I. A revisão da sentença condenatória com base em provas proibidas, com fundamento na al. e) do n.º 1 do artigo 499.º do CPP, pressupõe a convergência dos seguintes requisitos cumulativos: a utilização de prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º; que a prova proibida tenha servido de fundamento à decisão que se quer rever; e que a natureza e a utilização da prova proibida seja descoberta após o julgamento.
II. Apenas a verificação destes requisitos permite a quebra do caso julgado; não no caso de a questão da proibição da prova ter sido efetivamente apreciada, ou suscetível de apreciação antes da decisão, o que se inscreve no objeto do processo, podendo constituir fundamento de recurso ordinário.
III. É no âmbito do recurso ordinário – isto é, de decisões não transitadas em julgado (artigos 399.º e segs. do CPP) – que podem obter-se resultados como os pretendidos pelo recorrente nestes autos: a declaração de nulidade do acórdão recorrido (artigo 379.º, n.º 3 e 410.º, n.º 3, do CPP) ou uma decisão de absolvição (decisão sobre o objeto do processo – artigo 400.º, n.º 1. als. c) a f), do CPP).
IV. Não se verificando aqueles requisitos cumulativos é negada a revisão, sendo o recurso manifestamente infundado.
1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão de 24.11.2021, proferido no Proc. n.º 1411/18.0PBBRR, do Juízo Central Criminal de ..., confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.06.2022, transitado em julgado em 05.07.2022, pelo qual foi condenado numa pena única de 4 anos de prisão, pela prática, em coautoria, de três crimes de pornografia de menores, previstos no artigo 176.º, n.º 1, alíneas b) e c), e agravados nos termos do artigo 177.º, n.ºs 6 e 7, do Código Penal,
2. Fundamentando o recurso na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal – «não se conformando com tal decisão, vem da mesma interpor recurso de Revisão, para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos, art.º 449º nº1, alínea e), art.º 450º, 451º e 452º, todos do C.P.P.», diz o recorrente –, conclui a motivação nos seguintes termos (transcrição):
«1. A prova obtida através da recolha de ficheiros enviados vias WhatsApp, é inevitavelmente é nula, métodos proibidos de obtenção de prova, art.º 126 do C.P.P. ao abrigo da Lei n.º 18/2024 de 5 de fevereiro, da alteração da Lei sobre os dados em causa, cfr regras sobre a prova no Processo penal e da lei n.º 109/2009, 15 de setembro.
2. Toda a prova inserida nos ficheiros, porque enviados de uma cadeia de comunicação, trata-se de dados de tráfego, na aceitação que ações digitais foram fornecidas pelos titulares dos aparelhos de telemóvel e cartão, de livre e espontânea vontade. Sendo certo que o órgão da polícia criminal, encarregue do inquérito que deu aos presentes “autos e subsequente condenação do recorrente se limitou a “confiscar” o aparelho de telemóvel, e sem autorização do proprietário e subsequente de qualquer ordem ao respetivo proprietário ou operadora telefónica.
3. A obtenção de tais ficheiros, ficam submetidos ao regime de prova dos referidos diplomas legais.
4. Nos termos do disposto do art. 14.º, n.º 1 da supracitado legal “Se no decurso do processo se tornar necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático, a autoridade judiciária competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que os comunique ao processo ou que permita o acesso aos mesmos, sob pena de punição por desobediência.”
5. Por assim ser, o douto tribunal “ad quem” recorre a um meio de prova proibida, porque, foi obtida ilegalmente, para condenar o recorrente.
6. Regime que é aplicável, entre outros aos processos que seja necessária proceder a recolha de prova em suporte eletrónico do art. 11.º, nº 1, al c) da Lei n.º 109/2009, 15 de setembro, como os presentes autos.
7. “Em causa” não consta nos autos qualquer ordem, levada a cabo pelo órgão de polícia criminal que presidiu ao inquérito, a quem incumbia arecolha de prova, qualquer ao aparelho telefónico, ou, requer ao proprietário do aparelho telemóvel e respetivo cartão no sentido de lhe serem facultados os elementos armazenados naquele dispositivo.
8. Sendo certo que o órgão da polícia criminal, encarregue do inquérito que deu aos presentes “autos e subsequente condenação do recorrente se limitou a “confiscar” o aparelho de telemóvel, e sem Autorização de qualquer ordem ao respetivo proprietário ou operadora telefónica, nem autorização do proprietário do aparelho para obtenção das fotografias e vídeos.
9. Ora, os ficheiros informáticos contendo as fotografias e vídeos constantes nos autos não foram recolhidas do aparelho de telemóvel, proveniente com autorização ou ordem judicial.
10. Por assim ser, o douto tribunal “ad quem” recorre a um meio de prova proibida, para condenar o recorrente porque foi obtida ilegalmente.
11. Consequentemente, é nula, a referida prova e nulo o douto acórdão condenatório, cuja fundamentação assenta em método de prova proibida. 12.Sem a prova contida nos ficheiros informáticos não haveria fundamentação para os fatos dados como provados
13. O Recorrente encontra-se a cumprir pena efetiva no E.P. ..., desde .../.../15 e foi detido em 2014. Trabalha na cozinha e passou pela lavandaria, trabalha já há 8 anos e quer pautar a sua vida futura com base na honestidade O recorrente em momento algum usou qualquer telemóvel, para efeitos de obtenção de vídeos ou imagens contendo pornografia infantil, e nunca tendo sido condenado, por crimes sexuais ou dessa natureza.
14. Assim deverá ser concedido provimento ao recurso aqui em apreço e, consequentemente, alterar a douta decisão recorrida, que condenou o recorrente, emprisão efetiva, ser declarada nula, porque foi fundamentada em prova ilegalmente obtida nos moldes acima mencionados e o arguido absolvido da prática dos fatos.»
3. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, consigna a Senhora Juíza do processo, concluindo pela denegação da revisão (transcrição):
«(…) decisão de matéria de facto que resulta do acórdão proferido nos autos principais foi fundada no auto de apreensão durante busca, de telemóvel e computador, de 10- 12-2028, fls. 32; termo de entrega nos serviços do MP, da mesma data, fls. 35; autorização de BB para acesso pela investigação ao conteúdo e perícia ao telemóvel e computador portátil, o que resulta da conjugação do despacho de 28-12-2028 a fls. 44 e do interrogatório do arguido de 22-01-2019, parte final, a fls. 53; auto de visionamento de CD, de 16-03-2019, pela PSP, fls. 66 ss; termo de juntada de 09-04-2019, com representação das pastas e subpastas existentes, a fls. 89 a 96, bem assim prova testemunhal e as declarações do próprio recorrente onde faz referencia aos elementos de prova colhidos em tais aparelhos examinados, nos moldes supra expostos.”
4. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 455.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer, igualmente no sentido da denegação da revisão (transcrição):
«(…)
De acordo com os arts. 269.º, n.º 1, al c), e 177.º, n.º 1, ambos do CPP, durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada, entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.
Nos termos do art. 11.º, n.º 1, als. a) e b), da Lei do Cibercrime, com exceção dos arts. 18.º e 19.º, as disposições processuais previstas no capítulo III da Lei aplicam-se a processos relativos a crimes cometidos por meio de um sistema informático ou em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico.
O art. 17.º da Lei do Cibercrime, por sua vez, estabelece que se no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.
Segundo o art. 2.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 41/2004, de 18.08, entende-se por «correio eletrónico» qualquer mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do destinatário até que este a recolha.
De referir, ainda, que o art. 15.º, n.º 3, al. a), da Lei do Cibercrime prevê que se no decurso do processo se tornar necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático, o órgão de polícia criminal pode proceder à pesquisa, sem prévia autorização da autoridade judiciária, quando a mesma for voluntariamente consentida por quem tiver a disponibilidade ou controlo desses dados, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado.
Conforme previamente assinalado, a busca à residência da coarguida BB, no decurso da qual foi apreendido o seu telemóvel Samsung SMG318H, foi ordenada pelo Sr. juiz de instrução.
Foi também o Sr. juiz de instrução que, a promoção do Ministério Público, determinou que se procedesse à peritagem do sistema informático do telemóvel apreendido o que, inevitavelmente, envolve a apreensão dos dados informáticos nele armazenados essenciais para a busca da verdade ou para a prova.
Ou seja, quer a busca domiciliária que resultou na apreensão do telemóvel, quer o acesso e a perícia ao sistema informático deste dispositivo foram conduzidos em estrita obediência à determinação do Sr. juiz de instrução e em plena conformidade com o estabelecido nos referidos arts. 177.º, n.º 1, 269.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP, e 17.º da Lei do Cibercrime, sendo igualmente certo que, com bem sublinha a Sr.ª procuradora da República na resposta ao recurso, ao consentir na realização da perícia, a coarguida BB, titular do telemóvel apreendido e visada na pesquisa informática, afastou a proibição da valoração das provas adquiridas através desse método (arts. 15.º, n.º 3, al. a), da Lei do Cibercrime, e 126.º, n.º 3, parte final, do CPP).
De resto, ainda que nada do que vem de ser exposto tivesse ocorrido, todo o circunstancialismo que envolveu a apreensão e o exame do telemóvel está documentado nos autos e, como tal, era processualmente conhecido do arguido e do tribunal da condenação à data do julgamento e podia ter sido invocado e apreciado no acórdão condenatório e escrutinado em sede de recurso ordinário, o que significa que ficaria sempre por verificar o requisito da superveniência do conhecimento de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas.
Resumindo, nem a condenação do recorrente assentou em provas proibidas nem, muito menos, em provas proibidas de que ele só tivesse tomado conhecimento após a condenação.
Donde que, acompanhando em tudo o mais a resposta do Ministério Público e a informação da Sr.ª juíza da 1.ª instância, se emita parecer no sentido da negação do recurso de revisão.”
5. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).
6. Nada obstando ao conhecimento do recurso, colhidos os vistos foi o processo remetido à conferência (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
II. Fundamentação
7. A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, julgou provados, na parte que agora interessa, os seguintes factos:
«1) A ofendida CC nasceu a .../.../2013 e é filha da arguida BB.
2) A arguida BB, durante o ano de 2018, várias vezes fotografou a filha CC e se deixou fotografar com a mesma, então com 4 (quatro) anos de idade, revelando a menina nua e até exibindo a zona pudenda remetendo as imagens, pela aplicação eletrónica "WhatsApp", para o namorado, o arguido AA, que recebeu, abriu os ficheiros e visualizou as imagens.
(…)
5) No dia 27/04/2018 a pedido do arguido AA a arguida BB foi fotografada a beijar a boca de CC, estando esta ainda vestida.
6) De seguida, enviou remeteu esta fotografia, ao arguido AA, pela aplicação eletrónica “WhatsApp”, pelas 22:19 horas.
7) O arguido AA recebeu, abriu o ficheiro e visualizou a imagem respetiva.
8) No mesmo dia 27/04/2018, na sequência de novo pedido do arguido AA a arguida despiu integralmente a filha CC, deitou-a na cama, abriu-lhe as pernas, deixando a vagina de CC totalmente visível, altura em que deixou terceira pessoa, que não se logrou identificar, fotografá-la a beijar a zona pudenda da filha, bem abaixo do umbigo.
9) De seguida, enviou remeteu esta fotografia, ao arguido AA, pela aplicação eletrónica “WhatsApp”, pelas 22:29 horas.
10) O arguido AA recebeu, abriu o ficheiro e visualizou a imagem respetiva.
11) No dia 21/08/2018, a arguida BB filmou a filha CC, nua e de chucha na boca, sendo visível, durante o vídeo, a menor a retirar a chucha da boca, enquanto afirma "Amo-te, padrinho!".
12) Também esse ficheiro de vídeo foi enviado pela arguida BB ao arguido AA, pela aplicação eletrónica "WhatsApp", às 23:49 horas.
13) O arguido AA recebeu, abriu o ficheiro e visualizou o vídeo respetivo.
14) Os arguidos bem sabiam que CC tinha apenas 4 (quatro) anos de idade, que não tinha a míni-ma noção do que era a sexualidade ou dos significados atribuídos, pelos adultos, à nudez ou a beijos em certas partes do corpo, e, ainda assim, a arguida BB quis registar, em fotografias ou vídeos, o corpo despido da filha, incluindo a vagina, bem como da mesma a ser beijada por si na boca ou e junto à vagina, mais querendo remeter as imagens ao arguido AA, que as quis visualizar, ambos os arguidos atuando em conluio e para satisfação das suas fantasias libidinosas, o que tudo conseguiram.
(…)
16) Os dois arguidos tinham conhecimento da perturbação que as suas atuações provocam na formação e estruturação da personalidade da menor, não se coibindo de a sujeitar a atos que sabiam serem ofensivos e prejudiciais para o livre e normal desenvolvimento da personalidade da menor na esfera sexual.
17) Em tudo, agiram os arguidos de forma livre e cônscios de serem gravemente reprováveis as respectivas condutas.»
8. Da motivação da decisão em matéria de facto consta que a decisão de condenação se fundamentou nas seguintes provas, que o tribunal apreciou crítica e detalhadamente:
«(…)
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Assim, fundamentaram a antecedente decisão fáctica e contribuíram para formar a convicção do Tribunal, os seguintes elementos de prova produzidos e examinados em audiência de discussão e julgamento:
- O teor da prova documental de fls. 31 a 33 (auto de busca e apreensão); 66 a 71 (auto de visionamento de CD e fotogramas), 82 (suporte digital de DVD com conteúdo relativo ao telemóvel apreendido à arguida), 89 (termo de juntada), 90 a 94 (representação parcial das pastas/subpastas existentes no DVD de fls. 82), 95/96 (fotogramas); 84 (resultado de pesquisa dos dados de identificação civil de CC); 97 a 98 (ficha biográfica do arguido), 34 e 112 a 113 (relatórios policiais); 408 (Certificado de Registo Criminal da arguida); 414 a 416 (relatório social da arguida), 422 (relatório médico da arguida), 429 a 431 (relatório social do arguido), 432 a 439 (Certificado de Registo Criminal do arguido), 448 a 454 (cópia de troca de correspondência entre os arguidos junta pela arguida), 462 a 467 (cópia de troca de correspondência entre os arguidos junta pelo arguido) - cujo conteúdo não foi impugnado, tendo o seu valor probatório saído incólume da audiência de julgamento;
- O teor da prova pericial de fls. 320 a 331 (relatório Avaliação Psicológica Forense) e de fls. 468 a 470 (exame pericial a telemóvel constante de suporte de DVD a fls. 470, realizado pela Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária);
- As declarações para memória futura prestadas em 29/01/2020 pela ofendida CC (cfr. fls. 218 a 219, transcritas a fls. 263 a 276), (…);
- As declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento pela arguida BB, (…)
- As declarações prestadas pelo arguido AA (…)
- As declarações prestadas por AA, pai da vítima e demandante menor CC e seu legal representante, (…)
- O depoimento da testemunha DD, irmã da menor CC e filha da arguida, (…)
- O depoimento da testemunha EE, pai de DD, o qual referiu, em síntese, ter sido casado com a arguida BB durante 8 anos, encontrando-se divorciados há cerca de 17/18, (…)
- Os esclarecimentos prestados por FF, perita subscritora do relatório pericial realizado pela U.P.T.I. da Polícia Judiciária, a qual explicou, em síntese, que o relatório pericial incidiu sobre o conteúdo do telemóvel remetido para exame, tendo sido identificado como partilha pelo “Whatsapp” algumas fotos e vídeos referidas nos autos (a fls. 68 e 69). Mais esclareceu que a conversação registada no telemóvel através da aplicação “Whatsapp” dá a sensação que há mais do que uma pessoa, não sendo, no entanto possível que as mensagens enviadas para um número de telefone sejam recebidas através de outro aparelho de telemóvel através da inserção nas mensagens de um código, sendo que neste caso é uma única pessoa que recebe as mensagens.
Apreciando.
Tendo presente a profusão de elementos probatórios produzidos e examinados em audiência de discussão e julgamento, entende-se que não poderão subsistir quaisquer dúvidas quanto à positividade dos factos dados como assentes.
Os factos constantes do ponto 1), quanto à prova da filiação da vítima é atestada pelo teor do resultado de pesquisa dos dados de identificação civil de CC constante de fls. 84.
Relativamente aos registos fotográficos e ficheiros de vídeo que foram produzidos por ação da arguida, teve-se em consideração, conjuntamente, quanto à autoria da arguida, à circunstância dos mesmos se encontrarem armazenados no conteúdo do aparelho de telemóvel apreendido na sua posse (conforme auto de apreensão de fls. 32/33), no interior da pasta que continha ficheiros de imagem enviados através da aplicação WhatsApp (conforme relatório e listagens de fls. 89 a 94, confirmadas pelo conteúdo do DVD constante de fls. 82), o teor do resultado do exame pericial realizado pela UPTI da Polícia Judiciária (constante de fls. 468 a 469 e do DVD junto a fls. 470, em particular o ficheiro “Samsung GSM SM-G318H Galaxy Trend 2 Lite_IMEI_.............81.pdf”) e bem assim as declarações prestadas pela arguida em audiência de discussão e julgamento que não negou a autoria das fotos bem como ter procedido ao seu envio através da aludida aplicação informática, afirmando que os registos fotográficos de fls. 68 e 69 lhe foram solicitados através dessa aplicação e do número de telemóvel pertencente ao arguido, por um personagem denominado “Senhor GG”, mas com o conhecimento do arguido.
No que se refere à data da obtenção/produção, envio e recebimento/leitura, teve-se em consideração os seguintes elementos de prova:
i) O vídeo a que se reporta o fotograma de fls. 71 (factos dos pontos 3 e 4), corresponde ao ficheiro “IMG-......24-WA0049” da pasta “WhatsApp – WhatsApp Video – Sent” do DVD de fls. 82 (conteúdo do telemóvel apreendido à arguida), sendo identificada, nas propriedades do ficheiro, a data em que o mesmo foi criado (dia 24/04/2018).
Relativamente a este ficheiro de vídeo o mesmo não tem qualquer correspondência com quaisquer ficheiros de vídeo (designadamente o ficheiro com a mesma denominação), constantes das mensagens instantâneas contidas no exame pericial realizado pela UPTI da Polícia Judiciária (constante do DVD junto a fls. 470), nem consta do histórico de conversas (designadamente as do dia 24/04/2018, pelas 6:46 horas) para o numero .......90 (indicado pelo próprio arguido) o envio de qualquer vídeo daquele teor.
ii) O registo fotográfico reproduzido a fls. 68 (factos dos pontos 5 a 7), corresponde ao ficheiro “IMG-20180427-WA0026” que consta da pasta “WhatsApp – WhatsApp Images – Sent” do DVD de fls. 82 (conteúdo do telemóvel apreendido à arguida);
- A data e hora em que o mesmo foi enviado para o número .......90 (27/04/2018 22:19:24) são identificadas a fls. 5050 e 14889, do exame pericial realizado pela Polícia Judiciária;
- A data e hora em que o mesmo foi lido pelo número .......90 (27/04/2018 22:19:32) são identificadas a fls. 5050 e 14889, do exame pericial realizado pela Polícia Judiciária;
- Através do registo de conversações para o mesmo número através da aplicação WhatsApp, constata-se que o envio de tal registo fotográfico é precedido pelo recebimento, no mesmo dia 27/04/2018, pelas 22:07:41, das seguintes mensagens com origem no número .......90: “De uns bjs a CC com amor” e “Tire duas fotos”, “Para ele ver” “Já Sra. BB” “Quer salvar isto o amor”, a arguida envia e ele responde “Outra”.
A arguida envia ainda o ficheiro “VID-......27-WA0028.mp4”, no mesmo dia 27/04/2018, 22:20, lido às 22:21 em que é percetível que beija a sua filha nos lábios, vídeo este que não se encontra no conteúdo do telemóvel da arguida e não pode ser visualizado (fls. 5043 a 5052).
iii) O registo fotográfico reproduzido a fls. 69 (factos dos pontos 8 a 10) corresponde ao ficheiro “IMG-......27-WA0034” que consta da pasta “WhatsApp – WhatsApp Images – Sent” do DVD de fls. 82 (conteúdo do telemóvel apreendido à arguida):
- A data e hora em que o mesmo foi enviado para o número .......90 (27/04/2018, 22:29:53) são identificadas a fls. 5057 e 14887, do exame pericial realizado pela Polícia Judiciária;
- A data e hora em que o mesmo foi lido pelo número .......90 (27/04/2018, 22:30) são identificadas a fls. 5057 e 14887, do exame pericial realizado pela Polícia Judiciária;
- Através do registo de conversações para o mesmo número através da aplicação whatsapp, constata-se que o envio de tal registo fotográfico é antecedido do recebimento, no mesmo dia 27/04/2018, pelas 22:22 horas das seguintes mensagens com origem no número .......90: “Da um bj ao pai de amor de pai e filha” e “Deixa o pai dar um bj na pipinha sagrada e um na tua boca linda” e pelas 22:28 horas,: “Sra BB tem algum problema em dar um beijinho na sua menina na vagina e mandar lhe uma foto bem visível para ele ver o amor que ela precisa de um pai como ele”, respondendo a arguida “Posso sim”, enviando de seguida a referida imagem (fls. 5054 a 5057 do exame pericial realizado pela Polícia Judiciária);
- Através do mesmo registo de conversações verifica-se, após o envio do referido registo fotográfico, que se estabelece a seguinte conversação: (…)
iv) O vídeo a que se reporta o fotograma de fls. 70 (factos dos pontos 11 a 13), corresponde ao ficheiro “IMG-......21-WA0018” constante da pasta “WhatsApp – WhatsApp Video – Sent” do DVD de fls. 82
- A data e hora em que o mesmo foi enviado para o número .......90 (21/08/2018, 23:49) são identificadas a fls. 12259, do exame pericial realizado pela Polícia Judiciária;
- A data e hora em que o mesmo foi lido pelo número .......90 (22/08/2018, 10:26) são identificadas a fls. 12259, do exame pericial realizado pela Polícia Judiciária.
Do exposto resulta, através da análise do suporte digital de DVD com conteúdo relativo ao telemóvel apreendido à arguida (cfr. fls. 82 com representação parcial das pastas/subpastas existentes no DVD a fls. 90 a 94) e do exame pericial realizado pela Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária (constante de suporte de DVD a fls. 470), que é possível concluir que a arguida filmou e fez-se fotografar com a sua filha CC, então com 4 anos de idade e que destinou três desses registos ao arguido AA, utilizador do número .......90, que os solicitou previa e expressamente à arguida no dia 27/04/2018, os abriu e visualizou.
Quanto à utilização por parte do arguido do número .......90, primeiramente é o próprio que o indica expressamente em audiência de discussão e julgamento. No entanto, o arguido tentou fazer crer, num primeiro momento, que o referido telemóvel lhe havia sido apreendido no ano anterior aos acontecimentos que lhe vêm imputados e, num segundo momento, que não tomou conhecimento das conversações da arguida através do seu numero e da aplicação whatsapp uma vez que, quanto a mesma fazia menção em pretender falar com outras pessoas, emprestava o seu telemóvel aos seus companheiros de cela.
Todavia, tais declarações para além de contraditórias e pouco claras, são contrariadas pelos diversos meios de prova produzidos, em especial através da análise do teor das conversações realizadas através da aplicação WhatsApp (registados no exame pericial realizado ao telemóvel da arguida pela Policia Judiciária), que permitem esclarecer a natureza da relação desenvolvida entre os arguidos, a sua evolução, bem como o conhecimento, por ambos, do “jogo” que entre ambos era realizado.
Assim, importa assinalar que a versão apresentada pelo arguido, além de inconsistente era impraticável, sendo de notar que o mesmo, ao ser confrontado em audiência com as conversações já não nega ser ele o utilizador do número em causa.
Com efeito, observando o teor de diversas conversações é possível verificar a interrupção das conversas entre a arguida e a personagem “Senhor GG” pelo arguido, imediatamente seguidas ao envio de mensagem pela arguida e a perceção do seu teor, através de expressões que são consistentemente utilizadas pelo mesmo, o que não é compatível com a entrega do telemóvel a um colega de cela, na medida em que o mesmo não seria capaz de reproduzir conversações idênticas às anteriormente havidas entre os arguidos1. Note-se que o teor das conversações mantidas pelos arguidos é, pelas expressões utilizadas, em tudo idêntico às constantes da correspondência junta aos autos (documentos cujo conteúdo não foi impugnado), recebida pela arguida (cfr. fls. 448 a 454) e pelo arguido (cfr. fls. 462 a 467), mantida até, pelo menos o dia 21/05/2018, sendo mencionados alguns episódios e assuntos referenciados nas mensagens via WhatsApp (designadamente os elementos necessários para emissão de cartão e a visita da arguida ao estabelecimento prisional).
Aliás, o discurso do arguido e o envio de mensagens é mantido até ao dia 10/12/2018 (data da apreensão do telemóvel à arguida, cfr. fls. 31), sendo que no dia 07/12/2018, o arguido lhe envia uma fotografia sua.
Quanto ao facto da arguida e do arguido terem assumido uma relação de namoro, veja-se, além da correspondência que remetiam um ao outro, o teor das mensagens trocadas através da referida aplicação, vertidas para o relatório de exame pericial da policia judiciária2.
Note-se que na correspondência remetida pelo arguido AA à arguida BB, ao contrário do que o mesmo pretendeu fazer crer em audiência, o mesmo se refere a CC como sua filha, relação filial a que o mesmo faz consistentemente referência em tais conversações.
Também ao contrário do que o arguido pretendeu fazer crer em audiência, através das conversações via WhatsApp é possível depreender que o mesmo, num momento inicial (pelo menos até ao dia 1/3/2018), não revela à arguida que se encontra num estabelecimento prisional, ficcionando uma vida profissional ligada ao mundo do futebol3
Por seu turno, a personagem “Senhor GG”, não é a única com quem a arguida estabelece conversação através do número de telemóvel do arguido, através da aplicação WhatsApp. Com efeito, através do registo de conversações (constante do exame pericial da Policia Judiciária no ficheiro “Samsung GSM SM-G318H Galaxy Trend 2Lite_IMEI_.............81.pdf”) é possível distinguir várias pessoas (cuja existência fática se desconhece) a quem a arguida se dirige e mantém longas conversações, enviando mensagem inserindo a referencia “REC(…)” (designadamente a Paula, João, Mónica, sendo a partir de 17/04/2018 que passa a comunicar com o “Sr. GG” introduzindo na mensagem “Rec..23”- cfr. fls. 3270 e 3274 do aludido relatório pericial).
No entanto, a arguida revelou, desde o início, ter conhecimento do jogo de “role play” desempenhado pelo arguido, tanto que o refere expressamente numa mensagem que lhe dirige em 01/02/2018 4.
De resto, a nossa convicção é de que é a esse “jogo” que o arguido se refere nas declarações prestadas na sessão de julgamento do dia 08/11/2021 quando instado acerca das conversações mantidas pela arguida com o “Senhor GG” através do seu número de telemóvel.
Com efeito, não só se mostra evidente, pelo conteúdo das mensagens recebidas do telemóvel n.º .......90, que o arguido tem conhecimento das conversações mantidas pela arguida com as referidas personagens, como o arguido reforça - nas mensagens que envia, em que já se identifica como AA – o teor de tais conversações5, o que permite depreender que se trata sempre da mesma pessoa. O que, aliás, face às regras da experiência comum e da normalidade sempre seria de concluir, uma vez que o arguido, no período em apreço, se encontrou sempre em reclusão, num estabelecimento prisional e que as mensagens não poderiam ser recebidas através de outro telemóvel fora do estabelecimento, conforme devidamente esclarecido pela Sra. Perita. De resto, afinal o arguido revela bem saber que essas conversações eram meramente fictícias, acabando por remeter para o comportamento de terceiros (os seus companheiros de cela) a resposta a tais conversações através do seu telemóvel.
A circunstância do arguido ser apelidado de “padrinho” pela menor CC é reconhecida por ambos, sendo que a arguida confirmou que os vídeos da sua filha em que a mesma exclama “Amo-te padrinho”, se dirigiam ao arguido.
Por último, não poderão desmerecer-se as declarações para memória futura prestadas pela própria menor que, apesar da sua tenra idade, recorda que a sua mãe lhe tirou fotografias com uma amiga, que lhe disse para se despir, ao que ela manifestou oposição e que lhe beijou o “pipi”, tendo a amiga tirado as fotografias que mandaram para o AA, namorado da mãe, relato descrito de forma essencialmente idêntica no relatório de perícia de psicologia de 09/12/2020 (cfr. fls. 325). De resto, foram precisamente as declarações da menor CC que deram origem à denúncia apresentada pelo seu progenitor e que desencadearam as demais diligências de investigação que vieram a demonstrar a existência de tais registos fotográficos no telemóvel da arguida. E dessas declarações decorre que a ofendida teve inteira perceção de que as fotografias que foram extraídas pela arguida, designadamente aquelas em que a beijou na sua zona pudenda se dirigiam ao arguido AA e não a qualquer outro individuo.
Da análise dos aludidos meios de prova decorreu assim, de forma manifesta, serem inverídicas as declarações dos arguidos, quer quanto às motivações subjacentes à produção das imagens da menor CC, quer quanto ao seu envio pela arguida e recebimento e visualização pelo arguido.
Na verdade, através do contexto apurado, designadamente no que se refere ao dia 27/04/2018, não subsistem dúvidas acerca da intencionalidade dos arguidos, a qual se dirigia à esfera da intimidade e sexualidade da menor CC, tendo atuado de forma conjunta no âmbito de um propósito por ambos almejado, o qual consistiu na exposição despudorada do seu corpo e na sujeição a contactos de natureza sexual com a sua mãe, perante terceiras pessoas, para satisfação dos seus desejos libidinosos.
Relativamente ao vídeo produzido e enviado pela arguida no dia 21/08/2018, atenta a forma como a menor foi exposta, desnudada, em cima da cama e a forma como se expressou e o vocabulário que utilizou (designadamente a forma como se dirigiu ao arguido, a expressão facial utilizada ao dizer que o amava reproduzindo os atos e trejeitos da sua progenitora), sendo certo que a arguida já anteriormente tinha tomado conhecimento de que a mesma era objeto de desejo do arguido, teremos igualmente de concluir que mantinha o mesmo propósito, de satisfazer a lascívia do arguido, sendo também seguro que o arguido recebeu e visualizou o seu conteúdo.
O universo fáctico respeitante às condições pessoais dos arguidos estribou-se no teor dos relatórios sociais dos arguidos, elaborado pela D.G.R.S.P. a solicitação do Tribunal, os quais foram submetidos a contraditório em audiência de discussão e julgamento.
(…)»
9. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição. Dispõe este preceito que «[o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
A revisão, que se efetiva por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal («CPP»), com a realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas, por ocorrer qualquer dos motivos previstos no artigo 449.º.
Como se tem afirmado (nomeadamente, de entre os mais recentes, no acórdão de 13.03.2025, Proc. 104/14.2JBLSB-F.S1, em www.dgsi.pt, que se segue), a linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença transitada em julgado, enquanto componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), estabelece-se, como garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem «injustas».
O juízo de dúvida sobre a justiça da condenação, revelado por demonstração de fundamento contido no numerus clausus definido na lei (artigo 449.º, n.º 1, do CPP), que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, assim, à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso.
O fundamento do caso julgado «radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito», sublinha Eduardo Correia, que acrescenta: «a força de uma sentença transitada em julgado há-de estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a julgamento», sendo que «posta uma questão ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa» (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1963, pp. 302 e 304).
10. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos de formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 340.º e segs. do CPP), incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário (artigo 412.º do CPP) admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as «injustiças da condenação», o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.
A garantia do direito a um processo equitativo («processo justo»), nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no artigo 32.º da Constituição, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos («CEDH») e no artigo 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos («PIDCP»), impõe que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (artigos 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparar da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e seja assegurada a faculdade de contrariar a prova contra si produzida em audiência pública e contraditória onde devem ser apresentadas e produzidas todas as provas que devem fundamentar a decisão sobre a sua culpabilidade (como se estabelece nos artigos 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).
11. A lei enumera os fundamentos e dispõe sobre admissibilidade da revisão no artigo 499.º do CPP.
Estabelece o n.º 1, alínea e), deste preceito, que o recorrente invoca para fundamentar o pedido:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
(…)
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
(…)»
Dispõe o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, sob a epígrafe «Garantias do processo criminal», que:
«São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.»
Por sua vez, desenvolvendo e densificando esta garantia constitucional, o artigo 126.º do CPP estabelece que:
«1. São nulas e não podem ser utilizadas as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2. Consideram-se ofensivas da integridade física ou moral, ainda que obtidas com o consentimento da pessoa, as provas conseguidas através de:
a) Maus-tratos, ofensas corporais, administração de substâncias, hipnose ou meios cruéis/enganosos;
b) Perturbação da memória ou da avaliação;
c) Uso da força fora dos casos permitidos por lei;
d) Ameaça com medida ilegal ou com recusa de benefício legal;
e) Promessa de vantagem inadmissível por lei.
3. São também nulas, salvo disposição legal em contrário, as provas obtidas por intromissão na vida privada, domicílio, correspondência ou telecomunicações sem consentimento do titular.»
Apreciação
12. Recordando a motivação do recurso, o recorrente alega, em síntese, que «os ficheiros informáticos contendo as fotografias e vídeos constantes nos autos», que serviram de base à condenação («sem a prova contida nos ficheiros informáticos não haveria fundamentação para os factos dados como provado», diz a recorrente) «não foram recolhidas do aparelho de telemóvel (…) com autorização ou ordem judicial», pelo que tal prova «é nula e nulo o douto acórdão condenatório, cuja fundamentação assenta em método de prova proibida».
Pelo que pede que, concedido provimento ao recurso, seja alterada e «declarada nula» a decisão recorrida, que o condenou em prisão efetiva, «porque foi fundamentada em prova ilegalmente obtida» e o arguido absolvido da prática dos factos», e que seja «absolvido da prática dos factos».
13. Como resulta evidente da letra do preceito, a condenação com base em provas proibidas só pode constituir fundamento da revisão quando, após o trânsito em julgado da decisão – que constitui pressuposto formal do recurso extraordinário de revisão (artigo 449.º, n.º 1, proémio: «a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando…») – «se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas» (al. e) deste preceito). É o facto superveniente, posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, da «descoberta» da violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 126.º do CPP na obtenção da prova que justifica a revisão.
Como se tem reiteradamente sublinhado, a revisão com base em provas proibidas pressupõe a convergência dos seguintes requisitos cumulativos: a utilização de prova proibida; que ela tenha servido de fundamento à decisão que se quer rever; que a natureza e a utilização da prova proibida seja descoberta após o julgamento1. Apenas a sua verificação permite a quebra do caso julgado; não no caso de ter sido efetivamente apreciada, ou suscetível de apreciação antes da decisão, o que se inscreve no objeto do processo, podendo constituir fundamento de recurso ordinário.
É no âmbito do recurso ordinário – isto é, de decisões não transitadas em julgado (artigos 399.º e segs. do CPP) – que podem obter-se resultados como os pretendidos pelo recorrente nestes autos: a declaração de nulidade do acórdão recorrido (artigo 379.º, n.º 3 e 410.º, n.º 3, do CPP) ou uma decisão de absolvição (decisão sobre o objeto do processo – artigo 400.º, n.º 1. als. c) a f), do CPP).
Diferente é a finalidade visada pelo recurso extraordinário de revisão: a autorização da revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça e a realização de novo julgamento (art.ºs 457.º e segs. do CPP). A utilização da revisão como sucedâneo de um recurso ordinário, com o propósito de reabrir o mérito da causa com base em elementos já conhecidos ou que podiam ter sido invocados oportunamente no processo, implicaria uma subversão inadmissível do sistema de garantias processuais e uma afronta direta ao princípio da segurança jurídica consagrado constitucionalmente, dimensão essencial de um Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
14. A argumentação do recorrente reconduz-se à convocação de elementos que constavam do processo que conduziu à condenação ou eram do seu conhecimento no julgamento onde foram admitidas e produzidas as provas e quando da prolação da decisão condenatória, com plena garantia do contraditório sobre a validade e utilização das provas em que se fundou a condenação (artigos 340.º e segs. do CPP), e ainda quando do recurso interposto para o Tribunal da Relação, componente essencial do direito de defesa constitucionalmente garantido (artigos 32.º, n.º 1, da Constituição e 399.º e segs. do CPP).
Não ocorre, pois, qualquer facto novo ou superveniente que constitua «descoberta» dos questionados meios de prova, alegadamente proibida, após o trânsito da condenação.
Falecendo, assim, um dos pressupostos essenciais da admissibilidade da revisão.
15. A pretensão do recorrente funda-se exclusivamente na alegada utilização de prova proibida, em resultado da obtenção de dados informáticos mediante intromissão ilegítima na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas comunicações, fora das hipóteses legalmente previstas e sem o consentimento do respetivo titular, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP.
Todavia, nota-se que, como resulta dos autos, esta alegação não procede.
Com efeito, a apreensão do equipamento em causa — um telemóvel da marca Samsung, modelo SMG318H, pertencente à coarguida BB — decorreu no âmbito de busca domiciliária devidamente autorizada pelo juiz de instrução competente, nos termos previstos no artigo 177.º, n.º 1, do CPP.
Subsequentemente, também sob impulso do Ministério Público e mediante despacho judicial fundamentado, foi determinada a realização de perícia ao sistema informático do referido telemóvel, com acesso aos dados nele armazenados, nos termos conjugados dos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), do CPP e 17.º da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro). A medida visava a obtenção de prova relevante para a investigação de factos indiciariamente ilícitos.
Acresce, com especial relevância, que a titular do equipamento, a coarguida BB, prestou o seu consentimento à realização da perícia, o que, à luz do artigo 15.º, n.º 3, alínea a), da Lei do Cibercrime, conjugado com a parte final do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, afasta a qualificação da prova como proibida, por se mostrar validamente obtida com o consentimento da visada.
Em suma, quer a apreensão do dispositivo móvel, quer o subsequente acesso e exame aos dados informáticos nele contidos, observaram integralmente o regime legal aplicável, inexistindo qualquer vício gerador de nulidade ou ilicitude que inquine a admissibilidade e valoração da prova em sede de julgamento.
16. Conclui-se, assim, que, na ausência da verificação dos pressupostos legais requeridos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, não pode o pedido de revisão deixar de ser qualificado como manifestamente infundado.
Pelo que, em conformidade com o que vem de se expor, não havendo fundamento, e sendo manifesta a falta de fundamento, é negada a revisão, havendo lugar à aplicação da sanção a que se refere a parte final do artigo 456.º do CPP, segundo o qual o tribunal, além de condenar o requerente em custas, o condena ainda, se considerar o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.
III. Decisão
17. Pelo exposto, nos termos do que dispõe o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acorda-se na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.
Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).
Nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Penal, condena-se o recorrente no pagamento da quantia de 7 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 25 de junho de 2025.
José Luís Lopes da Mota (relator)
Carlos Campos Lobo
José A. Vaz Carreto
Nuno A. Gonçalves
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1. Assim, entre outros, o acórdão de 14.03.2013 (Raul Borges), Proc. 158/09.3GBAVV-B.S1, ecom exaustiva indicação e análise da jurisprudência, e, na jurisprudência posterior e mais recente, os acórdãos de 11.7.2023 (Pedro Branquinho Dias), Proc. 22/08.3JALRA-K.S1, e de 13.02.2025 (Jorge Reis Bravo), Proc. 261/22.4T9CLD-A.S, em www.dgsi.pt.