economia familiar assegurada através dos rendimentos auferidos pela progenitora do arguido, que presta apoio domiciliário e cuidados diários a uma idosa, na habitação desta.
Em caso de excecional dificuldade, o agregado conta com o apoio dos irmãos do arguido, que se encontram imigrados em ....
CC é o mais novo de um total de dez irmãos, dos quais cinco são consanguíneos e os restantes são uterinos, sendo o arguido o único filho da relação dos pais. Inicialmente residia com os seus progenitores, juntamente com alguns irmãos e, como os pais trabalhavam e passavam muito tempo ausentes da habitação, quem assumia o seu cuidado e impunha as regras era a sua irmã mais velha.
Os pais de CC separaram-se em 2011, altura em que o seu pai saiu de casa.
Refere que, após a rutura familiar, manteve um relacionamento próximo com o pai que o visitava e continua a visitar na habitação da progenitora.
Frequentou a Escola Básica 1 do 1.º ao 6.º ano de escolaridade referindo que tinha bom aproveitamento escolar, apesar de desde cedo ser irrequieto e ter demonstrado dificuldades em aceitar e seguir as regras e normas propostas.
Após o horário escolar, frequentava regularmente a Associação de Apoio à Criança e ao Jovem – ..., no ..., que prestava apoio escolar e desenvolvia atividades ao nível informático e desportivo, com os jovens do bairro.
Os seus tempos livres eram passados na associação, local que gostava de frequentar, porém durante pouco tempo, pois refere que a mãe era rígida nos horários de regresso a casa tendo de se encontrar na habitação antes daquela regressar do trabalho pelas 18:00h. Também gostava de jogar futebol, atividade onde, segundo o próprio, chegou a ser federado no clube desportivo “...”.
Com 12 anos, CC foi morar para ..., para a casa da sua irmã, juntamente com a mãe, onde terminou o 10.º ano de escolaridade.
Refere que a desobediência em contexto escolar se manteve, motivo pelo qual foi expulso uma vez.
Regressou a Portugal com a mãe, quando tinha 17 anos por forma a evitarem perder a habitação camarária onde sempre residiram.
Quando regressou a Portugal, frequentou um curso de informática no ... que lhe conferia equivalência ao 12.º ano de escolaridade, o qual abandonou por não corresponder às suas expectativas.
De seguida, integrou um novo curso de informática, no ..., que também viria a abandonar, optando por ir trabalhar.
Assim, com 18 anos foi trabalhar para o hipermercado ..., com um contrato com duração de 6 meses.
Em 2021 regressou para ..., sozinho, desta vez para casa de um irmão, onde permaneceu cerca de 3 meses após os quais regressou ao agregado de origem atendendo a que, de acordo com o arguido, o irmão tentava impor regras com as quais não concordava e tinha dificuldade em cumprir dada as suas caraterísticas demasiado rígidas.
Durante aquele trimestre, desenvolveu atividade numa empresa como embalador de fruta.
Assim, em meados de agosto de 2021 regressa a Portugal e em setembro do mesmo ano decide ir morar para ... juntamente com um amigo.
Começou a trabalhar na construção civil e decidiu regressar novamente a Portugal, quatro meses depois.
Segundo o arguido, a sua rede de sociabilidades foi predominantemente desenvolvida a partir do meio residencial de origem, ou seja, na zona do ....
Os tempos livres eram passados com o seu grupo de pares, tendo por hábito frequentar alguns bares na zona de ..., apesar de referir que não o fazia com regularidade.
Rejeita a sua adesão a grupos de pares com caraterísticas desviantes, expressando uma ligação relevante a amigos e companhias ocasionais, provenientes do bairro onde vive e onde cresceu, e de ligações que estabeleceu noutros contextos.
Durante o período em que o arguido se encontra em OPHVE, de forma geral, tem cumprido com as normas e regras estabelecidas, embora tenha registado alguns incumprimentos, que deram origem ao envio a esse Tribunal de um relatório de incidentes.
No que respeita à atual situação jurídico-penal, CC apresenta fraca consciência critica, assumindo uma postura de vitimização relativamente à mesma, procurando enquadrá-la como decorrente de algumas sociabilidades estabelecidas e que serão alvo de estigmatização social e policial atendendo ao meio social onde residem.
Em termos futuros, o arguido perspetiva vir a habilitar-se com o título legal de condução e, posteriormente, regressar a ... onde pretende voltar a residir e estruturar a sua vida de forma mais sólida, contando para isso com o apoio dos irmãos.
Considera que naquele país terá mais facilidades em organizar a sua vida do ponto de vista sociofamiliar e laboral à semelhança dos irmãos e de outros conhecidos seus.
Em contexto de entrevista, apresentou-se como um jovem com facilidades ao nível da comunicação ainda que por vezes se tenha mostrado defensivo.
Revela alguma imaturidade e dificuldades ao nível do pensamento critico e consequencial.
O seu registo criminal não tem averbadas quaisquer condenações.
4- DD nasceu em ...-...-2003, pelo que tinha 19 anos de idade à data da prática dos factos.
À data da prática dos fatos, DD integrava o agregado familiar da progenitora, juntamente com o seu padrasto e mais cinco irmãos, com cerca de 2, 5, 8, 11 e 17 anos.
Atualmente, para cumprir a presente medida de coação, passou a viver na casa do pai, cujo agregado é constituído pela madrasta e pelo irmão mais velho do arguido, com 21 anos.
No presente agregado familiar as necessidades básicas do arguido e dos familiares são asseguradas pelos rendimentos auferidos pelo seu pai e madrasta, que trabalham na distribuição de cerveja e na área das limpezas, respetivamente.
Refere que ambos os progenitores estiveram presentes na sua infância e desenvolvimento, continuando a existir uma dinâmica familiar caracterizada por suporte afetivo e material, de ambas as partes.
Os pais de DD viviam em ... e separaram-se quando este tinha cerca de 4 anos, passando o arguido a residir com a sua mãe no bairro das galinheiras e os fins-de-semana com o pai no .... Estudou na Escola Básica 2 até ao 4º ano de escolaridade e refere que, na altura, apresentava um elevado aproveitamento escolar.
De seguida integrou a Escola Básica 3 onde reprovou duas vezes, no 5º e 7º ano de escolaridade, por absentismo escolar e por desinteresse nos estudos.
Devido ao elevado número de faltas, foi aconselhado pela psicóloga da escola em questão a integrar a “...”, referindo ter frequentado o “curso de cozinha” que iniciou em 2018. Através deste curso realizou dois estágios profissionais na área da restauração, não identificando os locais concretos onde esteve.
O arguido não terminou a componente escolar necessária para concluir o curso em questão, motivo pelo qual não terminou o 9º ano de escolaridade.
Menciona que, quando soube que tinha reprovado, não voltou ao centro de formação, mesmo tendo, segundo o próprio, obtido uma carteira profissional na área da cozinha. Nesta altura DD manteve o absentismo escolar, começando a consumir substâncias psicotrópicas, nomeadamente haxixe.
Quando decidiu abandonar os estudos começou a cantar, em grupo e individualmente, escrevendo músicas que gravava no ..., em casa de um amigo.
O arguido também gostava de jogar futebol, atividade onde, segundo o próprio, chegou a ser federado no clube desportivo “...”.
Abandonou estas atividades por não ter perspetivado carreira profissional no futuro, tendo mantido os consumos de substâncias psicotrópicas.
A sua rede de sociabilidades foi predominantemente desenvolvida a partir do meio residencial da mãe e do pai, ou seja, na zona do ... e do bairro das galinheiras.
Quando faltava às aulas e nos tempos livres que tinha, juntamente com o grupo de pares, deslocava-se a casa de um amigo para jogar playstation e consumir substâncias ilícitas.
O arguido assume que começou a “andar com más companhias” e sente necessidade de se afastar de pessoas que “não trazem benefícios”.
Rejeita a sua adesão a grupos de pares com caraterísticas desviantes, expressando uma ligação relevante a amigos e companhias ocasionais, provenientes do bairro onde vive e onde cresceu, e de ligações que estabeleceu noutros contextos.
Em 2021 passou a residir com o seu tio paterno DDD no ..., tendo no final desse mesmo ano ido trabalhar durante 2 meses para a ..., com o intuito de ajudar um tio, na apanha da uva, tio esse que reside na ... há cerca de 10 anos e que é proprietário de uma vinha.
Terminado esse período regressou a Portugal, continuando a residir com o seu tio DDD no ... até maio de 2022.
Em janeiro de 2022 iniciou atividade laboral na cadeia de supermercados ..., na zona do ..., na área da reposição, que durou até ser preso à ordem dos presentes autos.
Durante o período em que o arguido se encontra em OPHVE, o sistema de monitorização eletrónica tem registado alarmes indicativos de saídas ilegítimas da habitação, por períodos que variaram entre 9 e 24 minutos, revelando o arguido dificuldades em manter-se permanentemente confinado na habitação.
Acrescenta-se o incumprimento registado a dia 28-03-2023, reportado em relatório de incidentes, que incide sobre a utilização do período de ausência excecional autorizada para outros fins não previstos na autorização concedida.
Em termos futuros, o arguido planeia retomar atividade laboral que lhe permita obter autonomia financeira, adquirir o título legal de condução e constituir família.
O arguido não demonstra interesse em retomar nenhum tipo de ensino que lhe permita aumentar o nível de escolaridade e, relativamente aos consumos aditivos que mantém até então, rejeita a necessidade de tratamento ou acompanhamento especializado
O seu registo criminal tem averbadas as seguintes condenações:
Foi condenado por decisão proferida em 04-12-2020 e transitada em 19- 01-2021, no âmbito do Proc. 182/20.5....., do J..., do Juízo Local Criminal de ..., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, pela prática, em 01-02-2020, de factos consubstanciadores de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 210º, nº1, 263 e 26º do Código Penal.
Foi condenado por decisão proferida em 17-10-2022 e transitada em 08- 11-2022, no âmbito do Proc. 704/22.7....., do J... do Juízo Local de Pequena Criminalidade de ..., na pena de 80 dias de multa, à taxa de 5,00 Euros, pela prática, em 09-05-2022, de factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação, p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98, de 3-01.
5- EE nasceu em ...-...-2004, pelo que tinha 17 anos de idade à data da prática dos factos.
O processo de socialização de EE ocorreu no seio do agregado familiar constituído pelo próprio, pais e duas irmãs mais novas, sendo a dinâmica familiar pautada por relações adequadas.
Verificou-se existir, nomeadamente por parte da mãe, preocupação em manter um modelo educativo adequado e com alguma supervisão.
Na vertente económica, foi descrito um quadro modesto, mas sem alusão a restrições ao nível da satisfação das necessidades básicas.
Ao nível do enquadramento socio residencial, o período da infância e juventude ocorreu em ..., numa zona de habitação social, conotada com várias problemáticas sociais e com práticas delinquentes.
Tendo em conta este contexto, a mãe referiu que o arguido passava vários períodos de tempo em casa dos avós maternos, nas ..., como forma de se afastar do ambiente onde viviam.
No que concerne ao contexto escolar, EE iniciou a seu percurso em idade regular, em ..., onde se manteve até ao 5º ano de escolaridade, tendo neste período averbado uma retenção.
Por decisão dos progenitores, mudou de escola para as ..., onde se manteve até à conclusão do 7º ano.
Novamente em ..., frequentou o 8º ano de escolaridade, que veio a não concluir, acabando por optar por um curso profissional de padaria/pastelaria.
Contudo, após a frequência do primeiro ano do curso desistiu, alegando não se ter adaptado aos conteúdos lecionados.
Após deixar os estudos, com cerca de 17 anos, EE trabalhou na apanha da pêra, na zona das ..., e prestou alguns trabalhos na construção civil com um tio materno.
Na esfera das rotinas diárias e das relações sociais, de acordo com a fontes contactadas, o arguido permanecia em casa a maior parte do seu tempo, por vezes na companhia de amigos, que de acordo com a mãe tratava-se de jovens com quem o arguido estudou.
Em contexto exterior, permanecia pela sua zona de residência, frequentado com regularidade uma associação local denominada “...”, mas, no geral, os seus tempos livres eram passados sem qualquer tipo de atividade estruturada.
À data dos factos que levaram ao presente processo, EE, permanecia integrado no agregado familiar dos pais, frequentando com regularidade a casa dos avós maternos, nas ....
No campo ocupacional, encontrava-se a trabalhar com o tio, na construção civil. Desde que se encontra a cumprir a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica, no campo familiar, o arguido encontra-se integrado no agregado familiar dos avós maternos, tendo-se verificado a existência de laços afetivos coesos e de proximidade entre os vários elementos constituintes do agregado.
Observou-se ainda, um sentimento protetor por parte dos avós e restante família em relação ao arguido. Este beneficia do suporte afetivo da mãe, sendo frequentes os contactos entre os dois.
O pai do arguido veio a suicidar-se alguns dias após a sua reclusão, facto que o arguido não referenciou na entrevista que realizou na DGRSP, tendo este assunto sido abordado apenas pelos familiares.
Ao nível económico, apurou-se pela existência de um quadro estável, sendo que as necessidades do arguido são asseguradas pelos avós, ambos reformados.
Em termos de práticas quotidianas, tendo em conta a medida de coação que lhe foi aplicada, o arguido tem permanecido em casa, sendo que no decorrer da mesma tem apresentado uma postura adequada, tanto na relação com o núcleo familiar onde está inserido, como com os técnicos destes serviços, vindo a cumprir na generalidade as condições que lhe são impostas.
No plano pessoal, EE foi descrito como um jovem tranquilo e com facilidade ao nível das relações sociais.
Foi-lhe traçada uma personalidade determinada, com capacidade para traçar planos de vida, tendo o próprio mencionado que um dos seus objetivos atuais passa por tirar a carta de condução para ter mais facilidade em arranjar trabalho.
Em contexto de entrevista perante os técnicos da DGRSP adotou uma postura formalmente adequada, evidenciando competências pessoais e sociais para elaborar um juízo crítico sobre os assuntos no geral.
No seu discurso revelou capacidade ao nível do discernimento e do pensamento consequencial.
Perante uma abordagem mais generalizada de factos idênticos ao que eclodiram no presente processo, EE revelou ter noção do que é normativo e socialmente esperado, revelando capacidade para elaborar um juízo critico em relação aos factos em questão.
O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu registo criminal.
6- FF nasceu em ...-...-1993, pelo que tinha 29 anos de idade à data da prática dos factos.
À data dos fatos, FF residia sozinho, em ..., freguesia contígua à da morada constantes dos presentes autos.
Inscreveu esta realidade num contexto de orientação pessoal para a autonomia de gestão do seu quotidiano, com autonomia habitacional a partir dos 22 anos de idade.
Permeio, coabitou com uma companheira, relacionamento este que veio a reconhecer como problemático, que determinou o seu alegado primeiro contato com o aparelho de administração da justiça, por violência doméstica, com condenação na referida pena de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova, com termo previsto para 27-06-2024.
Ainda relativamente ao processo supra e factos que estiverem na sua origem, FF esforçou-se em transmitir o desenvolvimento de sentido crítico no que concerne a questões de relacionamentos de intimidade, simultaneamente emitindo juízos de valor no que respeita à sua sujeição a medida probatória.
Aos dezoito anos, após conclusão de curso de formação profissional em informática e gestão bancária, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade, ter iniciado o seu percurso laboral, primeiro, como operador de posto de combustível, função que manteve ao longo de cinco anos.
Concomitantemente, com o intuito de obter maior liquidez financeira, mas também mais tempo e liberdade de gestão deste, o arguido afirmou que durante aquele período habilitou-se com formação na área de ..., o que fez com que posteriormente ingressasse nessa carreira.
Segundo o próprio, houve um investimento pessoal nesta área de trabalho, quer com alternância de entidades empregadoras, quer através do reforço da respetiva formação, em concreto, nas áreas de ... de recintos desportivos e de transporte de valores, sem que lograsse a retribuição por si antecipada.
Nesta sequência, contrariamente a informações constantes no dossier DGRSP do arguido, onde se pode ler que o próprio afirma que a sua deslocação para a ... foi a título de gozo de férias, mais, sem que o pai conhecesse a sua então exata localização, o arguido mais recentemente enquadrou esta mesma deslocação e permanência na cidade de ..., na ..., desde meados de março de 2022, onde inicialmente coabitou com familiares aí fixados, como uma situação programada, em resposta a uma proposta de trabalho.
Esta decisão foi igualmente associada ao propósito de alcançar melhor condição financeira, bem como reatar relacionamento afetivo anterior, o que segundo o próprio se verificou, com coabitação em casa arrendada para o efeito.
Na ..., o arguido mais afirmou ter trabalhado no setor da construção civil, como pintor, conciliando esta atividade com o alegado exercício de funções de vigilante, em estabelecimentos de diversão noturna, sobretudo aos fins de semana.
À presente data, desde 10-11-2022, o arguido reintegrou o agregado familiar de origem, atualmente composto pelos pais e uma irmã de doze anos de idade, entretanto tendo-se autonomizado um irmão mais novo, onde cumpre medida de coação aplicada no âmbito dos presentes autos, que decorre na ausência de ocorrências dignas de registo a esse Tribunal. FF beneficia do apoio dos pais, de forma a assegurar as suas necessidades básicas.
O pai trabalha na área da construção civil e a mãe como empregada doméstica, respetivamente.
O arguido, encontra-se recentemente ativo profissionalmente, exercendo teletrabalho para a empresa ..., na função de telemarketing há cerca de 2 meses. Escolha profissional, realizada para contribuir nas despesas familiares e de forma a ocupar o seu tempo.
Segundo FF, o presente processo causou um impacto abrupto no seu projeto pessoal ao nível profissional, social e familiar e, a nível pessoal causa uma enorme desilusão nos seus pais e elementos da vizinhança onde goza de uma dita hetero-imagem positiva, impossibilitando-o também de continuar uma prática desportiva regular e informal, numa lógica de manutenção ativa de uma boa imagem corporal.
O presente processo teve um impacto significativo no quotidiano do arguido, privando-o de liberdade, perspetivando o arguido regressar à ... logo que tal seja possível e retomar a atividade laboral que estava a praticar até à data de regresso a Portugal.
Pretende recuperar a sua autonomia financeira, de forma a retribuir a ajuda dada pelos seus pais neste momento e se possível implementar o seu próprio negócio na área de ... e ....
Foi condenado por decisão proferida em 25-11-2021 e transitada em 27- 12-2021, no âmbito do Proc. 1037/19.1....., do J... do Juízo Local de ..., na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa por igual período, com a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, pela prática, em 31-12-2019, de factos consubstanciadores do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. b) e nº 2, al. a) do Código Penal.»
Do objeto e âmbito do recurso
11. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso de um acórdão condenatório da 1.ª instância, que:
(a) absolveu todos os arguidos – exceto o arguido AA – da prática de um crime de detenção de arma proibida; e
(b) confirmou a decisão de aplicação, a todos os arguidos, de penas únicas superiores a 8 anos de prisão e de penas parcelares, a todos os arguidos, também superiores a 8 anos de prisão correspondentes a um crime de homicídio qualificado em concurso com um crime de homicídio qualificado tentado a que foram aplicadas penas de prisão inferiores a 5 anos – 4 anos e 6 meses (arguidos AA, BB, , EE e FF) e 4 anos e 9 meses de prisão (arguido DD) – e, num caso (arguido AA), também em concurso com um crime de detenção de arma proibida (a que foi aplicada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão).
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal ad quem, delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).
12. No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, vêm agora os arguidos suscitar as seguintes questões:
a. O arguido AA:
a.1. Da aplicação do regime penal especial dos jovens adultos e consequente atenuação especial da pena;
b. O arguido BB
b.1. Do erro notório na apreciação da prova (conclusões 1 a 6);
b.2. Da aplicação do regime penal especial dos jovens adultos e consequente atenuação especial da pena (conclusões 6 a 9);
c. O arguido DD:
c.1. Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação (conclusões 1 a 7);
c.2. Da nulidade das interceções telefónicas (conclusão 8 a 14);
c.3. Da nulidade da prova retirada dos telemóveis apreendidos e da prova obtida por interceções telefónicas (conclusões 15 a 21);
c.4. Da pretensão de absolvição da prática dos crimes de homicídio qualificado (consumado e na forma tentada) e da condenação por crimes de ofensa à integridade física simples e qualificada (conclusões 22 a 25);
c.5. Da adequação das penas parcelares e da pena única (conclusões 26 a 32, 34 e 35);
c.6. Da aplicação do regime penal dos jovens adultos (conclusão 33).
d. O arguido EE
d.1. Da insuficiência da matéria de facto dada como provada para a condenação do recorrente - al. a) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P (conclusão I);
d.2. Da contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão a propósito dos factos provados em 1 a 15, por um lado, e aos factos não provados - alínea b) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P. (conclusão II);
d.3. Do erro de apreciação da prova e do erro de julgamento dos factos 1 a 15 (conclusão III);
d.4. Da nulidade por falta de fundamentação relativamente à matéria dos factos 1 a 15 (conclusão IV);
d.5. Da insuficiência para a decisão, dos factos provados em 1 a 15 dos (conclusão V e VII);
d.6. Da errada qualificação jurídica dos factos (conclusão VI);
d.7. Do reenvio do processo para novo julgamento (conclusão IX).
e. O arguido FF
e.1. Da falta de fundamentação do acórdão recorrido (conclusão 3),
e.2. Da nulidade da prova obtida mediante escutas telefónicas (conclusões 4 a 7);
e.3. De vício de erro na apreciação da prova – n.º 2, alínea c) do artigo 410º do CPP (conclusões 8 a 13);
e.4. Do erro de julgamento dos pontos 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados (conclusão 14 a 21);
e.5. Da violação do princípio in dubio pro reo (conclusão 22);
e.6. Do erro de qualificação jurídica dos factos como crimes de homicídio e da pretensão de qualificação como crimes contra a integridade física (conclusões 23 a 29);
e.7. Da violação do princípio ne bis in idem (conclusões 30 a 35);
e.8. Do erro na determinação da medida da pena (conclusões 36 a 39).
Quanto à admissibilidade (parcial) e à delimitação do recurso
13. Tendo os recorrentes sido condenados em penas únicas e parcelares superiores a 8 anos e a penas parcelares inferiores a 5 anos (supra, 11), e vindo alegadas questões relativas à decisão em matéria de facto, há que, como questão prévia, verificar a recorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação2.
Assim se conhecendo também da questão prévia da rejeição parcial do recurso, que o Ministério Público suscita, em seu parecer, no que respeita à condenação dos recorrentes pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º do Código Penal, com a agravação a que alude o artigo 86º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, aos vícios do acórdão recorrido e nulidades a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, e 379.º n.º 2, do CPP, aos alegados erros de valoração da prova e violação do princípio in dubio pro reo (supra, 8).
14. Como tem sido repetidamente afirmado, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação que conheceu daquele recurso (por todos, o acórdão de 13.03.2024, Proc. 26/19.0PJSNT.L1.S1, em www.dgsi.pt, que, nesta parte, se passa a seguir de perto).
O recurso, que não serve para conhecer de novo da causa, constitui apenas um “remédio processual” que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objeto de decisão do tribunal de que se recorre3, estando subtraído ao tribunal ad quem a apreciação de questões novas, isto é, de questões não apreciadas pelo tribunal recorrido, sem prejuízo do regime de conhecimento de nulidades da decisão recorrida.
15. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP que «não é admissível recurso (…) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância» (redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, e da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, com aditamento do segmento final «exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância»)4.
Por sua vez, a alínea f) do mesmo preceito (redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto) estabelece que «não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que a Lei n.º 94/2021 manteve inalterada, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça «de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º», disposição que enumera as exceções ao regime-regra de recorribilidade dos acórdãos, sentenças e despachos, previsto no artigo 399.º.
16. Resulta, assim, que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância ou penas inferiores a 5 anos ou de substituição em caso de absolvição em primeira instância, regra que é aplicável quer se trate de penas singulares quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas a esses crimes5.
Conforme jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça, apenas é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação – casos de “dupla conforme” (confirmação da condenação) incluindo a confirmação in mellius (confirmação da condenação em pena inferior à aplicada em primeira instância) –, quando a pena aplicada for superior a oito anos de prisão, constituindo objeto de conhecimento do recurso apenas as questões que se refiram a condenações em pena superior a oito anos, seja esta uma pena parcelar ou uma pena única6.
17. Como se tem assinalado, este regime efetiva de forma adequada a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição enquanto componente do direito de defesa em processo penal , reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos [artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP, ONU) e artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH, Conselho da Europa)].7
Em «jurisprudência ampla, sucessiva e reiterada», vem o Tribunal Constitucional reafirmando que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição» ou de «um duplo grau de recurso», em relação a quaisquer decisões condenatórias. Citando o acórdão n.º 57/2022, com abundante referência de jurisprudência: «(…) não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição o direito a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, dispondo o legislador de liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (…), posto que os critérios consagrados não se revelem arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. Acresce que este Tribunal tem também reiteradamente entendido não ser arbitrário, nem manifestamente infundado, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (…).» (neste sentido, entre os mais recentes, os acórdãos 640/23, 513/23, 249/23, 733/22, 659/22, 400/22 e 341/22, em https://acordaosv22.tribunalconstitucional.pt).
18. Esgotando-se no tribunal de relação a apreciação, em recurso, da decisão em matéria de facto – artigo 428.º do CPP, segundo o qual, as relações conhecem de facto e de direito –, o recurso interposto para o STJ, nos termos do artigo 434.º, do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21-12, visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, que dizem respeito aos recursos de decisões das relações proferidas em 1.ª instância e aos recursos de acórdãos proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, os quais, por força desta alteração legislativa, passam a admitir recurso para o STJ com os fundamentos (vícios da sentença e nulidades processuais) previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP.
Não sendo o caso – pois que se trata de recurso de acórdão da Relação proferido em recurso, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP –, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, sem prejuízo, como se notou, do conhecimento oficioso destes vícios e nulidades em vista da boa decisão de direito, que possa ser prejudicada ou afetada pela sua subsistência, conforme jurisprudência firme deste tribunal.
Como se tem afirmado, em jurisprudência constante, a apreciação da questão da observância do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à valoração e apreciação das provas, apenas pode efetuar-se no âmbito da apreciação dos vícios a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
Como se consignou no acórdão de 4.12.2024, Proc. 17/21.1JAFAR.E1.S1 (em www.dgsi.pt) «conforme jurisprudência constante, e sem prejuízo da inadmissibilidade do recurso de acórdão da Relação proferido em recurso com fundamento nos vícios e nulidades a que se refere o artigo 410.º do CPP (artigo 432.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPP, lidas conjuntamente, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), a alegada violação do princípio in dubio pro reo e do principio da presunção da inocência (que é emanação daquele), atinentes à decisão em matéria de facto, apenas podem ser conhecidos em recurso para o STJ, restrito a matéria de direito, no âmbito da apreciação daqueles vícios [assim, por todos, o acórdão de 22/04/2020, Proc. 96/16.3T9ALD.C1.S1 (do sumário), em www.dgsi.pt: «III. A violação do princípio in dubio pro reo, como princípio de direito atinente à apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, «resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP IV. Não se revelando do texto da decisão recorrida que o Tribunal da Relação enfrentou uma situação de non liquet na apreciação da prova que teve de levar em conta para a decisão em matéria de facto e que ficou na dúvida ou que a decisão proferida não se encontra fundada em provas de modo a não deixar dúvidas inultrapassáveis sobre o sentido da decisão, não se pode afirmar ter-se verificado uma violação deste princípio.»].
19. Estando o Supremo Tribunal de Justiça, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, nelas se incluindo as relacionadas com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas correspondentes aos tipos de crime realizados pela prática desses factos8.
Assim, tendo em conta o disposto nos artigos 399.º e 400.º, n.º 1, al. e) – quanto aos crimes punidos com penas inferiores a 5 anos de prisão –, 432.º, n.º 1, al. b) – quanto aos invocados vícios da decisão recorrida e nulidades – e 428.º e 434.º do CPP – quanto à não atribuição ao Supremo Tribunal de Justiça de poderes de cognição em matéria de facto –, não é, quanto às questões que lhes dizem respeito, admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Dispõe o artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP que o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, de acordo com n.º 2 do artigo 414.º, segundo o qual o recurso não é admitido quando, entre outros motivos, a decisão for irrecorrível.
A decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior (artigo 414.º, n.º 3, do CPP).
Em consequência, rejeita-se o recurso nesta parte.
20. Tendo, pois, presente que a decisão em recurso é o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que reapreciou, em recurso, a decisão proferida pela 1.ª instância, examinado o texto do acórdão recorrido em si e à luz das regras da experiência, como impõe o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nada se encontra que denuncie uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, uma contradição da decisão de facto ou entre a fundamentação e aquela decisão ou um erro notório na apreciação da prova.
Assim, não se evidenciando vícios ou nulidades de que cumpra oficiosamente conhecer (artigos 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), limita-se a apreciação do recurso às questões relacionadas com:
(a) as alegadas proibições de valoração da prova do crime de homicídio qualificado consumado (recursos dos arguidos FF e DD),
(b) a questionada qualificação jurídica do crime de homicídio consumado (recursos dos arguidos DD, EE e FF),
(c) a não aplicação do regime penal aplicável aos jovens adultos (recursos dos arguidos AA, BB e DD), e
(d) a medida das penas parcelares aplicadas ao crime de homicídio consumado e das penas únicas (recursos dos arguidos DD, EE e FF),
Acima identificadas em 12.a.1, 12.b.2, 12.c.2, 12.c.3, 12.c.4, 12.c.5, 12.c.6, 12.d.6, 12.e.2, 12.e.6 e 12.e.8.
Quanto às alegadas proibições de prova (supra, 12.c.2, 12.c.3 e 12.e.2)
21. Invoca o arguido FF a nulidade das escutas telefónicas realizadas por estas «haverem sido dirigidas contra pessoa que não tinha o estatuto quer de arguido quer de suspeito», pois as interceções visaram testemunhas, constituindo, por isso, em sua alegação, provas proibidas que não podiam ser utilizadas (conclusões 5 a 7).
Repetindo o que alegou perante o Tribunal da Relação, diz, em síntese, o arguido FF na motivação:
«Se é verdade que nos termos do art.º 187.º, n.º 4, al. b) as escutas podem ser autorizadas contra pessoas que sirvam de intermediário, a questão é que nos presentes autos, as testemunhas SS e RR (aliás, na realidade nenhuma das outras testemunhas) foi considerada como intermediária, tão pouco suspeita da prática dos crimes que se encontravam em investigação nos presentes autos.
Não temos qualquer dúvida que estamos perante uma manifesta violação do preceituado no art.º 34º da CRP (…).
Perante tamanha violação dos mais elementares princípios orientadores dos meios de obtenção de prova, devem todas as escutas realizadas nos presentes autos, no que concerne às testemunhas LL, JJ, QQ, RR, SS, KK, TT e uma UU (mãe do Sandro), esta última nem sequer chegou a ser arrolada como testemunha, serem declaradas nulas, por serem prova proibida e, como tal, não podendo ser utilizadas.
Tal como supra referido, sendo um meio de prova proibido, ilícito, torna-se numa nulidade insanável, impedindo a utilização da prova obtida por seu intermédio, conforme o disposto nos arts. 126.º, n.º 3 e 190.º do CPP. (…)
5 Por outro lado, não menos importante está no facto da proibição de valoração de prova resultar na impossibilidade da prova proibida poder ser valorada no processo e as proibições de produção de prova, são verdadeiras limitações à descoberta da verdade.
Perante a alegação de nulidade que supra se indicou, atente-se ao disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal, que se reporta aos efeitos dessa declaração, nos seguintes termos:
«1 – As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.
2 – A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3 – Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.»
Na realidade as escutas telefónicas autorizadas nos autos deram origem a muitas outras. E com base no conteúdo destas escutas, foram realizadas todas as restantes diligências de investigação que os autos exibem.
Ou seja, apenas a prova obtida com abusiva intromissão nas telecomunicações – decorrente da decisão que, pela primeira vez nos autos, autorizou escutas telefónicas – tornou possível a realização de todas as outras diligências probatórias realizadas nos autos.
Ou seja, a prova derivada só foi possível em virtude da prova viciada.
Ora, perante este vício, todas as diligências subsequentes às primeiras escutas telefónicas ordenadas nos autos, não teriam existido se as primeiras não tivessem sido ordenadas.
Assim sendo, toda a prova em que o Tribunal “a quo” fundamentou a decisão recorrida se encontra afetada pela declaração de nulidade das primeiras escutas telefónicas ordenadas, não podendo, por isso, ser utilizada.
Ora, considerando tal desiderato, tal nulidade terá de expurgar a matéria de facto dada como provada, impondo-se, naturalmente, a sua alteração.»
22. Idêntica argumentação utiliza o arguido DD, retomando o que havia alegado perante o Tribunal da Relação (conclusões 8 a 13).
No essencial, diz o arguido DD na motivação:
«Nos autos as interceções iniciaram-se com familiares de suspeitos, tendo sido consideradas relevantes para a acusação e como meio de prova as interceções entre a mãe e a namorada de um dos arguidos.
Ora, nem a mãe nem a namorada de um suspeito são suspeitas nem arguidas, nem havia fundada suspeita de que as mesmas servissem de intermediárias ou que recebessem qualquer comunicação destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido, e muito menos que fossem vítimas.
A mera presunção de que apenas por ser mãe e namorada de um suspeito leva a pressupor que as mesmas possam vir a estabelecer qualquer contacto com o mesmo, mas nem tendo esse contacto qualquer conexão com o crime em causa, é amplamente extravasar a letra e o espírito da lei. (…)
Não havendo qualquer conexão entre a mãe e a namorada com os crimes investigados não podiam tais autorizações de interceções terem sucedido, violando-se assim o art.º 190º do Cód. processo Penal e encontrando-se aquelas interceções feridas de nulidade insanável, o que se requer.
Sendo que as interceções e depoimentos das testemunhas JJ e KK apenas ocorreram e apenas a investigação teve conhecimento da existência dessas pessoas por ser a primeira amiga e a segunda mãe da LL, que era a namorada do arguido AA, e por isso foi alvo de interceção.
Verifica-se assim a nulidade insanável de todas aquelas interceções telefónicas nos termos do art.º 190.º do Cód. Processo Penal, sendo que face a essa nulidade nem a identidade daquelas testemunhas seria conhecida, pelo que se encontra igualmente essa prova testemunhal ferida de nulidade por efeito à distância da primeira nulidade.
Não esquecemos ter o arguido ora recorrente, assim como a maioria dos arguidos, assinado termo de consentimento para que o seu telemóvel fosse acedido.
Mas uma coisa é o termo de consentimento, ou seja, a desnecessidade de autorização judicial para aceder ao telemóvel, outra coisa é a validação da apreensão e a junção aos autos como prova documental.
Inexiste nos autos (ou pelo menos a defesa não encontrou e penitencia-se se o erro for seu) qualquer despacho de apreensão pelo Mmo JIC.
Com todo o respeito e salvo melhor entendimento, não pode ser considerada a autoridade competente nos termos e para efeitos do disposto na Lei do Cibercrime o MP, mas sim o Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal.
A Lei do Cibercrime neste ponto é clara, quando são apreendidos dados ou documentos informáticos com conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos que possam pôr em causa a privacidade do titular ou de terceiro, são sob pena de nulidade apresentadas ao Exmo. Sr. Juiz de Instrução que pondera da sua junção aos autos tendo em conta os interesses no caso (artº 16º, nº 3).
Ora, os telemóveis contém muitas vezes dados íntimos e até fotografias íntimas.
Não tendo sequer nunca essa apreensão sido validada pelo Mmo. JIC mo que respeita aos documentos extraídos dos telemóveis dos arguidos e que contam entre outros de fls. 2808 a 3019. (…)
Assim sendo, dúvidas não restam que estamos perante prova proibida que são autênticos limites à descoberta da verdade material.
Deste modo, esta proibição de prova não pode deixar de se estender às provas que foram obtidas em resultado de tal extração de dados, sendo nulas todas as diligências de prova que vierem a ter lugar após o acesso aos referidos telemóveis.
A doutrina dos frutos da árvore envenenada (em inglês, “fruits of the poisonous tree”) é uma metáfora que faz comunicar o vício da ilicitude da prova obtida com violação a regra de direito material a todas as demais provas produzidas a partir daquela. Aqui tais provas são tidas como ilícitas por derivação.
Com efeito, toda prova produzida em consequência de uma descoberta obtida por meio ilícito, estará contaminada pela ilicitude, considerada ilícita por derivação.
Atento o exposto, requer-se a V.Exas. que declare toda a prova retirada dos telemóveis apreendidos como proibida, por serem nulas.
Sendo igualmente nulas por derivação as provas obtidas através das intercepções telefónicas nos termos e para efeitos do artº 32º, nº 8 da CRP e artº 126º, nº 3 do CPP, Nulidades insanáveis essas que desde já se invocam e que são extensíveis aos demais arguidos!»
23. O Tribunal da Relação apreciou e decidiu estas questões nos seguintes termos:
«A) Da apreensão dos telemóveis e da apreensão dos dados neles contidos
Preliminarmente, com vista à decisão deste segmento recursivo, como decorre pacificamente dos autos e do acórdão recorrido, urge realçar que:
- Todos os arguidos com excepção do AA prestaram consentimento escrito a permitirem que fosse efectuada pesquisa informática do conteúdo dos telemóveis que, respectivamente, lhes foram apreendidos;
- Os consentimentos prestados não foram, por alguma forma, impugnados;
- Pese embora o recorrente AA tenha, outrossim, invocado a proibição de prova relativamente ao conteúdo extraído dos telemóveis dos arguidos, no que a ele próprio respeita, como decorre cristalinamente do acórdão recorrido, o Colectivo a quo decidiu declarar que: «(…) dada a ausência de despacho a determinar a junção aos autos do conteúdo do telemóvel do mencionado arguido, correspondente a comunicações por meio da plataforma whatsapp, estamos ante a violação do disposto no art.° 179°, n.° 3 do Código Processo Penal e, nessa medida, ante prova proibida, nos termos previstos no art. 126º, nº 3 do CPP, o que se declara, julgando procedente a arguição de vício invocada»
Efectuados estes esclarecimentos e pese embora o esforço argumentativo dos recorrentes, há que consignar, desde já, que não lhes assiste qualquer razão neste conspecto.
Vejamos.
Na verdade, como decidiram as Sras. Juízas do Tribunal a quo, desde logo e ao contrário do veiculado pelos recorrentes, a apreensão dos telemóveis stricto sensu não se confunde com o, eventual e posterior, acesso aos dados informáticos que os mesmos possam conter.
A apreensão dos telemóveis é efectuada sob a égide normativa do art. 178º do C.P.P. e só a subsequente apreensão dos dados neles contidos reclama conformidade com o disposto no art. 17º da Lei n.º 109/2009, de 15/9 (Lei do Cibercrime).
«Embora se reconheça que, em muitos casos, a apreensão de telemóveis e de equipamentos semelhantes tenha fundamentalmente em vista propiciar o ulterior acesso aos dados informáticos que neles se possam eventualmente conter, incluindo as mensagens de correio electrónico e os registos de comunicações de natureza semelhante, não se pode reconduzir a apreensão do suporte em que está instalado o sistema informático à apreensão dos dados nele contidos, incluídos neles as mensagens de correio electrónico e registos de comunicações semelhantes. Basta lembrar que a apreensão de objectos, nos termos do artigo 178.º e ss. do Código de Processo Penal, não tem apenas por fim a recolha de prova, mas também abarca a apreensão de objectos que possam vir a ser declarados perdidos a favor do Estado por constituírem instrumentos da prática do crime.
Mesmo quando a apreensão de um telemóvel se justifica apenas pelas mensagens de correio electrónico que nele eventualmente se encontram, a apreensão do aparelho, que deve ser feita em conformidade com o artigo 178.º do Código de Processo Penal, distingue-se claramente da apreensão das mensagens que nele se contêm, regulada no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, porque a primeira ocorre antes da verificação da existência das mensagens de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, enquanto a segunda pressupõe a comprovação dessa mesma existência. Não é pelo facto de a conservação dessas mensagens ser feita no próprio aparelho que poderá confundir-se as duas situações»
«Embora tradicionalmente associada à prova, a apreensão é, pois, apenas uma mera medida conservatória de certos bens, seja porque eles têm interesse probatório, seja porque eles devem, no final, ser declarados perdidos. O que está em causa é só a imposição de um vínculo de indisponibilidade sobre uma coisa, com carácter provisório, com vista à sua utilização processual»9
Acresce que, autoridade judiciária, na definição do art. 1.º, alínea b) do C.P.P. é, para além do Juiz de Instrução, o Ministério Público e, como tem sido entendido pela jurisprudência10, a validação da apreensão ínsita no art. 178º do C.P.P. pode até ser implícita, desde que inequívoca, e o prazo das 72 horas respeita, somente, à dilação temporal máxima de apresentação à autoridade judiciária competente.
Consequentemente, tendo a apreensão dos telemóveis sido, in casu, efectuada, na fase de inquérito, pelo órgão de polícia criminal competente (Polícia Judiciária) e validada pelo Ministério Público (autoridade judiciária na definição do art. 1.º, alínea b) do C.P.P. e dominus do inquérito) em observância do preceituado no art. 178º, n.º 1, 3 e 6 do C.P.P., outra conclusão não resta senão a de que inexiste, na apreensão dos telemóveis stricto sensu, qualquer desvio legal.
No que à pesquisa de dados informáticos concerne, como acima se deixou mencionado, todos os arguidos (com excepção do recorrente AA, mas relativamente ao qual a prova então recolhida foi já declarada proibida pelo Tribunal a quo) consentiram livremente e em registo documentado na sua realização.
Assim sendo, tal como referido no Acórdão do S.T.J de 27 de Agosto de 2021, processo n.º 1/20.2F1PDL.S1, in www.dgsi.pt. «(…) pode o OPC, obtido consentimento livre - com registo documentado -, de quem tem o respetivo domínio ou disponibilidade, pesquisar dados específicos e determinados armazenados no correspondente suporte informático (incluindo dispositivos como os telemóveis). Como sucedeu no caso dos autos. O consentimento na pesquisa dispensa, salvo disposição em contrário, o controlo e validação posterior da autoridade judiciária, porque, nessas circunstâncias, a intromissão na privacidade ou na correspondência do titular dos correspondentes direitos fundamentais não é abusiva»
E se é certo que, nos termos do art. 15.º, n.º 4, al. b) da Lei do Cibercrime, a pesquisa, mesmo que consentida, reclama a elaboração de relatório, onde se mostrem insertos o resumo das pesquisas efectuadas, os resultados obtidos, a descrição dos factos indiciados e respectivas provas (o que ocorreu no caso e não é, por alguma forma, posto em causa), não se vislumbra que, como sustentado pelos recorrentes, também nas situações em que ocorreu o consentimento, tenha que ocorrer posterior validação e maxime pelo juiz de instrução.
Como enfática e exaustivamente ficou consignado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Julho de 2020, processo n.º 165/18.5JASTB.L1-3, in www.dgsi.pt. «O princípio da livre apreciação da prova genericamente consagrado no artigo 127º do CPP, assenta, entre outras regras, na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
O artigo 126º nº 1 do Código de Processo Penal estabelece a nulidade das provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e o nº 2 enumera as situações que se reconduzem a alguma dessas ofensas: a perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos, na al. a); a perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação, na al. b); o uso da força fora das condições legais em que a mesma é permitida, na al. c); a ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto e, por fim, na al. e) a promessa de vantagem legalmente inadmissível. Trata-se de proibições absolutas, o que implica que em caso algum, as provas obtidas através de tais procedimentos poderão ser tidas em conta. Pura e simplesmente, jamais poderão ser utilizadas, nem mesmo com o consentimento do próprio titular, uma vez que atentam contra direitos indisponíveis.
Já o mesmo não pode dizer-se em relação a outras proibições de prova que são as contempladas no nº 3 do mesmo art. 126º.
Estas são proibições relativas, na medida em que caso as provas sejam recolhidas com prévia autorização ou consentimento dos titulares dos direitos ali previstos, as mesmas provas são válidas e eficazes e são susceptíveis de valoração, podendo fundamentar a convicção do Tribunal, na fixação da matéria de facto.
Incidem sobre os processos de obtenção de provas à custa da intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, que, apesar da sua tutela constitucional, mantêm a natureza de direitos disponíveis.
Neste caso, a proibição de valoração só se verificará, se e quando, as provas forem obtidas à custa da ofensa a tais direitos à reserva da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações e sem o consentimento dos respectivos titulares para o efeito.
O art.º 126.º encerra, pois, dois graus de intensidade da proibição: quanto a provas obtidas à custa do direito à integridade física e moral, a interdição do seu uso é absoluta e incluí os direitos enumerados nos nºs 1 e 2; já no que se refere a provas obtidas mediante a compressão da privacidade da pessoa humana, a interdição é sanável pelo consentimento do titular do direito, conforme a previsão contida no nº 3.
Este consentimento poderá ser prestado, antes ou depois do procedimento abusivo, seja através de autorização expressa para a obtenção da prova, seja por efeito da renúncia a arguir a nulidade, ou da aceitação dos efeitos do acto, com a consequente transformação da proibição de prova, em prova admissível e válida (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 2007, em anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524; Maia Gonçalves, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, 1989, pág. 195, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, Dezembro 2007, pág. 326, anotação 3).
Pese embora as proibições de prova e as nulidades sejam conceptualmente autónomas mesmo para quem aceite que essa autonomia é apenas dogmática e considere que os correspondentes regimes jurídicos estão numa relação de especialidade (em que o regime das nulidades é o regime geral e o das proibições de prova apresenta certas especificidades que obrigam à adaptação daquele a estas, v.g. Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, p. 195; Paulo Sousa Mendes, As Proibições de Prova no Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coimbra, Almedina, 2004, p. 148-149), não pode deixar de reconhecer que a imposição de limites à própria investigação criminal quando o desenvolvimento desta implica violações intoleráveis a direitos fundamentais dos cidadãos por ela visados, a um ponto tal que as razões éticas que impõem a verdade material são precisamente as mesmas que não podem deixar de a proibir, sob pena de investigador e criminoso ficarem no mesmo patamar, com total quebra da legitimidade do Estado na administração da justiça penal, envolve muito mais do que meras sanções à inobservância de formalidades legais referentes à forma ou ao iter processual adotado na recolha das provas, que é do que se trata com a previsão das nulidades.
É verdade que o efeito necessário mais imediato e puramente literal da obtenção de provas através da violação de algum destes direitos fundamentais é, num caso como noutro, a nulidade das provas assim obtidas, o que está em perfeita sintonia com o teor literal da norma contida no art. 32º nº 8 da CRP.
Mas trata-se de um mínimo legal de protecção que não pode deixar de se correlacionar com os valores do Estado de Direito Democrático, sobretudo, quanto ao equilíbrio que é imperioso estabelecer entre os interesses de natureza e ordem pública inerentes à prevenção e repressão da criminalidade, ao direito punitivo do Estado, na administração da justiça penal, onde avultam os princípios da livre apreciação da prova e da descoberta da verdade material e entre os direitos dos cidadãos a processos justos e equitativos, com observância da presunção de inocência, das suas garantias de defesa e do exercício do contraditório, bem assim, dos seus direitos fundamentais, interligados com o princípio da dignidade da pessoa humana, anunciado logo no art. 1º da Constituição.
Por isso, mais do que uma simples declaração de nulidade pautada por critérios de validade, uma prova proibida é inadmissível, ou seja, nem sequer é tolerável pelo ordenamento jurídico, não pode sequer ser utilizada no processo e essa inadmissibilidade perdura para além do trânsito em julgado da decisão que a tiver valorado, é cognoscível a todo o tempo e constituí fundamento de recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 449º nº 1 al. e) do CPP, jamais se sanando, nem podendo ser repetida, daí que o seu regime jurídico não seja identificável, nem sobreponível ao das nulidades, sendo autónomo deste (neste sentido, Helena Morão, O efeito à Distância das Proibições de Prova no Direito Processual Penal Português, RPCC, Ano 16, 4º, Coimbra Editora, 2006, p. 594; João Conde Correia, A Distinção entre a Prova Proibida por Violação dos Direitos Fundamentais e Prova Nula numa Perspectiva essencialmente Jurisprudencial, Revista do CEJ, número especial, 1º Semestre, nº 4, Coimbra Almedina, 2006, p. 192; Luís Pedro Martins de Oliveira, Da Autonomia do Regime das Proibições de Prova, , p. 257 e seguintes, in Prova Criminal e Direito de Defesa, Estudos Sobre a Teoria da Prova e Garantias de Defesa em processo Penal, coordenação Teresa Pizarro Beleza e Frederico Lacerda da Costa Pinto, Almedina, Março de 2019).
Aparte a dilucidação de questões doutrinárias complexas quanto à autonomia apenas conceptual entre as proibições de prova e o regime das nulidades ou à autonomia tanto dogmática quanto jurídica, dos respectivos regimes jurídicos, duas realidades são certas: uma, a de que sendo a prova proibida, à luz do art. 126.º n.º 1 ou à luz do art. 126.º n.º 3 do CPP, jamais poderá ser utilizada no processo; outra, a de que a obtenção de prova digital, no que tange à pesquisa e apreensão de dados informáticos, estando sujeita ao regime jurídico contido nos arts. 15.º e 16.º da Lei 109/2009, de 15 de Setembro porque os mesmos se referem a direitos de preservação da intimidade e privacidade pessoais, em geral, se obtidos à custa da compressão ilícita desses direitos encerram proibições relativas de prova, portanto, passíveis de reconversão em meios de prova admissíveis se houver consentimento, nesse sentido, prestado pelo titular dos direitos visados.
É uma realidade que os dados de tráfego ou de base, gerados pelo acto de comunicar através de um sistema informático e por sistemas de telecomunicações se revelam, por vezes, mais importantes do que o teor das comunicações em si e «que a manipulação ilegal ou ilegítima do conteúdo e das circunstâncias da comunicação pode violar a privacidade dos interlocutores intervenientes, atentando ou pondo em risco esferas nucleares das pessoas, das suas vidas, ou dimensões do seu modo de ser e estar. De sorte que a possibilidade de se aceder aos dados das comunicações colide com um conjunto de valores associados à vida privada que fundamentam e legitimam a proteção jurídico-constitucional» (Costa Andrade, "Bruscamente no verão passado - A Reforma do Código de Processo Penal", Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137.º, julho-agosto 2008, pág. 338).
Assim, consoante a natureza e a classificação dos dados informáticos (ela própria variável em função dos avanços tecnológicos e das fontes normativas a que se recorra, conforme Catarina Sarmento e Castro, Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais, Almedina, 2005, p. 181), consoante os dados sejam de tráfego, de base ou de conteúdo, assim a sua pesquisa e apreensão postulará a sua conformidade constitucional com o segredo das comunicações (art. 34º da CRP), ou com os direitos ao desenvolvimento da personalidade e da reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º nº 1, da CRP), ou com o direito à autodeterminação informativa (artigo 35º nº 1 da CRP) (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 241/2002, 486/2009, 403/2015, 699/2013 e 420/2017, todos in www.tribunalconstitcional.pt).
«(…) O objeto de proteção do sigilo de comunicações, consagrado no n.º 4 do artigo 34º da Constituição, reporta-se exclusivamente à interatividade entre utilizadores, possibilitada por meios como o correio eletrónico, o chat ou a videoconferência (utilizador-utilizador). Já os dados de internet tratados para outro tipo de interatividade, nomeadamente a do utilizador com o computador e os respetivos programas (de organização, pesquisa e seleção de informação) e a navegação intra e inter documentos publicados nas páginas web, estão fora do âmbito de proteção daquele preceito constitucional.
«Todavia, como o tratamento informático dessa categoria de dados permite identificar o nome, morada e outros dados de identificação do utilizador, os mesmos são considerados "dados pessoais" protegidos pelo artigo 35º da Constituição.
«(…) Portanto, a informação constante dos dados de tráfego, mesmo que separada de um processo de comunicação intersubjetiva, é considerada de caráter pessoal, pois permite identificar o respetivo titular.
«Subsiste assim, em relação a essa categoria específica de dados de tráfego, a pertinência na verificação da conformidade constitucional da norma à luz do direito fundamental à autodeterminação informativa, consagrado no artigo 35.º, nºs 1 e 4, da Constituição.
(…) o acesso àqueles dados de tráfego que envolvem comunicação entre pessoas (mensagens de correio eletrónico, chamadas de telemóvel, conversas por Voip, designadamente, Skype ou Whatsapp) estará, na referida perspetiva, abrangido, desde logo (e sem prejuízo de também se tratar de dados pessoais tutelados nos termos dos citados artigos 26º nº 1 e 35º nºs 1, 3 e 4), pelo âmbito de proteção do artigo 34.º n.º 4 da Constituição.» (Ac. do TC nº 464/2019, Diário da República n.º 202/2019, Série I de 21.10.2019).
E o Tribunal Constitucional vem aferindo a conformidade constitucional das intromissões nos dados de tráfego, nos dados de base ou nos dados de conteúdo (de comunicação propriamente dita), à luz destes diferentes direitos constitucionais, para efeitos de investigação penal, mas sempre reconhecendo que os mesmos não têm valor absoluto, sendo-lhes aplicável o regime das restrições aos direitos, liberdades e garantias do art. 18.º n.ºs 2 e 3 da CRP e contando-se entre as excepções legítimas ao pleno exercício de tais direitos, as finalidades da investigação criminal, concretamente, a utilização desses dados como meios de prova em processo penal e, ainda que todos eles, reconduzindo-se a um direito global à privacidade pessoal como reserva da intimidade da esfera privada e, mais amplamente, ao direito ao desenvolvimento da personalidade consagrados no artigo 26º da Constituição, mantêm a natureza de direitos disponíveis ( no mesmo sentido, Paula Ribeiro Faria, em “Constituição Portuguesa Anotada” dirigida por Jorge Miranda e Rui Medeiros, tomo 1, pág. 383, da ed. de 2005, da Coimbra Editora, Pedro Pais de Vasconcelos, em “Protecção de dados pessoais e direito à privacidade”, em “Direito da sociedade da informação”, vol. I, pág. 252, da ed. de 1999, da Coimbra Editora, o Parecer n.º 21/2000 da P.G.R., no D.R. II Série, de 28.08.2000; Flávio Carneiro da Silva, Apreensão e Utilização Processual de Meios de Prova Existentes em Material Informático, p. 21, in e-book do CEJ, Meios de obtenção de prova e Medidas Cautelares e de Polícia, Abril de 2019, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_MeiosProva.pdf e Henriques Ferreira de Antas e Castro, Apreensão, exame ou perícia, e utilização processual de meios de prova existentes em material informático. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual, p. 52, in e-book do CEJ, Meios de obtenção de prova e Medidas Cautelares e de Polícia, Abril de 2019, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_MeiosProva.pdf.).
(…) E, em sintonia com a natureza disponível destes direitos, a lei do cibercrime prevê situações especiais em que é possível ao OPC proceder à pesquisa de dados sem prévia autorização do MP e entre elas, conta-se, no art. 15º nº 3 al. a), o consentimento de quem tiver a disponibilidade ou controlo dos dados, desde que fique devidamente documentado.
Ainda que possa e deva considerar-se, à semelhança do que é exigido pelo art. 174º nº 5 al. c) do CPP que exige o consentimento do visado ( e não apenas o de quem tiver a disponibilidade ou controlo dos dados) que só o próprio titular dos direitos postos em crise ou comprimidos com o acesso aos dados informáticos tem legitimidade substantiva e processual para autorizar essa recolha e a sua consideração como provas válidas e eficazes (cfr. nesse sentido, João Conde Correia, Prova Digital: as leis que temos e a lei que devíamos ter, Revista do Ministério Público nº 139, Ano 35, Junho- Setembro 2014, p. 51), pois que, mantendo a natureza de direitos disponíveis, essa disponibilidade só pode estar na esfera jurídica da pessoa a quem o bem jurídico visado pela previsão constitucional é reconhecido ou atribuído, o que é certo é que uma vez prestado o consentimento pelo titular dos dados informáticos, para o acesso e apreensão dos mesmos, para a investigação criminal, fica definitivamente afastada qualquer ilicitude do procedimento de obtenção dessas informações.
Sendo assim, a junção da prova digital pelos órgãos de polícia criminal, no decurso de uma pesquisa informática consentida não carece para ser admissível, válida e eficaz de prévia autorização da autoridade judiciária, independentemente da natureza dos dados obtidos, justamente em face do consentimento previamente prestado pelo titular dos dados, ficando, por essa via, afastada a aplicação dos artigos 16.º n.ºs 1 e 3 e 17.º da lei do cibercrime, o que não encerra inconstitucionalidade alguma, em virtude da natureza disponível dos direitos em causa, nos termos que já ficaram acima expostos e, de resto, expressamente, assumida pelo legislador constitucional, tal como já se referiu e se pode facilmente retirar do texto dos arts. 26º nºs 2 e 4; 34º parte final e 35º nºs 2 e 4, parte final da CRP, ao atribuírem à lei ordinária a função modeladora desses direitos, designadamente, ao nível das restrições ao seu pleno exercício e ressalvando, a admissibilidade das mesmas, «nos casos previstos na lei».
Volvendo ao caso, como já acima se referiu, todos os arguidos (com excepção do arguido AA, relativamente ao qual foi na primeira instância declarada proibida a prova extraída do telemóvel que lhe foi apreendido) prestaram consentimento expresso e livre previamente à pesquisa efectuada aos telemóveis que, respectivamente, lhes foram apreendidos.
Acresce que, como decorre da motivação da matéria facto inserta no acórdão recorrido, de tais pesquisas apenas foi extraída informação relevante para o apuramento dos factos em causa no processo, não estando em causa, de todo, o acesso a dados pessoais ou íntimos dos visados, nem isso é concretamente invocado por algum dos recorrentes.
Vale tudo por dizer que, por se tratar de matéria no espectro da sua disponibilidade, uma tal concessão por banda dos arguidos/visados ao conteúdo dos respectivos telemóveis, reclama, somente, a posteriori, o cumprimento das formalidades a que aludem o art. 15.º, n.º 3, al. a) e 4º, al. b) do Cibercrime, com referência ao art. 253.º do C.P.P., dispensando, por natureza e definição, a autorização para junção dos dados a que aludem os art. 16.º, n.ºs 1 e 3 e 17.º da Lei do Cibercrime.
Com efeito, «Ao nível da junção da prova digital pelos órgãos de polícia criminal, no decurso de uma pesquisa informática consentida, é igualmente de dispensar a autorização da autoridade judiciária, independentemente da natureza dos dados obtidos, justamente em face do consentimento previamente prestado pelo titular dos dados informáticos, afastando-se aqui a aplicação dos artigos 16.º, n.ºs 1 e 3 e 17.º da Lei do Cibercrime.
Não foi, pois, cometida, inconstitucionalidade alguma, nem a prova recolhida (…), padece seja de que invalidade de procedimento geradora de alguma nulidade ou irregularidade».11
Por fim e em conformidade, anota-se que a dissonância dos recorrentes fundada na circunstância de o despacho que autorizou a leitura dos telemóveis ter sido proferido a 12/10/2022 e o relatório de extracção do conteúdo concluído apenas em 25/11/2022, ou seja, em violação do disposto no art. 15.º, n.º 2 da Lei n.º 109/2009, de 15/9, carece totalmente de pertinência, pois que a necessidade, utilidade e eficácia de tal despacho, ante o consentimento prestado pelos demais arguidos, ficou restrita ao arguido AA e relativamente a este já foi declarada proibida a prova extraída pelo Tribunal a quo.
Nos termos expostos, julga-se, nesta parte, improcedente o recurso interposto pelos arguidos AA e FF (conjuntamente) e DD.
B) Das intercepções telefónicas
Nesta parte os recorrentes AA e FF (conjuntamente) e DD, insurgem-se, em síntese, contra a circunstância de em sede de inquérito terem sido promovidas e autorizadas intercepções telefónicas relativamente a familiares, amigos e outras pessoas próximas dos então suspeitos e ora arguidos.
Todavia, adianta-se, desde já, as dissonâncias apresentadas pelos recorrentes estão irremediavelmente votadas ao insucesso.
Na verdade, no espectro da regulamentação dos pressupostos da admissibilidade das intercepções telefónicas, o art. 187º do C.P.P. dispõe que:
«1 - A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a. Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coação, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
2 - A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efetivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título iii do livro ii do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal;
e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º do Código Penal, bem como contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento e uso de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, previstos no artigo 3.º-A e no n.º 3 do artigo 3.º-B da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro;
f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os atos jurisdicionais subsequentes.
4 - A interceção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respetivo consentimento, efetivo ou presumido.
5 - É proibida a interceção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objeto ou elemento de crime.
6 - A interceção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respetivos requisitos de admissibilidade.
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de interceção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respetivas interceções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito»
Ou seja, tal como referem as Sras. Juízas no acórdão revidendo: «Como se depreende de forma clara da mera leitura do preceito, não só os arguidos ou suspeitos da prática de ilícitos criminais podem – verificados os demais pressupostos legais – ser alvo do meio de obtenção de prova de que cuidamos, mas também terceiros relativamente aos quais se verifiquem as apontadas circunstâncias»
Com efeito, «Para além do suspeito e do arguido o n.º 4 na sua alínea b) alarga a possibilidade de ser "alvo" de escutas pessoa que "sirva de intermediário", desde que "haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido".
A noção de intermediário abrange assim toda e quaisquer pessoas, não se exigindo um "especial relacionamento".
Pedra de toque é tratar-se de uma pessoa relativamente à qual existam motivos para concluir que nas conversações e comunicações telefónicas que irá encetar revelará factos relevantes para o escopo do inquérito. E a relevância advém da circunstância de receber ou transmitir "mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido".
Não é pressuposto que o intermediário transmita ou receba "mensagens" diretamente do arguido ou suspeito ou sequer que a comunicação com este tenha que ser telefónica (assim CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, 2008, pp. 249 a 251). Somente que a proveniência tenha a sua génese naqueles ou sejam os destinatários finais. Existe assim uma comunicação através de uma cadeia de intermediários. A "mensagem" não tem de ter um teor criminoso, bastando que seja relevante para os fins da investigação (v.g. localização do suspeito).
Também o intermediário não tem que ser co-autor, cúmplice ou auxiliar do suspeito ou arguido (e isso não obstante as escutas poderem vir a fornecer indícios nesse sentido).
Nem sequer que saiba que existem suspeitas de que o interlocutor cometeu ou se apresta a cometer um crime.
De igual modo pode desconhecer que com a sua atuação/omissão está a auxiliar o arguido/suspeito a atingir os seus fins. Ou pelo contrário ser essa a sua intenção. As fundadas razões podem ser de diversa índole. São admitidas todas e quaisquer conexões com o intermediário.
As ligações podem ser criminosas. Ou pessoais, conhecimentos profundos ou ocasionais, amizade, inimizade, familiares, afetivas, "impessoais".
Importante é que "quer por razões familiares, quer por amizade ou outras razões, ainda que ocasionais ou fortuitas, se prefigure como potencial interlocutor, por qualquer uma das formas previstas nos art. 187.° e 189 do CPP e sobre o qual pela respectiva autoridade judiciária, recaiam fundadas suspeitas de, nos referidos contactos, serem discutidos assuntos que, directa ou indirectamente, se prendam com o crime em investigação" [ac, da RL, 6.12.2007 (ALMEIDA CABRAL)]. À exceção do defensor (ressalvando a parte final do n.º 5) outros portadores de segredos podem ser objeto de escutas na qualidade de intermediários. O mesmo sucede em relação às pessoas com faculdade de recusa em prestar depoimento»12.
Nestes termos, constatando-se que os despachos que autorizaram as intercepções telefónicas se mostram devidamente alavancados nas suspeitas (que, aliás, se vieram a confirmar) de que dos contactos estabelecidos poderiam resultar elementos com pertinência para a investigação (então em curso), outra conclusão não resta senão a de que, também neste conspecto, se impõe julgar improcedentes os recursos interpostos.»
24. Embora os recorrentes se limitem a retomar a argumentação do recurso que interpuseram para a Relação, sem levar em conta que o que agora está em causa é a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, entende-se não ser caso de rejeição por falta de motivação, considerando-se esta como sendo agora dirigida ao acórdão da Relação que confirmou a condenação no acórdão da 1.ª instância13.
Apreciando-se o mérito do recurso, verifica-se que não há qualquer elemento novo particularmente visado.
As questões suscitadas a propósito da validade da prova, quer quanto às escutas telefónicas, quer quanto à apreensão dos telemóveis e dos dados, foram, como se vê, todas elas, rigorosamente apreciadas pelo tribunal recorrido em concordância com a sólida fundamentação do acórdão da 1.ª instância.
A consistência da fundamentação das decisões das instâncias, agora transcrita, fazendo correta interpretação e aplicação das normas legais convocadas, merece inteira concordância, não substituindo qualquer aspeto que, na economia da decisão, justifique a necessidade de qualquer consideração suplementar.
Nesta conformidade, e com estes fundamentos, é o recurso julgado improcedente nesta parte, mantendo-se a decisão recorrida.
Quanto à qualificação jurídica dos factos como crime de homicídio qualificado consumado (supra, 12.c.4, 12.d.6 e 12.e.6)
25. No recurso agora apresentado perante o Supremo Tribunal de Justiça retoma o arguido DD a argumentação do recurso para o Tribunal da Relação, em que alegou, em suma, que:
«Foi o Recorrente condenado quanto ao crime em que foi vítima HH pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73ºdo Código Penal, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão.
A tentativa de homicídio pressupõe o dolo numa das suas três modalidades, directo, necessário ou eventual, mas pressupõe sempre uma intenção.
Pode até existir um homicídio sem intenção, sem o dolo numa das suas modalidades, mas nesse caso poderá se aplicar a negligência.
Com efeito, se o alvo era a vítima II (e por isso para ela apontaram), poderiam até por negligência ter também morto o HH e aí aplicar-se-ia o crime de homicídio.
Porém, se os actos resultam a intenção de matar apenas uma e não as duas pessoas, porque apenas apontaram para um deles, apesar de o outro ter sido atingido numa mão, perspetiva-se mais o cometimento de uma ofensa à integridade física do que uma tentativa de homicídio.
Assim, deve o arguido ser absolvido do crime de crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. e), h) e j) e 73º do Código Penal de que foi vítima HH e condenado por um crime de ofensa à integridade física simples nos termos do art.º 143º do Cód. Penal. Ainda que assim se não considere, deverá o arguido ser condenado por um crime de ofensa à integridade física qualificada nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 145º do Cód. Penal»
26. O arguido EE retoma também a argumentação do recurso para o Tribunal da Relação no qual igualmente invocou que:
«A factualidade tida como provada no acórdão recorrido não permite subsumir a conduta do arguido – mormente do arguido, ora Recorrente - na alínea e) e h) do artigo 132º com conjugado com artigo 131º do CP, quer no que respeita ao preenchimento do tipo objectivo, quer quanto às representações exigidas do lado do tipo subjectivo.
Os factos provados dos pontos 1º a 15º do acórdão recorrido não consubstanciam, assim, nem os elementos objectivos, nem os elementos subjectivos do tipo de crime em causa.
Termos em que, ao condenar o arguido – mormente o arguido, ora Recorrente – pela prática de um crime de homicídio agravado tal como o fez, violou assim o Tribunal a quo o disposto na alínea e) e h) do artigo 132º do Código Penal.
Ao reconduzir à alínea e) e h) do artigo 132º do CP a um tipo de crime para cujo preenchimento dos elementos objectivos, se basta com a produção de ofensas corporais “aptas a criar perigo de vida”, faz a decisão ora recorrida uma interpretação e aplicação daquele tipo legal contrária ao Princípio da Legalidade Criminal, violando, desta forma, o disposto no artigo 29º, nº 1 da CRP.
Interpretar aquele tipo legal no sentido de nele se incluírem ofensas corporais apenas idóneas ou perigosas para a vida, sem que, efectivamente, seja criado tal perigo, constitui uma negação da sua natureza de crime de perigo concreto, contrária à lei(cfr. artigo 1º, nº 1 do CP) e à Constituição(cfr. art. 29, nº 1 da CRP).
Aquela interpretação alarga – de forma inadmissível - o tipo legal, de crime de perigo concreto para crime de aptidão ou de perigo abstracto, punindo condutas não compreendidas no teor literal da norma.
O art. 132º, alínea e) e h) do Código Penal, interpretado e aplicado tal como o fez o Tribunal a quo, isto é, no sentido de que, para o preenchimento dos elementos daquele tipo de crime é suficiente que a conduta do agente seja apenas apta a criar perigo para vida, não o criando, efectivamente é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no art. 29º, nº 1 da CRP, na medida em que convola um tipo de crime concebido pelo legislador penal como perigo de crime concreto, em crime de perigo abstracto– inconstitucionalidade esta que aqui, expressamente e para todos os efeitos legais, se deixa arguida.
Ao condenar o arguido pelo crime p. e p. pelo artigo 132º, alínea e) e h) do C.P.P e não pelo art. 144.º, alínea d) do CP, por agravação do resultado-perigo para a vida, de novo agravado pela verificação do resultado morte, p. e p. pelo art. 147.º, nº 1 do mesmo diploma legal, faz o Tribunal a quo uma interpretação e aplicação destas normas legais que não pode deixar de ser considerada materialmente inconstitucional, por violação do Princípio ne bis in idem, ínsito ao art. 29º, nº 5 da CRP – inconstitucionalidade esta que aqui expressamente se deixa arguida, para todos os efeitos legais»
27. Por sua vez, o arguido FF (em recurso conjunto com o arguido AA), alegou perante a Relação:
«Para se qualificar o crime é necessário estarem preenchidos três circunstâncias qualificativas do ilícito: motivo torpe, reflexão sobre os meios e atuação prática dos factos com pelo menos mais duas pessoas.
Quanto ao “motivo torpe ou fútil”, indicado na al. e) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, a doutrina e a jurisprudência vêm salientando unanimemente que se trata de um exemplo-padrão “estruturado com apelo a elementos estritamente subjetivos, relacionados com a especial motivação do agente”.
Actuar determinado por “qualquer motivo torpe ou fútil” significa que “o motivo da atuação, avaliado segundo as conceções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana”.
Nem ao arguido AA e, muito menos, ao arguido FF lhes pode ser assacado qualquer autoria (ou mentoria) de um plano com vista a uma retaliação a um gangue rival.
Quanto à reflexão sobre os meios utilizados, leia-se uma arma de fogo, considera-se curial chamar à colação as conclusões do relatório pericial onde não foi possível sequer determinar que tipo de arma de fogo foi utilizada.
Cumpre referir que num crime de homicídio, estamos perante um crime dito comum e de resultado, isto é, pode ser cometido por qualquer pessoa e implicando necessariamente a produção de um resultado, sendo que este é imprescindível para o preenchimento da tipicidade do crime.
O Tribunal “a quo” não tem elementos que permitam concluir que os arguidos AA e FF previram o resultado ou mesmo tiveram qualquer intenção de provocar ferimentos conducentes à morte de uma pessoa e a um ligeiro ferimento noutra.
Na realidade, é possível defender com algum grau de certeza que os tiros disparados não tiveram qualquer intencionalidade no seu resultado.
O crime de homicídio qualificado vem previsto no artigo 132º do Código Penal que nos diz no nº1 que “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.”
Já no nº 2 do referido artigo, são indicadas circunstâncias que no caso concreto sejam suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade. Sendo certo que, tais circunstâncias “cuja verificação não implica forçosamente a qualificação do homicídio. Esta só ocorrerá se tais circunstâncias exprimirem um grau especialmente elevado de culpa.”
Dúvidas não restam que para estarmos perante um homicídio qualificado tem de haver uma culpa agravada. “Uma culpa dilatada face à do 131º, sendo essa culpa, em primeiro lugar, indiciada pela existência de especial censurabilidade ou perversidade”. VILELA, Alexandra – Notas sobre a última revisão ao Código Penal: um exemplo, o artigo 132º. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2, 2009, p.205 (…)
Isto é, num homicídio, age com dolo direto quem, ao empreender uma conduta o faz intencionalmente para matar; age com dolo necessário quem sabe que como resultado de conduta que empreende ocorrerá a morte e mesmo assim não se abstém de a empreender; age com dolo eventual quem prevê como possível a ocorrência da morte na sequência da conduta que empreende e conforma-se com tal resultado. Se a agravação preconizada pelo art. 132.° pressupõe uma forma superior de culpa» (isto é, uma culpa especialmente grave), dificilmente se compatibilizará um mero dolo eventual com uma culpa agravada: «A concepção legal do dolo eventual incompatibiliza-se com as formas superiores de culpa» Partindo-se - como sempre sucede em matéria de dolo - «da situação como ela foi representada pelo agente», haverá que «perguntar se a situação, tal como foi representada, corresponde a um exemplo padrão (ou a uma situação substancialmente análoga) e, em caso afirmativo, se se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente» (Comentário, I, p. 43).
Assim e face ao supra exposto, entendemos que, a mais correcta interpretação e aplicação dos factos ao direito aplicável, atentos os factos aqui em questão, seria a de enquadrar estes factos na prática de um crime de ofensa à integridade física grave, nos termos do art.º 144.º al. d) ou, a assim não se entender, sempre estaríamos perante o crime previsto no art.º 145.º n.º 1 al. a) do Código Penal, por força do resultado que se veio a verificar, nomeadamente ter-lhe “provocado perigo para a vida”, o que se pugna e requer.
Deve ser efectuada uma desqualificação jurídica do crime de homicídio qualificado na forma consumada (…) para um crime de ofensa à integridade física qualificada pelo art.º 145.º n.º 1 do Código Penal e um crime de ofensas à integridade física simples nos termos do artº 143º, nº 1 do Código Penal»
28. No recurso para o Supremo, o arguido FF insiste na argumentação usada no recurso para a Relação, impugnando particularmente a subsunção dos factos ao crime do crime de homicídio qualificado:
«(…) atendendo à apreciação da matéria de facto como supra se realizou, é manifesto não ter existido qualquer prova que os arguidos actuaram em conjunto, gizando um plano com vista a uma retaliação por factos ocorridos anteriormente.
Como se viu, também não resultou provado que o arguido FF transportou, empunhou ou deteve a arma que produziu os disparos.
Também resultou provado que o alegado comportamento do arguido FF não foi pessoalmente direccionado às vítimas, mas sim a uma lógica de grupo, tendo os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores considerado “(…) sem que, daqui, se possa inferir que o motivo de agir foi torpe, já que, apesar de injustificado, surge respaldado na subjectividade dos agentes e objectivamente no submundo em que se insere a actividade delituosa, num devir amiúde verificado e transponível até, no seu âmago, para lógica inerente a toda e qualquer guerra.”
Atento tal desiderato, os Exmo.s Srs. Juízes Desembargadores subsumiram as condutas dos arguidos aos crimes de homicídio qualificado, desta feita, na previsão típica das alíneas j) e h) do nº 2 do artº 132º do CP.
Para se qualificar o crime é necessário estarem preenchidos três circunstâncias qualificativas do ilícito: motivo torpe, reflexão sobre os meios e atuação prática dos factos com pelo menos mais duas pessoas.
O crime de homicídio qualificado vem previsto no artigo 132º do Código Penal que nos diz no nº1 que “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.”
Já no nº 2 do referido artigo, são indicadas circunstâncias que no caso concreto sejam suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade.
Sendo certo que, tais circunstâncias “cuja verificação não implica forçosamente a qualificação do homicídio. Esta só ocorrerá se tais circunstâncias exprimirem um grau especialmente elevado de culpa.” BRITO, Teresa Quintela et al. – Direito Penal – Parte Especial: Liçoes, Estudos e Casos. Coimbra Editora, 2007, p. 170.
Naturalmente, é imprescindível analisar as circunstâncias do caso concreto para a qualificação de um homicídio. É, pois, necessário fazer uma leitura de todas as especificidades do caso.
O douto Tribunal “a quo” na sua douta decisão deve respeitar tanto o princípio da igualdade como o da segurança jurídica, para que exista uma máxima previsibilidade das decisões judiciais por parte da comunidade. No entanto, estando a sociedade em constante modificação, e assim sendo também os comportamentos que merecem proteção penal, é percetível que haja cada vez mais uma maior abertura da lei penal. Essa abertura é possível desde que se mantenha sempre em vista o princípio da legalidade criminal. O princípio da legalidade criminal vem desde logo previsto na Constituição da República Portuguesa, no artigo 29º, nº1,3 e 4, e também no próprio Código Penal, no seu artigo 1º.
Dúvidas não restam que para estarmos perante um homicídio qualificado tem de haver uma culpa agravada. “Uma culpa dilatada face à do 131º, sendo essa culpa, em primeiro lugar, indiciada pela existência de especial censurabilidade ou perversidade”. VILELA, Alexandra – Notas sobre a última revisão ao Código Penal: um exemplo, o artigo 132º. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2, 2009, p.205 (…)
Isto é, num homicídio, age com dolo direto quem, ao empreender uma conduta o faz intencionalmente para matar; age com dolo necessário quem sabe que como resultado de conduta que empreende ocorrerá a morte e mesmo assim não se abstém de a empreender; age com dolo eventual quem prevê como possível a ocorrência da morte na sequência da conduta que empreende e conforma-se com tal resultado.
Se a agravação preconizada pelo art. 132.° pressupõe uma forma superior de culpa» (isto é, uma culpa especialmente grave), dificilmente se compatibilizará um mero dolo eventual com uma culpa agravada: «A concepção legal do dolo eventual incompatibiliza-se com as formas superiores de culpa» (margarida silva pereira, Textos, Direito Penal II, Os Homicídios, II, AAFDL, 1998).
É que o art. 132.° não é um tipo de ilícito mas um tipo de culpa, razão por que (mesmo) «quando se verifiquem no comportamento as circunstâncias das alíneas qualificadoras, tem de pôr-se em guarda o intérprete/aplicador: pode ter sido o agente especialmente censurável ou perverso; caso contrário, a moldura que se lhe aplica é a do art. 131.°», mas «a prova da maior censurabilidade ou perversidade terá sempre de fazer-se de acordo com o princípio da culpa)» (a. e ob. Cits). Partindo-se - como sempre sucede em matéria de dolo - «da situação como ela foi representada pelo agente», haverá que «perguntar se a situação, tal como foi representada, corresponde a um exemplo padrão (ou a uma situação substancialmente análoga) e, em caso afirmativo, se se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente» (Comentário, I, p. 43).»
29. O Tribunal da Relação apreciou estas questões no acórdão recorrido nos seguintes termos:
«Atentemos, então, antes de mais, na fundamentação de direito apresentada pelas Sr. Juízas, que ora se transcreve:
«Aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF, é imputada a prática, em co-autoria material, de factos consubstanciadores de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p., pelos arts. 131º, 132º, nºs 1 e nº 2, als. e), h) e j) do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., pelos arts. 131º, 132º, nºs 1 e nº 2, als. e), h) e j) do Código Penal.
Aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE e EEE é imputada a prática, em co-autoria material, de factos consubstanciadores de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de ..., todos com referência aos artigos 14.º, 26.º e 30.º, n.º 1 do Cód. Penal.
Vejamos.
- Dos crimes de homicídio qualificados na forma consumada e tentada
Estipula o art. 131º do Código Penal, o seguinte: “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”. (…)
Trata-se de um crime material ou de resultado, por sua própria natureza, o que resulta diretamente da expressão “matar outra pessoa”.
No que respeita ao elemento subjetivo, encontra-se previsto no preceito em referência a sua forma dolosa, a qual pode assumir qualquer uma das suas vertentes – dolo direto, necessário ou eventual.
(…) de acordo com a conceção avançada genericamente pela doutrina, o dolo é o conhecimento e a vontade de realização do facto típico, comportando, assim, um elemento intelectual e um elemento volitivo.
Em conformidade com o disposto no art. 14º, nºs 1, 2 e 3, o dolo pode, ainda, ser direto, necessário ou eventual.
No que respeita aos meios de execução, trata-se de um crime de execução livre, sendo sancionado o resultado independentemente da forma utilizada para o alcançar – os meios podem ser diretos ou indiretos (conquanto que subsista o nexo causal), mecânicos ou psíquicos e pode ser levado a cabo mediante uma atuação positiva ou omissiva.
Atendendo à factualidade dada como assente, resulta evidente o preenchimento dos elementos objetivos do descrito ilícito, tendo o resultado morte sobrevindo como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, quanto a um indivíduo e não se tendo produzido quanto ao outro, relativamente ao qual foram praticados os atos idóneos à sua produção, por razões alheias à sua vontade.
Com efeito, encontra-se dado como provado que no dia 19.02.2022, em hora próxima das 22h40, os arguidos (…) se deslocaram à localidade de ..., sita em ..., no veículo ligeiro de mercadorias, de marca Citroën, de modelo Jumper, de cor branca, com a matrícula ..-..-NQ, conduzido pelo arguido FF.
Assim que avistaram II e HH, que se encontravam, em concreto, no Cruzamento entre a Rua de ... e a Rua ..., da referida localidade, os acima referidos conduziram o mencionado veículo na sua direção, após o que pararam o referido veículo uns metros à frente do mencionado local e, tendo aberto as portas traseiras a partir do seu interior, o arguido AA empunhou a caçadeira que levavam, apontou-a na direção de II e HH e, de imediato, com ela efetuou, pelo menos, dois disparos, vindo a atingir II nas costas, na zona lombar direita.
Como consequência, direta e necessária, da descrita atuação dos arguidos (…), II sofreu várias lesões traumáticas, múltiplas feridas perfuro-contundentes agrupados na face póstero-lateral do hemi-torax direito, com algumas feridas semelhantes espalhadas na face posterior do hemi-torax esquerdo, na região lombar, região mamária direita, ombro esquerdo, coxa e perna direitos. A TC post-mortem revelou múltiplos projéteis metálicos milimétricos nos espaços pleurais, pulmões, fígado, rins, baço e espaços paravertebrais; marcado hemo-torax à direita e moderado à esquerda; pequeno hemoperitoneu, pneumotórax moderado à direita; pneumoperitoneu retropneumoperitoneu de dimensões moderadas.
A morte de II foi devida a lesões traumáticas toraco-abdominais produzidas por ação de natureza perfuro-contundente, por projéteis de arma de fogo, etiologia médico legal homicida, delas tendo resultado a sua morte, que foi declarada pelas 23h35 do referido dia 19.02.2022. (…)
Ao agirem da forma descrita, os arguidos (…) quiseram e conseguiram provocar a morte de II, bem sabendo que ao dispararem, como dispararam, e ao atingirem o corpo do mesmo com munições deflagradas por uma caçadeira, tal era apto a fazê-lo e que, deste modo, iriam alcançar o objetivo que pretendiam, ou seja causar a sua morte, como causaram, o que fizeram em comunhão de esforços e vontades e na execução de um plano por todos gizado. (,,,)
Agiram em tudo e sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. (…)
Atentemos, agora, nas qualificativas dos crimes de homicídio consumado e tentado imputados aos arguidos.
Dispõe o art. 132º, nº1 do Código Penal que “se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos”.
Como refere o STJ em Acórdão datado de 26-09-2007 (proc. 07P2591, in www.dgsi.pt): “O crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art. 132.º do CP é um crime que repercute uma imagem global do facto agravada, um plus de culpa do agente, quando comparado com o homicídio simples, pelo concurso de circunstâncias apelidadas de exemplos-padrão, respeitantes à culpa, de verificação não automática, conotando o facto com um condicionalismo de tal modo grave, refletindo uma atitude profundamente divorciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores comunitariamente reinantes (cf. Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 63), que a pena estabelecida para o homicídio simples não responderia aos sentimentos coletivos dominantes, ao seu sentido de justiça, e aos fins das penas”. Permitimo-nos aqui citar Teresa Serra (”Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena”, págs. 63 a 65): «Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a conceção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores...Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma conceção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala BINDER. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor, especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente...Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exatamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete».
O nº 2, al. e) do art. 132º do Código Penal prevê como exemplo-padrão, suscetível de revelar a aludida especial censurabilidade, a circunstância de o agente atuar “por qualquer motivo fútil ou torpe”.
Voltemos à Jurisprudência, trazendo à colação o mesmo Acórdão do STJ já citado, numa passagem posterior do seu texto: “(…)Na doutrina, ao motivo fútil tem sido atribuído o alcance de uma razão incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 32-33, Nelson Hungria, Comentário, V, pág. 164 e Maia Gonçalves, CP Anotado. VII - A nossa extensa jurisprudência a tal respeito não se dissocia desse entendimento, identificando o motivo fútil não tanto com o seu pouco relevo ou importância, mas antes com a «desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal em que ela se objetivou: motivo fútil é «o notoriamente desproporcionado ou inadequado aos olhos do homem médio, denotando o agente, com isso, egoísmo, intolerância, prepotência, mesquinhez» – Ac. do STJ de 25-06-1997, Proc. 96P1253, in www.dgsi.pt; motivo fútil será o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reação homicida – Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. 05P2978, in www.dgsi.pt.”
Ainda, de acordo com a Jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão proferido no âmbito do Proc. 58/08.4JAGRD.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt): “Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reação homicida, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da ação cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática”.
No caso, a conduta dos arguidos serve um propósito de retaliação face a factos ocorridos na semana anterior, dos quais resultou como ferido um elemento do seu grupo.
Assim, não estamos perante um “não motivo”, ou, na designação legal “um motivo fútil” para a efeitos de qualificação do crime de homicídio.
Contudo, trata-se de um motivo densamente desvalioso, o qual se enquadra no conceito legal de “motivo torpe”, já que se não trata de um comportamento dirigido por alguém relativamente a quem lhe causou ofensa prévia.
Podemos, nesta matéria, chamar à colação os ensinamentos do Professor Figueiredo Dias, de acordo com os quais “Qualquer motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da atuação avaliado segundo as conceções éticas e morais ancoradas na comunidade deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (…) de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana» – cf. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, § 13, pág. 32.
A atuação dos arguidos inscreve-se numa lógica de desforço entre gangues, com base em rivalidades entre grupos de jovens residentes em bairros distintos, que se digladiam entre si com recurso a atos de extrema violência.
Assim, a atuação não é pessoalmente dirigida, mas direcionada contra qualquer indivíduo que seja associado ao grupo em causa, o que coloca a atuação num outro patamar de desprezo pela vida humana, suscetível, no entender do Tribunal, de preencher o conceito legalmente previsto enquanto qualificativa do crime de homicídio.
Prevê ainda o legislador como revelador de uma maior censurabilidade ou perversidade a justificar um agravamento da punição a circunstância de o agente agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas – al. j) do nº2 do art. 132º do Código Penal.
Resulta dos factos provados que entre o dia ...-...-2022 após as 13h05 e o dia ...-...-2022, antes das 22h40, os arguidos formularam o propósito e delinearam um plano que passava por atingir elementos do grupo de ..., denominado “...., seu rival, como forma de retaliação aos factos que tinham sucedido, na semana anterior, dos quais resultou como ferido um elemento do seu grupo, VV.
Entre as referidas datas diligenciaram pela caçadeira que viriam a utilizar e pela carrinha onde se fizeram transportar, na qual percorreram as artérias da localidade de ..., sita em ..., com o propósito de localizar elementos do antedito grupo rival e desse modo, retaliarem em relação ao que tinha sucedido no dia ...-...-2022.
Afigura-se, pois, ao Tribunal que se encontra inteiramente preenchida a qualificativa de reflexão sobre os meios empregues.
Finalmente, no entendimento propugnado no despacho de pronúncia, no caso mostra-se preenchido o exemplo-padrão suscetível de revelar a referida especial censurabilidade previsto na al. h) do art. 132º, nº2 do Código Penal, ou seja, “praticar o facto juntamente com, pelo menos mais duas pessoas”.
Ora face ao número de arguidos envolvidos na atuação, dúvidas não restam quanto ao preenchimento, igualmente, desta circunstância qualificadora do ilícito.
Estamos, na verdade, ante uma atuação em co-autoria, nos termos previstos no art. 26º do Código penal.
O nosso STJ trata especificamente a matéria da comparticipação criminosa no aresto de fixação de jurisprudência do STJ de 18-6-2009, onde se pode ler: «A teoria do domínio do facto ficou conhecida sobretudo a partir de ROXIN que já em 1970 publicara um artigo de reflexões sobre a problemática da imputação em direito penal, em homenagem a HÖNIG, em que esboçou para os crimes de resultado uma teoria geral de imputação completamente desligada do dogma causal, deslocando o centro de gravidade da ação, da esfera ontológica para a normativa, com fundamentos em critérios de: diminuição de risco, criação ou não criação de um risco juridicamente relevante; aumento ou falta de aumento de risco permitido, a esfera de proteção da norma, como critério de imputação. Mas, foi no seu trabalho Tätershaft und Tätherrshaft que na distinção entre autoria e participação desenvolveu o tema da figura central de autor, nomeadamente nos apelidados crimes de domínio (Herrschaftsdelikte), em que relativamente e apenas aos crimes comissivos dolosos só quem possuísse o domínio do facto (Tätherrschfat) seria autor. Esse domínio do facto, para ROXIN, podia manifestar-se em três vertentes: o domínio da ação, em que o agente por suas mãos executa o facto, caso do autor imediato; o domínio da vontade próprio da autoria mediata, em que o homem de trás (o que formula o propósito criminoso e decide a sua efetivação) domina a vontade do homem da frente (o instrumento, ou executor que executa o facto), por coação, indução em erro ou no âmbito de um aparelho organizado de poder, e, o domínio funcional do facto, característico da co-autoria face ao significado funcional da contribuição de cada co-autor, na divisão de trabalho ou repartição de tarefas na concretização da decisão conjunta. Na teoria do domínio do facto, autor é, em síntese, quem domina o facto e dele é “senhor”, dele dependendo o se e o como da realização típica, - distinguindo-se aliás e, por vezes, um domínio positivo do facto (a capacidade de o fazer prosseguir até à consumação) e um domínio negativo (a capacidade de o fazer gorar) – sendo pois o autor a figura central do acontecimento, em que numa unidade objetiva-subjetiva, o facto aparece “como obra de uma vontade que dirige o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objetivo.”
É este manifestamente o caso que temos em mãos, já que a resolução criminosa foi tomada de forma conjunta, tendo sido gizado um plano.
Com efeito, no caso dos autos, como resulta da matéria de facto apurada, todos os arguidos têm participação ativa no iter criminal nos termos descritos, pelo que estamos perante uma clara situação de co-autoria para os efeitos da Doutrina contemplada no Acórdão de fixação de jurisprudência a que vimos aludindo e que aqui acolhemos.
Mostram-se, assim, inteiramente preenchidos os elementos típicos do ilícito, na sua forma qualificada, em face da subsunção da conduta no disposto no art. 132º, nº2, als. e), h) e j) do Código Penal, impondo-se a condenação dos arguidos pelos crimes de homicídio qualificado, já que inexistem no caso quaisquer causas de exclusão da culpa ou da ilicitude».
Vejamos, então.
Abreviadamente, dir-se-á que os recorrentes imputam ao Colectivo a quo erro de direito, na subsunção das condutas provadas ao tipo legal do art. 132.º do C.P. (quer no que concerne ao crime consumado, quer no que tange ao crime na forma tentada), propugnando, antes, pela subsunção aos diversos e apontados tipos legais de ofensa à integridade física.
Todavia e pese embora as contrariedades expostas, concretamente quanto à propalada inexistência de comparticipação dos arguidos na materialidade provada, previsão e intenção daqueles na dialéctica factual, que surgem, pelo menos em parte, a respaldar o petitório de alteração da qualificação jurídica, caberá relembrar que, na improcedência dos recursos relativamente à impugnação da matéria de facto, para efeitos de toda e qualquer subsunção jurídica o reporte terá de ser efectuado, como não podia deixar de ser, para a matéria provada na instância.
E assim será de arredar liminarmente quer a propalada inexistência de co-autoria, quer a requerida alteração da qualificação jurídica no que concerne à subsunção da factualidade aos crimes de ofensa à integridade física14.
No mais:(…)
Relativamente à verificação ou não das eleitas, pelo Tribunal a quo, circunstâncias reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade no que concerne aos crimes de homicídio (consumado e tentado):
É sabido que o legislador utilizou a denominada técnica dos exemplos-padrão para a qualificação do crime de homicídio, por referência a um tipo de culpa mais grave, que figurou por intermédio da cláusula geral inserta no nº 1 do art.º 132º do C.P., qual seja, a de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.
No caso, as Sras. Juízas concluíram pela «subsunção da conduta no disposto no art. 132.º, n.º 2, als. e), h) e j) do Código Penal»
Se relativamente à circunstância a que alude a al. h) do citado art. 132º, n.º 2 do C.P., em face da objectividade assente, inexistem dúvidas quanto ao seu preenchimento, dispensando-nos de mais considerações, a respeito daquelas outras a que aludem as alíneas e) e j) já assim não será.
Relativamente à qualificativa frieza de ânimo, a jurisprudência tem vindo a considerar unanimemente que está em causa um agir a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana, reflectida, ademais, nos meios empregues, na escolha reflectida dos meios de actuação que facilitam a execução do crime ou pelo menos diminuem sobremaneira as possibilidades de defesa da vítima. A frieza de ânimo está, pois, direccionada a um processo de formação da vontade delituosa que pressupõe ponderação, indiferença e persistência na execução.
«(…) Reportando-nos à síntese doutrinal constante de Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2011 acentuava Maia Gonçalves, que «… É que, diz-se, tal firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada revela uma forte intensidade da vontade criminosa. Efectivamente, a circunstância de mediar um grande intervalo de tempo entre o momento em que, definitivamente, a resolução criminosa se formou e a sua execução, ou seja a pertinácia da resolução, a mora habens, mostra não só que o criminoso teve uma larga oportunidade, que não aproveitou, para se deixar penetrar pelos contra-motivos sociais e ético-jurídicos de forma a, pelo menos transitoriamente, desistir do seu desígnio, mas ainda que a paixão lhe endureceu totalmente a sensibilidade e sobretudo que a força de vontade criminosa é de tal forma intensa que o agente sem hesitação, como mero “déclancher” da decisão tomada prévia e longinquamente» 15
In casu, diante da materialidade provada, não pode deixar de considerar-se que a imagem global dos factos, a leitura compreensiva dos factos provados, no contexto do conflito precedente, o hiato temporal entre a ideação do acto delitivo, do meio a usar e a passagem à acção, titulam firmeza, propósito, tenacidade, irrevogabilidade da decisão, tal seja, uma forte vontade criminosa, tudo exteriorizando, concomitantemente, a exigência de especial censurabilidade, e, assim, a subsunção à al. j) do n.º 2 do art. 132º do C.P. 16
Por fim, não se questionará que não obstante a maioria dos homicídios seja invariavelmente desproporcional em face do motivo que os desencadeiam, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Janeiro de 2022, processo n.º 5009/20.5 JAPRT.P1, in www.dgsi.pt. «(…) nem sempre pode ser considerada como tendo uma motivação repugnante e baixa, logo, suscetível de integrar a qualificativa, “motivo torpe”, tudo dependendo do contexto apurado.
Motivo torpe é o motivo infame, indecoroso, repugnante, baixo, sórdido, ignóbil, asqueroso, profundamente imoral, que repugna à generalidade das pessoas».
No caso, porém, como aliás referem as Sras. Juízas: «a conduta dos arguidos serve um propósito de retaliação face a factos ocorridos na semana anterior, dos quais resultou como ferido um elemento do seu grupo; inscreve-se numa lógica de desforço entre gangues, com base em rivalidades entre grupos de jovens residentes em bairros distintos, que se digladiam entre si com recurso a atos de extrema violência».
E por assim ser, sem desdouro para a sensibilidade do Colectivo, a circunstância de a actuação não ter sido pessoalmente dirigida, mas direccionada contra qualquer individuo associado ao grupo em causa, insere-se, precisamente, na lógica grupal subjacente a toda a actividade delituosa e sem que, daqui, se possa inferir que o motivo de agir foi torpe, já que, apesar de injustificado, surge respaldado na subjectividade dos agentes e objectivamente no submundo em que se insere a actividade delituosa, num devir amiúde verificado e transponível até, no seu âmago, para a lógica inerente a toda e qualquer guerra.
Termos em que se conclui que as condutas dos arguidos devem ser subsumidas aos crimes de homicídio qualificado (o consumado e o tentado), como decidido na primeira instância, mas apenas na previsão típica das alíneas j) e h) do n.º 2 do artigo 132.º, do C.P.
3.5.2. Do crime de detenção de arma proibida
No que a este tipo criminal respeita:
- O recorrente Hélder Lopes alega que: «Não pode o arguido, aqui recorrente, ser condenado pelo crime de detenção de arma proibida no que concerne à arma utilizada para praticar o crime. Ora, não pode o douto tribunal imputar o referido crime em co-autoria ao arguido recorrente, pois tendo em conta os factos dados como provados foi considerado pelo douto tribunal, que só um dos co- arguidos detinha e usou a arma. Aliás, até pela própria prova testemunhal se consegue perceber que só um dos arguidos fez uso da arma e disparou, não havendo qualquer notícia de que qualquer um dos co-arguidos a tenha manuseado»;
- Ao passo que o recorrente BB aduz que: «É jurisprudência peregrina, perigosa e ilegal decidir que tendo um dos elementos de um grupo de pessoas a posse de uma arma proibida todas praticaram o crime de detenção de arma proibida;
Na medida em que o Arguido foi condenado pelo crime de detenção de arma proibida, sem que tivesse sequer a possibilidade física de aceder a tal arma, esta condenação deve ser revogada»
No acórdão revidendo, as Sras. Juízas, quanto à subsunção a este tipo criminal decidiram assim:
«Do crime de detenção de arma proibida.
O ilícito em causa encontra-se previsto e punido no art. 86, n.ºs 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
A subsunção jurídica a realizar não oferece quaisquer dúvidas quanto aos arguidos que tomaram parte nos crimes de homicídio já supra tratados, tendo em conta que resultou provado que os mesmos decidiram utilizar uma arma caçadeira de características não apuradas, com a qual vieram a ser desferidos os tiros que atingiram os ofendidos, para cujo uso e porte nenhum deles tinha a devida licença.
Agiram, uma vez mais, em comunhão de esforços e vontades, em cumprimento de plano previamente gizado, não suscitando, por isso, quaisquer dúvidas a sua atuação em co-autoria.
Mais se demonstrou que sabiam que a detenção da referida caçadeira lhes era absolutamente proibida e, não obstante, detiveram-na e utilizaram-na da forma descrita.
Agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser a conduta proibida por lei penal, pelo que, não concorrendo quaisquer causas de justificação ou de exclusão da pena, impõe-se a sua condenação pelo crime em causa».
Vejamos.
O art. 86.º, nº 1, da Lei n.º 5/2006, sob a epígrafe “Detenção de arma proibida e crime cometido com arma” dispõe que: «1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: (…)».
Ora, efectivamente, como decorre da factualidade provada (pese embora as generalizações abstractas e assépticas dela constantes) os arguidos, com excepção, do AA não detiveram a arma de fogo em causa, muito embora tenham cometido, em co-autoria com aquele, os crimes de homicídio com utilização de arma de fogo.
«Ensina Fernanda Palma que “a grande fronteira que o Direito Penal não pode ultrapassar é, sem dúvida, a da não punição, em si e por si, de meros pensamentos, intenções, resoluções e atitudes” (Da Tentativa Possível em Direito Penal, 2006, p. 35), que não se pode “prescindir de qualquer facto externo significativo (activo ou omissivo). Como decorrência de princípios constitucionais, o Direito Penal reclama que o ilícito se construa a partir do confronto com a Ordem Jurídica de modificações da realidade operadas pela livre vontade e não apenas de puras manifestações de vontade. A culpa, a censurabilidade pessoal e a ideia imanente de liberdade exigem uma noção de acção voluntária constitutiva da realidade que se confronta com a norma. Por isso, uma análise do acontecimento e das suas consequências é não só apoio da compreensão da acção mas também objecto do juízo de imputação” (Fernanda Palma, loc. cit., p. 40)» 17.
Vale por dizer que, no que concerne ao crime de detenção de arma proibida, não tendo ficado provado que os arguidos, com excepção do AA, transportaram, empunharam ou detiveram a arma, independentemente da anuência dada à utilização pelos co-arguidos (o que relevará, nos termos a seguir expostos, para se considerar a agravante a que aludem os n.º 3 e 4 do citado art. 86º) inexiste a prática de actos de execução, necessários à autoria, impondo-se, assim, a sua absolvição quanto a este tipo criminal.
Procedem, pois, os recursos nesta parte, concluindo-se pela absolvição dos arguidos BB, CC, DD, EE e FF quanto ao crime de detenção de arma proibida.
3.5.3. Da alteração da qualificação jurídica operada na fase de recurso
Como se deixou atrás indicado, a circunstância de resultar da materialidade a anuência da utilização da arma pelos co-arguidos releva, não para a subsunção ao crime de detenção de arma proibida, mas sim para a aplicação da agravante a que aludem os n.º 3 e 4 do citado art. 86º da Lei das Armas.
Na verdade, é inquestionável que, os crimes que os (seis) arguidos decidiram cometer em conjunto, com utilização de arma, foram perpetrados por todos e por cada um deles, embora só um deles tenha empunhado a arma.
Preceitua o citado art. 86º que:
«3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma;
4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente»
«O n.º 3 do artigo 86.º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respetivo tipo de crime ou dê lugar a uma agravação mais elevada; a agravação não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de acionar efetivamente essa outra agravação [assim, os acórdãos de 13.4.2016 (Pires da Graça), Proc. 294/14.4PAMTJ.L1.S1, e de 6.4.2017 (Helena Moniz), Proc. 1183/15.0JAPRT.P1.S1, e de 15.11.2019, Proc. 4123/16.6JAPRT.G1.S1, em www.dgsi.pt].
O uso de arma, comportando um fator de agravação da ilicitude em função da perigosidade para um bem jurídico ou para uma série de bens jurídicos criminalmente protegidos, não constitui elemento típico do crime de homicídio; sendo um crime de execução livre, ao tipo de homicídio é indiferente a forma como o resultado morte é provocado [acórdão de 9.3.2022, Proc. 874/20.9JAPRT.S1; cfr. também o citado acórdão de 07.05.2015, e, entre outros, o acórdão de 11.03.2021 (Margarida Blasco), Proc. 75/20.6JAFAR.S1, em www.dgsi.pt).
Disse-se no acórdão de 25.10.2017 (Oliveira Mendes), Proc. 1504/15.PBCSC.L1.S2 (em www.dgsi.pt): “A agravação prevista no n.º 3 do art. 86.º do RJAM (…) opera pelo simples cometimento do crime com arma, excetuando-se apenas os casos em que o porte ou uso da arma é elemento do respetivo crime ou a lei já preveja agravação mais elevada para o crime em função do uso da arma, o que não é o caso. (…) E sempre nos permitimos enfatizar ainda, a propósito da questão da sobredita agravação, (…) que, como o STJ vem também dizendo, aliás uniformemente, nada obsta a que, mesmo no quadro do homicídio qualificado, possa ser convocada essa agravante geral. Nesse sentido, e entre outros, decidiram já os Acórdãos de 31-03-2011, proferido no Processo n.º 361/10.3GBLLE, da 5.ª Secção, de 18-01-2012, proferido no âmbito do Processo n.º 306/10.0JAPRT.P1, da 3.ª Secção, de 26-04-2012, proferido no âmbito do Processo n.º 293/10.5JALRA.C1.S1, da 5.ª Secção, de 12-03-2015, proferido no Processo n.º 185/13.6GCALQ.L1.S1, da 3.ª Secção, de 25-03-2015, proferido no Processo n.º 1504/12.8PMLRS.L1.S1, também da 3.ª Secção, e de 7-05-2015, proferido no Processo n.º 2368/12.7JAPRT.P1.S2, da 5.ª Secção.
Em síntese, não sendo o uso de arma elemento do tipo de crime de homicídio, e não levando, no caso, ao preenchimento de circunstância qualificativa do tipo de crime do artigo 132.º, não há fundamento para afastar a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas»18.
Não se verificando, na situação em apreço, nenhuma das excepções previstas na parte final do mencionado n.º 3 do citado art. 86.º, as molduras aplicáveis aos crimes de homicídio cometidos com a aludida arma de fogo, haverão, pois, de ser agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do disposto no n.º 4, naturalmente, sem poderem exceder o limite máximo de 25 anos de prisão.
«Na verdade, tratando-se de uma situação em que a verificação de uma circunstância qualificativa de carácter geral (ditada por razões de prevenção geral, que têm a ver com a necessidade de reprimir o uso de armas no cometimento de crimes, logo que, não sendo privativa do crime de homicídio, mas transversal a todos os crimes perpetrados nessas condições, aporta um acréscimo à ilicitude da conduta) determina a agravação da pena aplicável ao crime, nada obsta a que a mesma opere, nos termos do número 3 do artigo 86.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições»19.
Por fim, consigna-se que tal agravação será, também, aplicável ao arguido AA, não obstante se tenha concluído, quanto a ele, pela correcta condenação no que respeita ao crime de detenção proibida.
É que «(…) não constitui obstáculo à agravação decorrente do n.º 3 do artigo 86.º a circunstância do arguido ter sofrido condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, pois que àquela é absolutamente «indiferente que o agente esteja numa situação de legalidade ou ilegalidade em relação à arma: a agravação teria lugar mesmo que o recorrente tivesse licença de uso e porte de arma» - [cf. o cit. acórdão do STJ de 31.03.2011; no mesmo sentido vide o acórdão do TRP de 30.09.2015 (proc. n.º 1223/14.0JAPRT.P1)]»20.
30. Como se extrai do exposto, as discordâncias dos arguidos resumem-se ao seguinte:
a) No recurso do arguido DD: à pretensão de absolvição do crime de homicídio qualificado e, em consequência, de enquadramento dos factos no «crime de ofensa à integridade física simples nos termos do art.º 143º do Cód. Penal» ou no «crime de ofensa à integridade física qualificada nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 145º do Cód. Penal.»
b) No recurso do arguido EE: à pretensão de absolvição do crime de homicídio qualificado e, em consequência, de enquadramento dos factos no «crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado (dano morte)»;
c) No recurso do arguido FF: à pretensão de absolvição do crime de homicídio qualificado e de enquadramento dos factos «no crime de ofensa à integridade física grave, nos termos do art.º 144.º al. d)» ou no «crime previsto no art.º 145.º n.º 1 al. a) do Código Penal, por força do resultado que se veio a verificar, nomeadamente ter-lhe “provocado perigo para a vida”», «uma vez que não ficou provada a intenção de matar», bem como â não agravação da pena prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas.
31. Como se viu, os arguidos deduziram a pretensão de absolvição do crime de homicídio e de qualificação dos factos como crimes contra a integridade física no recurso perante a Relação (supra, 25-29), a qual, no acórdão recorrido, julgou tais pretensões improcedentes, confirmando o decidido em 1.ª instância, com base nos factos provados, que ambas as instâncias consideraram preencher os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de homicídio praticado por todos os arguidos em comparticipação (coautoria).
Tiveram as instâncias em consideração o facto de a morte da vítima II ter sido causada pelos ferimentos provocados pelos disparos da arma de fogo efetuados pelo arguido AA, «como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos», que, agindo conjuntamente, «quiseram e conseguiram provocar a morte», «bem sabendo que ao dispararem, como dispararam, e ao atingirem o corpo do mesmo com munições deflagradas por uma caçadeira, tal era apto a fazê-lo e que, deste modo, iriam alcançar o objetivo que pretendiam, ou seja causar a sua morte, como causaram, o que fizeram em comunhão de esforços e vontades e na execução de um plano por todos gizado».
Lê-se na descrição da de facto que os arguidos se «deslocaram à localidade de ... no veículo ligeiro de mercadorias», «nela percorrendo as artérias da referida localidade, o que fizeram com o objetivo de localizar elementos do antedito grupo rival e, deste modo, retaliarem», «munidos de uma caçadeira de características não concretamente apuradas, tendo acordado utilizá-la para atingir elementos do grupo de ..., denominado “....»; que, «assim que avistaram II … conduziram o mencionado veículo na sua direção», «pararam o referido veículo uns metros à frente», «e, de imediato, foram abertas as portas traseiras a partir do seu interior», onde se encontravam todos os arguidos, «momento em que, em ato contínuo, o arguido AA – que estava na respetiva zona de carga – empunhou a caçadeira que trazia, apontou-a na direção de II e HH e, de imediato, com ela efetuou, pelo menos, dois disparos, vindo a atingir II nas costas, na zona lombar direita»; que, «como consequência, direta e necessária, da descrita atuação dos arguidos», II sofreu as lesões e ferimentos descritos no ponto 9 dos factos provados; que a morte «foi devida a lesões traumáticas toraco-abdominais produzidas por ação de natureza perfuro-contundente, por projéteis de arma de fogo, etiologia médico legal homicida, delas tendo resultado a sua morte»; que os arguidos, todos eles, «quiseram e conseguiram provocar a morte de II, tendo assim atuado, em grupo», «o que fizeram em comunhão de esforços e vontades e na execução de um plano por todos gizado».
O que levou a Relação, em decisão que não merece qualquer observação, a, fundada e corretamente, «arredar liminarmente quer a propalada inexistência de co-autoria, quer a requerida alteração da qualificação jurídica no que concerne à subsunção da factualidade aos crimes de ofensa à integridade física».
32. Como concluíram as instâncias, estão preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de homicídio da previsão do artigo 131.º do Código Penal, praticado em coautoria, por todos os arguidos.
Nos termos do artigo 26.º do CP, “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Numa formulação sintética, o artigo 26.º contém várias hipóteses de autoria: uma de autoria singular, quando ao agente executa o facto por si mesmo – autoria imediata –, e três de autoria plural, em que se incluem situações em que dois ou mais agentes acordam entre si a prática do facto e o executam conjuntamente (coautoria) – casos em que o autor executa o facto ou toma parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, desde que haja execução ou começo de execução.
Como tem sido unanime e reiteradamente afirmado, a realização conjunta de um crime (coautoria) supõe a existência de um plano ou de um acordo (contendo a “decisão”) e o contributo objetivo de cada um dos autores na execução do facto. Porque nenhum dos coautores possui na íntegra o domínio do facto, no sentido que lhe é atribuído para definir a autoria – «autor é quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica», «e não apenas que se limite a oferecer ou a pôr à disposição os meios de realização» de facto alheio –, Figueiredo Dias usa o conceito de “condomínio do facto”, para designar a partilha ou o exercício conjunto desse “domínio” durante a execução do facto21.
Como se tem observado22, a coautoria é caraterizada por uma atuação com divisões de trabalho, ou repartição de tarefas, e uma distribuição funcional de papéis na execução do facto (preenchimento do tipo). Dado que cada contribuição singular completa um todo unitário (a realização do tipo), todas as contribuições individuais e objetivas têm que ser imputadas reciprocamente a todos os coautores, desde que eles atuem nos limites do acordo, expresso ou tácito, estabelecido entre eles, de praticar o facto conjuntamente. A componente subjetiva reside na decisão conjunta, pois só assim “se pode justificar que responda pela totalidade do delito o agente que por si levou a cabo uma parte da execução típica”. Não basta, porém, o mero acordo ou plano conjunto, pois necessário se torna que este respeite ao papel ou função na execução do facto “por forma a que o contributo de cada um para o facto apareça não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como parte da atividade total e, correspondentemente, as ações dos outros se revelam como um complemento da sua participação própria”23. Daí que o dolo da prática do facto típico por cada coautor seja “um dolo de realização conjunta desse facto típico, o que obriga ao conhecimento do plano [conjunto], das tarefas envolvidas, das circunstâncias típicas de atuação e a vontade da sua realização nesses termos”24.
33. Também não se suscitam divergências de avaliação no que respeita à qualificação do crime do homicídio por verificação das circunstâncias que constituem os exemplos-padrão da previsão das alíneas h) (prática do facto «juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas») e j) («frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas») do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, afastada a circunstância da alínea e) («motivo torpe») pelo Tribunal da Relação.
34. Como repetidamente se tem afirmado, contém este preceito um tipo qualificado do crime de homicídio previsto no artigo 131.º, através de uma cláusula geral fixando um critério generalizador determinante de um especial tipo de culpa, agravada por virtude da particular censurabilidade ou perversidade relativas ao agente e ao facto, reveladas pelas circunstâncias do caso.25
Combina-se esta cláusula geral com a enumeração, no n.º 2 do mesmo preceito, de um conjunto de exemplos-padrão, indiciadores de um grau especialmente elevado de culpa que, não sendo de funcionamento automático , determinarão a concretização, na avaliação e valoração do caso concreto, da especial censurabilidade ou perversidade dos factos praticados, por realização da previsão típica de alguma das circunstâncias que integram tais exemplos-padrão ou de outras de idêntico sentido e conteúdo normativo.
As circunstâncias devem ser avaliadas no contexto de uma imagem global do facto agravada, que corresponda ao especial tipo de culpa que aqui se deve ter em conta e cujo fundamento assenta nas circunstâncias do facto e nas condições pessoais do agente, incluindo os traços da sua própria personalidade. Mas entende-se que só circunstâncias extraordinárias ou, então, um conjunto raro de circunstâncias possam anular o efeito do indício26.
O pensamento da lei é o de imputar à «especial censurabilidade» aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à «especial perversidade» aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas27.
Assim, a verificação de exemplo padrão do n.º 2 do artigo 132.º não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. É um indício, a ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas.
Exige-se, pois, que as concretas circunstâncias da conduta do agente permitam justificar um especial juízo de censura, pela particular gravidade do facto revelada nessas circunstâncias, as quais, na ausência de motivo suscetível de, em concreto, diminuir ou neutralizar a sua valoração, a verificarem-se, se deve considerar preencherem o critério de especial censurabilidade ou perversidade para efeitos de realização do tipo qualificado do crime de homicídio (como se sublinhou no acórdão de 27.11.2019, citado)28.
35. A alínea h) contém um exemplo padrão composto, com três situações distintas: praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum. Traduzem, todas, a mesma ideia de particular perigosidade do meio empregado (seja diretamente para a vítima, seja para outros bens jurídicos protegidos) e da consequente maior dificuldade de defesa para a vítima.
No caso particular da prática de facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas, tem-se entendido que o adjetivo «juntamente» impõe a existência de, pelo menos, três agentes, na qualidade de coautores (à imagem do que exige o artigo 26.º: «É punível como autor quem executar o facto […] por acordo ou juntamente com outro ou outros»), que, por essa razão, revela uma perigosidade particular que causa especiais dificuldades de defesa.
Aqui se devendo incluir a coautoria (supra, 32)29.
36. A verificação da al. j) fundamenta-se na circunstância de resultar dos factos provados «que entre o dia ...-...-2022 após as 13h05 e o dia ...-...-2022, antes das 22h40, os arguidos formularam o propósito e delinearam um plano que passava por atingir elementos do grupo de ..., denominado “...., seu rival, como forma de retaliação aos factos que tinham sucedido, na semana anterior, dos quais resultou como ferido um elemento do seu grupo, VV» e de «entre as referidas datas diligenciaram pela caçadeira que viriam a utilizar e pela carrinha onde se fizeram transportar, na qual percorreram as artérias da localidade de ..., sita em ..., com o propósito de localizar elementos do antedito grupo rival e desse modo, retaliarem em relação ao que tinha sucedido no dia ...-...-2022».
O que mereceu a concordância da Relação, convocando o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020, no processo n.º 757/18.2JACBR.C1.S1 (em www.dgsi.pt) com fundamentação que o acórdão recorrido «subscreve».
37. Contempla este exemplo-padrão, sob o denominador comum da premeditação, a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas. Trata-se de circunstâncias agravativas relacionadas com o processo de formação da resolução criminosa.30
«A ideia fundamental nesta circunstância é a da premeditação. Pressupondo uma reflexão da parte do agente. O que acontece é a influência do factor tempo, e o facto de se ter estudado a forma de preparar o crime, demonstram uma atitude de maior desvio em relação à ordem jurídica. O decurso do tempo deveria fazer o agente cessar a sua vontade de praticar o crime, quanto mais medita sobre a sua prática mais exigível se torna que não actue desse modo». «Nestes casos o agente prepara o crime, pensa nele, reflecte sobre o acto, e mesmo assim decide matar, combatendo a ponderação que se lhe impunha»31.
A premeditação, reveladora, indiciariamente, de especial censurabilidade ou perversidade na prática do crime, surge, assim, materializada em três situações:
A frieza de ânimo, que, na expressão do acórdão de 06.01.201032, se traduz «na actuação calculada, reflexiva, em que o agente toma a sua deliberação de matar e firma a sua vontade de modo frio, denotando um sangue frio e alguma indiferença ou insensibilidade perante a vítima, ou seja, quando o agente, tendo oportunidade de reflectir sobre a sua intenção ou plano, ponderou a sua actuação, mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto»33.
A reflexão sobre os meios empregados consiste na escolha ponderada pelo agente dos meios de atuação que, por força do efeito letal que possuem, facilitem a execução do crime projectado ou proporcionem mais probabilidades de êxito34. Traduz-se, deste modo, na preparação meditada do crime, no estudo de um plano de acção para o executar, significando, «um amadurecimento temporal sobre o modo de o praticar, a congeminação serena e perdurante no campo da consciência da ideação de matar e dos meios a usar»35.
A persistência na intenção de matar por mais de 24 horas (premeditação propriamente dita), traduz-se na preparação meditada do crime, no estudo de um plano de acção para o executar e na persistência no propósito de matar por mais de 24 horas, tempo considerado suficiente para o agente poder vencer emoções, ultrapassar impulsos súbitos e ponderar o alcance e consequências do ato36.
De tudo se extraindo que, para verificação da culpa agravada reveladora de especial perversidade ou censurabilidade, numa visão global do facto, se torna necessário que, para que se possa concluir que o agente atuou com “reflexão sobre os meios empregados”, das suas concretas circunstâncias resulte que este, no processo de formação e execução da sua vontade criminosa, com a intenção determinada de causar a morte da vítima, persistente num significativo período de tempo que lhe permite atuar de outro modo, agiu de forma pensada, calculada, ponderada, firme e reveladora de particular indiferença, insensibilidade e desprezo pela vida humana.
Assim se devendo formular o juízo de censura na base de um especial nível de gravidade, para além do plano de censurabilidade que a lesão da vida humana em si mesma encerra, sob pena de qualquer comportamento causador da morte, pela gravidade que, por definição, comporta, se reconduzir, em regra, a formas qualificadas de homicídio agravado, com risco de esvaziamento da previsão típica fundamental do crime de homicídio.
38. Em conformidade com o que vem de se expor, tendo em conta a matéria de facto provada e as circunstâncias relativas ao facto e aos agentes, no seu conjunto, justifica-se que, como no acórdão recorrido, se deva concluir pela verificação da especial perversidade e censurabilidade a que se refere o artigo 132.º do Código Penal, devendo, em consequência considerar-se preenchido o tipo de culpa agravado do crime de homicídio pelo preenchimento dos exemplos-padrão das alíneas h) e j) do n.º 2 deste preceito.
Em consequência do que, com estes fundamentos, se justifica que, nesta parte, seja negado provimento ao recurso
(cont.) Da agravação da pena prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas
39. Questiona o arguido FF a agravação da pena com base no artigo 86.º, n.º 3, da «Lei das Armas», alegando que esta só seria possível se tivesse sido condenado pelo crime de detenção de arma proibida.
Sem razão, porém, como se justifica no acórdão fundamento, convocando nesse sentido abundante jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que agora se reafirma.
40. Dispõe o artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006 («Lei das Armas»):
«3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.»
Esclarecendo o n.º 4:
«4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.»
Resultaram estas disposições das alterações à Lei n.º 5/2006 introduzidas pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, que teve origem na Proposta de Lei n.º 222/X (4.ª)37, a qual, na Exposição de Motivos as justifica nos seguintes termos: «Todos os crimes praticados com armas passam a ser objecto de uma agravação especial de um terço, nos seus limites mínimo e máximo. Esta regra funciona de acordo com um princípio de subsidiariedade e com respeito pelos princípios penais e processuais penais, pelo que a agravação só se aplica se outra, mais grave, não estiver estabelecida e se o uso de arma não constituir já um elemento do tipo de crime.»
Recordando o essencial do que se escreveu no acórdão de 29.6.2023, Proc. 15/11.3PEALM.L5.S1, citado no acórdão recorrido:
«18. (…) há que aplicar o artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas quando se mostre preenchido o tipo de crime de homicídio qualificado da previsão do artigo 132.º [do CP] (…).
19. O n.º 3 do artigo 86.º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respetivo tipo de crime ou dê lugar a uma agravação mais elevada; a agravação não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de acionar efetivamente essa outra agravação (…)
O uso de arma, comportando um fator de agravação da ilicitude em função da perigosidade para um bem jurídico ou para uma série de bens jurídicos criminalmente protegidos, não constitui elemento típico do crime de homicídio; sendo um crime de execução livre, ao tipo de homicídio é indiferente a forma como o resultado morte é provocado (…).
Disse-se no acórdão de 25.10.2017 (Oliveira Mendes), Proc. 1504/15.PBCSC.L1.S2 (em www.dgsi.pt): “A agravação prevista no n.º 3 do art. 86.º do RJAM (…) opera pelo simples cometimento do crime com arma, excetuando-se apenas os casos em que o porte ou uso da arma é elemento do respetivo crime ou a lei já preveja agravação mais elevada para o crime em função do uso da arma, o que não é o caso. (…) E sempre nos permitimos enfatizar ainda, a propósito da questão da sobredita agravação, (…) que, como o STJ vem também dizendo, aliás uniformemente, nada obsta a que, mesmo no quadro do homicídio qualificado, possa ser convocada essa agravante geral. (…)
20. Em síntese, não sendo o uso de arma elemento do tipo de crime de homicídio, e não levando, no caso, ao preenchimento de circunstância qualificativa do tipo de crime do artigo 132.º, não há fundamento para afastar a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas.»
41. Nesta conformidade, e com estes fundamentos, improcede o recurso do arguido FF nesta parte.
Da (não) aplicação do regime penal dos jovens adultos
42. Esta questão vem suscitada pelos arguidos AA, BB e DD.
42.1. No recurso para o Tribunal da Relação o arguido AA alegou que:
«32. Andou mal o do douto tribunal “a quo” não considerar que o arguido AA, possa beneficiar do Regime Especial de Jovens Adultos, ou seja, um regime mais favorável, importa referir que à data dos factos tinha 18 anos, bem como não tem antecedentes criminais.
33. Os fundamentos invocados no douto Acórdão para a não aplicação do regime especial para jovens contraria o espírito deste diploma, nomeadamente a personalidade adversa à ressocialização, ou seja, que atenuação já não conseguirá funcionar como estímulo à reinserção social e ao seu afastamento de comportamentos desviantes.
34. O juiz tem de averiguar, mesmo oficiosamente, se existem pressupostos de facto que imponham a aplicação do regime previsto no referido diploma, sempre que a pessoa submetida a julgamento tenha, ao tempo dos factos, idade que se integre dentro dos limites objectivos de aplicação.
35. O regime especial dos jovens delinquentes, consignado no Dec.-Lei nº 401/82, fundamenta-se num direito mais reeducador que sancionador e não se verificando factos que façam concluir que um jovem de 18 anos (à data da prática dos factos), tem já uma personalidade adversa à ressocialização, sendo, por isso, seriamente de crer que a atenuação especial da pena funcionará como estímulo à reinserção social do jovem e ao seu afastamento de comportamentos desviantes.
36. Assim e salvo melhor opinião, não foram condignamente ponderados os elementos pessoais antes e pós a pratica dos factos de que foi acusado e condenado, limitando –se o douto tribunal “ a quo” a formular um juízo conclusivo e assim justificar a não aplicação de tal regime, sem qualquer outro elemento, que permitisse um juízo positivo.
37. O arguido AA, encontra-se inserido ao nível familiar e social.
38. O Tribunal a quo ao condenar o arguido AA a uma pena de 16 anos de prisão efetiva em cúmulo jurídico, violou o disposto nos artigos 50º e 71º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa e excessiva, atenta a factualidade dada como provada e as circunstâncias concretas que envolveram a prática dos crimes.»
Pedindo que a pena fosse «atenuada por aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes».
42.2. O arguido BB disse no recurso para a Relação:
«9) O arguido BB tinha 17 anos à data dos factos imputados pelo que deveria ter-lhe sido aplicada a atenuação especial da pena prevista no artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, para que este jovem tivesse a possibilidade de se reabilitar e reintegrar na sociedade;
10) A sujeição do Arguido BB a uma pena superior a 8 anos de prisão não serve os fins da justiça criminal por não ser adequada a permitir a reabilitação deste jovem;
11) A jurisprudência portuguesa tem condenado homicidas cruéis a penas inferiores às que foram impostas no acórdão recorrido, o que constitui uma injustiça relativa, por divergência de decisões judiciais sobre a mesma matéria;»
E, a final:
«Em qualquer dos casos sempre deveria o Arguido BB beneficiar do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes procedendo-se à atenuação especial da pena em termos de permitir a reabilitação deste jovem».
42.3. Por sua vez, o arguido DD alegou:
«31. (…) sempre haverá que se aferir da medida das penas parcelares e da pena única aplicadas ao recorrente, as quais considera o Recorrente serem excessivas e prejudiciais à sua ressocialização demonstrando-se as penas demasiado elevadas e superiores à sua culpa.
32. Sendo que o arguido apenas regista um antecedente criminal, por crime de menor gravidade e de diferente natureza.
33. Devendo ser aplicado o Regime Especial para Jovens Delinquentes.
34. Por todas estas razões, estamos em crer que deverão ser inferiores as penas parcelares a serem impostas ao recorrente, não devendo as mesmas ultrapassarem os limites mínimos legais.»
44.4. O arguido CC (cujo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não foi admitido, por extemporâneo) suscitou igualmente esta questão perante o Tribunal da Relação, dizendo:
«f) O douto tribunal deveria ter aplicado ao arguido Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes, estabelecido pelo D.L. 401/82 de 23 de setembro, que estabelece o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, que tenham praticado um facto qualificado como crime (art.º 1º, n.ºs 1 e 2, in fine, do referido diploma legal)»,
45. O Tribunal da Relação apreciou e decidiu estas questões nos seguintes termos:
“Todos os arguidos/recorrentes, com excepção do arguido FF reclamam a aplicação do Regime Especial para Jovens, previsto no D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro.
Afastando a sua aplicação, o Tribunal a quo decidiu nos termos que se transcrevem:
«. Regime especial para jovens
Atenta a idade dos arguidos AA – 18 anos- BB – 17 anos – CC – 20 anos – DD – 18 anos – EE – 17 anos de idade à data da prática dos factos, cumpre trazer à colação o disposto no D.L. 401/82, de 23 de Setembro, que estabelece o “Regime Penal Especial para Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos” - diploma inspirado na “ideia de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado”, apostando na “capacidade de ressocialização do homem (...) sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade”, instituindo “um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade” (Preâmbulo do D.L. 401/82, de 23 de Setembro).
5Com efeito, encontra-se o aludido diploma vocacionado para dar resposta a casos envolvendo jovens de idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, entendendo-se que se encontram ainda em fase de formação da personalidade, pelo que merecem um tratamento diferenciado e mais contemporizador por parte do sistema jurídico, de molde a não cercear a possibilidade de recondução atempada do jovem a uma vida conforme com o Direito.
A sua aplicação tem gerado séria controvérsia na Jurisprudência, separando desde logo os que entendem que estamos perante um “regime especial” que prevalece sobre o geral ou ante um regime especializado ou direcionado, que terá que se compatibilizar com o regime geral.
O ponto mais crítico da discussão prende-se com a consideração por uns de que as exigências de prevenção especial prevalecem sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídica penal e o entendimento contrário propugnado por outros, com todas as consequências quanto à aplicabilidade do regime em cada uma das situações.
No entender deste Tribunal, as exigências de prevenção especial têm prevalência, precisamente porque o legislador pretende “ir mais além”, apostando em “ganhar” um cidadão para a sociedade, o que também dá cobertura, ainda que de forma menos direta, à proteção dos valores fundamentais vigentes na ordem jurídica e, à prevenção geral.
Como refere o STJ em Acórdão que trata desta matéria de forma bastante desenvolvida, (Acórdão do STJ de 14-05-09, Processo 09P0096, in www.dgsi.pt), “na expressão do acórdão de 13-07-2005, processo n.º 2122/05- 3ª, a norma do artigo 4º do Decreto-Lei 401/82, configura um fundamento autónomo de atenuação especial da pena, diretamente fundado na idade do agente e no juízo de prognose favorável quanto ao desempenho da personalidade (sublinhado da relatora), não remetendo para os pressupostos de atenuação especial do artigo 72º do Código Penal”.
Por outro lado, existem aspetos atinentes ao regime que ora nos ocupa que alcançam unanimidade de entendimentos.
Assim, pegando novamente nas palavras do Sr. Conselheiro relator do Acórdão que vimos citando: “Todos estão de acordo em que a atenuação especial ao abrigo do regime especial dos jovens adultos - não é de aplicação necessária e obrigatória; - nem opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; - é de conhecimento oficioso; - a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz, - mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; - de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa, - havendo a obrigação, ou pelo menos, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; - justificando-se a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, devendo ser fundamentada a não aplicação.”
No caso em concreto, afigura-se ao Tribunal que a atenuação especial da pena a aplicar aos arguidos se não mostra vantajosa, não obstante a sua idade, dadas as circunstâncias específicas do caso, a gravidade dos comportamentos assumidos e a ausência de manifestação de interiorização do desvalor da conduta.
Com efeito, estamos ante um fenómeno de delinquência juvenil, estando em causa atos de grande violência praticados numa lógica grupal de gangues, a suscitar prementes necessidades de prevenção geral – importa atentar no sinal que a punição transporta para a comunidade em que os arguidos – e os visados pela sua conduta - se inserem.
Por outro lado, em termos de prevenção especial, estão em causa jovens relativamente aos quais se revela difícil realizar um juízo de prognose favorável no que atende às vantagens de aplicação de um regime atenuativo, correndo-se mesmo o risco de transmissão de um sinal de desvalorização do bem jurídico protegido, que aqueles atingiram como forma de desforço, numa espiral de violência.
Face ao exposto, decide o Tribunal não aplicar o regime penal especial para jovens»
Atentemos, pois.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça perfilam-se duas correntes relativamente à aplicação do Regime Especial para Jovens. Perante a juventude, numa perspectiva, a atenuação especial deverá operar sempre excepto quando se vislumbram factores negativos e noutra a atenuação só deverá ocorrer quando se verificam circunstâncias positivas.
Estamos, de todo o modo, convictas que a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos «constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação; constitui no rigor um regime específico e não um regime especial. É o que resulta do art. 2.º do D.L. 401/82»38
Tal não significa, no entanto, que a sua aplicação seja automática, pois que é pressuposto legal que, acrescidamente, existam sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social, o que exigirá, invariavelmente, uma ponderação conjunta dos factos e das condições pessoais do/s jovem/jovens condenado/s.
No caso, o tribunal afastou a aplicação do regime, dando forte enfase, por um lado, às circunstâncias pessoais dos arguidos e, por outro, às prementes razões de prevenção geral associadas ao tipo de criminalidade em causa.
«Relativamente à afirmação da personalidade, Erikson considera a adolescência como a fase mais crítica do ciclo vital» e «afirmava que um indivíduo tinha de construir a sua personalidade durante a adolescência, porém essa construção não era feita de um mesmo modo para todos os adolescentes, visto não existir um modo padronizado e linear. Durante esta fase da vida há sempre procura de algo mais, há crises, indecisões, situações conflituosas que têm de ser resolvidas de um modo ou de outro»39
E, no caso, há que conceder, para além de os factos e crimes denotarem elevadíssima ilicitude e acentuado desvalor axiológico, concomitantemente, traduzem já, e apesar da juventude, forte perturbação na construção da personalidade e evidente desnorte na condução do estilo de vida dos arguidos. Na verdade, o despoletar da actividade delituosa e as circunstâncias envolventes «escapam a uma tradicional categorização da delinquência juvenil».
«A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se v.g. com a aplicação do regime de jovens; mas, quando essa aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a aplicação do regime penal especial para jovens cedem [No mesmo sentido Anabela Rodrigues, Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal, 1988, pág. 22 e 23]»
Ora, no apontado quadro de fragilidades, do qual emergem ponderosas e concretas necessidades de prevenção especial, tendo presentes as indesmentíveis exigências de prevenção geral, outra solução não resta senão a de se concluir, tal qual o Tribunal a quo, que inexistem circunstâncias que amparem um prognóstico favorável quanto às vantagens da atenuação especial das penas em termos da prevenção da reincidência.
Não merecendo reparo a decisão de não aplicação do Regime Especial para Jovens, improcedem, nesta parte, os recursos interpostos.»
46. Dispõe o artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena40.
Sempre que houver lugar a atenuação especial, o que implica uma apreciação da verificação, em concreto, das circunstâncias do caso que a justificam, observam-se as regras de redução dos limites mínimo e máximo da pena aplicável estabelecidas do n.º 1 do artigo 73.º, havendo que determinar a medida concreta dentro da moldura assim definida, observados os critérios gerais concorrendo por via da culpa e da prevenção a que se refere o artigo 71.º. Nos termos do n.º 1 do artigo 73.º, a moldura da pena de prisão é definida pelo limite máximo reduzido de um terço (al. a) e pelo limite mínimo reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos (al. b).
Um dos «casos expressamente previstos na lei» respeita às penas aplicáveis aos jovens com idade compreendida entre 16 e 21 anos, cujo regime, por remissão do artigo 9.º do Código Penal («[a]os maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial», diz o preceito), se encontra estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, que aprovou o denominado «regime penal dos jovens delinquentes».
Dispõe o artigo 4.º deste diploma que «[s]e for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal [que correspondem aos atuais artigos 72.º e 73.º, após a revisão de 1995], quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
Como se extrai do respetivo preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 401/82 tratou, «em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador», tendo em conta as caraterísticas próprias do período de transição da adolescência para a idade adulta, «sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.»
Densificando os fatores de atenuação especial, a Proposta de Lei n.º 275/VII (DAR II Série - A, n.º 59, de 5.5.1999, p. 1724ss), que, na mesma linha de orientação – em coerência com a Proposta de Lei que originou a Lei Tutelar Educativa, de 1999, e com a revisão do Código Penal de 1995, e colhendo a experiência da jurisprudência –, visava aperfeiçoar e aprofundar o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 401/82, estabelecia no artigo 4.º, n.º 1, reproduzindo os critérios gerais do artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal, que «o tribunal atenua especialmente a pena quando considerar que a idade do agente, no momento da prática do facto, por si ou associada a outras circunstâncias, anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dele, diminui por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena».
47. Em jurisprudência constante, vem-se, de há muito, afirmando que a idade do arguido à data da prática do facto constitui apenas um requisito formal de aplicação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, o qual impõe ao tribunal, com a mais ampla margem de apreciação das circunstâncias relativas ao facto e ao agente, relevantes por via da culpa e da prevenção, o dever de, sob pena de nulidade, averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial que devam eleger-se como “sérias razões” que lhe permitam “crer” que daquela atenuação resulte vantagem para uma mais fácil reinserção social do jovem condenado. O que torna necessário ter em conta as condições pessoais, sociais e familiares, no exterior da prisão, que poderão contribuir para facilitar a reinserção, na consideração das necessidades de prevenção geral, justificando, assim, o encurtamento da pena de prisão, por via da atenuação especial, para que a reintegração social presente na finalidade prosseguida pela aplicação da pena se possa realizar mais adequadamente em liberdade (assim, entre outros, salientando este ponto, o acórdão de 8.9.2016, Proc. 610/15.1PCLSB.S1, em www.dgsi.pt).
A aplicação do regime penal especial para jovens não é obrigatória nem automática, «sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem sem ser afetada a exigência de prevenção geral, isto é, de proteção dos bens jurídicos e da validade das normas», pelo que o juízo a formular sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção social tem de assentar em condicionalismo que atenda a todas as circunstâncias do cometimento do crime. Assim, não será de aplicar o regime dos jovens delinquentes quando os factos praticados e a sua gravidade o desaconselham em absoluto, por não se mostrar possível a formulação de um juízo de prognose favorável.
Na síntese do acórdão de 17.4.2013, Proc. 237/11.7JASTB.L1.S141, notando embora algumas divergências de abordagem, «todos estão, porém, de acordo em que a atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos: não é de aplicação necessária e obrigatória; nem opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; é de conhecimento oficioso; a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa; havendo a obrigação, ou pelo menos, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; justificando-se a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, devendo ser fundamentada a não aplicação».
Considerou-se, assim, no acórdão de 13.10.202142, citando abundante jurisprudência: «A adequada reinserção social do arguido depende necessariamente de considerações de natureza preventiva, particularmente especial, cuja avaliação deve ter presente, designadamente, a gravidade do facto ou factos perpetrados e as suas consequências, o tipo e a intensidade do dolo, os fins que subjazem ao ilícito, o comportamento anterior e posterior e a personalidade do arguido à luz dos factos, isto é, neles manifestada e reflectida. (…) As medidas propostas no regime penal especial para jovens, como resulta do próprio preâmbulo do DL n.º 401/82, de 23-09 (ponto 7), não deverão ser aplicadas quando, em concreto, se mostre necessário defender a comunidade e prevenir a criminalidade (…). Assim, razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão levar à não aplicação daquele regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico. (…) Um juízo de prognose, como o que está ínsito no mencionado regime penal dos jovens, pressupõe uma valoração do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, quanto a saber se, em termos prospetivos, a imagem global indicia positivamente uma esperança fundada de que da atenuação especial da pena resultem vantagem para a reinserção do arguido. (…) A avaliação das vantagens da atenuação especial para a reinserção do jovem tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido, e não por considerações abstratas desligadas da realidade; do julgamento do caso concreto tem de resultar claramente a convicção do juiz sobre a natureza expressiva das [sérias] vantagens da atenuação para a reinserção do jovem condenado» (no mesmo sentido, na jurisprudência mais recente, de entre outros, os acórdãos de 9.12.2020, Proc. 1289/08.2PHLRS.L2.S1, e de 11.10.2023, Proc. 988/22.0S6LSB.S1, em www.dgsi.pt).
48. Como se viu, a 1.ª instância, com a concordância do Tribunal da Relação considerou que «a atenuação especial da pena a aplicar aos arguidos se não mostra vantajosa, não obstante a sua idade, dadas as circunstâncias específicas do caso, a gravidade dos comportamentos assumidos e a ausência de manifestação de interiorização do desvalor da conduta», especificando que «estamos ante um fenómeno de delinquência juvenil, estando em causa atos de grande violência praticados numa lógica grupal de gangues, a suscitar prementes necessidades de prevenção geral – importa atentar no sinal que a punição transporta para a comunidade em que os arguidos – e os visados pela sua conduta - se inserem» e acrescentando que «em termos de prevenção especial, estão em causa jovens relativamente aos quais se revela difícil realizar um juízo de prognose favorável no que atende às vantagens de aplicação de um regime atenuativo, correndo-se mesmo o risco de transmissão de um sinal de desvalorização do bem jurídico protegido, que aqueles atingiram como forma de desforço, numa espiral de violência.».
Acrescentou ainda o acórdão recorrido que «para além de os factos e crimes denotarem elevadíssima ilicitude e acentuado desvalor axiológico, concomitantemente, traduzem já, e apesar da juventude, forte perturbação na construção da personalidade e evidente desnorte na condução do estilo de vida dos arguidos. Na verdade, o despoletar da actividade delituosa e as circunstâncias envolventes «escapam a uma tradicional categorização da delinquência juvenil» e que «no apontado quadro de fragilidades, do qual emergem ponderosas e concretas necessidades de prevenção especial, tendo presentes as indesmentíveis exigências de prevenção geral, outra solução não resta senão a de se concluir, tal qual o Tribunal a quo, que inexistem circunstâncias que amparem um prognóstico favorável quanto às vantagens da atenuação especial das penas em termos da prevenção da reincidência.»
49. Tendo em conta o que vem de se expor, na ponderação das circunstâncias do caso não se surpreende fundamento que possa razoavelmente colocar em crise a conclusão das instâncias.
Os factos, de gravidade muito elevada, integram-se num tipo de cultura e criminalidade marginal, numa subcultura de confronto violento de grupos rivais organizados, geradora de elevados níveis e sentimentos de insegurança, a evidenciaram muito particulares e elevadas necessidades de prevenção geral e especial, que, por si mesmos, dificultam severamente a formulação de um juízo favorável à atenuação especial da pena. Razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime justificariam, assim, desde logo, a não aplicação do regime penal dos jovens adultos, por a isso se oporem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico.
Com efeito, embora não possam ser vistos isoladamente, mas no contexto de criminalidade de grupo altamente violenta, são muito graves os factos praticados, quer no que respeita ao grau de ilicitude, ao modo de execução conjunta e às suas consequências, quer no que se refere à intensidade e persistência da intenção criminosa, revelando personalidades que, embora jovens, evidenciam já muito elevado grau de desprezo por valores essenciais da vida em sociedade, nomeadamente pelo valor vida. Dos factos provados extrai-se, desde logo, que os arguidos recorrentes pertenciam todos ao «grupo do ..., denominado “...”», «formularam o propósito e delinearam um plano que passava por atingir elementos do grupo de ..., denominado “...., seu rival, como forma de retaliação aos factos que tinham sucedido, na semana anterior, dos quais resultou como ferido um elemento daquele (VV), nem que para tanto tivessem de utilizar, pelo menos, uma caçadeira de que dispunham», «deslocaram-se à localidade de ..., no veículo ligeiro de mercadorias, de marca Citroën, de modelo Jumper, nela percorrendo as artérias da referida localidade, o que fizeram com o objetivo de localizar elementos do antedito grupo rival e, deste modo, retaliarem em relação ao que tinha sucedido no dia ........2022», «munidos de uma caçadeira, tendo acordado utilizá-la para atingir elementos do grupo de ..., denominado “....», «avistaram» as vítimas, «conduziram o mencionado veículo na sua direção», «pararam o referido veículo uns metros à frente», «de imediato, foram abertas as portas traseiras a partir do seu interior, momento em que, em ato contínuo, o arguido AA – que estava na respetiva zona de carga – empunhou a caçadeira que trazia, apontou-a na direção de II e HH e, de imediato, com ela efetuou, pelo menos, dois disparos, vindo a atingir II nas costas, na zona lombar direita», provocando-lhe as lesões que lhe causaram a morte. Ao agirem desta forma, os arguidos «quiseram e conseguiram provocar a morte de II, tendo assim atuado, em grupo e motivados apenas por vingança em relação a um dos elementos do grupo a que pertenciam, bem sabendo que ao dispararem, como dispararam, e ao atingirem o corpo do mesmo com munições deflagradas por uma caçadeira, tal era apto a fazê-lo e que, deste modo, iriam alcançar o objetivo que pretendiam, ou seja causar a sua morte, como causaram, o que fizeram em comunhão de esforços e vontades e na execução de um plano por todos gizado.»
A isto acresce que, das condições pessoais dos arguidos indicadas nos factos provados, avaliadas em conjunto e em conexão com as circunstâncias dos factos, incluindo o seu percurso pessoal, escolar e profissional, e de enquadramento social não se extraem elementos que razoavelmente permitam fazer crer que estas se constituem em circunstâncias favoráveis à reinserção social, de modo a permitir a formulação de um juízo de prognose positivo quanto à realização mais adequada da finalidade da pena em liberdade, que justifique a sua atenuação especial.
50. A alegação do arguido AA, convocando o acórdão de 31.03.2016, proferido no processo n.º 499/14.8.......1..1, de que “A única coisa que a lei impõe como limite à aplicação desta atenuação especial é a consideração de que o arguido não tirará quaisquer vantagens para a sua reintegração social daquela diminuição.”, não pode deixar de ser inserida no seu contexto e nas circunstâncias concretas do caso em apreciação, diferentes das dos presentes autos, nomeadamente quanto ao tipo de crime cometido (crime de roubo agravado pelo resultado de morte, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 3, do CP) e quanto às condições pessoais do arguido, com uma «família coesa», que permitiu aferir a existência de «um ambiente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados», o que não ocorre no presente caso.
Considerou-se nesse acórdão, que se subscreve, em harmonia com o anteriormente afirmado: «cabe ao julgador, por força do disposto no art. 9.º, do CP, averiguar se é possível aplicar as normas especiais aplicáveis a delinquentes com idade entre os 16 anos e os 21 anos, devendo aplicá-las sempre que admita, com uma razoabilidade evidente, que daí possam resultar vantagens para a ressocialização daquele jovem. (…) A idade jovem é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial – estes requisitos são a existência de “sérias razões” que lhe permitam “crer” que daquela atenuação resulte alguma vantagem para uma mais fácil reintegração do jovem agente. Abstratamente analisando qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização sempre que a pena seja menor. Sabendo do efeito altamente criminógeno da pena de prisão, tudo aponta no sentido de quanto menor a pena de reclusão menor será aquele efeito e, consequentemente, maior a possibilidade de, uma vez fora da prisão, o jovem poder optar por uma vida longe do crime. Mas, a esta consideração abstrata o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados. (…) não estamos a analisar casos em que se pretenda não aplicar a pena de prisão, mas sim a considerar que as exigências de prevenção geral ainda são asseguradas com uma atenuação especial da moldura abstrata da pena de prisão, e dentro desta deverá então ser aplicada a pena em atenção às exigências de prevenção e tendo em conta a culpa do condenado. (…) não é a culpa do arguido consubstanciada no facto concreto que praticou que nos poderá limitar a aplicação do regime especial de jovens adultos. A única coisa que a lei impõe como limite à aplicação desta atenuação especial é a consideração de que o arguido não tirará quaisquer vantagens para a sua reintegração social daquela diminuição. Ora, saber se tirará vantagens ou não apenas resultará do que ele estará disposto a fazer uma vez em liberdade – o que nos pode ser dado, por exemplo, pelo modo como encara agora os factos praticados e pelos quais está a ser julgado, e ainda pelos factos criminosos que eventualmente já tenha praticado e pelos quais já tenha sido julgado – e do que o esperará cá fora quando sair da prisão, aliado a um menor tempo na prisão para assim ficarem diminuídos, pelo menos teoricamente, os efeitos criminógenos daquela. (…) (…) de tudo o exposto, concluímos que não existem na matéria de facto provada elementos que nos permita considerar que a aplicação do regime especial de jovens adultos não deva ser aplicado. Da matéria de facto provada sabemos que se trata de um jovem delinquente, que pela primeira vez praticou um facto criminoso grave, que tem uma família coesa, embora de parcos recursos económicos, o que consideramos que é o suficiente para que se possa dizer que existem “razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
51. Nesta conformidade e com estes fundamentos, deverá manter-se a decisão de não aplicação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, que aprovou o denominado «regime penal dos jovens delinquentes», improcedendo também o recurso nesta parte.
Quanto à medida das penas (supra, 12.c.5 e 12.e.8)
52. No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça retoma também o arguido DD, nos seus precisos termos, a argumentação do recurso para Relação, em que alegou, em suma, que:
«31. (…) sempre haverá que se aferir da medida das penas parcelares e da pena única aplicadas ao recorrente, as quais considera o Recorrente serem excessivas e prejudiciais à sua ressocialização demonstrando-se as penas demasiado elevadas e superiores à sua culpa.
32. Sendo que o arguido apenas regista um antecedente criminal, por crime de menor gravidade e de diferente natureza.»
34. (…) estamos em crer que deverão ser inferiores as penas parcelares a serem impostas ao recorrente, não devendo as mesmas ultrapassarem os limites mínimos legais.
35. Devendo igualmente ser inferior a pena única aplicada em cúmulo jurídico.»
53. No recurso perante o Tribunal da Relação, o arguido FF alegava essencialmente que deveria ser absolvido de todos os crimes e, subsidiariamente, só poderia ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física em pena de prisão reduzida e suspensa na sua execução com regime de prova.
54. Recordando as conclusões da motivação, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça vem o arguido FF dizer que:
«36. Tendo em conta o procedimento de determinação da pena que acaba de ser exposto e a enumeração exemplificava contida no n.º 2 do art. 71º do Código Penal, deverão ser seleccionadas, no complexo integral dos factos, as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, sejam expressivas das exigências concretas da culpa e da prevenção, geral e especial, sendo de relevar, neste conspecto, o grau de participação/intervenção de cada um dos arguidos na execução do plano criminoso.
37. Ao nível dos factores atinentes à execução do facto, deve ser tomado em linha conta o diverso grau de desenvolvimento da actuação de cada um dos arguidos, nomeadamente, ao que concerne ao arguido FF este não pertencia ao grupo ..., não transportou, empunhou ou deteve qualquer tipo de arma envolvida nos disparos que resultaram na morte do desditoso II e um ligeiríssimo ferimento na mão da testemunha HH.
38. O arguido FF insurge-se contra a medida concreta desta pena de prisão, pois considera que a mesma é excessiva e pugna pela respectiva redução para o limite mínimo, atento o que acima expôs, sendo certo que, em prima facie pugna pela aplicação primordial do princípio do in dúbio pro reo.»
55. O Tribunal da Relação apreciou as questões relativas à determinação das penas nos seguintes termos:
«(…) todos os recorrentes pretendem ver mitigadas as penas parcelares e únicas em que foram condenados, concluindo que o Tribunal a quo incorreu em erro de jure, por deficiente interpretação do disposto nos art. 40.º, 71.º e 77.º do C.P.
Em sede de medida da pena, o Colectivo a quo ponderou nos seguintes termos:
«De acordo com o prescrito no art. 71º do Código Penal a determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Como prescreve o Prof. Figueiredo Dias, na sua obra “Direito Penal - Consequências Jurídicas do Crime”, culpa e prevenção são os termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena.
Assim, a pena concreta não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, que nos indica, in concreto, o seu limite máximo.
O princípio da culpa enquanto limite máximo da punição encontra-se, atualmente, consagrado em letra de lei, no art. 40º do Código Penal, onde expressamente se prescreve que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O segundo termo do binómio - a prevenção - assume, ainda, as facetas distintas de prevenção geral e prevenção especial.
A prevenção geral tem em vista, primordialmente, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma infringida. É com base neste critério, já dentro da moldura penal abstratamente aplicável, que vamos encontrar o limite mínimo da pena em concreto - que será o que logra, ainda, assegurar este desígnio de prevenção geral.
Tendo em vista as balizas encontradas entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos - restará fazer atuar considerações atinentes à ressocialização do arguido, atuando o critério da prevenção especial, para com base nelas determinar em último termo a medida da pena.
*
Prossigamos, pois, com as molduras abstratas aplicáveis aos ilícitos em causa nos autos.
O crime de homicídio qualificado na forma consumada, previsto no art. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal é punido com a moldura abstrata de pena de prisão de 12 a 25 anos.
Olhando aos crimes de homicídio que importa sancionar, estando em causa a violação do bem jurídico mais valioso, são prementes as necessidades de prevenção geral suscitadas pelo caso, cumprindo assegurar a sua cabal proteção.
Atentando no grau de ilicitude, importa ter presente que o crime em causa vitimou um jovem de 17 anos de idade, ainda com a maioria da expectativa média de vida para um ser humano pela frente, pessoa muito querida da família e dos amigos com quem convivia, socialmente enquadrado e que amava a vida.
Este sofreu várias lesões traumáticas, múltiplas feridas perfuro-contundentes agrupados na face póstero-lateral do hemi-torax direito, com algumas feridas semelhantes espalhadas na face posterior do hemi-torax esquerdo, na região lombar, região mamária direita, ombro esquerdo, coxa e perna direitos, sendo que a TC post-mortem revelou múltiplos projéteis metálicos milimétricos nos espaços pleurais, pulmões, fígado, rins, baço e espaços paravertebrais; marcado hemo-torax à direita e moderado à esquerda; pequeno hemoperitoneu, pneumotórax moderado à direita; pneumoperitoneu retropneumoperitoneu de dimensões moderadas.
A morte de II veio a ser atribuída a lesões traumáticas toraco-abdominais produzidas por ação de natureza perfuro- contundente, por projéteis de arma de fogo, etiologia médico legal homicida, delas tendo resultado a sua morte, que foi declarada pelas 23h35 do referido dia ........2022, o que significa que entre a hora a que ocorreram os disparos e a hora a que o óbito foi declarado decorreram cerca de 45 minutos.
Ainda, estando em causa três circunstâncias qualificativas do ilícito – motivo torpe, reflexão sobre os meios e atuação prática dos factos com pelo menos mais duas pessoas – há que ter em conta a energia criminosa envolvida, dado o grau de preparação, tendo sido necessário diligenciar por uma arma adequada e por um meio de transporte que servisse o propósito e o facto de estarmos ante uma atuação em co-autoria envolvendo 6 pessoas.
A detenção de armas de fogo suscita igualmente preocupações de prevenção geral, tendo em vista obstar a uma perigosa banalização deste tipo de conduta.
No que respeita ao grau de culpa dos agentes, cabe ponderar que os factos não foram sequer dirigidos contra uma pessoa específica, relativamente à qual tivessem motivações subjetivas para o exercício de vindicta, mas contra qualquer pessoa que os arguidos tomassem por alguém integrante do grupo rival do seu, do bairro de ....
Ainda, não se vislumbra que os arguidos hajam interiorizado o desvalor da sua conduta, sendo certo que pouco se ouviu ao longo de toda a audiência de julgamento que resultasse de um lamento profundo e sentido pela morte violenta e gratuita de um jovem, como se usa dizer na “flor da idade”.
A favor dos arguidos pondera, contudo, a sua juventude, os quais, com exceção do arguido FF, apresentam idades que não se distanciam do limiar da punibilidade, tendo os factos praticados constituído uma desgraça para a vítima e também para a vida destes arguidos.
Apenas os arguidos DD e FF apresentam antecedentes criminais, o primeiro dos quais sofreu uma condenação transitada em julgado em 19-01-2021, pela prática, em 01-02-2020, de um crime de roubo na forma tentada, ao qual foi aplicada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade e, ainda uma condenação posterior aos factos em causa nos autos pela prática do crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foi condenado na pena de 80 dias de multa, e o segundo uma condenação, com trânsito em 27-12-2021, pela prática de um crime de violência doméstica, tendo-lhe sido aplicada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período.
Ainda, temos que se afigura ao tribunal que o arguido FF terá tido um grau de envolvimento menor nos factos, tendo, por assim dizer, prestado um serviço aos demais arguidos, de quem não tem idade próxima.
Contudo, a sua idade superior também lhe confere maior responsabilidade face aos demais co-arguidos e para além disso praticou os factos em pleno período de suspensão da execução da pena de prisão em que havia sido condenado.
Importa ainda ter em conta as condições de vida dos arguidos e percurso seguido até à data, assinalando-se a tónica comum de insucesso escolar, integrando grupo com propensão para comportamento delinquente, comumente designado por gangue.
Tudo ponderado, mostra-se adequado à prossecução dos fins subjacentes à aplicação das penas a condenação dos arguidos nas penas de prisão que seguidamente se indicam (…).
Arguido AA - Homicídio consumado – 14 anos de prisão - Homicídio tentado – 4 anos e 6 meses de prisão - Detenção de arma proibida – 1 ano e 6 meses de prisão
Arguido BB - Homicídio consumado – 14 anos de prisão - Homicídio tentado – 4 anos e 6 meses de prisão - Detenção de arma proibida – 1 ano e 6 meses de prisão.
Arguido CC - Homicídio consumado – 14 anos de prisão - Homicídio tentado – 4 anos e 6 meses de prisão - Detenção de arma proibida – 1 ano e 6 meses de prisão
Arguido DD - Homicídio consumado – 14 anos e 4 meses de prisão - Homicídio tentado – 4 anos e 9 meses de prisão - Detenção de arma proibida – 1 ano e 6 meses de prisão
Arguido EE - Homicídio consumado – 14 anos de prisão - Homicídio tentado – 4 anos e 6 meses de prisão - Detenção de arma proibida – 1 ano e 6 meses de prisão
Arguido FF - Homicídio consumado – 14 anos de prisão - Homicídio tentado – 4 anos e 6 meses de prisão - Detenção de arma proibida – 1 ano e 6 meses de prisão
Cúmulo jurídico
Nos termos previstos no art. 77.º do Código Penal, «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena». Cumpre, assim, realizar o cúmulo jurídico das penas a cumprir pelos arguidos.
Nos termos do disposto na segunda parte do já citado preceito legal, «na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
Prescreve ainda o nº 2 que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
No caso em concreto, temos, pois, uma moldura abstrata, por referência aos cúmulos de penas a realizar:
. quanto ao arguido DD, de 14 anos e 4 meses de prisão, como limite mínimo, e 20 anos e 7 meses de prisão, como limite máximo
. quanto aos demais arguidos, de 14 anos de prisão como limite mínimo, e 20 anos de prisão, como limite máximo.
Tendo em conta os factos praticados na sua globalidade, bem como a personalidade dos arguidos revelada pelos factos e percurso de vida de cada um deles que se encontra dado como demonstrado nos autos, sem olvidar o facto de estarmos perante arguidos muito jovens, a atuar numa dinâmica de grupo, em que impera a necessidade de afirmação, associados à falta de dados que demonstrem qualquer interiorização do desvalor da conduta e a que acresce a ausência de antecedentes criminais quanto aos arguidos AA, BB e EE e antecedentes apresentados pelos arguidos DD e FF afigura-se ao Tribunal ajustada a aplicação da seguintes penas únicas:
. Arguido AA – 16 anos de prisão
. Arguido BB - 16 anos de prisão
. Arguido CC - 16 anos de prisão
. Arguido DD - 16 anos e 3 meses de prisão
. Arguido EE - 16 anos de prisão
. Arguido FF - 16 anos de prisão»
Atentemos.
No seguimento do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/9543, a jurisprudência tem entendido que o tribunal de recurso pode alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.
In casu, do acórdão revidendo foi interposto recurso, somente, pelos arguidos e a requalificação jurídica dos factos é mais gravosa para os recorrentes.
Na sequência da alteração da qualificação jurídica operada oficiosamente por este Tribunal, as molduras aplicáveis aos crimes de homicídio (consumado e tentado) cometidos com a aludida arma de fogo são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do disposto no art. 86.º n.º 3 e 4 da Lei das Armas.
Vale por dizer que, sendo o crime de homicídio qualificado punível com pena de 12 a 25 anos de prisão, a moldura abstrata da pena aplicável ao crime consumado, tendo em atenção a referida agravação, é agora de 16 a 25 anos44 de prisão (…).
«O instituto da proibição da reformatio in pejus está consagrado no art. 409.º, n.º 1, do CPP, que estabelece que quando o recurso da decisão final é interposto somente pelo arguido, ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido, o tribunal superior não pode agravar, na espécie ou na medida, as sanções impostas na decisão recorrida.
Esta regra radica na própria estrutura acusatória do processo penal e constitui uma garantia básica do direito do arguido ao recurso de sentença condenatória, ao preveni-lo contra o risco de uma decisão mais gravosa do tribunal superior. Sem essa proibição, o exercício do direito (constitucional) ao recurso envolveria sempre e inevitavelmente um risco, pela incerteza da decisão a proferir pelo tribunal superior, que poderia funcionar como elemento gravemente dissuasor do uso desse direito, que é um direito fundamental do arguido.
É a vertente sancionatória da sentença que o instituto visa salvaguardar, proscrevendo qualquer agravação da mesma, quer se trate das penas (principais, acessórias ou substitutivas), quer de medidas de segurança.
(…) No caso de concurso de crimes, se o recurso abranger, além da pena única, as penas parcelares, também estas estão abrangidas pela mesma proibição»45
Assim, sabido que, concretamente, os arguidos/recorrentes foram na primeira instância condenados, em cúmulo jurídico, numa pena única, cinco deles, integralmente coincidente com o mínimo da moldura legal agora aplicável (só) ao crime de homicídio consumado e o arguido DD numa pena única que excede, apenas, em três meses tal moldura, é manifesto que, do passo que a reformatio in pejus impedirá a aplicação de penas parcelares e únicas mais gravosas, os segmentos recursivos atinentes à mitigação das penas também não poderão lograr provimento.»
56. Dispõe o artigo 40.º do Código Penal que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito, em observância do critério de proporcionalidade imposto pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição»46. Como se tem sublinhado, é na consideração destes fatores, determinados na averiguação do «grande facto» caraterizado pelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, constituem o substrato da determinação da pena, que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar-se se a pena aplicada respeita este critério. Não podendo fundar-se em considerações de ordem geral pressupostas na definição do crimes e da moldura da pena, a determinação da pena dentro desta moldura há de comportar-se no quadro e nos limites da gravidade dos factos concretos, nas suas próprias circunstâncias concorrentes por via da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal), na concreta gravidade do ataque ao bem jurídico protegido – no caso dos autos, a vida –, tendo em conta as finalidades de prevenção especial de ressocialização47.
A pena de prisão aplicável aos crimes em concurso tem, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). A determinação da pena única efetua-se mediante um princípio de cúmulo jurídico e de acordo com um processo que se inicia pela determinação das penas que concretamente devem caber a cada um dos crimes em concurso, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha da pena, assim se construindo a moldura penal do concurso. Definida a moldura da pena, o tribunal determina a pena conjunta, seguindo os critérios do artigo 71.º e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, em que se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e a falta de preparação para manter uma conduta lícita48. Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também pelo respetivo conjunto, revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento; importante na determinação concreta da pena conjunta é a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados, a identidade ou não dos bens jurídicos violados, tudo ponderando em conexão com a personalidade do agente documentada nos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão de conjunto que permita aferir se o ilícito global é revelador de uma tendência criminosa ou emergente de fatores ou circunstâncias meramente ocasionais49.
57. No caso concreto, o acórdão recorrido, convocando o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/95 – que fixou jurisprudência no sentido de que «[o] tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus» – alterou a qualificação jurídica dos factos absolvendo todos os arguidos, exceto o arguido AA – da prática do crime de detenção de arma proibida (art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006) e definindo a moldura da pena a partir da pena aplicável ao crime de homicídio qualificado, de 12 a 25 anos de prisão (artigo 132.º, n.º 1, do CP), com a agravação em um terço no seu limite mínimo (artigo 86.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006), fixando essa moldura no mínimo de 16 anos e no máximo de 25 anos de prisão (limite máximo imposto pelos artigos 41.º, n.º 2, e 77.º, n.º 2, do Código Penal). Pelo que se limitou a dizer que «sabido que, concretamente, os arguidos/recorrentes foram na primeira instância condenados, em cúmulo jurídico, numa pena única, cinco deles, integralmente coincidente com o mínimo da moldura legal agora aplicável (só) ao crime de homicídio consumado e o arguido DD numa pena única que excede, apenas, em três meses tal moldura, é manifesto que, do passo que a reformatio in pejus impedirá a aplicação de penas parcelares e únicas mais gravosas, os segmentos recursivos atinentes à mitigação das penas também não poderão lograr provimento.»
Tendo em conta o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal – segundo o qual na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena – e 375.º, n.º 2 do CPP – que estabelece que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à medida da pena –, cuja não observância determina a nulidade do acórdão por falta de fundamentação (artigos 374, n.º 2, 375.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso, nos termos do artigo 425.º, n.º 4, do CPP)50, que pode ser suprida em recurso (artigo 379.º, n.º 2, do CPP), importaria verificar se a determinação da medida da pena aplicada ao crime de homicídio qualificado consumado e da pena única, que o acórdão recorrido acolheu, respeita os critérios legalmente impostos (supra, 56).
58. Sucede, porém, que neste caso tal não é necessário, pois que, tendo em conta que os limites mínimos das penas aplicadas ao crime de homicídio qualificado consumado, agravado pelo n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, são agora fixados em 16 anos de prisão, que as penas concretamente aplicadas a esses crimes, de 14 anos e de 14 anos e 4 meses, são inferiores àquele limite mínimo, e que não foi interposto recurso pelo Ministério Público, a proibição da reformatio in pejus (artigo 409.º, n.º 1, do CPP) impede que estas penas possam ser fixadas em medida superior.
O mesmo sucede com as penas únicas, de 16 anos de prisão, aplicadas a cada um dos recorrentes, à exceção do recorrente DD, que coincidem com o limite mínimo da pena aplicável ao mais grave dos crimes em concurso, que constituiria o novo limite mínimo da pena aplicável aos crimes em concurso (artigo 77.º, n.º 2, do CPP).
Quanto à pena única aplicada ao recorrente DD, de 16 anos e 3 meses de prisão, para que concorre a pena parcelar de 4 anos e 9 meses pelo crime de homicídio qualificado tentado, esta apenas ultrapassa em 3 meses o limite mínimo da nova moldura da pena aplicável. O que, manifestamente, não teria a virtualidade de colocar em causa o critério de proporcionalidade na determinação da pena única do concurso dos dois crimes de homicídio qualificado, consumado e tentado que poderia justificar uma intervenção corretiva da medida da pena.
59. Assim, pelos fundamentos expostos, são os recursos igualmente improcedentes nesta parte, mantendo-se a decisão recorrida.
Quanto a custas
60. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
III. Decisão
61. Pelo exposto, acorda-se em conferência da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em;
(i) Rejeitar os recursos dos arguidos quanto a todas as questões enunciadas, exceto quanto:
(a) às alegadas proibições de valoração da prova do crime de homicídio qualificado consumado (recursos dos arguidos FF e DD),
(b) à questionada qualificação jurídica do crime de homicídio consumado (recursos dos arguidos DD, EE e FF),
(c) à não aplicação do regime penal aplicável aos jovens adultos (recursos dos arguidos AA, BB e DD), e
(d) à medida das penas parcelares aplicadas ao crime de homicídio consumado e das penas únicas (recursos dos arguidos DD, EE e FF);
(ii) Limitando os recursos a estas questões, julgar todos os recursos improcedentes, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC, a pagar por cada um deles.
Supremo Tribunal de Justiça, 25 de junho de 2025
José Luís Lopes da Mota (relator)
Carlos Campos Lobo
Jorge Raposo
______
1. Porém, continua a estar salvaguardada a possibilidade de, oficiosamente, o Supremo Tribunal de Justiça tomar a iniciativa de examinar a existência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. AUF n.º 7/95). É jurisprudência consensual que essa sindicância apenas deve ter lugar quando tal se torne imperioso e indispensável para proferir a decisão de direito, ainda ou apesar do pedido (inadmissível) das partes. Trata-se, assim, de um conhecimento oficioso, da iniciativa do Supremo Tribunal de Justiça, de natureza excecional, como último remédio contra vícios manifestos no julgamento da matéria de facto, mas que no caso não encontra justificação que se identifique exuberantemente no texto da decisão recorrida.
2. Seguindo-se, de perto, os acórdãos de 29.01.2025, Proc. 271/19.9PFOER.L1.S1 e de 17.12.2024, Proc. n.º 807/22.8PFLRS.L1.S1, em www.dgsi.pt).
3. Assim, designadamente, os acórdãos de 02.10.2019, Proc. 3622/17.7JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, Proc. n.º 174/17.1PXLSB.L1.S1, bem como a jurisprudência neles citada.
4. Exigido por adaptação ao artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Cfr. fundamentação do acórdão de 2.5.2024, proc. n.º 4315/21.6JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt.
5. Por todos, o acórdão de 01.03.2023, Proc. 685/10.0GDTVD.L2.S1, retomando o acórdão de 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada.
6. cfr. o acórdão de 30.11.2022 e comentário de Pereira Madeira ao artigo 400.º – Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 4.ª ed., 2022.
7. Cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 2007, Vol. I, p. 516. Por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional 64/2006, 659/2011 e 290/2014; neste sentido também, entre outros, os acórdãos de 01.03.2023, cit., e de 15.02.2023, Proc. 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e a jurisprudência nele mencionada, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12, de 09.10.2013, DR 1.ª série, de 12.11.2013.
8. Por todos, na jurisprudência mais recente, seguindo jurisprudência consolidada, os acórdãos de 01.03.2023 e de 15.02.2023, cit., e o acórdão de 02.12.2021, Proc.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, em www.dgsi.pt,
9. João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código do Processo Penal, Tomo II, p. 423.
10. Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30/5/2007 e 6/2/2013, in www.dgsi.pt.
11. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/7/2020, processo n.º 165/18.5JASTB.L1-3, in www.dgsi.pt.
12. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Dezembro de 2019, p. 754/755.
13. Conforme orientação jurisprudencial expressa, entre outros, nos acórdãos de 20.01.2021, Proc. n.º 611/16.2PALSB.L1.S1, de 02.07.2020, Proc. n.º 989/17.0PZLSB.L1.S1, de 12.07.2018, Proc. n.º 74/16.2JDLSB.L1.S1, e de 29-04-2015, Proc. 791/12.6GAALQ.L2.S1.
14. Em face dos factos assentes descritos sob os pontos 1º a 15º.
15. Acórdão do S.T.J. de 19/2/2014, processo n.º 168/11.0GCCUB.S1, in www.dgsi.pt.
16. Neste sentido e com fundamentação que se subscreve, o Acórdão do S.T.J. de 10/12/2020, processo n.º 757/18.2JACBR.C1.S1, in www.dgsi.pt.
17. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/2/2017, processo n.º 854/12.8GBSLV.E1, in www.dgsi.pt.
18. Acórdão do S.T.J. de 29/6/2023, processo n.º 15/11.3PEALM.L5.S1, in www.dgsi.pt.
19. Acórdão do S.T.J. de 11/2/2016, processo n.º 205/14.7PLLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt.
20. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/11/2017, processo n.º 5/16, in www.dgsi.pt.
21. Numa “teoria do domínio do facto estrita”, comumente reconhecida como refletida no artigo 26.º do Código Penal português, que não abrange uma contribuição “substancial” na fase de preparação (“teoria do domínio do facto moderada”, como no sistema alemão – assim, Eric Hilgendorf/Brian Valerius, Direito Penal, Parte Geral, tradução da 2.ª ed., Marcial Pons Editora do Brasil, 2019, p. 250. Sobre estes pontos, cfr. Nuno Brandão, «Pacto para matar: autoria e início de execução, comentário ao acórdão do STJ de 16.10.2008, Proc. n.º 3867/07», em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 4/2008, p. 531-605
22. Assim, por todos, o recente acórdão de 14.05.2025, proferido no processo 596/22.6PCSTB.E1.S1 (em www.dgsi.pt), que aqui se sgue.
23. Figueiredo Dias, loc. cit. P. 925
24. Paula Ribeiro de Faria, loc. cit., p. 313.
25. Segue-se neste ponto, mais uma vez, o citado acórdão de 14.5.2025, Proc. 596/22.6PCSTB.E1.S1
26. Figueiredo Dias/Nuno Brandão, loc. cit., p. 56.
27. Figueiredo Dias/Nuno Brandão, loc. cit., p. 29.
28. Acórdão do STJ de 15.02.2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, cit.
29. Assim, o citado acórdão de 14.05.2025, proferido no processo 596/22.6PCSTB.E1.S1.
30. Seguindo o acórdão de 3.11.2021, Proc. 3613/19.3JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e retomando o que se disse nos acórdãos de 27.05.2020 (45/18.4JAGRD.C1.S1), de 05.07.2017 (Proc. 1074/16.8JAPRT.P1), de 15.01.2019 (Proc. 4123/16.6JAPRT.G1.S1), em www.dgsi.pt, e de 29.04.2020 (Proc. 16/05.0GGVNG.S1, em ECLI:PT:STJ:2020:16.05.0GGVNG.S1), sobre o exemplo-padrão da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal:
31. Fernando Silva (Direito Penal Especial, Crimes contra as Pessoas, Quid Juris, 2008, 2ª edição, págs. 60 e segs.).
32. Proc. 38/08.2JAAVR.C1.S1 (Oliveira Mendes).
33. Neste mesmo sentido, cfr. Fernando Silva, loc. cit., págs. 83 e 84 e entre muitos outros, os acórdãos do STJ, de 17.04.2013, Proc. 237/11.7JASTB.L1.S1 (Raul Borges); de 13.11.2013, Proc. 2032/11.4JAPRT.P1.S1 (Maia Costa), de 19.02.2014, Proc. 168/11.0GCCUB.S1 (Santos Cabral) e de 12.03.2015, Proc. 405/13.7JABRG.G1.S1 (Francisco Caetano).
34. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3ª ed., II vol., págs 27 e 28.
35. No dizer do Acórdão do STJ, de 14.05.2009, Proc. 389/06.8GAACN.C1.S1 (Armindo Monteiro).
36. Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Vol. I, 2ª ed., págs. 83 e 84 e Fernando Silva, in, “Direito Penal Especial, Crimes contra as Pessoas”, Quid Juris, 2008, 2ª edição, págs. 83 e 84)
37. DAR II série A n.º 1, 2008.09.18, da 4.ª SL da X Leg (pág. 28-96).
38. Acórdão do S.T.J. de 7/11/2007, in www.dgsi.pt.
39. Daniela Filipa Coelho Moreira, A Perturbação do Comportamento na Adolescência e estratégias de Intervenção, Dissertação de Mestrado, Porto, setembro de 2017.
40. Seguem-se, neste ponto, os acórdãos de 17.01.2024, Proc. n.º 58/22.1JACBR.S1, e de 17.12.2024, Proc. 807/22.8PFLRS.L1.S1, em www.dgsi.pt.
41. Que segue e atualiza a informação dos acórdãos de 04-02-2009, de 29-04-2009, de 14-05-2009 (citado no acórdão recorrido), de 31-03-2011 e de 05-12-2012, relatados pelo mesmo relator (Raul Borges), nos recursos n.º s 4135/08, 6/08.1PXLSB.S1, 96/09, 169/09.8SYLSB.S1 e 250/10.1JALRA.E1.S1, em www.dgsi.pt.
42. Acórdão de 13.10.2021 (Manuel Augusto Matos), Proc. 733/17.2JAPRT.G2.S1, em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, refletindo jurisprudência estabilizada, podem ver-se, entre outros, os acórdãos de 7.11.2007, (Henriques Gaspar), Proc. 07P3214, de 31.3.2016 (Helena Moniz), Proc. 499/14.8PWLSB.L1.S1 (invocado pelo recorrente André Moreira), de 11.11.2021 (Carmo Silva Dias), Proc. 147/18.7PALGS.S1, de 22.09.2022 (Orlando Gonçalves), Proc. 178/20.7PALGS.S1, também em www.dgsi.pt.
43. Acórdão de 7/6/1995, publicado no D.R. I, 6/7/1995.
44. Por força do preceituado no art. 41º, n.º 2 e 3 do C.P.
45. Acórdão do S.T.J. de 13/7/2017, processo n.º 240/12.0PCSTB.S1, in www.dgsi.pt.
46. Seguindo-se, entre outros, o acórdão de 14.5.2025, Proc. 596/22.6PCSTB.E1.S1, cit.
47. Seguindo-se o acórdão de 28.5.2025, Proc. 884/24.7T8VNG.S1. Salientando este ponto, entre muitos outros, o acórdão de 29.4.2020, Proc. 16/05.0GGVNG.S1, em www.dgsi.pt.
48. Assim, designadamente, conforme jurisprudência reiterada, o acórdão de 23-05-2018, processo n.º 799/15.OJABRG.S1, em www.dgsi.pt)
49. Por todos, o acórdão de 19.12.2023, Proc. n.º 785/21.0PLLSB.1.L1.S1, em www.dgsi.pt.
50. Assim, o citado acórdão de 28.5.2025, Proc. 884/24.7T8VNG.S1.