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REJEIÇÃO DE RECURSO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS DE FACTO
Sumário
A recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada porque não identificou nas conclusões os pontos de facto que pretende ver reapreciados - 640º, 1, a), CPC.
Texto Integral
AA, em acção de processo comum intentada contra Centro Hospitalar ..., E.P.E., interpôs recurso de apelação da sentença, o qual foi admitido na primeira instância.
Recebidos os autos no tribunal da Relação, pela relatora foi decidido não se conhecer do objecto do recurso em razão do não cumprimento do ónus de impugnação especificada - 652º, 1, b, 655º, 1, CPC).
A autora reclamou ao abrigo do disposto no artigo 643º CPC. O que fez erradamente, na medida em que não se trata de rejeição de recurso intentado na Relação para o qual fosse competente para dele conhecer o STJ.
A relatora, ao abrigo do principio da adequação e aproveitamento processual (6º e 193º, CPC), determinou que os autos prosseguissem como reclamação para a conferência - 652º, 3, parte final, 4, CPC.
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Indo, agora, um pouco mais atrás:
Na petição inicial a autora pediu que a ré fosse condenada a: reconhecer que a primeira resolveu o contrato de trabalho com justa causa, a pagar-lhe 12 963,64€ de indemnização, acrescido de outros valores (804,16€ +302,55€ +302,55€+ 1020,67€), por férias vencidas e não gozadas de 2022, proporcional de férias e de subsídio de natal de 2023, e por horas de formação que não foram ministradas, pedindo também a sua condenação na emissão de declaração da situação de desemprego corrigida.
Sustentou que: trabalhou para a ré, com assistente operacional; em 01.03.2023, foi transferida do seu local de trabalho habitual (urgências) para outro serviço (medicina), padecendo de Doença de Crohn, tendo que utilizar equipamentos de protecção individual; sente-se mais exposta a doenças infectocontagiosas no novo local de trabalho; por isso, solicitou a revisão e alteração do posto de trabalho; após, ter apresentado declaração de incapacidade temporária para o trabalho, sem que obtivesse resposta à sua solicitação durante esse período, resolveu o contrato de trabalho.
A ré contestou e reconveio. Foi realizado julgamento.
Proferiu-se sentença com o seguinte dispositivo “Face ao exposto, decide-se: A. Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência: .CONDENAR o réu Centro Hospitalar ..., E.P.E. no pagamento à autora AA da quantia de 1005,66€ (mil e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), a título de formação anual obrigatória e créditos de formação não ministrada dos anos de 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023; ii.ABSOLVER o réu do demais peticionado pela autora; B. Julgar procedente a reconvenção e, em consequência: i.CONDENAR a autora AA no pagamento ao réu Centro Hospitalar ..., E.P.E. da quantia de 1538,40€ (mil quinhentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos), a título de indemnização devida pelo incumprimento do aviso prévio devido.”
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RECURSO DA AUTORA: a autora interpôs recurso de apelação da sentença, sem que o recurso contivessem conclusões. CONTRA-ALEGAÇÕES- o Réu/Recorrido apresentou contra-alegações, referindo que o recurso deve ser liminarmente rejeitado, por, não obstante a autora ter recorrido apenas da decisão de facto, não formulou conclusões, nem identificou os concretos pontos de facto que impugna, nem tão pouco os concretos meios de prova que impõem resposta diferente, nem a resposta alternativa.
Por despacho proferido em 09/11/2024, a senhora juiz a quo convidou a Autora/Recorrente a formular as conclusões em falta. ALEGAÇÃO DE RECURSO APERFEIÇOADA: a autora/Recorrente, apresentou nova alegação de recurso, contendo as seguintes conclusões:
“Em consequência, com base nos novos factos dados como provados, e nos restantes já considerados, deve ser concluído que: 74. - a trabalhadora tinha como limitação para o exercício do seu trabalho em 2023, a “evicção de contacto directo com doentes com elevado risco de infecção”; 75. - o motivo para a alteração do local de trabalho da trabalhadora: serviço de urgências para o local: serviço de medicina 2, teve como fundamento apenas uma optimização dos recursos humanos, nomeadamente a permuta entre duas assistentes operacionais com horário fixo que realizam o seu trabalho no serviço de urgência e no serviço de medicina 2, sugerida e operacionalizada pelo seu superior hierárquico, sr. BB, com o intuito de fazer face a uma ausência regular de outra trabalhadora no local de trabalho: serviço de medicina 2, uma vez que a autora, aqui recorrente, não tinha este tipo de ausências e não com base em motivos de maior proteção da trabalhadora, uma vez que, quer o seu chefe hierárquico, sr. BB, quer a responsável pelo serviço de medicina 2, sra. Enf.-Chefe CC, nunca tiveram conhecimento oficial da ficha de aptidão para o trabalho de 2023 da autora, pelo que estariam assim impossibilitados de proteger a trabalhadora de algo que desconheciam. Aliás, até pelos depoimentos dos mesmos se afere que não tinham pleno conhecimento da ficha de aptidão para o trabalho (FAT) da trabalhadora, aqui recorrente, pois mencionam apenas afastamento de doentes com COVID-19, enquanto a FAT claramente especifica “evicção de contato directo com doentes com elevado risco de infecção, nomeadamente suspeitos/confirmados COVID19”; 76. - a médica de medicina do trabalho, tendo alertado para as limitações constantes nas fichas de aptidão para o trabalho de 2022 e principalmente de 2023, e desde que cumpridas com essas recomendações aí constantes, não se opôs a qualquer alteração do local de trabalho da trabalhadora, pois também não é essa a sua função; 77. - na apresentação à trabalhadora do seu novo posto de trabalho, não lhe foi explicado como e quando deveria usar o equipamento de proteção individual, mas sim onde este se encontrava e que o poderia utilizar sempre que se sentisse com mais receio na abordagem com os diferentes utentes; 78. - a trabalhadora experimentou o novo local de trabalho ao longo de um mês, tendo de seguida entrado de baixa médica e efetuado um requerimento ao réu, para que fosse destinada a outro local de trabalho por sentir que este local de serviço de medicina 2, colocava em risco a sua saúde; 79. - ocorreu um episódio de contacto directo com o utente em isolamento protetor, conforme a sra. Enf.-Chefe CC refere no seu depoimento, uma vez que foi interpelada por outra assistente operacional mais velha, para ir resolver esta situação porque a trabalhadora, aqui apelante, se recusava ao contacto direto com o mesmo, com base na sua limitação constante na ficha de aptidão para o trabalho de 2023, sendo de concluir portanto, que nem as colegas nem a sua superiora do serviço, a enf. Chefe CC, sabiam que a recorrente deveria afastar-se do contacto direto com qualquer doente com elevado risco de infeção, como seja o que a própria relatou diretamente no tribunal. É lamentável e inadmissível que o réu, nem sequer tenha a preocupação de comunicar aos chefes de cada serviço, quais as limitações concretas dos seus subordinados para melhor os poder orientar e proteger, uma vez que nunca os informou oficialmente destas fichas de aptidão para o trabalho; 80. - ainda sobre o episódio com o utente em isolamento protetor, deve ser concluído que a trabalhadora foi discriminada no seu trabalho, pois foi-lhe recomendado expressamente pela sra. Enf.-Chefe CC, que neste tipo de casos, face ao seu receio (razoavelmente fundado, dizemos nós, com base na informação constante na ficha de aptidão para o trabalho de 2023, que a sra. Enfermeira desconhecia), poderia utilizar outro tipo de proteção individual que a própria não recomendou aos restantes trabalhadores; 81. - o requerimento da autora, ao réu, foi recepcionado em 5/04/2024, e durante 50 dias não houve qualquer resposta ao mesmo, quando a lei impõe um prazo de 10 dias, previsto no CPA, o que, de acordo com as regras da experiência comum edo normal acontecer, afigura-se de mediana clareza e evidência que já não o iria ser, uma vez que quando o pedido dá entrada nas instalações do réu, o contrato de trabalho da autora não se encontrava de forma alguma suspensa, como quer fazer crer o tribunal “a quo”, impondo-se assim uma resposta ao requerimento da autora, com base no princípio da decisão previsto no artigo 13º do CPA. Aliás, é também no seguimento desta “suposta suspensão do contrato de trabalho”, e afirmamos “suposta”, porque da mesma também não existe qualquer comunicação oficial, que o tribunal “a quo” entende que a trabalhadora deveria regressar ao seu posto de trabalho para “reativar” o contrato e só depois estaria em condições de receber uma resposta ao seu requerimento apresentado; 82. - a não resposta ao requerimento ocorreu por lapso do sr. eng. DD, conforme o próprio admitiu na sua comunicação interna, e consequentemente do réu, visto este ser seu funcionário, razão pela qual apenas o mesmo pode ser responsabilizado; 83. - com base na constatação da ausência de qualquer diálogo ou análise da situação entre os responsáveis pelos serviços e da alocação dos recursos humanos, a trabalhadora continuou a figurar no local de trabalho: serviço de medicina 2, nos mapas de distribuição de serviço de Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2023, ou seja, muito para além da data de resolução do seu contrato de trabalho - 25 de maio de 2023; concluindo-se também assim que existe falta de articulação entre os diversos serviços do réu, que, neste caso, prejudicou gravemente a sua trabalhadora; 84. - são utilizados outros meios de contacto para além do presencial, conforme relatado pelo sr. BB que tem a prática de contactar através do telefone com os seus subordinados, quando pretende substituir algum funcionário, e existem outros meios mais formais, como o email ou a carta registada com AR que são da obrigatoriedade de conhecimento de qualquer entidade pública; 85. - tendo aguardado um período temporal de 50 dias pela resposta, quando a lei obrigava a responder num período de 10 dias, permite formar, na recorrente, ou qualquer outra pessoa na mesma situação, a convicção de que o seu pedido foi completamente ignorado; 86. - à luz do entendimento do bom pai de família, torna-se inexigível a manutenção da relação laboral, por parte da autora, quando o réu, obriga a mesma a contrariar as recomendações/limitações constantes na sua ficha de aptidão para o trabalho; não dá conhecimento oficial das mesmas aos seus superiores hierárquicos, e que com base num episódio concreto em que a trabalhadora foi discriminada na sua proteção individual, e sentindo sua integridade física colocada em risco, entrou de baixa médica, altura em que aproveitou para expor a sua concreta situação mas foi completamente ignorada pelo réu, não seja motivo para justa causa de resolução do contrato de trabalho; 87. - concluindo em suma que a resolução do contrato de trabalho pela autora, por justa causa é lícita; 88. - E que caso assim não se entenda, deve ser concluído que face à divergência/explicação dos valores nos recibos de Junho e Agosto de 2023, que o montante apurado, caso seja procedente a reconvenção, deverá ser de 960,98€. Pelo exposto e com o douto suprimento de V.Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, decidindo que ocorreu justa causa”
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No tribunal da Relação foi cumprido o contraditório, ouvindo-se as partes, por se afigurar que a recorrente não cumpriu o ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto - 655º, 1, CPC.
Em resposta, a recorrida sustentou que aquela não cumpriu o ónus de impugnação especificada ao não identificar nas conclusões os concretos pontos de facto que impugna- 640º, 1, a), CPC. Referiu ainda que a recorrente juntou extemporaneamente diversa documentação com o recurso.
A autora recorrente referiu que cumpriu o ónus de impugnação, mormente no corpo das alegações onde identifica os pontos de factos que impugna.
Pela relatora foi proferido decisão de não conhecimento do objecto do recurso em razão do não cumprimento do ónus de impugnação especificada.
A autora apresentou reclamação, que foi convolada nos termos já referidos, a qual é agora decidida em conferência.
Na reclamação a autora renova os mesmos argumentos, defendendo que a identificação dos pontos de factos está feita, independentemente de o “local” não ser no “tópico” das conclusões e que, ademais, remeteu para as alegações. Questão a decidir no acórdão: saber se a recorrente cumpriu o ónus de impugnação especificada relativamente à identificação dos pontos de facto que impugna.
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I.I. FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS - os constantes do relatório
B) ADMISSIBILIDAE DO RECURSO
Seguimos de perto a fundamentação da decisão sumária, por não se terem alterados os seus pressupostos.
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Tendo o recurso por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente terá de observar os seguintes ónus mínimos: identificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova/registo de gravação que imponham decisão diversa, e a resposta alternativa sobre os pontos impugnados - 640º, CPC.
A especificação dos “ concretos pontos de facto que a parte considera incorretamente julgados” exige que o recorrente identifique clara e objectivamente quais os factos dos quais discorda, dentro dos provados e dos não provados referenciados na sentença. As partes costumam identificar os factos pela numeração seguida na sentença que impugnam e/ou pela sua transcrição. O que importa é que a parte aponte e o juiz identifique o/s facto/s impugnados, bem como a parte contrária.
Ora, a autora recorrente nas conclusões limita-se a considerações, feitas de forma corrida, numa amálgama, sem discriminar os factos impugnados.
Depois de ouvida pelo tribunal da Relação sustenta que este ónus está cumprido noutro “local”, por remissão para o corpo das alegações.
Ora, desde logo não é verdade que nas conclusões se tenha remetido para as alegações no que se refere à identificação dos pontos impugnados. Não há sequer esse esclarecimento. Há sim um “desfilar” de afirmações.
Depois, as conclusões têm de existir por si, desempenham um papel crucial de clareza e de síntese. A sua leitura tem de logo permitir aceder ao objecto do recurso e aos factos impugnados. Trata-se de responsabilizar a parte que tem de dizer ao que vem, de agilizar o processado, de tentar torna-lo perceptível para todos e mais célere.
A jurisprudência tem salientada à saciedade que se o ónus de identificação dos meios de prova e de decisão alternativa podem ser cumpridos no corpo das alegações, o mesmo não acontece quanto ao ónus de especificação dos concretos pontos de factos que se impugnam.
Este dever essencial tem de ser cumprido também nas conclusões, local de síntese e de destaque, que delimita o objecto do recurso e baliza o âmbito de conhecimento do tribunal- 640º, 1, al. a), 639º/1 e 635º, CPC.
Sobre este ónus de identificar os pontos de factos apontamos: Ac. STJ de 12-05-2016, p. 324/10.9TTALM.L1.S1: “II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.”; Ac. STJ de 7-07-2017, p. 220/13.8TTBCL.G1.S1: “ Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados”; Ac. STJ de 30-11-2023, p. 23356/17.1T8SNT.L2.S1 :“Não violou a lei de processo (art. 674º, nº1, alínea b) do CPC) o acórdão da Relação que rejeitou a impugnação da decisão da matéria de facto quando nas conclusões da apelação o recorrente não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados.”; Ac. RG de 2-05-2024, p. 5632/20.8T8BRG.G1 (“...tem vindo a constituir entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça que: 1) o Recorrente tem sempre que indicar os «concretos prontos de facto» que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”) ; Ac. RG de 2-05-2024, P. 5295/22.6T8BRG.G1 (“...em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.”), Ac. RG de 19-04-2018, p. 285/09.7TBPTB-B.G2:
“1. Em sede de impugnação da matéria de facto impende sobre o recorrente, além do mais, sob pena de imediata rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, o ónus de: a) especificar, nas conclusões, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que impugna;” todos em www.dgsi.pt. e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág 165 e ss.
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Este é, digamos assim, o patamar mínimo do ónus da especificação respeitante aos concretos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados. Se o recorrente não cumpre este dever não está delimitado o objecto do processo. Não se sabe o que a parte quer. Colocando a parte contrária e o tribunal de recurso em dificuldade relevante no acesso aos pontos de facto, potenciando a formação de dúvida e de erro. A indicação precisa nas conclusões dos pontos impugnados, sobre os quais se pretende pronúncia do tribunal ad quem, é também corolário do princípio do dispositivo e da autorresponsabilização das partes - ver também ac.s STJ 12-05-2016, revista 324/10.9TTALM.L1.S1, 31-05-2016, revista 1184/10.5TTMTS.P1.S1, 7-07-2016, revista 220/13.8TTBCL.G1.S1, 11/09/2019, revista 42/18.0T8SRQ.L1.S1, todos quanto a este dever essencial de identificação dos pontos de facto.
Repisa-se que a jurisprudência tem posto em patamares de exigência diferentes os três ónus de impugnação da decisão da matéria de facto previstos no nº 1, 640º, CPC (1º- identificar pontos de factos impugnados; 2º- identificar meios de prova que impõe decisão diferente, 3º-identificar a decisão alternativa que deve ser dada). Dessa apreciação jurisprudencial resulta que o ónus de identificação dos pontos de facto é o essencial, que deve constar das conclusões. Já os demais podem constar apenas das alegações- veja-se, além dos já citados, o acórdão de uniformização de jurisprudência do plenário do STJ nº 12/2023, publicado no DR nº 220/2023, série I, de 14-11-2023, que se pronunciou quanto à possibilidade de o ónus de decisão alternativa poder constar apenas das alegações.
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Dito isto, a recorrente, beneficiando de um generoso despacho de aperfeiçoamento perante a inexistência de conclusões (segundo a lei esta deficiência implica indeferimento imediato- 641º, 2, b, parte final, CPC), ainda assim, não aproveitou a oportunidade para apresentar a peça com os requisitos mínimos previstos na norma citada.
Bem assinala a recorrida quando refere que “ Sucede, porém, que nas conclusões, constantes dos pontos 74 a 88 da Motivação de recurso, a Recorrente não faz sequer alusão aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, como exige a alínea a), do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.”
Não é correcto dizer-se que no caso dos autos não fossem observados os princípios da proporcionalidade, adequação e razoabilidade, do primado da substância sobre a forma e do acesso ao direito, os quais nesta matéria habitualmente se convocam - 20º CRP.
Disso é comprovativo a sucessão de erros processuais a que assistimos e que, não obstante, foram sendo desvalorizados pelo tribunal, como é o caso, à cabeça, da inexistência de conclusões no recurso, que mereceu convite de aperfeiçoamento em vez de imediata rejeição do recurso. Este poderia ter sido aproveitado para evitar a repetição de novo vício processual e, não obstante, tudo permaneceu na mesma. As conclusões devem ser uma síntese, que contenha, não mais, mas também não menos, do que o exigido.
Ainda demonstrativo da prevalência do fundo sobre a forma, veja-se que, não obstante o uso errado de reclamação (643º CPC) como forma de reagir à decisão de não conhecimento do objecto do recurso, mesmo assim, o tribunal corrigiu o vício para possibilitar que, em colégio de três desembargadores, a questão fosse de novo apreciada.
Sucede que este princípio não é absoluto, colide com outros, que são sopesados.
Os princípios de equilíbrio suprarreferidos também se aferem pela dimensão do vício processual. No caso, não lidamos com uma simples incompletude, mas sim com um vazio total de enumeração nas conclusões dos factos concretos que se impugnam.
Sobre este ponto concreto e com alguma similitude com os autos, cita-se ainda a seguinte jurisprudência do STJ:
Ac. de 27-04-2023, proc. 4696/15.0T8BRG.G1.S1:
Sumário- “A não indicação nas conclusões das alegações do recurso de apelação dos concretos pontos da matéria de facto que se pretende impugnar permite a rejeição imediata do recurso nessa parte.”
Refere-se ainda na fundamentação:
“A Requerida, no requerimento de interposição de recurso de apelação, indicou os concretos pontos de facto que pretendia ver alterados, mas efetuou essa indicação no corpo das alegações e não nas suas conclusões, onde se limitou a efetuar uma referência genérica reveladora que tinha deduzido uma impugnação à decisão sobre a matéria de facto.... E essa identificação não pode ser efetuada apenas por uma simples e genérica remissão para o corpo das alegações, uma vez que ela não define, com certeza qual o âmbito do recurso interposto, não cumprindo os objetivos visados com a exigência da existência de conclusões nas alegações de recurso.”
I.I.I. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em manter a decisão de não se conhecer do objecto do recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
5-06-2025
Maria Leonor Barroso (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga Vera Sottomayor