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IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário
I – O autor faltou 10 dias interpolados durante o ano, e trata-se de faltas que não só não comunicou à entidade empregadora e cuja justificação não solicitou, nem antes nem após o seu cometimento, como nem sequer demonstrou que tivesse justificação que, embora não o tendo feito, pudesse ter oportunamente apresentado, e apenas no plano «formal» tivesse faltado injustificadamente - não estando assim em causa, “apenas”, não ter o autor colocado no Portal da empresa, como estabelecido, os dias em que não iria comparecer/não compareceu ao trabalho e a razão dessa ausência. II – Em tal situação, e independentemente de (outros) prejuízos causados ou não, tal comportamento constitui justa causa de despedimento, pois que está demonstrado que o trabalhador foi alertado para esse comportamento pelo seu superior hierárquico e, não obstante isso, persistiu na mesma atitude, não atendendo sequer o telefone quando a sua chefia o tentava contactar, obrigando a empresa a ter de o substituir, convocando algum outro trabalhador também da inspecção final (que esteja em gozo de férias ou gozo de folgas), o que importa, para além das inerentes perdas de tempo/produtividade, o pagamento da respectiva retribuição por trabalho suplementar.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
AA, com os demais sinais nos autos, intentou, dando entrada do competente formulário, a presente acção declarativa sob a forma de acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, pedindo desde logo a declaração da ilicitude ou da irregularidade do despedimento, com as legais consequências.
Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação.
A ré/empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, alegando para o efeito e muito em síntese, conforme já consta da decisão recorrida, que o despedimento é lícito, reiterando a invocação de justa causa traduzida nos factos constantes da decisão final do procedimento disciplinar, os quais no seu entendimento constituem fundamento de justa causa de despedimento.
Juntou o procedimento disciplinar.
O autor/trabalhador apresentou contestação defendendo-se por excepção, de caducidade do direito da ré em aplicar a sanção disciplinar, alegando que entre a data das faltas imputadas ao autor na nota de culpa complementar e a respectiva notificação decorreram mais de 60 dias, mostrando-se ultrapassado o prazo previsto no artigo 329.º, n.º 2 do C T, e por impugnação motivada, concluindo não ter violado qualquer dever laboral ou praticado qualquer facto susceptível de constituir justa causa de despedimento.
Deduziu reconvenção, alegando designadamente que com o despedimento sofreu danos não patrimoniais, pedindo a condenação da ré/reconvinda a:
“a) Reintegrar o autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade cfr. art.390º nº1 CT.; b) Pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da decisão de reintegração do autor, cujo montante, atendendo à dimensão e disponibilidades financeiras da ré, se deverá fixar em valor não inferior a 100€ dia, - art.829º-A nº1 do CC. c) Pagar ao autor todas as retribuições, como se sempre estivesse ao serviço efetivo, desde a data do despedimento até à data da efetiva reintegração, estando já vencido, em 23/05/2024, o montante de € 8.178,03, bem como a quantia de € 10.000.00, referida no anterior artigo 80, devendo a cada um desses valores acrescer os juros de mora contados desde o dia de vencimento de cada uma das parcelas, acrescidos de 5%, nos termos o disposto no art. 829-A nº4 do CC..”.
A ré apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado motivador do despedimento, pugnando pela improcedência da excepção da caducidade e da reconvenção.
Prosseguindo os autos, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo:
“Face ao exposto, julga-se a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA move contra “EMP01..., S.A.” improcedente e, em consequência declarando-se lícito o despedimento do Autor, absolve-se a Ré dos pedidos contra si formulados e reportados à reintegração do Autor, ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, ao pagamento da indemnização pela ilicitude do despedimento por danos morais e ao pagamento das retribuições vencidas e vincendas.”
Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
[…]
A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
A tal parecer respondeu o autor reiterando, em suma, o entendimento que já expressou no recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Impugnação da matéria de facto;
- Se os factos provados constituem justa causa de despedimento do autor. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que na decisão recorrida se consideraram provados, e os não provados, são os seguintes:
“Factos Provados: 1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comercialização de pneus para veículos automóveis. 2. O Autor foi admitido como trabalhador da Ré no dia 01/01/2016, desempenhando, aquando do seu despedimento, as funções de Inspector Visual de Pneus, no Departamento de Produção ... – Inspecção Final. 3. Em 27 de Outubro de 2023, foi determinada pela Ré a instauração de processo disciplinar contra o Autor, tendo sido nomeado instrutor do processo o Sr. Dr. BB, director da Direcção de Relações Humanas. 4. Em 31 de Outubro de 2023, foi enviada ao Autor, e por este recebida em 02.11.2023, e bem assim à Comissão de Trabalhadores da Ré a nota de culpa, através da qual a Ré imputava ao Autor os seguintes factos: “1. O arguido é trabalhador da EMP01... desde 01/01/2016. 2. O arguido desempenha funções de Inspetor Visual de Pneus, no Departamento de Produção ... – Inspeção Final. 3. No corrente ano civil de 2023, o arguido registou os seguintes dias de faltas ao trabalho, que não comunicou previamente nem justificou posteriormente:
Data Início
Hora Início
Data Fim
Hora Fim
Horas ausência
19/02/2023
08:00
19/02/2023
14:00
06:00
20/02/21023
00:00
20/02/21023
08:00
08:00
22/02/2023
08:00
22/02/2023
16:00
08:00
19/04/2023
08:00
19/04/2023
16:00
08:00
13/05/2023
08:00
13/05/2023
19:00
11:00
14/06/2023
08:00
14/06/2023
16:00
08:00
17/06/2023
19:00
18/06/2023
00:00
05:00
18/06/2023
00:00
18/06/2023
06:00
06:00
18/06/2023
14:00
19/06/2023
00:00
10:00
10/07/2023
00:00
10/07/2023
08:00
08:00
26/08/2023
19:00
26/08/2023
20:47
01:47
27/08/2023
14:00
28/08/2023
00:00
10:00
28/08/2023
08:00
28/08/2023
16:00
08:00
04/09/2023
00:00
04/09/2023
00:00
08:00
Total
105 horas e 47 minutos
4. Assim, o arguido, no corrente ano civil de 2023, e até à presente data, completou já mais de 105 horas de faltas injustificadas, o que corresponde a mais de 13 períodos diários de 8 horas de faltas injustificadas ao trabalho. 5. O arguido tem conhecimento que a sua conduta de faltas injustificadas ao trabalho perturba a normal laboração do setor da empresa em que trabalha, implicando a necessidade de pela sua chefia ser encontrado pessoa para a sua substituição, o que implica também perda de tempo e, consequentemente, a redução da produtividade. 6. O arguido sabe que as faltas ao trabalho, principalmente quando não sejam objeto de aviso prévio, prejudicam a normal laboração da empresa, e devem ser sempre objecto de justificação, o que não aconteceu. O arguido sabe que as faltas ao trabalho, principalmente quando não sejam objeto de aviso prévio e autorização, prejudicam a normal laboração da empresa, que funciona 24 horas por dia e 7 dias por semana, implicando a não execução das tarefas previamente planificadas, ou, para obstar a maiores danos na produção, a necessidade de deslocar outros trabalhadores para realização das mesmas e, também, a necessidade de a empresa recorrer à prestação de trabalho por trabalhadores temporários, com os inerentes acréscimos de custos e de tempo das chefias na procura de substitutos, de forma a evitar o não cumprimento dos planos de produção e prazos de entrega de encomendas a Clientes, com os custos indemnizatórios inerentes, bem como salvaguardar o bom-nome da empresa num mercado muito competitivo. As faltas elencadas no artigo 3 do presente, correspondentes a mais de 13 períodos diários de trabalho completos (de 8 horas), constituem gravíssima violação do dever de assiduidade inerente ao contrato de trabalho; na verdade o dever de assiduidade é um dos mais importantes deveres decorrentes da vinculação dos trabalhadores à entidade patronal, e que no essencial é a contrapartida da remuneração estipulada no contrato, constituindo ainda justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Código do Trabalho. Resultam violados, com a conduta do arguido supra descrita, e de forma muito grave e culposa, os deveres constantes dos artigos 128.º, n.º 1 alíneas b), e) e h) e 253.º do Código do Trabalho. Informa-se o arguido a intenção de proceder ao seu despedimento.” 5. Em 16.11.2023, o Autor respondeu à nota de culpa, nos seguintes termos: “Eu, AA, colaborador n.º ..., venho responder à carta recebida da parte da EMP01..., S.A. e, relação ás minhas ausências relativas ao período de 2023, venho dizer em minha defesa, que até à data de hoje, 16.11.2023, estou com apenas três ausências não justificadas, quanto as outras ausências, foram pedidas antecipadamente à minha chefia direta, Chefe CC turno .... São férias que pedi à chefia desde o inicio do Ano, foram férias autorizadas pela chefia às quais eu nunca as cheguei a submeter no Portal do colaborador. Sei que não procedi em conformidade com as normas da Empresa e por isso mereço levar com um processo disciplinar. Sem mais demoras, e pedindo desculpas pelos danos causados à Empresa, aguardo resposta.” 6. Em 15 de Dezembro de 2023, o instrutor do processo disciplinar proferiu o seguinte despacho: “Após ter sido ouvido o trabalhador CC (colaborador ...), chefia direta do arguido (AA – trabalhador n.º ...), e tendo-me sido devolvido o processo para proferi Decisão, constato que o trabalhador apresenta mais faltas injustificadas, para além da última (ou mais recente falta injustificada) que lhe é imputada na Nota de Culpa (04/09/2023). Dessa forma, e por se tratar do mesmo tipo de infracção que lhe é imputada no processo disciplinar em curso, determina-se a elaboração de Nota de Culpa complementar, dando-se novo prazo ao arguido para apresentação de Resposta ao sn novos factos.” 7. Em 18 de Dezembro de 2023, foi enviada ao Autor, e por este recebida em 21.12.2023, e bem assim à Comissão de Trabalhadores da Ré a nota de culpa complementar, através da qual a Ré imputava ao Autor os seguintes factos: “1. Para além das ausências constantes do artigo 3 da Nota de Culpa, o arguido registou ainda os seguintes dias de faltas ao trabalho, que não comunicou previamente nem justificou posteriormente:
Data Início
Hora Início
Data Fim
Hora Fim
Horas ausência
09/10/2023
15:00
09/10/2023
16:00
01:00
10/10/2023
08:00
10/10/2023
16:00
08:00
16/10/2023
00:00
16/10/2023
08:00
08:00
TOTAL
17 horas
2. Assim, o arguido, no corrente ano civil de 2023, e até à presente data, e incluindo as faltas injustificadas que lhe foram já imputadas na Nota de Culpa, completou já mais de 15 períodos diários de 8 horas de faltas injustificadas ao trabalho. 3. O arguido tem conhecimento que a sua conduta de faltas injustificadas ao trabalho perturba a normal laboração do setor da empresa em que trabalha, implicando a necessidade de pela sua chefia ser encontrado pessoa para a sua substituição, o que implica também perda de tempo e, consequentemente, a redução da produtividade. 4. O arguido sabe que as faltas ao trabalho, principalmente quando não sejam objeto de aviso prévio e autorização, prejudicam a normal laboração da empresa, que funciona 24 horas por dia e 7 dias por semana, implicando a não execução das tarefas previamente planificadas, ou, para obstar a maiores danos na produção, a necessidade de deslocar outros trabalhadores para realização das mesmas e, também, a necessidade de a empresa recorrer à prestação de trabalho por trabalhadores temporários, com os inerentes acréscimos de custos e de tempo das chefias na procura de substitutos, de forma a evitar o não cumprimento dos planos de produção e prazos de entrega de encomendas a Clientes, com os custos indemnizatórios inerentes, bem como salvaguardar o bom-nome da empresa num mercado muito competitivo. As faltas elencadas no artigo 3 da Nota de Culpa e artigo 1 da presente Nota de Culpa complementar, constituem gravíssima violação do dever de assiduidade inerente ao contrato de trabalho; na verdade o dever de assiduidade é um dos mais importantes deveres decorrentes da vinculação dos trabalhadores à entidade patronal, e que no essencial é a contrapartida da remuneração estipulada no contrato, constituindo ainda justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º, n.º 1 e 2, alínea g) do Código do Trabalho. Resultam violados, uma vez mais e de forma muito grave e culposa, os deveres constantes dos artigos 128.º n.º 1 alíneas b), e) e h) e 253.º do Código do Trabalho. Informa-se o arguido a intenção de proceder ao seu despedimento.” 8. Em 17 de Janeiro de 2024, a Ré remeteu a cópia integral do procedimento disciplinar instaurado ao Autor para emissão de parecer. 9. Em 18 de Janeiro de 2024, a Comissão de Trabalhadores emitiu o parecer. 10. Em 8 de Fevereiro de 2024, a Ré remeteu ao Autor, e por este recebida em 15.02.2024, e à Comissão de Trabalhadores a “Apreciação e Decisão da Administração” resultantes do processo disciplinar que lhe foi instaurado:
“APRECIAÇÃO E RELATÓRIO FINAL No processo disciplinar instaurado por EMP01..., S.A., ao trabalhador AA (trabalhador n.º ...) tendo em atenção todos os elementos constantes do processo, dão-se como provados os factos constantes da Nota de Culpa e Nota de Culpa Complementar, que são os seguintes: - Da Nota de Culpa e Nota de Culpa Complementar 1. O arguido é trabalhador da EMP01... desde 01/08/2016. 2. O arguido desempenha funções de Inspetor Visual de Pneus, no Departamento de Produção ... – Inspeção Final. 3. No corrente ano civil de 2023, o arguido registou os seguintes dias de faltas ao trabalho, que não comunicou previamente nem justificou posteriormente:
Data Início
Hora Início
Data Fim
Hora Fim
Horas ausência
19/02/2023
08:00
19/02/2023
14:00
06:00
20/02/2023
00:00
20/02/21023
08:00
08:00
22/02/2023
08:00
22/02/2023
16:00
08:00
19/04/2023
08:00
19/04/2023
16:00
08:00
13/05/2023
08:00
13/05/2023
19:00
11:00
14/06/2023
08:00
14/06/2023
16:00
08:00
10/07/2023
00:00
10/07/2023
08:00
08:00
26/08/2023
19:00
26/08/2023
20:47
01:47
27/08/2023
14:00
28/08/2023
00:00
10:00
28/08/2023
08:00
28/08/2023
16:00
08:00
04/09/2023
00:00
04/09/2023
08:00
08:00
09/10/2023
15:00
09/10/2023
16:00
01:00
10/10/2023
08:00
10/10/22023
16:00
08:00
16/10/2023
00:00
16/10/2023
08:00
08:00
Total
101 horas e 47 minutos
4. Assim, o arguido, no ano civil de 2023, completou mais de 122 horas de faltas injustificadas, o que corresponde a mais de 12 períodos diários de 8 horas de faltas injustificadas ao trabalho. 5. O arguido tem conhecimento que a sua conduta de faltas injustificadas ao trabalho perturba a normal laboração do setor da empresa em que trabalha, implicando a necessidade de pela sua chefia ser encontrado pessoa para a sua substituição, o que implica também perda de tempo e, consequentemente, a redução da produtividade. 6. O arguido sabe que as faltas ao trabalho, principalmente quando não sejam objecto de aviso prévio, prejudicam a norma laboração da empresa, e devem ser sempre objecto de justificação, o que não aconteceu. - Da Resposta à Nota de Culpa Na Resposta à Nota de Culpa, apresentada no dia 16 de novembro de 2023, o trabalhador arguido alegou que todas as ausências que lhe eram imputadas, à exeção de 3 delas, haviam sido solicitadas antecipadamente ao seu chefe direto CC e que se tratariam de férias autorizadas por este. Admitiu, no entanto, ter incumprido com as normas da empresa, no que diz respeito ao registo dos dias de férias/faltas/justificação no Portal do Colaborador. Não requereu a produção de qualquer meio de prova, nomeadamente testemunhal. Face à alegação do arguido na Resposta `nota de Culpa, foi decidido ouvir a sua chefia direta, CC, que afirmou que as faltas que, relativamente aos dias 17 e 18 de junho de 2023, o arguido tinha efectivamente solicitado o gozo de férias, o que motivou que essas faltas tivessem sido consideradas justificadas e, consequentemente, não constem da listagem do facto provado sob o número 3. Mais acrescentou o CC que nas demais altas imputadas como sendo injustificadas, o trabalhador arguido não só não avisou previamente, como também naos as justificou posteriormente, afirmou nao ter advertido o arguido para essa situação. Descreveu ainda que, em caso de ausência não programada de um colaborador seu, é normal tentar o contacto telefónico, com vista a tentar perceber se é necessário substituir o trabalhador faltoso. O arguido nunca atendia o telefone. Por fim, referiu ainda que a inspecção final requer uma formação específica, pelo que é difícil colmatar uma ausência com um outro trabalhador de outro departamento. Dessa forma, o que usualmente faz é contactar um trabalhado, da insepção final, que esteja em gozo de férias ou de folga, para ocupar o lugar o faltoso (pagando-lhe a repetiva retribuição suplementar). - Da Apreciação e relevância disciplinar Os factos considerados provados impõem um elevado juízo de censura e reprovação por parte da empresa ao comportamento do arguido, uma vez que revelam violação consciente e dolosa do dever de assiduidade do arguido, assim como incumprimento do dever de comunicar previamente as suas ausências ao trabalho, e de as posteriormente justificar, incumprindo os seus deveres laborais e causando perturbação do serviço, falhando no seu dever de promover e executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, impondo constrangimentos à sua equipa e departamento, com implicação no nível de produtividade e custos acrescido para a empresa. Em todos os dias e períodos constantes da tabela do facto provado n.º 3, o trabalhador arguido, para além de ter faltado, ao seu bel-prazer, sem se preocupar em avisar as chefias, falhou igualmente na sua obrigação de as justificar. Mesmo sabendo existir um Portal do Trabalhador (acessível em vários locais da empresa e para cuja utilização o trabalhador teve formação e recebera instruções para o usar na justificação das suas faltas) o arguido mostrou uma atitude de leviandade e despreocupação quanto à necessidade de avisar as ausências, de as justificar e, para além disso, total desconsideração pelos interesses da sua empregadora e organização do trabalho na empresa. Estipula o artigo 253.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que "A ausência, quando previsível, é comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias" No n.º 2 da mesma norma, resulta que "Caso a antecedência prevista no número anterior não possa ser respeitada, nomeadamente por a ausência ser imprevisível com a antecedência de cinco dias, a comunicação ao empregador é feita logo que possível." Incumprido o trabalhador com as disposições supracitadas, determina o n.º 5 do referido artigo 253.º do Código do Trabalho que a falta seja considerada injustificada. Dessa forma, todas as faltas imputadas ao arguido no presente processo disciplinar (à exceção das registadas nos dias 17 e 18 de junho de 2023, para as quais o arguido solicitou o gozo de ferias) terão de ser necessariamente consideradas injustificadas. O comportamento do arguido violou, assim, de forma muito grave e dolosa, os deveres previstos nas alíneas b), e), e h) do n .º 1 do art.º 128 do Código do Trabalho.
- Dos antecedentes disciplinares O arguido não tem antecedentes disciplinares.. (…) DECISÃO FINAL ..., 8 de fevereiro de 2024 Tendo em atenção os elementos constantes do processo disciplinar instaurado pela EMP01..., S.A. ao trabalhador AA (trabalhador n.º ...) — que exerce funções de Inspetor Visual de Pneus, no Departamento de Produção — Inspeção Final (Dep...), e dando por reproduzido o teor do Relatório Final, nomeadamente análise da prova produzida e conclusões finais, decidiu a Administração desta Empresa a aplicação da sanção disciplinar de despedimento por justa causa, datada de 8 de fevereiro de 2023. Mais se informa que o vínculo laboral que tem com a CM... cessará com efeitos imediatos a partir da receção da presente missiva. Determina-se que sejam efectuadas as comunicações e registos que forem devidos. DECISÃO FINAL Tendo em atenção os elementos constantes do processo disciplinar instaurado pela EMP01..., S.A. ao trabalhador AA (trabalhador n.º ...) — que exerce funções de Inspetor Visual de Pneus, no Departamento de Produção — Inspeção Final (Dep...), e dando por reproduzido o teor do Relatório Final, nomeadamente análise da prova produzida e conclusões finais, com o qual se concorda, impõe-se que seja proferida Decisão. I - Os factos praticados pelo arguido e que resultaram demonstrados configuram infração disciplinar de extrema gravidade, pois que: a) As regras internas relativas à justificação das faltas são conhecidas do arguido e foram já amplamente divulgadas pela empresa, sendo certo que os recibos de vencimento, entregues mensalmente aos trabalhadores, contêm as faltas que se encontram por justificar; b) Na Resposta à Nota de Culpa, o arguido faltou à verdade, referindo ter tido autorização prévia para gozar férias em quase todos os dias constantes da Nota de Culpa; c) Todas as faltas constantes do facto provado n.º 3 do Relatório Final (mais de 12 períodos diários de 8 horas) não foram precedidas de qualquer aviso ou informação prévia à empresa ou às chefias; II - O arguido, na Resposta à Nota de Culpa muito embora tenha admitido não ter cumprido com as instruções internas relativas ao aviso das ausências e justificação das faltas, afirmou que todas elas (à execeção de 3 dias de faltas, que não concretizou) tinham sido autorizadas pela sua chefia. Tal alegação foi negada pela sua chefia direta, que referiu não rer autorizado o gozo de férias ao arguido relativamente aos dias 17 e 18 de junho de 2023. Quanto aos demais dias de faltas injustificadas imputadas ao arguido, a sua chefia afirmou que não foram precedidas de aviso prévio, nem tendo sequer havido preocupação, da parte do arguido, em as justificar. Acrescentou ainda que o arguido, quando falta inadvertidamente, não atende sequer o telefone da chefia. III - O arguido foi admitido como trabalhador da empresa o dia 01/08/2016, não tendo registos disciplinares. Feita uma análise ao seu comportamento, resulta notório que o arguido não tem qualquer interesse pela organização do trabalho na empregadora, nem pelos interesses económicos desta:
- não avisa que vai faltar;
- não atende o telefone quando falta, mesmo sabendo que as suas chefias necessitam de reorganizar o serviço;
- não justifica as faltas, utilizando para tal o Portal do Colaborador. O comportamento do arguido é muito grave e praticado com elevado grau de culpa e dolo, atingindo a confiança que a empresa depositou nele aquando da sua contratação, revelando ainda uma especial censura e gravidade pelo facto de saber tratar-se de uma categoria profissional difícil de substituir, dada a formação especifica que recebeu para o cargo, obrigando a empresa a ter de pagar trabalho suplementar ou em dia de descanso ou de folga, ou mesmo a tentar interromper férias de colegas seus, com vista a cumprir com a produção planeada. Dessa forma, o arguido violou, os deveres de assiduidade, respeito e zelo, as regras internas e normas legais relativas às ausências ao trabalho e sua justificação e, ainda, o dever de promover e executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, tendo, com o seu comportamento, imposto constrangimentos e diminuição da produtividade à empresa. O comportamento do arguido, face ao exposto, integra justa causa para despedimento, pois pela sua gravidade e dado ter sido praticado com elevado grau de culpa, torna a manutenção da relação de trabalho prática e imediatamente impossível, já que não pode a empregadora, nem lhe é exigível, manter ao seu serviço um trabalhador que, reiteradamente, falta sem avisar previamente e não se preocupa em justificar cabalmente as suas ausências. Encontram-se, assim, preenchidas as previsões legais contidas nos n.ºs 1 e 2, alínea g) do artigo 351.º do Código do Trabalho. Assim, decide-se aplicar ao arguido a sanção de despedimento com justa causa.” 11. No ano de 2023, o Autor, tinha registadas as seguintes faltas:
Data Início
Hora Início
Data Fim
Hora Fim
Horas ausência
19/02/2023
08:00
19/02/2023
14:00
06:00
20/02/21023
00:00
20/02/21023
08:00
08:00
22/02/2023
08:00
22/02/2023
16:00
08:00
19/04/2023
08:00
19/04/2023
16:00
08:00
13/05/2023
08:00
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12. As faltas referidas em 11 e ocorridas em 19.02.2023, 20.02.2023, 22.02.2023,
19.04.2023, 13.05.2023, 14.06.2023, 10.07.2023, 26.08.2023, 04.09.2023, 09.10.2023, 10.10.2023 e 16.10.2023 não foram precedidas de aviso/comunicação prévia, pedido de autorização ou justificação posterior pelo Autor, apesar de ter sido advertido pelo seu superior hierárquico. 13. O Autor esteve impossibilitado de comparecer ao seu local de trabalho, por se encontrar doente, desde o dia 27.08.2023 e por um período previsível de 2 dias. 14. Em 1 de Setembro de 2023, o Autor enviou para o correio electrónico ..........@..... um email através do qual lhe comunicou que nos dias 27 e 28 de Agosto se sentiu mal e teve de ir ao hospital. 15. O Autor tinha conhecimento que a sua conduta de faltas injustificadas ao trabalho perturbava a normal laboração do sector da empresa em que trabalhava, implicando a necessidade da sua substituição, com as consequentes perdas de tempo e de produtividade. 16. No caso de ausência não programada de um trabalhador com a categoria profissional do Autor, é usual tentar um contacto telefónico com vista a apurar se é necessário substituir o trabalhador faltoso. 17. O Autor nunca atendia o telefone ao seu chefe CC. 18. A inspecção final requer uma formação específica, o que tona difícil de colmatar a ausência não prevista de um trabalhador. 19. Usualmente, a chefia contacta algum trabalhador, também da inspecção final, que esteja em gozo de folga ou de férias, para ocupar o lugar do faltos, o que importa o pagamento da respectiva retribuição suplementar. 20. O Autor sabe existir um Portal do Trabalhador, acessível em vários locais da empresa e para cuja utilização teve formação e recebera instruções para o usar na justificação das faltas. 21. Em Fevereiro de 2024, o Autor auferia a remuneração base de € 1.370,80 acrescidos de subsídio de alimentação, subsídio de turno, prémio de antiguidade, e prémios de fim de semana. 22. O Autor nunca foi alvo de qualquer sanção disciplinar. 23. No ano de 2023, o Autor tinha acumulado 34 dias de férias, estando 22 dias distribuídos do seguinte modo: 14 a 15.01.2023, 08 a 09.04.2023, 25 a 26.06.2023, 07 a 21.08.2023 e 21.12.2023 a 01.01.2024. 24. Por e-mail de 10.03.2023, o Autor denunciou o seu contrato de trabalho. 25. Perante tal denúncia, a Ré tentou de imediato inteirar-se dos motivos que levaram o Autor a pretender deixar de ser trabalhador da Ré, tendo conversado com o Autor, a fim de tentar solucionar todas as questões relatadas pelo Autor. 26. No dia 04.04.2023, novamente por e-mail, o Autor revogou a denúncia efectuada, exercendo o seu direito ao arrependimento. 27. A Ré, que havia canalizado esforços com vista à manutenção do vínculo com o Autor, aceitou a revogação.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, NÃO SE PROVARAM quaisquer outros factos, designadamente que: A. O Autor não mostrou qualquer indício de arrependimento, nem apresentou qualquer pedido de desculpas. B. As ausências do Autor entre os dias 19.02.2023 e 04.09.2023 correspondem a gozo de
férias que tinha direito. C. Em 9 de Outubro de 2023, o Autor foi autorizado pelo seu superior hierárquico a sair uma hora mais cedo do que o previsto no horário. D. Em 10 de Outubro de 2023, o Autor trocou o seu turno com o colega DD, trabalhador n.º ..., prática que é aceite pela Ré. E. A actuação da ré, privando o autor do seu trabalho, causou-lhe uma enorme tristeza. F. O Autor sempre teve orgulho em fazer bem o seu trabalho, apesar de perceber que nem todos tinham a mesma dedicação. G. O despedimento num momento mais vulnerável da sua vida, causou-lhe uma enorme angustia e sentimento de injustiça. H. O Autor vive atormentado com a insegurança que a Ré lhe causou, agravado pelo facto de estar desocupado e lhe voltar constantemente ao pensamento a situação em que se encontra. I. O Autor sofre a vergonha junto dos seus colegas, por se ver despedido.”
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Da impugnação da matéria de facto:
Alega o recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado o que consta dos pontos 11, 12 e 15[1] da sentença, pontos da matéria de facto esses que devem ser alterados para não provados.
Pretende, pois, o recorrente que se dê como não provado que no ano de 2023 tinha registadas as faltas elencadas – com especificação, designadamente, dos respectivos dias e períodos do dia em que ocorreram - no ponto 11. dos factos provados, bem como se considere não provado que as faltas referidas em 11. e ocorridas em 19.02.2023, 20.02.2023, 22.02.2023, 19.04.2023, 13.05.2023, 14.06.2023, 10.07.2023, 26.08.2023, 04.09.2023, 09.10.2023, 10.10.2023 e 16.10.2023 não foram precedidas de aviso/comunicação prévia, pedido de autorização ou justificação posterior pelo Autor, apesar de ter sido advertido pelo seu superior hierárquico (ponto 12.) e que tinha conhecimento que a sua conduta de faltas injustificadas ao trabalho perturbava a normal laboração do sector da empresa em que trabalhava, implicando a necessidade da sua substituição, com as consequentes perdas de tempo e de produtividade (ponto 15.).
Estabelece o art. 662.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (sublinhamos)
Com referência a este normativo tem sido sustentado por esta Relação o entendimento de que,
“Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos”[2], entendimento este em que continuamos a rever-nos
Dispõe, por seu lado, o artigo 640.º/1/2 do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente dar cumprimento às estatuições aí previstas, v.g. especificar os concretos factos que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que impunham decisão diferente, sob as cominações aí prescritas, compreendendo a própria rejeição do recurso (quanto à impugnação da matéria de facto), sendo que no caso é de considerar que o recorrente deu cumprimento a tais ónus que sobre si recaíam.
Apreciemos então.
O recorrente começa por alegar, quanto à matéria dos pontos 11. e 12. dos factos dados como provados, que ao dar como facto provado que as ausências se configuram como faltas está o tribunal a quo a impor como facto uma apreciação de direito – “no limite poderia dar como provadas as ausências e não as faltas”.
As expressões em causa – faltas ao trabalho - são usualmente utilizadas na linguagem comum, possuindo um sentido perfeitamente compreensível por qualquer pessoa, vale por dizer, pelo homem comum, e que é o mesmo que dizer, utilizando outras palavras, ausências ao trabalho em dias/períodos do dia em que, de acordo com o horário de trabalho, o trabalhador ausente deveria trabalhar.
E foi nesse sentido, usual, que também a recorrida empregou aquela expressão no articulado motivador do despedimento, designadamente nos artigos 6, 24 e 25 (que dão respaldo aos identificados pontos da matéria de facto provada).
Assim, claramente não estamos perante puros conceitos normativos, longe disso, nem a utilização daquelas expressões – com conteúdo factual, repete-se -, arrasta consigo, e sem mais, a solução jurídica do pleito.
Diz ainda o recorrente que as faltas que lhe foram imputadas pela recorrida são na realidade ausências em dias que previamente comunicou ao seu superior hierárquico que estaria de férias, questionando o recorrente “por que motivo (…) iria faltar se tinha férias para gozar?!”
Para sustentar a pretendida alteração da matéria de facto, o recorrente indicou como meios de prova que a tal «obrigam» os depoimentos das testemunhas CC, EE – sendo que, como resulta da motivação da matéria de facto, foi precisamente nos depoimentos destas duas testemunhas que o Tribunal a quo assentou essencialmente a sua convicção relativamente aos questionados pontos da matéria de facto -, e também a resposta à nota de culpa que apresentou em sede de procedimento disciplinar.
Começando por esta última, da sua leitura decorre que aí o recorrente aceitou que, atá à data de 16.11.2023, tinha “três ausências não justificadas” – e não justificadas, diga-se, não apenas porque as não submeteu no “portal do colaborador”, como reconhece que não fez quanto a todos os dias em que concede que esteve ausente ao trabalho, apesar de também reconhecer que de acordo com as regras instituídas pela ré tinha de efectuar tal registo, mas sim porque (também) não as pediu antecipadamente à sua chefia directa nem invocou ter alguma justificação para tais faltas.
Mais se diga que nas declarações de parte que prestou[3] o autor não disse ter estado de férias em todos os dias em causa (aliás, como o não disse na contestação que apresentou), pois que quanto aos dias 22 de Fevereiro, 14 de Junho e 10 de Outubro disse que os “trocou” com um colega de trabalho, tendo-o substituído nesses dias um colega de trabalho e ele, autor, trabalhado em substituição desse colega em dias em que de acordo com o horário de trabalho não trabalharia ele mas sim o dito colega de trabalho; afirmou que trabalhou no dia 13 de Maio, mas que isso não está registado por erro do sistema informático, no dia 26 de Agosto disse que faltou “essas horas” porque teve um acidente e nos dias 27 e 28 de Agosto faltou porque esteve doente e mandou a baixa para o email da ré.
Assim, nem as declarações de parte do autor atestam – pelo menos in totum – a tese que agora, em sede de recurso, perfilha.
Mas sucede que tampouco as restantes provas produzidas sustentam ou sequer vão no sentido da tese perfilhada pelo recorrente.
No que tange ao depoimento da testemunha EE, que disse exercer as funções de técnico de recursos humanos na ré desde 2011, explicou que a empresa sabe das ausências dos trabalhadores, mormente daquelas dadas por motivo de férias que compete aos próprios trabalhadores, de acordo com as chefias directas, marcarem (sendo que o autor tinha 12 dias de férias, que não gozara no ano anterior, que podia marcar para gozar no decurso do ano de 2023) ou das decorrentes de trocas entre trabalhadores (trocas que a ré autoriza, desde que ambos os trabalhadores intervenientes o registem no sistema informático e, no caso, exerçam funções de inspector visual de pneus – um/y a dizer que não estava escalado para trabalhar em tal dia mas que vai trabalhar em vez de x, e x a dizer que vai faltar nesse dia mas que, em substituição de y, irá trabalhar no dia que informa e em que era suposto este trabalhar) através do sistema informático, havendo para efeitos de registo de férias, de trocas de dias de trabalho, de faltas… um portal informático, com vários postos nas instalações da ré (só no caso de justificação de faltas através de baixas médicas estas devem ser entregues em mão nos Recursos Humanos).
Esclareceu que apesar das prescrições legais no que tange à justificação das faltas, a ré admite que o trabalhador faltoso justifique a falta até 20 dias após o seu cometimento, e que todos os meses o sector das “remunerações” envia para os Recursos Humanos uma lista dos trabalhadores que têm faltas por justificar, e que é então enviada uma SMS aos trabalhadores e às chefias a dar conta dessas faltas, e que no caso confirmou que tais SMS foram envidas ao autor, referindo também que quando o autor atingiu 40 horas de faltas injustificadas, pensa que por Maio de 2023, alertou o autor para essa situação, dando nessa altura nota ao autor que às 80 horas de faltas injustificadas haveria lugar a um procedimento disciplinar (conversa esta que o autor nas suas declarações admitiu ter-se verificado, embora dizendo que aconteceu quando tinha mais de 60 horas de faltas, e que “só me disse que tinha horas em falta…não me disse que me iam mandar uma carta, que me iam despedir…”; no que tange às “trocas” de dias de trabalho mencionadas pelo autor, referiu que pesquisaram os registos e que o autor não entrou na fábrica nos dias em que diz que trabalhou em substituição de outro trabalhador.
No que tange ao depoimento da testemunha CC, este disse que o autor nunca lhe comunicou que não ia trabalhar porque ia gozar este(s) ou aquele(s) dia(s) de férias (à excepção, naturalmente, daqueles dias que admitiu que o autor lhe pediu para tirar férias e que referiu no seu depoimento que instruiu o procedimento disciplinar, mas que ora não estão em causa) – sendo que as férias que o próprio trabalhador pode marcar durante o ano (no caso do autor, 12 dias) tem de ser sempre com a concordância da chefia directa, e o trabalhador tem sempre de o colocar no sistema informático, e mais referiu que o autor nunca avisava que ia faltar e que quando lhe tentava ligar para saber o que se passava (se estava atrasado ou ia faltar…), como por norma faz quando falta algum trabalhador, o autor nunca atendia o telemóvel.
Disse ainda que todos os meses informa os trabalhadores que têm faltas não justificadas no sistema para tratarem de as justificar, o que também fez relativamente ao autor e que este nunca lhe disse que não tinha faltado…referindo até um episódio em que, numa altura em que o autor já tinha muitas faltas injustificadas, o chamou para o instar a regularizar a situação e que o autor só lhe retorquiu “faça o seu trabalho que eu faço o meu”.
Por último, dir-se-á que a testemunha DD, que depôs por indicação do autor e referiu trabalhar para a ré há aproximadamente 6 anos e exercer também as funções de inspector visual de pneus, nada de útil acrescentou, pois que, admitindo que pudesse ter trocado dias de trabalho com o autor, não soube precisar minimamente quando tal aconteceu.
Note-se ainda que a testemunha EE referiu que a ré fez reflectir na retribuição do autor as suas faltas injustificadas, procedendo às respectivas deduções, o que bate certo com o conteúdo dos recibos de vencimento juntos aos autos (se bem que não abranjam todas as ausências em causa nos autos), e mais referiu que o autor nunca reclamou que lhe tenham descontado tais valores indevidamente.
Em particular quanto à matéria do ponto 15. dos factos provados, alega ainda o recorrente que “não perspetivava qualquer perturbação na normal laboração do sector da empresa em que trabalhava”, pelo que deve ser dado como não provado.
Ora, atenta a especificidade das funções exercidas pelo autor que levava a que, como foi explicado pelas testemunhas EE e CC, só pudesse ser substituído por outro trabalhador que exercesse as mesmas funções (de inspector visual de pneus) não é concebível que o autor não soubesse que a sua ausência perturbaria a normal laboração do sector em que trabalhava, implicando a sua substituição as inerentes perdas de tempo e de produtividade, até porque o autor não avisava que ia faltar e quando contactado por telemóvel pela respectiva chefia a saber o porquê da ausência, v.g. se era caso de algum atraso, o autor não atendia o telemóvel.
Ante esta resenha da prova recolhida, e ponderada de acordo com as regras da lógica e da experiência, a decisão tomada pelo Tribunal recorrido mostra-se consentânea com a prova efectuada, pelo que se mantém, na íntegra, o elenco dos factos provados e dos não provados.
- Se os factos provados constituem justa causa de despedimento do autor:
Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
«3. No caso em apreço, a Ré imputou ao Autor, desde logo, a violação do dever previsto no artigo 128.º, n.º 1 alínea b) do Código do Trabalho, consubstanciado na falta ao serviço nos dias 19.02, 20.02, 22.02, 19.04, 13.05, 14.06, 10.07, 26.08, 27.08, 28.08, 04.09, 09.10, 10.10 e 16.10 do ano de 2023, sem que as suas faltas fossem justificadas ou procedidas de qualquer autorização prévia. De acordo com o artigo 126.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Deveres gerais das partes», “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das despectivas obrigações”, sendo que «”na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador”. Do contrato de trabalho, resultam, também, para as partes determinados deveres específicos, sendo que um dos deveres do trabalhador é precisamente o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade. O dever de assiduidade está relacionado com a diligência que o trabalhador coloca na realização da sua actividade. De acordo com o disposto no artigo 248.º nº 1 do Código do Trabalho “Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário”. As faltas podem ser justificadas – as previstas no n.º 2 do artigo 249.º - ou injustificadas – as que não cabem na previsão daquela norma. Quanto ao modo de justificação rege o artigo 253.º do Código do Trabalho, que impõe a comunicação, acompanhada do motivo justificativo, da ausência com cinco dias de antecedência e, caso a ausência seja imprevisível, tal comunicação deverá ser feita logo que possível. “As faltas do trabalhador, quando não justificadas, apenas representam, em principio, um incumprimento parcial do contrato, a consequenciar uma mera redução do salário na medida correspondente. Porém, visto que a relação laboral pressupõe uma execução continuada, as faltas sucessivas já integram um incumprimento defeituoso do vínculo, susceptível de gerar na entidade patronal a quebra de confiança no trabalhador e, em consequência, potenciar o seu legítimo despedimento.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 2010, processo 637/08.0TTBRG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). No caso em apreço, conforme resulta da factualidade provada, o Autor não compareceu no seu local de trabalho nos referidos dias 19.02, 20.02, 22.02, 19.04, 13.05, 14.06, 10.07, 26.08, 27.08, 28.08, 04.09, 09.10, 10.10 e 16.10 do ano de 2023 no número de horas constante do ponto 11 dos factos provados. Em sede de contestação, alegou o Autor, em suma, que: (i) as faltas dos dias 27 e 28 de Agosto de 2023 foram justificadas através de atestado médico; (ii) a falta de uma hora de trabalho do dia 9 de Outubro de 2023 foi autorizada pelo seu superior hierárquico; (iii) a falta de 10 de Outubro de 2023 não ocorreu por ter o Autor trocado esse turno com um colega de trabalho; e (iv) as demais faltas correspondem ao gozo de férias a que o Autor tinha direito. Não obstante, o Autor apenas logrou provar ter justificado as faltas ocorridas nos dias 27 e 28 de Agosto de 2023 (cfr. ponto 13 e 14 dos factos provados). Não logrou, porém, provar que foi autorizado pelo superior hierárquico para sair mais cedo no dia 09.10.2023, que trocou de turno com um colega no dia 10.10.2023 e que nos demais dias tinha sido autorizado a gozar férias. Temos, assim, como verificada a ausência injustificada do Autor/trabalhador do local de trabalho por um período de 10 dias interpolados. Considerando o período em causa, não se mostra necessário demonstrar a existência de qualquer prejuízo sério para a empregadora (cfr. alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho), sendo tal comportamento, em si mesmo, violador do dever de assiduidade previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho. A ausência injustificada ao trabalho, enquanto violação do dever de assiduidade, pode, assim, constituir justa causa de despedimento, desde que o empregador prove os demais requisitos da justa causa de despedimento. Com efeito, apesar de, nos termos do artigo 351.º, n.º 2 alínea g) do Código do Trabalho o legislador presumir o risco ou o prejuízo para a empresa das faltas injustificadas quando as mesmas atinjam as 5 seguidas ou 10 interpoladas, o mesmo não acontece quanto à justa causa. Ou seja, o preenchimento de justa causa de despedimento não se basta com a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias, sendo ainda necessário, e para além da demonstração do comportamento culposo do trabalhador, que este se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. No caso em apreço, cremos que a conduta do Autor é idónea a gerar na entidade empregadora a quebra de confiança no Autor. Com efeito, por um lado, inexistem dúvidas do conhecimento que o Autor tinha quanto à forma de justificar as faltas no Portal do Trabalhador, não tendo o Autor alegado ou provado qualquer facto que permitisse concluir pela impossibilidade da justificação nos termos para os quais foi instruído. Por outro lado, também não existem dúvidas quanto à perturbação da normalidade da laboração do sector da empresa em que o Autor trabalhava no que às faltas injustificadas diz respeito. Acresce que, se é certo que, o Autor tinha dias de férias para gozar (ponto 23 dos factos provados), a verdade é não logrou o Autor provar ter requerido ou obtido autorização para gozar as referidas férias nos dias em que faltou. Atente-se que estamos perante férias acumuladas mas relativamente às quais sempre importaria obter a necessária autorização por parte da entidade empregadora. Aliás, tanto quanto nos apercebemos da posição do Autor manifestada no seu articulado, o que este pretendia é que as faltas fossem consideradas pela Ré justificadas, de forma automática, pelo simples facto de o Autor ainda ter férias acumuladas para gozar, isto é, sem a necessidade de requerer a sua autorização para gozo ou requerer a justificação da falta com o gozo de férias. Tal factualidade, porém, não resultou apurada. A verdade é que não resulta dos autos que o Autor tivesse informado ou tentado saber se as faltas que deu estariam justificadas pelo gozo de férias acumuladas, mostrando assim um desinteresse total por tal justificação/autorização. Assim, o comportamento do Autor tem de se considerar como grave, gravidade essa acentuada pelo desinteresse pela justificação: por um lado, o Autor violou o dever de justificação das faltas pelo menos 10 vezes; por outro lado, o superior hierárquico do Autor havia-o alertado para a justificação das faltas, sendo que, em vez de corrigir o seu comportamento, o Autor manteve a omissão das justificações das faltas, manifestando pelo menos uma indiferença pelo cumprimento dos seus deveres. Assim, sabendo o Autor que teria de observar certas regras e não o fez, tem de se concluir que agiu com culpa. Com efeito, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 2022, processo 3998/19.1T8VIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt “a existência de cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil não constitui uma justa causa automática de despedimento. Com efeito, se nesta hipótese o empregador não tem que invocar qualquer prejuízo ou risco, não está afastada a possibilidade de existirem no caso concreto circunstâncias que, por exemplo, afastam ou diminuem a culpa do trabalhador. Pode tratar-se, por exemplo, de um conflito de deveres, de um evento traumático na vida pessoal do trabalhador, de uma angústia ou perturbação mental associada a uma doença que diminuem ou afastam um juízo de censura pelo não cumprimento tempestivo do dever de comunicação.” No caso em apreço, não existem, porém, quaisquer factos que afastem a culpa do Autor, antes se concluindo que o Autor manifestou um total indiferença pelo cumprimento dos seus deveres de comunicação. O despedimento apresenta-se como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas se revelarem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção de situações similares e para os interesses fundamentais da empresa. A questão que se coloca é, então, a de saber se tais comportamentos tornam impossível a manutenção da relação de trabalho com a Ré. Afigura-se-nos que sim. Com efeito, fazendo um juízo sobre a gravidade do comportamento do Autor e das suas consequências, bem como sobre a inexigibilidade da subsistência da relação laboral, à luz do critério objectivo do "empregador razoável", o enunciado comportamento do trabalhador determina, a nosso ver, a quebra da confiança mínima necessária, por parte da empregadora, à manutenção da relação de trabalho, em termos de não lhe ser esta mais exigível e de criar no espírito daquela a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador. Ora, o Autor agi pelo menos com negligência grave no incumprimento reiterado de um dever de que se tinha perfeito conhecimento, revelando um total desrespeito para com a sua empregadora e colegas, sendo o seu comportamento inaceitável. Estas faltas, dadas neste contexto, tornam impossível a manutenção da relação de trabalho, não podendo a empregadora ser obrigada a suportar um trabalhador que, de forma reiterada, não comunica as suas faltas ao serviço. Por outro lado, não se nos afigura que a sanção, ainda que a mais gravosa do leque sancionatório disponível, seja desproporcional à gravidade das infracções, tendo em conta quer a gravidade da infracção, quer o grau de culpa do Autor, uma vez que – como vimos - podia e devia ter agido de outro modo. O facto de não ter antecedentes disciplinares não é, por si só, suficiente para se concluir pela alegada desproporcionalidade. Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020, processo 13533/19.6T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt “A ausência de antecedentes disciplinares é um fator a ter em conta no juízo sobre a adequação do despedimento, mas tal não acarreta que seja sempre excessivo despedir um trabalhador sem antecedentes disciplinares, seja qual for a infração disciplinar por este cometida…” Com o seu comportamento ilícito o Autor “minou”, de forma imediata e irremediável, a confiança que a Ré nele pudesse ter. O comportamento supra descrito concorre de forma grave e irreversível para a total perda de confiança da Ré na pessoa e desempenho profissional do Autor, tendo ficado definitiva e irremediavelmente comprometida a possibilidade de manutenção da relação laboral do Autor com a Ré, o que torna, na prática, impossível a subsistência da relação contratual entre as partes, constituindo tal conduta justa causa de despedimento, de acordo com o preceituado no artigo 351.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho. Na verdade, a conduta do Autor é susceptível de comprometer, irremediavelmente, a relação de confiança que deve existir entre um trabalhador e a sua entidade patronal, em termos que levam a considerar inexigível a manutenção da relação de trabalho por parte desta. Não se tendo apurado que o Autor, ao praticar a infracção disciplinar, não estivesse capaz de avaliar a sua ilicitude da sua actuação e de reger o seu comportamento de acordo com essa avaliação, não podem deixar de considerar-se que os factos dolosos por este praticados são idóneos a frustrar naturalmente aquela expectativa, pois se apresentam contrários aos padrões de conduta nele pressuposto, deste modo suscitando fortes dúvidas no espírito do empregador quanto à eventualidade de, no futuro, comportamentos semelhantes não virem a repetir-se. Se a Ré não agisse com firmeza e terminação face a tal comportamento, a sua autoridade poderia ser colocada em causa, na medida em que constituiria um mau exemplo para os restantes trabalhadores, que poderiam sentir-se tentados a praticar, igualmente, condutas ilícitas idênticas ou similares, com (manifesto) reflexos negativos na autoridade, probidade e respeito devidos à Ré e aos superiores hierárquicos. Em suma, a conduta do Autora era – e é - merecedora de sanção disciplinar mais grave: o despedimento.”
Concordamos no essencial com este entendimento.
Seguindo de perto o entendimento perfilhado no acórdão desta Relação de 19 de Setembro de 2024, com o mesmo relator do presente e em que a Exma. 1.ª adjunta também interveio[4], também aqui cabe relevar que, de harmonia com o disposto no art. 351.º, n.º 1, do CT, constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Exige-se, pois, a verificação, cumulativa, de um requisito de natureza subjectiva – traduzido num comportamento culposo do trabalhador – e um requisito de natureza objectiva – que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho - e, ainda, existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Como decorre do art. 342.º, n.º 2, do C.C. e 387.º, n.º 3, do CT, é sobre o empregador que recai o ónus de alegar e provar a factualidade que esteve na base do despedimento, a culpa do trabalhador e a impossibilidade prática de manutenção do vínculo laboral.
E nos termos do art. 351.º, n.º 3, do CT, “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”. (v. também n.º 4 do art. 357.º.)
Atentemos ainda que segundo o disposto no art. 128.º do CT o trabalhador está sujeito a diversos deveres, designadamente prevê no seu n.º 1, os elencados nas alíneas b), c) e h):
“Deveres do trabalhador 1 – Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: (…) b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; (…) h) Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; (…)”, deveres das alíneas b) e h) esses que a ré, aliás, invoca expressamente terem sido infringidos pelo autor.
E nos termos do n.º 2 do já citado artigo 351.º do CT, cuja epígrafe é Noção de justa causa de despedimento: “(…) 2 – Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: (…) g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco; (…)”
Ora, os factos provados traduzem efectivamente a violação de deveres que, enquanto trabalhador da recorrida, impendiam sobre o recorrente, designadamente do dever de assiduidade.
Com efeito, a conjugação de toda a factualidade descrita nos diversos itens da lista dos factos provados, e muito particularmente dos factos insertos nos pontos 11., 12. e 15. a 20., traduz um comportamento culposo do autor violador daquele dever de assiduidade, tendo dado 10 faltas injustificadas – desde logo porque não solicitou a justificação das faltas - ao longo do ano de 2023.
O autor, embora reconhecendo que não lançou no Portal da empresa os dias em que esteve ausente, como lhe incumbia fazer (fosse a ausência devida ao gozo de férias, a uma troca de dia/horário de trabalho, ou a faltas ao trabalho, sublinhe-se), sustenta que nesses dias esteve a gozar férias (férias a que tinha direito e que haviam sido autorizadas pela sua chefia), pelo que o seu único erro foi não registar essas férias no Portal mas, isso, “jamais constituiria fundamento para um despedimento”.
Sucede que não está em causa, “apenas”, não ter o autor colocado no Portal os dias em que não compareceu/não iria comparecer ao trabalho e a razão dessa ausência.
Todo o raciocínio do recorrente assenta no pressuposto de que o seu chefe directo sabia antecipadamente das suas ausências ao trabalho, pois que as tinha autorizado, mormente para o gozo de férias; mas trata-se de um pressuposto indemonstrado.
Acontece, sim, é que o autor não esteve efectivamente a gozar férias – para isso teria sido necessário que o autor, basilarmente, tivesse solicitado o gozo de férias, o que (até à instauração do procedimento disciplinar) não fez -, ou que estivesse ausente num contexto de troca de horário de trabalho - o que alegou, mas também não provou.
O autor faltou, e trata-se de faltas que não só não comunicou à entidade empregadora e cuja justificação não solicitou, nem antes nem após o seu cometimento, como nem sequer demonstrou que tivesse justificação que, embora não o tendo feito, pudesse ter oportunamente apresentado, e apenas no plano «formal» tivesse faltado injustificadamente.
E note-se que o não cumprimento da obrigação de comunicação tempestiva torna, já por si, as faltas injustificadas – cf. art. 253.º/5 do CT.
Sustenta ainda o recorrente que, e em qualquer caso, não se provaram quaisquer prejuízos concretos resultantes da sua actuação.
Na situação em análise, em que o recorrente, ao longo do ano, deu 10 faltas injustificadas (interpoladas), entendemos que, independentemente dos (outros) prejuízos causados ou não, tal comportamento constitui justa causa de despedimento, pois que está demonstrado que o trabalhador foi alertado para esse comportamento pelo seu superior hierárquico e, não obstante isso, persistiu na mesma atitude, não atendendo sequer o telefone quando a sua chefia o tentava contactar, obrigando a empresa a ter de o substituir, convocando algum outro trabalhador também da inspecção final (que esteja em gozo de férias ou gozo de folgas), o que importa, para além das inerentes perdas de tempo/produtividade, o pagamento da respectiva retribuição por trabalho suplementar.[5]
É certo que o preenchimento de justa causa de despedimento não se basta com a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias, sendo ainda necessário, e para além da demonstração do comportamento culposo do trabalhador, que este se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho - n.º 1 do art. 351º do CT.
E é também sabido que no nosso sistema legal o despedimento se apresenta como a “última das sanções”, dispondo o empregador de toda uma panóplia de sanções “conservatórias” e que a sanção deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (artigo 330.º n.º 1 do CT).
Porém, não se afigura que neste caso a sanção seja excessiva pois, quanto à culpa, existe pelo menos negligência grave, traduzida no incumprimento reiterado de um dever de que o trabalhador faltoso tinha perfeito conhecimento, sem que se tenha apurado qualquer factualidade atenuante (note-se que mesmo que o recorresse tivesse provado, que não provou, que estivesse em gozo de férias, tal gozo pressupunha sempre que, previamente, o recorrente tivesse obtido a anuência do seu superior hierárquico directo e registasse o agendamento das férias no Portal da empresa, isto é, a ré sempre poderia precaver-se atempadamente da ausência do autor) e, quanto à gravidade da infração, não podemos deixar de ter em consideração que se trata de um comportamento que teve manifestações ao longo de praticamente um ano, e que o recorrente, apesar de ter sido advertido pelo seu superior hierárquico das faltas injustificadas em que já incorrera, nem aí diligenciou pela sua justificação ou procurou por alguma forma remediar a situação.
Como alega, a nosso ver com razão, a ré no art. 31.º do articulado motivador do despedimento, “Não era, assim, expetável que o Autor alterasse o seu comportamento, havendo, isso sim, uma quase certeza de que o iria manter para futuro (…).”
Entendemos, assim, que é de manter a decisão recorrida. V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente.
Notifique.
Guimarães, 05 de Junho de 2025
Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
[1] Afigura-se que só por lapso escreveu o n.º “13”, pois que efectivamente transcreveu o n.º “15” e discorreu sobre a prova do mesmo. [2] Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor, www.dgsi.pt [3] E a cuja audição procedemos, assim como os depoimentos das testemunhas. [4] Proc. 2048/23.8T8BRG.G1, www.dgsi.pt [5] Cf. Acórdãos do STJ de 25.06.2008, Proc. 08S835, Bravo Serra e de 13.10.2010, Proc. 142/06.9TTLRS.L1.S1, Vasques Dinis, ambos em www.dgsi.pt