I – É aplicável à relação jurídica estabelecida entre as partes com início em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023 o artigo 12.º-A, do CT, aditado pela mesma.
II – Resultando da matéria de facto provada que o estafeta não realizou qualquer entrega durante 324 dias, exerce a profissão de auxiliar de ação direta na Associação de Solidariedade Social de Abraveses, trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a atividade de estafeta para a ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma quando não está a exercer a mencionada profissão e tem disponibilidade e vontade para o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra a frequentar, impõe-se concluir que a Ré logrou provar que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar, pelo que, ilidiu a presunção de contrato de trabalho prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A do CT.
III – Recorrendo ao método indiciário, mesmo que se entenda que o estafeta está inserido na organização da Ré, tal não dispensa a verificação de obediência às ordens ou instruções quanto ao modo de execução da prestação, a sujeição a regras de conduta (artigo 11.º do CT – contrato de trabalho, no âmbito de organização e sob a autoridade).
(Sumário elaborado pela Relatora)
I – Relatório
O Ministério Público
intentou a presente ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho relativamente ao prestador AA, contra
Uber Eats Portugal, Unipessoal, Ldª, com sede em Lisboa
alegando, em síntese que:
Em 28 de abril de 2023, o estafeta inscreveu-se na plataforma da ré, a qual lhe disponibilizou a sua aplicação digital “Uber Eats”, aplicação necessária e imprescindível para o exercício daquela atividade; a Ré sempre exerceu o poder de direção, supervisão e fiscalização da forma de execução do trabalho do estafeta AA, mediante programação algorítmica; a Ré determinou-lhe que usasse um smart phone com ligação à internet, com geolocalização sempre ativa para controlo da sua localização e supervisionamento da sua atividade, que fizesse uso de uma mochila adequada para o transporte de alimentos, que fizesse registo/login diário do seu registo facial várias vezes, que se apresentasse bem e fosse educado com os utilizadores e que não se podia fazer substituir por outro estafeta; o vínculo existente entre AA e a Ré constitui um verdadeiro contrato de trabalho, conforme disposto no artigo 12.º-A, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), do CT.
Termina formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, consequentemente:
- ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho subordinado, por tempo indeterminado, entre a Ré e AA, com início em 28.04.2023.”
*
A Ré contestou alegando, em sinopse, que:
Não é aplicável a presunção estabelecida no artigo 12.º-A do CT; não foram enunciados factos nem provas que permitam a qualificação da Uber Eats como plataforma digital; o prestador exerce a sua atividade na plataforma Uber Eats através de um intermediário; não se verificam as características de contrato de trabalho elencadas no artigo 12.º-A, n.º 1, do CT; não existe subordinação jurídica do prestador de atividade em relação à Ré, devendo julgar-se o pedido do A. improcedente, por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, do CT.
Termina dizendo que:
“Termos em que:
i) se deverá absolver a Ré da instância, por procedência da exceção dilatória atípica derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público;
ii) subsidiariamente, se deverá julgar o pedido do Autor improcedente, por não provado; e
iii) subsidiariamente, se deverá julgar o pedido do Autor improcedente, por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.”
*
Foi deferido o incidente de intervenção provocada dos intermediários BB e A..., Lda. e que, citados, vieram contestar, terminando o seu articulado dizendo:
O primeiro:
“Requer (…) a exclusão do Réu incidental BB, do pedido, como todas as consequências legais.”
E a segunda:
“Nestes termos (…) deve a presenta acção ser JULGADA IMPROCEDENTE por NÃO PROVADA e, consequentemente, a chamada/Ré, ser ABSOLVIDA DO PEDIDO.
Subsidiariamente, deve-se julgar o pedido do Autor IMPROCEDENTE por NÃO PROVADA a presunção de existência de contrato de trabalho prevista nos artigos 12.º e 12.º-A, n.º 1 do Código do Trabalho.”
*
De seguida, foi proferido despacho saneador e julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e passiva e de prescrição arguidas pelo interveniente BB, bem como a exceção dilatória inominada de preterição do direito de pronúncia arguida pela Ré.
Foi identificado o objeto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova.
*
Procedeu-se a julgamento conforme consta da respetiva ata.
*
Foi, então, proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face de tudo o exposto, julgo improcedente a presenta acção e, em consequência, absolvo a ré e os intervenientes principais do pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho sem termo existente entre os mesmos e AA.”
*
O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
(…).
*
A Ré Uber Eats apresentou resposta concluindo que:
(…).
*
Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Questões a decidir:
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Questão prévia:
A Ré recorrida, na sua resposta, veio alegar que:
- A sentença do Tribunal a quo atribuiu à ação o valor de € 2.000,00, no entanto, atenta a parte inicial do artigo 186.º-Q, n.º 1, do CPT, resulta que o mesmo releva “[p]ara efeitos de pagamentos de custas (…)”, e não para a determinação do valor da causa.
- Nas ações de reconhecimento de existência de contrato de trabalho estamos perante uma ação de interesse público, de defesa da legalidade e do combate aos “falsos” contratos de prestação de serviços e recibos verdes.
- A sentença recorrida deveria ter atendido em especial ao artigo 303.º n.º 1 do CPC, que refere que, se estiverem em causa interesses imateriais, a ação considera-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação mais €0,01.
- Assim, deverá ser atribuída à ação o valor de € 30.000,01.
Vejamos:
A Ré recorrida não interpôs recurso da sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, nomeadamente, quanto ao valor fixado à ação.
Pelo exposto, tal decisão transitou em julgado, nada mais se impondo dizer.
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Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pelo Autor recorrente, quais sejam:
1ª – Reapreciação da matéria de facto.
2ª – Se é aplicável a presunção de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A do CT.
3ª – Se se verificam as características a que alude o n.º 2 do artigo 12.º-A do CT.
4ª – Se existe uma relação de trabalho subordinado entre o estafeta AA e a Ré Uber Eats.
*
*
III – Fundamentação
a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:
a) A ré é uma sociedade unipessoal por quotas que tem por objeto social a prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; Atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e 3 plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; Consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; Aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais;
b) A interveniente principal A..., Lda é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social o transporte de passageiros efetuado em veículos ligeiros, com capacidade até nove lugares incluindo o condutor, que também poderá ser efetuado em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica (TVDE). Atividades de animação turística, organização de viagens turísticas e atividades dos operadores turísticos. Organização, promoção e realização de eventos sociais, culturais e desportivos. Recolha, tratamento, transporte e entrega de mercadorias, efetuados por meio de motociclos ou veículos automóveis ligeiros com peso bruto até 2500kg, inclui entregas ao domicílio e serviços de estafetas. Aluguer de veículos automóveis ligeiros, motociclos e ciclomotores. Aluguer de bens recreativos e desportivos, nomeadamente, embarcações de recreio, cavalos de sela, bicicletas, esquis, cadeiras e chapéus de sol. Prestação de serviços e atividades de consultoria para os negócios e a gestão, a empresas e a particulares, nas áreas atrás referidas;
c) O interveniente principal BB é parceiro de frota da ré;
d) A ré disponibiliza serviços à distância através de plataforma digital, nomeadamente através do sítio da internet “https://www.ubereats.com/pt” e da sua aplicação informática (App) “Uber Eats”, que é uma aplicação online para pedidos e entregas de bens, alimentares e não alimentares, por todo o país, a pedido de utilizadores/consumidores, os quais constituem os seus clientes finais, detendo, por sua vez, os estabelecimentos comerciais aderentes a qualidade de parceiros da referida plataforma;
e) Para o exercício da atividade descrita em d) a ré recorre a “estafetas”, ou seja, a pessoas que recolhem os produtos alimentares, ou outros, nos estabelecimentos comerciais, nomeadamente de restauração, parceiros daquela plataforma digital e transportam e entregam os mesmos aos sobreditos utilizadores/consumidores;
f) Estafetas estes que não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma;
g) A aplicação App “Uber Eats” utilizada pelos estafetas pertence à Uber Portier B.V., com o NIPC ...24, com sede em ... - Países Baixos, sendo esta a titular da única quota que integra o capital social da ré;
h) No dia 31 de agosto de 2023, pelas 11h32m, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) levou a efeito uma ação inspetiva junto ao Centro Comercial denominado “...”, sito na Rua ..., em ..., encontrando-se AA no seu exterior;
i) Nessa ocasião AA tinha uma mochila térmica e um telefone móvel ligado à App “Uber Eats”, encontrando-se à espera que a plataforma referida em g) lhe distribuísse um pedido de modo a proceder à sua aceitação e posterior recolha junto do estabelecimento aderente e entrega ao cliente final;
j) AA encontra-se registado na plataforma da App Uber Eats desde o dia 18 de abril de 2023;
k) Tendo feito a primeira entrega, como estafeta, de um pedido distribuído pela plataforma mencionada em j) no dia 24 de maio de 2024;
l) Para ter acesso às propostas de entregas, através da App, AA fez o pedido de registo no website da ré, fornecendo o seu endereço de correio eletrónico e criando uma conta;
m) Através da App “Uber Eats”, AA recebe toda a informação relacionada com a oferta de serviços de entrega, remuneração a receber pela prestação do serviço, destinatário do produto e local de entrega;
n) Utilizando a App, AA consegue ver o histórico das entregas que fez por dia, semana e mês, e quanto irá receber pelos serviços prestados;
o) Com a adesão à App AA declarou consentir os termos apostos no documento denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”, cuja cópia se encontra junta a fls.27 a 31;
p) No documento referido em o) consta:
Princípios fundamentais:
“(…) Você trabalha e/ou presta serviços para uma empresa (não para a Uber Eats) para prestar Serviços de Entrega. A Uber Eats não está envolvida no acordo celebrado entre si e a empresa (“Empresa de Parceiro de Frota”). ✓ O presente Contrato do Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota rege o uso da App para a prestação de Serviços de Entrega. ✓ Se prestar o Seu consentimento ao presente Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, pode usar a App para ter acesso às propostas de Serviço de Entrega da Uber Eats. A não que tenha acordado em sentido diverso com a sua Empresa de Parceira de Frota, Você decide se, quando e onde usa a App, a Seu exclusivo critério. Você pode tomar esta decisão unilateralmente e em tempo real, através da seleção de um botão no Seu smartphone. Por uma questão de clareza a Uber Eats não submete o Parceiro de Entregas a uma obrigação de exclusividade connosco. ✓ Exceto se acordado em sentido diferente com a sua Empresa de Parceiro de Frota, Você decide se pretende ou não aceitar um pedido. O Parceiro de Entregas não está obrigado a usar a App ou a prestar Serviços de Entrega, incluindo no momento em que está ligado à App. O Parceiro de Entregas pode aceitar ou rejeitar qualquer pedido. ✓ Se o Parceiro de Entregasaceitar uma proposta, irá prestar o Serviço de Entrega a clientes para a sua Empresa de Parceiro de Frota, o qual é um prestador de serviços da Uber Eats. ✓ Por favor, leia este Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota atentamente. O Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota contém informação sobre a possibilidade de as partes modificarem ou terminarem o mesmo, sobre o modo de proceder se houver algum problema e outra informação importante, incluindo informação sobre seguros e responsabilidade. ✓ O Parceiro de Entregas tem o direito de terminar o presente contrato mediante notificação à Uber Eats, nos termos aqui descritos.
Partes:
“(…) Somos a Uber Eats Portugal, Unipessoal LDA (…) Em determinados casos, entidades relacionadas da Uber Eats (tal como a Uber B.V.) irão desempenhar funções relacionadas com o presente Contrato, na qualidade de parte autorizada pela Uber Eats. Uber Portier B.V. (…) é uma sociedade registada nos termos da lei dos Países Baixos e é parte do presente Contrato para permitir ao Parceiro de Entregas o acesso à App, de forma gratuita. O Parceiro de Entregas Independente é um trabalhador independente no negócio de Serviços de Entrega, que mantém actualmente uma relação contratual ou laboral com um Parceiro de Frota para prestar Serviços de Entrega (…)”.
Definições:
“(…) “Parceiro de Entregas Independente” refere-se a um trabalhador independente ou a um trabalhador do Parceiro de Frota que desenvolve a atividade de Serviços de Entrega que tenha celebrado desde Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota. "Identificação do Parceiro de Entregas Independente" refere-se aos dados de identificação e palavra-passe que permitem ao Parceiro de Entregas usar e aceder à App. "Serviços de Entrega" refere-se ao ato de entrega de comida ou outros itens que tenham sido pedidos pelos Clientes aos Comerciantes através da App Uber Eats. "Cliente" refere-se a qualquer indivíduo que tenha feito uma encomenda de refeição ou outros bens através da App Uber Eats. (…) “Empresa de Parceiro de Frota” refere-se a um empresário independente ou empresa no negócio da prestação de Serviços de Entrega com quem o Parceiro de Entregas mantém um vínculo contratual ou laboral para prestar os Serviços de Entrega. "Comerciante" refere-se a um negócio cujos produtos (comida ou outros bens) sejam disponibilizados para venda através da App Uber Eats. (…) “Meio de Transporte” refere-se a qualquer meio de transporte a ser usado para a prestação dos Serviços de Entrega. “Dados da Uber” refere-se a todos os dados relacionados com o acesso e utilização da App, incluindo todos os dados relacionados com os Utilizadores (incluindo a Informação do Utilizador) e todos os dados relacionados com a prestação dos Serviços de Entrega através a App e a Identificação dos Parceiros de Entregas Independentes. "Informação do Utilizador" refere-se a informação relativa a um Cliente ou Comerciante (em conjunto, “Utilizadores”) que seja disponibilizada ao Parceiro de Entregas relacionada com a proposta de Serviços de Entrega, que pode incluir local de recolha, local de entrega nome ou firma do Utilizador, informação de contacto do Utilizador, assinatura do Utilizador e fotografia do Utilizador, assim como quaisquer outros detalhes específicos dos itens a ser entregues. (…)“
Termos:
1. Geral
“(…) a. Como empresa tecnológica, a Uber Eats opera uma plataforma que liga com Comerciantes e Clientes, entre outras coisas. Podem ser solicitados serviços de entrega em consequência disso mesmo, serviços que ficam fora do âmbito do negócio e principais competências da Uber Eats. Ao assinar este Contrato, está a indicar-nos que tem capacidade para prestar Serviços de Entrega. b. A sua Empresa de Parceiro de Frota acordou separar os contratos para o Parceiro de Entregas e o Parceiro de Frotas acederem à App Uber Eats e prestarem Serviços de Entrega (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota” ou “Contrato”). c. Este Contrato rege a prestação da nossa tecnologia e serviços e a sua utilização dos mesmos para a prestação de Serviços de Entrega para a sua Empresa de Parceiro de Frota. d. Ao concordar com o Contrato, a Portier fornecer-lhe-á acesso à Uber Eats App ("App"), ao nosso software, websites e vários serviços de suporte. e. Ao utilizar a App, poderá receber propostas efetuadas por Clientes dos Comerciantes da Uber Eats para que possa prestar os Serviços de Entrega aos Clientes em nome da sua Empresa de Parceiro de Frota. f. Este Contrato rege exclusivamente o uso da App Uber Eats e não cobre a prestação de qualquer outro serviço através de aplicações de afiliados da Uber Eats (como o fornecimento de transporte de passageiros) (…)”
2. Serviços de entregas
“(…) Você pode aceitar uma proposta de Serviços de Entrega selecionando a opção de aceitar uma proposta na App. Pode também recusar uma proposta de Serviços de Entrega selecionando a cruz vermelha na proposta de Serviços de Entrega na App ou ignorar uma proposta de Serviços de Entrega. Para que fique claro, não há consequências caso recuse ou ignore proposta de Serviços de Entrega. (…)”
3. Estatuto
“(…). a. Este Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota não é um contrato de trabalho, ou uma cedência de trabalhadores, e não cria uma relação de trabalho entre si e nós ou qualquer afiliada da Uber Eats. Também não cria uma parceria legal, uma joint venture ou lhe dá a autoridade para nos vincular ou manter-se como nosso trabalhador, prestador de serviços, agente, parceiro legal ou representante autorizado.
b. Ao aceitar este Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Negócio o Parceiro de Entregas aceita que a Uber Eats não tem qualquer intervenção na relação contratual entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota. (…)”
4. Utilização da app
“(…) a. O Parceiro de Entregas aceita e compreende que: i. A Uber Eats não controla, nem direciona a sua utilização da App; ii. A Uber Eats e/ou a Portier não controlam, nem direcionam o Parceiro de Entregas e não podem ser consideradas como controlando ou direcionando o Parceiro de Entregas, inclusive em conexão com a sua prestação dos Serviços de Entrega, as suas ações ou omissões, ou a sua operação e manutenção do Seu Meio de Transporte.
b. Não obstante ser livre de acordar em sentido diverso com a sua Empresa de Parceiro de Frota, o Parceiro de Entregas aceita e reconhece que: i. O Parceiro de Entregas não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App. O Parceiro de Entregas pode iniciar sessão na App Parceiro de Entregas se, quando e onde pretender.
ii. O Parceiro de Entregas não está sujeito a nenhuma forma de avaliação e é totalmente livre na forma como executa as suas tarefas.
iii. O Parceiro de Entregas decide sozinho se, quando, onde e por quanto tempo pretende utilizar a App e quando aceitar, recusar ou ignorar qualquer proposta de Serviços de Entrega.
iv. O Parceiro de Entregas é totalmente livre de escolher se contrata ou não com ou outras empresas para prestar Serviços de Entrega, incluindo concorrentes da Uber Eats. Isto inclui fazê-lo ao mesmo tempo do que quando está a usar a App (conhecida como'multi-apping'). Também é totalmente livre de prestar Serviços de Entrega aos Seus próprios clientes e ter a sua própria base de clientes.
c. Se tal for exigido por questões de segurança pública, poderão existir restrições geográficas sobre onde pode receber propostas de Serviços de Entrega.
d. Quando estiver registado e online, as propostas de Serviços de Entrega podem aparecer na App.
e. O Parceiro de Entregas pode decidir livremente a taxa/preço mínimo por quilómetro dos Serviços de Entrega que lhe são propostos. Pode alterar esta tarifa/preço por quilómetro as vezes que desejar e a qualquer momento, sem comunicação prévia à Uber Eats ou autorização da Uber Eats, nos termos da cláusula 6.c. infra.
f. Se aceitar uma proposta de Serviços de Entrega, os Comerciantes e Clientes receberão informações sobre a sua identificação, incluindo o Seu primeiro nome, foto, localização e informações sobre o Seu Meio de Transporte, de acordo com a Cláusula 10 (Privacidade).
g. O Parceiro de Entregas da será responsável por escolher a forma mais eficaz e segura de chegar ao destino. Uma vez aceite uma proposta de Serviços de Entrega, ainda pode cancelar.
h. O Parceiro de Entregas é livre para escolher o sistema de GPS da sua preferência na App (entre Waze, Google Maps ou Uber GPS) ou usar qualquer outro sistema de GPS que não seja API integrado na App da Uber, ou não usar nenhum sistema de GPS. Tal permite que o Parceiro de Entregas escolha a sua rota livremente. Para que fique claro, não há consequências por escolher uma rota livremente.
i. Se o Parceiro de Entregas não desejar continuar a prestar Serviços de Entrega a um Comerciante e/ou Cliente, poderá bloqueá-los mediante pedido ao departamento de suporte da App para não receber mais propostas de Serviços de Entrega dos mesmos.
j. Reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à Uber Eats para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: (a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela Uber Eats enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de Serviços de Entrega. Além disso, a Uber Eats e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de proteção, segurança e técnicos. (…)”
5. As suas obrigações
“(…) a. Por forma a manter o acesso à App, deve (i) manter todas as licenças, permissões, autorizações alvarás ou outros títulos habilitantes, necessários para a prestação de Serviços de Entrega, e (ii) cumprir com todos os requisitos legais.
b. Adicionalmente a qualquer obrigação exigível à sua Empresa de Parceiro de Frota, Você aceita completar todos os passos para o processo de registo (incluindo a prestação de toda a documentação exigida e verificações de idoneidade, quando exigível) para poder aceder à App.
c. Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos, a Uber Eats reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o Seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes destes Contrato. Se a Uber Eats restringir o Seu acesso à App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato
d. Deve ter todos os equipamentos, ferramentas e outros materiais necessários (por conta própria ou por conta da Empresa de Parceiro de Frota).
e. Ao utilizar a App para prestar Serviços de Entregas, compromete-se a cumprir com todas as leis e regulamentos aplicáveis, assim como os costumes locais e as boas práticas, incluindo as relativas a segurança rodoviária e higiene, segurança alimentar e regulamentos de entrega de bebidas alcoólicas.
f. Quando opte por usar a App, fá-lo-á de boa fé, fará uma boa utilização e abster-se-á de tentar defraudar a Uber Eats, os Comerciantes, outros parceiros de entregas independentes e os Clientes.
g. Não lhe é exigida a utilização de roupa ou sacos com a marca da Uber Eats para prestar Serviços de Entrega. É livre para escolher o equipamento necessário para o Seu negócio, incluindo o uso de equipamentos de marcas concorrentes da Uber Eats, quando apropriado.
h. Deve apenas usar o Meio de Transporte identificado na sua conta. Para a prestação de Serviços de Entrega. O Meio de Transporte identificado deve ser adequado para utilização no âmbito da App (tal como determinado a cada momento). Quando aplicável, o Meio de Transporte identificado deve cumprir com a legislação aplicável do Território.
i. Deverá entregar-nos toda a informação por nós exigida (incluindo renovações) que demonstre a observância do exposto acima, antes e durante o período de utilização da App, de forma a permitir-nos rever qualquer um desses documentos a qualquer momento e de forma contínua.
j. Quaisquer taxas, impostos e contribuições à segurança social suportados em resultado da prestação de Serviços de Entrega serão da sua responsabilidade.
k. A Uber Eats compromete-se a reembolsar a sua Empresa de Parceiro de Frota de Portagens suportadas no decurso da prestação de Serviços de Entrega.
l. Deverá ter em vigor durante todo o período de utilização da App todas as apólices de seguro obrigatórias aplicáveis ao Meio de Transporte que usa durante o período de vigência deste Contrato, ou outros seguros legalmente exigidos, com o nível de cobertura exigido por lei.
m. Se aceitar uma proposta de Serviço de Entrega, ser-lhe-ão facultadas Informações do Utilizador ou instruções de Utilizador e informações dos Comerciantes ou instruções dos Comerciantes disponibilizados à Uber Eats através da App. Devido aos regulamentos em matéria de protecção de dados, compromete-se a não contactar qualquer Utilizador, ou por qualquer forma usar a informação relativa a qualquer Utilizador, para qualquer fim que não seja a prestação de Serviços de Entrega.
n. Vai receber uma identificação de Parceiro de Entregas que permite o acesso a e uso da App de acordo com este Contrato. Deve manter essa identificação de Parceiro de Entregas confidencial e não a partilhar com terceiros não autorizados. Deve notificar a Uber Eats de qualquer violação, divulgação ou uso indevido da sua identificação de Parceiro de Entregas ou da App.
o. O Parceiro de Entregas é livre para substituir a sua atividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este último realize serviços de entrega em Seu interesse e sob o Seu controlo e responsabilidade.
p. O Parceiro de Entregas cumprirá a lei aplicável em relação à sua situação fiscal e junto da Segurança Social. O Parceiro de Entregas é responsável por preencher e atualizar as suas informações fiscais.
q. O Parceiro de Entregas é responsável pelos Seus próprios impostos, inclusive em sua própria declaração de imposto sobre rendimentos.
r. Ao usar a App, deve cumprir este Contrato e todas as leis aplicáveis.
6. Taxa de entrega
“(…) a. Quaisquer pagamentos associados à prestação de Serviços de Entrega serão efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota.
b. O Parceiro de Entregas reconhece e aceita que nós não temos qualquer intervenção nos pagamentos que lhe sejam efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota, que são efectuados com base na relação contratual ou laboral existente entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota.
c. Independentemente do acima exposto, o Parceiro de Entregas pode determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo privado celebrado com a sua Empresa de Parceiro de Frota) determinar a sua taxa mínima por quilómetro, indicando na App o limite da taxa por quilómetro abaixo da qual o Parceiro de Entregas não deseja receber uma proposta de entrega Serviços (“Taxa Mínima por Quilómetro”). Ao indicar este limite, o Parceiro de Entregas receberá apenas propostas de Serviços de Entrega para as quais a taxa por quilómetro seja igual ou superior à Taxa Mínima por Quilómetro que o Parceiro de Entregas determinou.
d. Cada proposta de Serviços de Entrega apresentada ao Parceiro de Entregas na App incluirá uma tarifa proposta (incluindo IVA ou outro imposto sobre vendas), que em nenhum caso deve considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro.
e. A taxa por quilómetro será calculada dividindo o valor da Taxa de Entrega pelo número de quilómetros a serem percorridas desde o ponto de retirada do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de Serviços de Entrega, conforme determinado por serviços baseados em localização.
f. Caso (i) haja evidências comprovadas de que o Parceiro de Entregas cometeu fraude; (ii) o Parceiro de Entregas cancelou um pedido após este ter sido aceite e, portanto, o Serviço de Entrega não foi prestado, a Uber Eats tem o direito de reduzir a taxa de entrega. A decisão da Uber Eats de reduzir ou cancelar a Taxa de Entrega desta forma, deve ser exercida de maneira razoável e com base em razões objectivas (…)
7. Dispositivo
“(…) O Parceiro de Entregas deve usar o Seu próprio dispositivo para aceder à App. Sujeito às condições deste Contrato, a Portier concede uma licença pessoal, não exclusiva, intransmissível, revogável, sem a faculdade de sub-licenciar, para instalar a App no Seu dispositivo apenas para a finalidade de prestar os Serviços de Entrega. A Portier concede esta licença gratuitamente. Esta licença cessa com a resolução deste Contrato. Não pode partilhar o Seu dispositivo ou as credenciais da sua conta da Uber Eats com ninguém. (…)”
9. Acesso à App
“(…) a. O Parceiro de Entregas não tem qualquer obrigação de usar a App. Se optar por parar de usar a aplicação pode fazê-lo sem necessidade de nos notificar.
b. No caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. Podem existir circunstâncias em que não lhe poderemos facultar informação sobre denúncias no decurso de uma investigação (quer seja uma investigação nossa ou de terceiros, como as autoridades policiais).
13. Seguros
“(…) a. Antes de iniciar e durante a relação comercial com a Uber Eats, o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota comprometem-se a obter e manter em vigor uma apólice de seguro obrigatório para a prestação dos Serviços de Entrega no Território.
b. Dependendo do Meio de Transporte por si escolhido, os seguros obrigatórios incluem um seguro automóvel contra riscos de danos corporais e materiais, próprios e de terceiros, em níveis de cobertura que satisfazem os requisitos mínimos para operar o veículo automóvel usado na prestação de Serviços de Entrega na via pública do Território.
c. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota aceitam fornecer uma cópia da apólice de seguro, declarações do seguro, vinheta do seguro, e prova de pagamento do prémio de seguro sempre que solicitado. Adicionalmente, deve avisar a Uber Eats, com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias, do cancelamento de qualquer apólice de seguro exigida pela Uber Eats. Nos termos exigidos pela Lei Portuguesa, deve ser a pessoa nomeada na apólice ou o condutor designado, em relação ao qual o prémio é cobrado, em qualquer apólice por nós exigida e a todo o tempo.
d. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota aceitam manter, durante toda a vigência deste Contrato, seguro obrigatório de acidentes profissionais, nos termos exigidos pela lei do Território. Na medida em que o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota cumpram com a legislação aplicável em matéria de Segurança Social, Você estará protegido contra doenças profissionais. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem também, quando permitido por lei, optar por segurar-se contra acidentes pessoais. Adicionalmente, se permitido por lei, o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem decidir não fazer seguro contra acidentes profissionais ou pessoais, mas nesse caso fá-lo-ão por sua conta e risco.
e. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota compreendem e aceitam que o Seu seguro veículo pode não cobrir de forma completa os riscos de colisão, despesas médicas, danos próprios ou de terceiros, danos contra pessoas não seguradas ou outras coberturas relevantes para a prestação dos Serviços de Entrega prestados nos termos deste Contrato. Se tem dúvidas ou alguma preocupação relativa ao âmbito ou aplicabilidade da sua apólice de Seguro, é sua responsabilidade, e não da Uber Eats, esclarecer essas dúvidas junto da sua companhia de seguros.
f. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem também optar, se permitido por lei, segurar-se contra risco de responsabilidade civil por danos causados à Uber Eats, Comerciante ou Clientes na prestação de Serviços de Entrega. Adicionalmente, se permitido por lei, o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem não optar por não se segurar contra os riscos de responsabilidade civil, mas nesse caso fá-lo-ão por sua conta e risco.
g. A Uber Eats mantém um seguro relacionado com a prestação de Serviços de Entrega pelo Parceiro de Entregas, tal como venha a determinar em Seu próprio juízo razoável. Caso a Uber Eats venha a contratar um seguro relativo à sua prestação de Serviços de Entrega, a Uber Eats pode alterar os termos, ou cancelar, essa apólice, por sua única e exclusiva determinação e a qualquer momento. Se a Uber Eats adquirir um seguro relacionado com a prestação de Serviços de Entrega por parte do Parceiro de Entregas e este desejar receber tal seguro, deverá cumprir os termos e condições aplicáveis ao mesmo.
Se a Uber Eats adquirir um seguro em conexão com a sua prestação de Serviços de Entrega, a Uber Eats, a Porter e/ou as suas afiliadas não serão responsáveis, seja de que forma for, se o seguro recusar pagar por qualquer perda (…);
q) No momento do pedido de registo referido em l) a app questionou AA sobre se pretendia exercer as funções de estafeta diretamente para a ré ou através de um parceiro de frota;
r) Confrontado com a questão mencionada em q) AA declarou optar por exercer tais funções através de um parceiro de frota;
s) O que fez pela circunstância de o registo na plataforma da ré ser mais rápido e fácil com a intervenção de um parceiro de frota;
t) E de, na ocasião, entender ser mais vantajoso para si em termos fiscais;
u) Indicando à ré no momento do registo, por sua iniciativa e sem qualquer influência da ré, o interveniente principal BB como parceiro de frota;
v) AA desempenha as funções de estafeta na recolha e entrega de refeições na zona de ..., por si escolhida livremente no momento do registo mencionado em l);
w) AA pode decidir o local onde presta a sua atividade, desde que se trate de uma zona coberta pela App, sendo livre de alterar a sua zona de atividade, não estando tal alteração dependente de aceitação da ré;
x) AA é quem escolhe o local onde deve estar para receber propostas de entregas;
y) AA pode bloquear comerciantes ou clientes com quem não deseje contactar;
z) AA pode recusar, sem qualquer penalização, uma oferta de entrega sugerida pela App “Uber Eats”;
aa) Para ter acesso às ofertas de entregas disponibilizadas pela ré AA necessita ter a App “Uber Eats” instalada no seu smartphone;
bb)E de ter a sua geolocalização ativa;
cc) Ao estafeta apenas são atribuídos pedidos se tiver a sua geolocalização ativa;
dd)Permitindo tal geolocalização informar os comerciantes e os clientes da localização do estafeta, indicando o tempo previsto para a recolha e para a entrega;
ee) Sendo a proximidade do estafeta ao ponto de recolha um dos critérios utilizados no momento de atribuição do pedido por parte da plataforma;
ff) A ré gere a App, a qual permite a ligação entre comerciantes (os que fornecem bens e serviços) e clientes (os que adquirem esses bens e serviços), através de serviços de entregas das mercadorias, assegurados por estafetas, sendo tais serviços de entrega geridos e organizados pela ré, designadamente quanto à indicação de locais de recolha e entrega de mercadorias, recebendo em contrapartida os estafetas um valor por cada entrega;
gg)AA é quem decide se trabalha num dia em concreto, ou se fica inativo por alguns períodos e desenvolve a sua atividade em horários que o próprio define, bastando para o efeito colocar-se online na App nos períodos respetivos, sem que esteja sujeito a horários pré-estabelecidos ou a turnos, nem a indicação prévia à ré dos seus horários;
hh)Sendo que AA exerce a profissão de auxiliar de ação direta na Associação de Solidariedade Social de ...;
ii) Trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m;
jj) O que sucedia já na data mencionada em j);
kk)Mais frequentando atualmente o ensino superior;
ll) Dedicando-se à atividade de estafeta, fazendo entregas da ré e de outras plataformas, quando não está a exercer a profissão mencionada em hh), nem se encontra ocupado em atividades letivas, e tem disponibilidade e vontade para o efeito;
mm) Mesmo que o estafeta permaneça meses seguidos sem ligação à plataforma, a sua conta continuará ativa;
nn)E no momento em que voltar a ligar-se à plataforma não sofrerá qualquer penalização;
oo)Tendo no período de um ano AA permanecido 324 dias sem realizar qualquer entrega de pedidos distribuídos pela plataforma Uber Eats, sem que tenha sofrido qualquer penalização no momento em que decidiu voltar a fazer entregas;
pp)Os valores de referência a serem utilizados para o cálculo da contrapartida a pagar a AA pelos serviços de entrega estão pré-estabelecidos na App, mas aquele pode definir o valor da taxa mínima por quilómetro a partir da qual aceita fazer o transporte;
qq) AA recebe uma quantia variável por cada entrega e o valor a receber não depende do tempo de demora na sua realização ou do tempo de ligação à App;
rr) Na sequência o mencionado em r) a u) a ré pagou ao interveniente principal BB o valor que AA tinha a receber por cada entrega por ele feita;
ss) Após o que o interveniente principal BB o entregava, depois de descontar o equivalente a 13%, a AA;
tt) Limitando-se o interveniente principal a efetuar o pagamento a AA nos termos mencionados em rr) e ss);
uu)Nenhuma outra relação mantendo com a atividade de estafeta por ele exercida;
vv)Não lhe tendo entregue quaisquer equipamentos para que pudesse exercer a atividade de estafeta, nem lhe dando quaisquer instruções sobre a forma como devia exercer tal atividade;
ww) Pela circunstância de considerar ser alta a percentagem mencionada em ss) AA decidiu, por sua iniciativa e sem qualquer intervenção da ré, mudar o parceiro de frota;
xx)Na sequência de tal opção, deixou, em data não concretamente apurada, mas poucos dias antes do dia 28 de outubro de 2023, de estar associado à frota do interveniente principal BB;
yy)Tendo entre os dias 28 de outubro de 2023 e 15 de novembro de 2023 prestado a atividade de estafeta associado à frota da sociedade B... Unipessoal, Lda;
zz) E no dia 15 de novembro de 2023 associou-se à interveniente principal A..., Lda, parceira de frota da ré;
aaa) Tendo procedido da forma mencionada em ww) a zz) sem pedir qualquer autorização ao interveniente principal BB;
bbb) E sem ter que lhe comunicar com qualquer antecedência;
ccc)Na sequência do mencionado em zz) AA celebrou com a interveniente principal A..., Lda um acordo denominado “contrato de prestação de serviços”, em que intervieram a interveniente principal como primeira contratante e AA como segundo contratante, cuja cópia se encontra junta a fls.375-A e 376;
ddd) Constando do acordo referido em ccc):
Cláusula Primeira
1.º O segundo contratante, na sua qualidade de condutor, obriga-se a prestar à primeira contratante serviços de estafeta, de forma independente e autónoma, no âmbito e nos termos do Regime Jurídico a partir de plataforma eletrónica.
2.º O segundo contratante compromete-se a realizar os serviços que lhe forem confiados com a maior seriedade, rigor e prontidão, com vista à prossecução dos objetivos visados pela primeira contratante.
Cláusula Segunda
1.º A primeira contratante repassará ao segundo contratante a quantia mensalmente referente ao facturamento de acordo com o registo das plataformas eletrónicas, deduzindo os custos e despesas incorridas pela primeira outorgante e todos os encargos relativos.
2.º O segundo contratante obriga-se a emitir fatura/recibo e entregá-lo à primeira contratante;
Cláusula Terceira
1.º O segundo contratante obriga-se a manter confidencial, durante e após o termo do presente contrato, toda a informação de que em qualquer momento tenha conhecimento relativamente a qualquer documentação ou informação inerente à atividade e trabalhos desenvolvidos pela primeira contratante, incluindo a informação que lhe chegue ao conhecimento durante o período anterior ou posterior à presente data no âmbito dos serviços a cuja prestação se obriga nos termos do presente contrato.
2.º O segundo contratante obriga-se igualmente, durante e após o termo do presente contrato, a não revelar a terceiros e a manter confidencial toda a informação e conhecimento adquiridos junto da primeira contratante, dos clientes, ou potenciais clientes, seja no que se refere ao funcionamento interno, organização, atividade ou outro aspeto relacionado com a atividade da primeira contratante.
3.º Por informação confidencial considera-se, designadamente todas as informações, documentação, conhecimento reservado ou privilegiado (não público) sobre atividades comerciais ou de prestação de serviços, conhecimentos técnicos, know-how e identificação dos clientes da primeira contratante.
Cláusula Quarta
A violação de qualquer das obrigações previstas na cláusula anterior por parte do segundo contratante constitui fundamento para a resolução imediata do presente contrato, sem necessidade de cumprimento de qualquer aviso prévio, conferindo à primeira contratante o direito de reclamar uma indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, nos termos gerais.
Cláusula Quinta
Os serviços prestados pelo segundo contratante serão realizados sem qualquer subordinação jurídica à primeira contratante. A quem apenas interessa o resultado do trabalho daquele, pelo que o segundo contratante possuirá plena autonomia e independência técnica na execução do seu trabalho, prestando os serviços objeto do presente contrato segundo a sua experiência e conhecimentos próprios.
Cláusula Sexta
1.º O presente contrato tem início no dia xxx e termina dia xxx, com duração de 1 ano.
2.º Sem prejuízo do previsto no número anterior, as partes podem acordar quanto à extensão do prazo vigência do presente contrato (acordo esse que deverá em qualquer caso ser formalizado por escrito);
3.º O presente contrato poderá ser denunciado por qualquer das partes a todo o tempo, mediante comunicação escrita enviada à outra parte contratante com a antecedência mínima de 30 dias relativamente à data de produção dos respetivos efeitos;
4.º O exercício da faculdade prevista no número anterior não confere direito a qualquer indemnização.
5.º No caso de uma das partes não cumprir, total ou parcialmente o prazo de aviso prévio estabelecido no número 3 da presente cláusula, fica obrigada a pagar à outra parte uma indemnização de valor igual a um mês de faturação, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados em virtudes da inobservância do prazo de aviso prévio.
Cláusula Sétima
O incumprimento por qualquer das partes das obrigações por si assumidas por força do presente contrato conferem à outra parte o direito de o resolver mediante comunicação escrita dirigida à parte faltosa, a qual será responsável perante a parte não faltosa pelos prejuízos a esta causados em virtude de tal incumprimento.
Cláusula Oitava
1.º Cumpre ao segundo contratante enquanto trabalhador independente a observância das respetivas obrigações sociais, bem como emissão de documentos e pagamentos de contribuições e/ou impostos em sede de Segurança Social, e fiscais em sede de IRS e de IVA e quaisquer outros taxas ou tributos.
2.º O segundo contratante deverá subscrever seguro de acidentes de trabalho de profissional liberal, nos termos da lei.
A primeira contratante poderá a qualquer tempo exigir do segundo contratante prova do cumprimento das obrigações estabelecidas nos números anteriores.
eee) Na execução do acordo mencionado em ccc) e ddd) a ré paga à interveniente principal A..., Lda o valor que AA tem a receber por cada entrega que faça;
fff) Após o que a interveniente principal o entrega, depois de descontar o equivalente a 10%, a AA;
ggg) Limitando-se a interveniente principal a efetuar o pagamento a AA nos termos mencionados em eee) e fff) e a cumprir as obrigações fiscais decorrente da sua atividade;
hhh) Nenhuma outra relação mantendo com a atividade de estafeta por ele exercida;
iii) Não lhe entregando quaisquer equipamentos para que possa exercer a atividade de estafeta, nem lhe dando quaisquer instruções sobre a forma como deve exercer tal atividade;
jjj) Os estafetas têm acesso na App às propostas de entrega por valores inferiores ao montante de taxa mínima por quilómetro que definiram, podendo decidir aceitá-las ou rejeitá-las, sem que da rejeição resulte para si qualquer penalização;
kkk) AA pode realizar, como realizou, simultaneamente, entregas disponibilizadas por plataformas geridas por outras entidades que não a ré, ou efetuar entregas diretamente por sua conta, sem que necessite de disso dar conta à ré;
lll) Os contactos telefónicos entre estafetas e clientes da ré que se justificam pelos serviços de entrega, nomeadamente se não conseguem localizar o endereço de entrega, são assegurados através da plataforma gerida pela ré;
mmm) A App permite o acompanhamento do trajeto desenvolvido pelos estafetas entre os locais de recolha e de entrega, quer pela ré, quer pelo cliente;
nnn) Os estafetas são livres de escolherem as suas rotas para realizarem as entregas;
ooo) A App “Uber Eats” dispõe de um sistema integrado de navegação que pode não ser utilizado pelo estafeta, se este preferir usar outro sistema de navegação (v.g. Google Maps/Waze/sistema de navegação próprio do veículo), ou se não necessitar dessa ajuda.
ppp) O GPS permite:
- apresentar propostas de entrega aos estafetas que estão mais bem posicionados para recolher as encomendas e entregá-las no melhor tempo possível;
- ajudar os estafetas a encontrar a rota mais eficiente até ao ponto de entrega;
- que os clientes consultem onde se encontram as suas encomendas e possam prever o tempo de entrega;
qqq) Não existem penalizações pelo modo como os estafetas realizam as suas entregas;
rrr) Os estafetas é que escolhem a roupa com que se apresentam nas entregas;
sss) A ré não faz uso do “feedback” dados pelos clientes e pelos restaurantes para efeito de avaliação de performance dos estafetas;
ttt) Limitando-se a reagir no sentido de verificar a identidade do estafeta apenas nos casos em que os clientes reportem que o mesmo não corresponde à fotografia de perfil;
uuu) Com o objetivo de evitar a partilha de contas e de garantir a segurança dos seus clientes;
vvv) A imposição de utilização de mochila por parte dos estafetas, que não é necessário dispor do logotipo da ré, deve-se à necessidade de serem adotadas boas práticas de higiene e de segurança alimentar, para além de permitirem que o estafeta possa transportar os produtos no veículo por si utilizado, que poderá ser uma bicicleta ou uma mota;
www) Para validar o seu registo na App e incluir os estafetas na oferta de entregas, a ré não efetua um escrutínio sobre a sua experiência e qualificações académicas, ou ausência delas, bem como sobre as características pessoais e técnicas dos estafetas;
xxx) Mas impõe aos estafetas a obrigação de efetuar o reconhecimento facial sempre que tal for solicitado, de forma automática e aleatória, pela plataforma, o que por vezes ocorre mais do que uma vez no mesmo dia;
yyy) Procedendo a ré da forma referida em xxx) por questões de segurança dos seus próprios clientes e para evitar partilha não permitida de contas;
zzz) A ré não efetua avaliação da qualidade da atividade desenvolvida pelos estafetas;
aaaa) Os estafetas podem substituir-se por outra pessoa na realização de entregas, desde que o terceiro tenha conta activa na App “Uber Eats” como Parceiro de Entrega Independente;
bbbb) E podem proceder na aplicação Uber Eats à mudança do local onde exercem a sua atividade;
cccc) Não estando tal mudança condicionada à autorização da ré;
dddd) Limitando-se a ré a operacionalizar em termos informáticos tal alteração;
eeee) Para realizar as suas entregas AA utiliza o seu veículo motociclo, o seu telemóvel e uma mochila que adquiriu;
ffff) O registo na plataforma da ré impôs que AA identificasse o veículo com qual pretendia fazer entregas e que enviasse cópia dos documentos a ele respeitantes;
gggg) É a ré quem negoceia os preços e as condições com os titulares dos estabelecimentos comerciais parceiros e fixa o preço do produto/serviço ao cliente final;
hhhh) O estafeta tem um “sistema de reputação” associado ao seu perfil na plataforma digital, atualizado periodicamente à medida que aquele vai cumprindo um determinado número de pedidos de entrega, que pode ser por ele utilizado de forma facultativa;
iiii) Este sistema, denominado pela ré por Uber Eats Pro é composto por pontos alcançados que integram uma classificação do estafeta por ordem crescente de reputação, de “Green” (base), “Gold” (quando acumula 480 pontos), “Platinum” (quando acumula 840 pontos) e “Diamond” (quando acumula 1200 pontos);
jjjj) Quanto mais alta for a reputação do estafeta, mais benefícios lhe são concedidos por parte da ré, benefícios esses que se traduzem na subscrição de seguros de acidentes de trabalho, sendo o titular da apólice a ré, desconto na aquisição de vestuário, equipamentos, ou instrumentos de trabalho em estabelecimentos comerciais associados da ré e desconto por cada litro de combustível abastecido na empresa “C...”.
Factos não provados:
1 - AA desempenha as funções de estafeta mediante utilização da plataforma Uber Eats desde o dia 28 de abril de 2023;
2 - A ré controla a execução do trabalho dos estafetas mediante determinação de objetivos, controlando o seu desempenho individual;
3 - A plataforma da ré estabelece requisitos mínimos de desempenho, garantindo o cumprimento do código de conduta imposto aos estafetas, sendo estes constantemente avaliados e supervisionados pela ré;
4 - Sancionando-os de acordo com a avaliação que faz do seu desempenho;
5 - A área de atuação de AA é determinada pela plataforma digital;
6 - Por vezes a ré solicita a visualização do veículo conduzido pelos estafetas;
7 - A ré impõe como condição necessária para o exercício da atividade de estafeta a boa apresentação e educação destes com os clientes;
8 - A ré sempre controlou e supervisionou a atividade de estafeta exercida por AA através do sistema de geolocalização existente na sua aplicação (APP) Uber Eats;
9 - O que faz de forma permanente enquanto o mesmo se encontra no exercício de tal atividade;
10 - AA tem instruções para ativar a função “permitir sempre a localização”;
11 - A ré sempre pagou a AA uma remuneração que unilateralmente fixou no mínimo de €1,20;
12 - Sendo-lhe paga semanalmente pela ré através transferência bancária;
13 - As ofertas de entrega que AA recebe na App já vêm com uma retribuição fixa.
“Fundamentação de facto
(…)”.
*
*
b) - Discussão
Apreciando as questões suscitadas pelo Autor recorrente:
1ª questão
Reapreciação da matéria de facto.
Conforme resulta do disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:
<<1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.
Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do C.P.C..
Lidas as alegações, constatamos que o recorrente indicou os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios que impunham decisão diversa, ou seja, o documento e os depoimentos das testemunhas que identifica, com indicação das passagens da gravação em que se funda e, ainda, a decisão que, no seu entender devia ter sido proferida.
Assim sendo, o recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia e este Tribunal pode proceder à reapreciação da prova.
Ouvimos os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento e analisámos os documentos juntos aos autos.
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente seguindo as suas alegações.
Alega o recorrente que:
- Da matéria de facto considerada como provada resulta da alínea K) do ponto III que o estafeta fez “a primeira entrega, como estafeta, de um pedido distribuído pela plataforma mencionada em j) no dia 24 de maio de 2024”.
- De acordo como doc. 7 junto pela Ré aquando da resposta enviada à ACT resulta que a primeira entrega do estafeta AA foi concretizada em 24 de maio de 2023.
Consta da alínea K da matéria de facto provada que:
K) Tendo feito a primeira entrega, como estafeta, de um pedido distribuído pela plataforma mencionada em j) no dia 24 de maio de 2024.
Ora, lendo a fundamentação de facto da sentença recorrida facilmente se conclui que se trata de um lapso de escrita a referência ao ano de 2024, pois daquela consta e com referência ao documento junto a fls. 78 a 134, que o estafeta realizou no dia 24/05/2023 a primeira entrega de um pedido que lhe foi distribuído pela plataforma da Ré.
Assim sendo, a alínea K) da matéria de facto provada passa a ter seguinte redação:
K) Tendo feito a primeira entrega, como estafeta, de um pedido distribuído pela plataforma mencionada em j) no dia 24 de maio de 2023.
Mais alega o recorrente que:
- Da matéria de facto dada como provada, designadamente da alínea w) resulta que foi considerado provado que: AA pode decidir o local onde presta a sua atividade, desde que se trate de uma zona coberta pela App, sendo livre de alterar a sua zona de atividade, não estando tal alteração dependente de aceitação da ré.
– Contudo da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não era possível considerar provado que o estafeta é livre para alterar a sua zona de atividade.
– Deveriam ter sido considerados provados os factos que constam como não provados sob os números 2, 3, 5, 8, 11 e 13.
É a seguinte a matéria de facto provada e não provada descrita nos pontos em análise:
Provada
w) AA pode decidir o local onde presta a sua atividade, desde que se trate de uma zona coberta pela App, sendo livre de alterar a sua zona de atividade, não estando tal alteração dependente de aceitação da ré;
Não provada
2 - A ré controla a execução do trabalho dos estafetas mediante determinação de objetivos, controlando o seu desempenho individual;
3 - A plataforma da ré estabelece requisitos mínimos de desempenho, garantindo o cumprimento do código de conduta imposto aos estafetas, sendo estes constantemente avaliados e supervisionados pela ré;
5 - A área de atuação de CC é determinada pela plataforma digital;
8 - A ré sempre controlou e supervisionou a atividade de estafeta exercida por AA através do sistema de geolocalização existente na sua aplicação (APP) Uber Eats;
11 - A ré sempre pagou a AA uma remuneração que unilateralmente fixou de € 1,20;
13 - As ofertas de entrega que AA recebe na App já vêm com uma retribuição fixa.
Pois bem, tendo em conta a prova produzida, desde já avançamos que acompanhamos a fundamentação da decisão de facto supratranscrita.
Na verdade, o estafeta AA disse que optou pela zona de ..., escolhe o local onde pretende estar para receber propostas de entrega, não lhe sendo pedido que se encontre em determinado local, recebe pedidos mesmo quando está em casa e que muitas vezes se desloca para locais onde existem restaurantes para receber mais pedidos.
Por outro lado, a testemunha DD referiu que a escolha do local onde presta a atividade é efetuada de forma livre pelo estafeta e que a todo o tempo pode alterar o mesmo bastando para tanto proceder a tal alteração no campo existente na plataforma, alteração que não necessita de aprovação da Ré, sendo um processo meramente operacional da própria plataforma.
Assim sendo, foi feita prova bastante e credível de que o estafeta AA pode decidir o local onde presta a sua atividade, dentro da zona coberta pela APP, sendo livre de alterar a sua zona de atividade mediante comunicação de alteração ao suporte da APP da Ré.
Desta forma a matéria descrita na alínea w) passa a ter a seguinte redação:
w) AA pode decidir o local onde presta a sua atividade, desde que se trate de uma zona coberta pela App, sendo livre de alterar a sua zona de atividade mediante comunicação de alteração ao suporte da APP da Ré.
(…).
2ª questão
Se é aplicável a presunção de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A do CT.
Alega o recorrente que é aplicável o disposto no artigo 12.º-A, do CT à relação estabelecida entre o estafeta e Ré.
Por outro lado, na sentença recorrida decidiu-se pela não aplicação do mesmo normativo.
Apreciando a pretensão do recorrente:
Por força da Lei n.º 13/2023, de 03/04, foi aditado ao Código do Trabalho o artigo 12.º-A que, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital”, estabelece:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. (…)>>
No entanto, por força do disposto no artigo 35.º da citada Lei n.º 13/2023 (aplicação no tempo), <<ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento.>>
A propósito da aplicação da citada lei no tempo decidiu o STJ, no acórdão de 15/05/2025, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:
<<7. Sobre a aplicação das leis no tempo há a considerar, desde logo, os princípios gerais constantes do art. 12º do Código Civil, que tem o seguinte teor: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor” 4.
Especificamente sobre a matéria ora em discussão no recurso, atinente à aplicação no tempo do art. 12.º-A, do CT, rege o art. 35º da referida Lei n.º 13/2023: “Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento”.
No essencial, esta disposição legal encontra-se alinhada com o disposto no art. 7º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, relativo à aplicação no tempo do Código do Trabalho de 2009 [“Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho (…) celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”], afigurando-se-nos que aos segmento finais destas duas norma, pese embora a diferente técnica legislativa (onde agora se diz “… anteriores àquele momento”, dizia-se antes “… totalmente passados anteriormente àquele momento”), deverá ser atribuído o mesmo sentido.
8. Incontornavelmente, sobre esta matéria, refere Joana Nunes Vicente5:
“[A] norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado”.
Na verdade, in casu não estão em discussão as condições de validade das relações jurídicas estabelecidas entre as partes, nem, sequer, os efeitos jurídicos de factos/situações (totalmente) anteriores à entrada em vigor da lei nova.
Do que se trata é – relativamente a cada um dos autores – de determinar as regras em função das quais se afere a qualificação jurídica de dada situação (jurídica), traduzida na prestação duradoura de uma atividade produtiva, situação que, no tocante a todos eles, perdurou para além do momento da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023.
Nesta perspetiva, sobre a aplicação no tempo das normas relativas às presunções legais, Baptista Machado sustenta que, em geral, “elas se aplicam diretamente aos atos ou aos factos aos quais vai ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem esses factos ou atos (…) com ressalva apenas daquelas hipóteses em que uma presunção legal (…) se refira aos pressupostos de uma SJ [situação jurídica] inteiramente nova (…)”6.
Deste modo, encontrando-se em causa relações jurídicas duradouras (como acontece nas situações reportadas nos autos), nada obsta, e tudo aconselha, a que aos diferentes factos praticados em execução do conjunto de cada programa contratual sejam aplicáveis as normas concernentes a presunções de laboralidade que estejam em vigor à data da respetiva produção.
Com efeito, se com a presunção de laboralidade apenas se visa facilitar a qualificação jurídica das situações de fronteira entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado, e sabido que com ela não se produz qualquer alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, mas (com base em imperativos de verdade/justiça material e de combate à dissimulação do contrato de trabalho e à precariedade) o mero aligeiramento do ónus que sobre o trabalhador impende neste âmbito7, não se vislumbram quaisquer razões de segurança/estabilidade jurídica – e muito menos de salvaguarda de eventuais direitos adquiridos ou de proteção da confiança – que determinantemente imponham diversa solução.
Nas palavras de Monteiro Fernandes, “afigura-se difícil aceitar que um instrumento destinado a potenciar as probabilidades de [a] verdade material ser captada e juridicamente enquadrada possa constituir fator de desequilíbrio no desenvolvimento de qualquer litígio em que essa qualificação esteja em causa”8.
É certo que, nesta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça tem limitado a aplicação da lei nova aos casos em que, após o início da sua vigência, o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se vai reconfigurando ao longo do tempo9.
Mas, no plano da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se vê que ao autor seja de exigir prova positiva dessa reconfiguração, em especial em casos – como paradigmaticamente acontece nas plataformas digitais – em que, pelas próprias especificidades inerentes à atividade prestada, esta tem naturalmente associados elevados grau de heterogeneidade, atipicidade, aleatoriedade e fluidez [como de forma lapidar evidenciam os “Considerandos” da aludida Diretiva (UE) 2024/2831] que implicam a sua sucessiva reconstrução.
Tudo para concluir que, relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023).>>
Pois bem, em casos semelhantes ao dos presentes autos este tribunal decidiu pela inaplicabilidade da presunção de laboralidade constante do artigo 12.º-A do CT à relação jurídica estabelecida entre as partes com início em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023 (01/05/2023), no seguimento da jurisprudência consolidada do STJ, no entanto, tendo em conta o ora decidido pelo mesmo Tribunal, revemos a nossa posição.
Assim, é aplicável à relação jurídica existente entre o estafeta AA e a Ré a presunção de laboralidade constante do artigo 12.º-A, do CT.
3ª questão
Se se encontram verificadas as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 12.º-A do CT.
Alega o recorrente que as circunstâncias constantes do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT se mostram verificadas.
Vejamos, então, se na relação existente entre o prestador de atividade AA e a plataforma digital Uber Eats se verificam algumas das características enunciadas no n.º 1 do referido artigo 12.º-A.
A este propósito consta da sentença recorrida, além do mais, o seguinte:
“Independentemente das reservas que a técnica legislativa utilizada na redacção da norma suscita, e que não cabe aqui escalpelizar, afigura-se que, à luz da definição legal, pode concluir-se que a ré integra o conceito de plataforma digital, já que disponibiliza serviços à distância, através de meios electrónicos, a pedido de utilizadores, envolvendo como componente necessária e essencial a actividade dos estafetas, gerindo, assim, um serviço de entregas asseguradas por estafetas, como AA, fazendo a ligação entre comerciantes (os que fornecem produtos) e clientes (os que adquirem esses produtos), prestada de forma onerosa.
Além disso, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo retratados nos factos provados, o estafeta em causa estava a desempenhar a sua actividade para a plataforma gerida pela ré.
Assim, resta analisar se a factualidade provada permite a verificação das circunstâncias elencadas no art.12.º-A, n.º1 do Código do Trabalho.
Vejamos.
alínea a) - a plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efectuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela
No caso vertente quando é proposta uma entrega na App administrada pela ré, o estafeta pode consultar o valor que lhe é apresentado a título de taxa de entrega, a qual corresponde à contrapartida que lhe é devida, cujo quantitativo decorre da intervenção de três factores (saliente-se que não decorre da materialidade provada que tais estipulações contratuais sejam divergentes da forma como o contrato foi executado na prática) e lhe é pago de forma agregada, numa base semanal, no caso através de um parceiro de frota por si escolhido.
A aplicação apresenta aos estafetas o preço do serviço quando lhes é oferecido, calculado de acordo com um valor base, compensação pela distância e pelo tempo despendido na realização do serviço de entrega.
Acresce que os estafetas são remunerados por cada serviço e depois de o terem realizado.
Tal significa que é a ré quem fixa a remuneração devida ao estafeta pelo serviço por ele prestado, não sendo suficiente para afastar conclusão a circunstância de o estafeta poder fixar um valor da taxa mínima por quilómetro.
Assim, como padrão, a plataforma estabeleceu o preço, não sendo a circunstância de o estafeta poder aumentar a taxa mínima por quilómetro que afasta tal regra. Veja-se que na eventualidade de o estafeta fixar uma taxa mínima por quilómetro muito elevada é preterido por outros estafetas que não o façam e no limite vê-se forçado a aceitar o preço estipulado pela ré, sob pena de não conseguir realizar a sua actividade, o mesmo sucedendo se recusar, como pode fazer, a realização de entregas pelo valor indicado pela plataforma.
Perante o que fica dito afigura-se-nos que se pode concluir que a plataforma digital fixa a quantia para a actividade efectuada na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos, pelo que a circunstância prevista na alínea a) se encontra preenchida.
alínea b) - a plataforma digital exerce o poder de direcção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de actividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da actividade
Provou-se que, para iniciar a sua actividade, AA teve que se registar na plataforma da ré, remeter documentos pessoais, fornecer o seu e-mail, indicar onde pretende fazer as entregas e descarregar a aplicação no seu telemóvel.
Também ficou demonstrado que é obrigatório possuir uma mochila, com determinadas características, que garantam as boas práticas de higiene e de segurança alimentar para o caso de transporte de refeições.
Contudo, estas exigências impostas pela utilização do serviço de entregas gerido pela ré são prévias ao início da actividade propriamente dita, não podendo ainda falar-se de regras específicas conformadoras dessa actividade.
Além disso, demonstrou-se que, apesar de ser obrigatória a utilização de uma mochila - que se prende com requisitos obrigatórios de segurança alimentar -, a ré não exige que essa mochila seja da sua marca ou tenha aposto o seu logotipo, além de não se ter provado que a ré imponha regras específicas quanto à forma de apresentação do estafeta - no que concerne ao vestuário ou identificação - ou a algum protocolo na abordagem aos clientes.
Na deslocação entre o ponto de recolha e ponto de entrega o estafeta tem total liberdade de escolher o percurso que pretende efectuar, sem que esteja vinculado a limite de tempo para as entregas (que poderiam limitar a sua liberdade de decisão) ou adstrito à utilização de sistemas de ajuda à navegação para definir a rota que é necessário seguir (podendo não usar qualquer sistema de navegação ou, querendo utilizar, escolher qual pretende, podendo, inclusivamente, desligar a aplicação após a recolha do pedido e durante o serviço de entrega).
E não se diga que a faculdade de não utilização do GPS instalado na App é meramente aparente. Com efeito, resultou demonstrado que nos seus percursos tendentes à entrega o estafeta pode utilizar um GPS alternativo, ou até nem sequer utilizar GPS.
Por outra parte, é certo que se o estafeta não estiver ligado ao GPS da App não recebe pedidos de entrega e, nessa medida, fica impossibilitado de desenvolver a actividade.
Todavia, não pode olvidar-se que é uma opção que cabe ao estafeta e este pode ter interesse em determinado momento não receber pedidos entrega da ré, sendo que resultou demonstrado que AA simultaneamente fez entregas para outra plataforma.
Não se afigura, pois, que se possa concluir que a ré conforma a prestação concretamente devida pelo estafeta, controlando o modo como esta é realizada, e, nessa medida, não se encontra preenchida a circunstância prevista na alínea b).
alínea c) - a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da actividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da actividade prestada, nomeadamente através de meios electrónicos ou de gestão algorítmica
Conforme acima referido, assiste ao estafeta liberdade de escolher a rota para efectuar as suas entregas, sem que esteja obrigado a observar limites de tempo, ou adstrito à utilização dos sistemas de ajuda à navegação que lhe são propostos pela aplicação.
Também já se referiu que os estafetas gozam de liberdade de escolha da forma como se apresentam nas entregas, sem que estejam sujeitos a uma avaliação por parte dos clientes ou pela ré, que afecte as propostas que lhe serão apresentadas ulteriormente.
É certo, contudo, que, para que sejam distribuídos pedidos na plataforma, AA tem que se colocar online - iniciando sessão, com os dados móveis ligados e a localização activada -, passando a plataforma a saber a sua localização, além de que o GPS associado à plataforma permite o acompanhamento do trajecto desenvolvido pelo estafeta entre os locais de recolha e de entrega, quer pela ré, quer pelo cliente.
Pela própria natureza da actividade em causa, facilmente se conclui que o conhecimento da localização do estafeta é essencial para a plataforma, dado que só assim poderão ser direccionados os pedidos, bem como que tal localização se mostra de extrema utilidade para o cliente, de forma a que este possa acompanhar a evolução do pedido que efectuou e o tempo de entrega.
No entanto, demonstrou-se que, após a recolha do pedido e durante a execução da entrega, o estafeta pode desactivar a geolocalização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização.
Deste modo, o estafeta não é permanentemente monitorizado através de geolocalização, dado que esta pode estar muitas vezes desactivada.
No mais, não ficou provado que a plataforma disponibilize aos utilizadores clientes um mecanismo de avaliação da actividade dos estafetas, através do qual os clientes possam avaliar a forma como o estafeta realizou o seu trabalho.
A este propósito resultou demonstrado que os clientes apenas têm na aplicação uma opção que, com a aposição de um sinal, lhes permite informar se a pessoa que realizou a entrega foi o estafeta incumbido de o fazer, não condicionando a utilização de tal opção o valor a receber pelas entregas realizadas ou determinando que seja seleccionado para receber futuras propostas de entregas, pelo que não tem qualquer efeito sobre a actividade dos estafetas, não afectando a oferta de entregas, nem a livre utilização da plataforma por quem se encontra nela registado.
Por fim, não se provou que a ré tenha mecanismos de controlo sobre a actividade do estafeta, através da avaliação feita pelos utilizadores do serviço por esta prestado, tanto os clientes, como os estabelecimentos comerciais, ou que a ré aplique sanções/penalizações ao estafeta, em caso de atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade e recusa de pedidos.
Desta feita, a circunstância prevista na alínea c) não se encontra preenchida.
alínea d) - a plataforma digital restringe a autonomia do prestador de actividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar actividade a terceiros via plataforma
O relacionamento estabelecido entre AA e a ré assenta na total liberdade de escolha por este dos dias e horários em que faz entregas - dentro do horário de funcionamento da plataforma, sem que daqui decorra qualquer constrangimento ou imposição quanto ao horário de trabalho, na medida em que se trata do horário de funcionamento da plataforma -, decidindo, em cada dia, se vai efectuar entregas e, em caso afirmativo, em que período, podendo não se ligar à aplicação durante o período de tempo que quiser, incluindo meses seguidos, sem que daí resultem quaisquer penalizações.
A este propósito, desde logo, resultou demonstrado que AA exerce a profissão de auxiliar de acção directa na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a actividade de estafeta através da plataforma gerida pela ré, frequentando também o ensino superior.
Mais ficou provado que AA se dedica à actividade de estafeta, fazendo entregas da ré, mais tendo em simultâneo realizado entregas para outra plataforma, quando não está a exercer a mencionada profissão e ocupado com as actividades lectivas, e, segundo as suas próprias palavras, tem disponibilidade para o efeito.
Saliente-se que no período de um ano AA permaneceu 324 dias sem realizar qualquer entrega, sem que tenha sofrido qualquer penalização decorrente de tal facto.
Além disso, a sua liberdade de actuação permite-lhe aceitar ou recusar ofertas de entregas que lhe sejam propostas pela aplicação, podendo, inclusivamente, recusar uma entrega após a ter aceite, sem que se tivesse apurado qualquer situação em que o estafeta pretendesse efectuar uma determinada entrega e tivesse sido impedido pela plataforma, vedando o acesso ao cliente ou à sua conta.
Acresce que ficou demonstrado que o estafeta pode subcontratar a sua conta e fazer-se substituir por terceiros que estejam registados na realização de entregas, além de poder, livremente e sem necessidade de comunicação à ré, realizar a mesma actividade de entregas para plataformas concorrentes ou desempenhar outros serviços, como aconteceu no caso em apreço.
Por fim, não resultaram demonstrados quaisquer factos que demonstrem a aplicação de sanções/penalizações por parte da ré ao estafeta, em virtude da forma como este realizou os serviços de entrega.
Diga-se a este propósito que o cancelamento da conta e restrição do acesso à App previstas na alínea c) do ponto 5 do denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” são perfeitamente compreensíveis fora do âmbito do contrato de trabalho.
Com efeito, caso não fosse possível à ré proceder a tal cancelamento da conta sempre o estafeta poderia continuar a utilizá-la por mais grave que fosse o seu incumprimento na realização da actividade desenvolvida (veja-se o caso em que atentasse contra a segurança dos clientes da ré).
E obviamente que atenta a actividade desenvolvida pela ré a confiança e a segurança dos seus clientes são fundamentais.
Saliente-se que os factos provados não permitem afirmar que tal decisão da ré tenha como fundamento a avaliação do desempenho da actividade do estafeta, antes resultando que a mesma não é levada a efeito pela ré.
Desta feita, a circunstância prevista na alínea d) não se encontra preenchida.
alínea e) - a plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de actividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras actividades na plataforma através de desactivação da conta
Prevê-se no “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” que “no caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. Podem existir circunstâncias em que não lhe poderemos facultar informação sobre denúncias no decurso de uma investigação (quer seja uma investigação nossa ou de terceiros, como as autoridades policiais (...)”, o que, a nosso ver, consubstancia a faculdade de exercício de poderes de auto-tutela pela ré, em face do eventual incumprimento pela contraparte, permitindo à ré que decida se o estafeta pode deixar de ter acesso à App, quando a visualização de propostas de entrega depende necessariamente da consulta da App.
Nessa conformidade, ao contrário do que vimos ocorrer quanto às demais alíneas já analisadas, afigura-se que a circunstância relevada pela alínea sob escrutínio se mostra preenchida.
al. f): Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação
Uma vez que esta circunstância já foi apreciada acima (a propósito respeito da alínea b) do n.º1 do art.12..º do Código do Trabalho), remete-se para o que ali foi dito quanto a esse propósito, que aqui se dá por reproduzido.
Desta feita, a circunstância prevista na alínea f) está preenchida.” – fim de transcrição.
Tendo em conta a matéria de facto provada acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer.
Na verdade, sendo certo que é a APP da Uber que permite o acesso dos estafetas aos estabelecimentos comerciais, nomeadamente de restauração, aderentes e parceiros daquela plataforma digital, bem como aos clientes finais/consumidores a quem fazem as entregas, impõe-se concluir que a APP pertença da Ré é o principal e determinante instrumento de trabalho dos estafetas, posto que sem ela estes não têm acesso aos pedidos, aos parceiros da Ré nem aos clientes finais, tendo pouca relevância o facto de o telemóvel, da mochila e do veículo serem pertença do prestador de atividade o que, aliás, constitui uma exigência da Ré para a prestação da atividade na sua plataforma[2].
Na verdade, como resulta da matéria de facto provada, os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma e apenas conseguem efetuar entregas de pedidos feitos na plataforma da Ré inseridos na mesma.
Pode questionar-se se a plataforma digital, em si mesma, pode classificar-se como equipamento ou instrumento de trabalho, visto não se tratar de um bem corpóreo.
Acontece que o que é utilizado para prestar a atividade é a aplicação informática da Ré, um software que, pese embora não possa ser considerado um bem corpóreo tal como este se encontra descrito no artigo 1302.º do CC, tal não impede que o mesmo seja objeto do direito de propriedade (propriedade intelectual), como direito de autor (bem imaterial), sujeito a legislação especial, ou seja, ao disposto no DL 252/94 de 20/10, que estabelece a proteção jurídica de programas de computador, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 91/250/CEE, do Conselho, de 14 de Maio, relativa ao regime de proteção jurídica dos programas de computador.
Como se refere na sentença recorrida, “afigura-se que tal aplicação configura, assim, um instrumento de trabalho, de natureza incorpórea (software), que é administrado pela ré, que é quem, em última análise, permite, ou não, a sua utilização por parceiros comerciais, clientes e estafetas, sendo a ré a pessoa colectiva que gere a plataforma digital da “Uber Eats”, mas não se confunde, nem se esgota, com o software que integra tal plataforma digital, software esse que é o efectivo instrumento utilizado, com a permissão da ré, pelo estafeta para o exercício da sua actividade.
Destarte, o software (App) utilizado pelos estafetas é o meio de produção do trabalho mais importante, sendo detido pela ré, pois que permite à ré gerir e controlar a organização produtiva, receber os pedidos e distribuir o trabalho de entregas.
A propriedade do smartphone (hardware), do motociclo e da mochila é meramente acessória e secundária.”
Desta forma, a circunstância prevista na alínea f) do artigo 12.º-A do CT também se encontra verificada.
Aqui chegados, verificando-se as características previstas nas alíneas a), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT, impõe-se concluir que se encontra constituída a presunção da existência de um contrato de trabalho entre o prestador de atividade AA e a Ré Uber Eats.
Acontece que, conforme resulta do n.º 4 do artigo 12.º-A do CT, a presunção prevista no n.º 1 do mesmo normativo pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Tendo em conta a noção legal de contrato de trabalho e verificados os concretos factos provados, afigura-se que o modo como o estafeta exerce a sua atividade detém demasiadas caraterísticas de autonomia e liberdade, que impedem que se conclua pela existência de subordinação jurídica à ré.
Conforme resulta da factualidade apurada, o estafeta é absolutamente livre de escolher a área geográfica onde pretende exercer a sua actividade, bem como o seu período e horário de trabalho, já que decide, conforme entende, as horas, os dias e até os meses em que realiza entregas, sem qualquer imposição por parte da ré, seja a nível mínimo de entregas ou, sequer, de ligação à aplicação, ou qualquer sanção ou penalização.
Pode estar sem aceder à plataforma o tempo que entender, sejam horas, dias ou meses, sem que tenha que, sequer, comunicar à ré e sem que sofra qualquer penalização por essa ausência, designadamente menor oferta de propostas de entrega, bastando que se ligue novamente à aplicação para (re)começar a receber tais propostas.
Veja-se que no período de um ano AA não realizou qualquer entrega durante 324 dias, sem que tivesse sofrido qualquer penalização por parte da ré quando decidiu voltar a fazer entregas.
Além disso, é totalmente livre na prestação da sua actividade, dado que é o próprio quem, perante uma proposta de entrega, decide se aceita ou recusa efectuar tal entrega, podendo recusar mesmo após ter inicialmente aceite, sem que sofra qualquer penalização.
Apesar de ter que disponibilizar a sua localização para receber propostas de entrega, tal necessidade é compreensível face à actividade desenvolvida pela ré, de forma a serem apresentadas as propostas ao estafeta que se encontre mais próximo do ponto de recolha, sendo que, após a aceitação da entrega e sua recolha, pode desligar a localização e o GPS e mantê-la desligada até terminar essa entrega.
Não é obrigado a apresentar-se de determinada forma ao nível da indumentária e identificação, não tem que observar regras de protocolo na entrega ou na interacção com os clientes, podendo escolher qual o veículo em que faz as entregas, os itinerários que percorre entre o ponto de recolha e o ponto de entrega, bem como se quer ou não usar sistema de navegação e, em caso afirmativo, escolher qual.
Ainda que o valor da contrapartida pela execução do serviço seja estabelecido em critérios pré-definidos pela ré, tal definição depende também do próprio cliente e da escolha que este faça e do próprio estafeta, que tem também a possibilidade de conformar tal valor com o ajuste que entenda com a fixação de uma taxa mínima por quilómetro, tendo prévio conhecimento da contrapartida oferecida pela execução de uma proposta de entrega, podendo, assim, aceitá-la ou recusá-la.
Apesar de se ter demonstrado que a ré, com grande amplitude decisória, pode impedir o acesso dos estafetas à aplicação, quando se verifique um incumprimento contratual, não se pode olvidar que tal acesso também pode ser vedado a clientes e comerciantes, sendo que estes últimos também poderão sentir fortes penalizações económicas com esse bloqueio, em virtude da potencial redução de encomendas.
Acresce que o estafeta não depende de qualquer superior hierárquico, não devendo obediência a qualquer pessoa.
Outra circunstância que aponta para a inexistência de subordinação jurídica é o facto de os estafetas, nos quais se inclui AA, não terem obrigação de exclusividade para com a aplicação administrada pela ré, podendo desempenhar a mesma actividade para outra plataforma concorrente, como, aliás, aconteceu no caso concreto, ou por si próprio, sem recurso a qualquer aplicação, ou desempenhar quaisquer outras actividades.
A este propósito resultou demonstrado que AA exerce a profissão de auxiliar de acção directa na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a actividade de estafeta para a ré.
Mais ficou provado que AA se dedica à actividade de estafeta, fazendo entregas da ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma, quando não está a exercer a mencionada profissão e, segundo as suas próprias palavras, tem disponibilidade o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra também a frequentar.
Ora, é inconcebível o reconhecimento de um contrato de trabalho quando o prestador da actividade desempenha as funções quando “tem disponibilidade e vontade” para o efeito.
É ainda de salientar o facto de o estafeta poder subcontratar a sua conta ou fazer-se substituir por terceiros na prestação da sua actividade, sem necessidade de autorização da ré, o que é bem demonstrativo que o que interessa à ré não é a actividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua actividade, característica do contrato de prestação de serviços.
Do que resultou demonstrado é que para a ré é indiferente quem presta o serviço em causa, não lhe interessando propriamente a prestação de um tempo de trabalho pré-determinado pelo estafeta em concreto.
O que lhe interessa é que os estafetas que se encontram ligados à aplicação, entre eles AA, procedam às entregas que sejam solicitadas na aplicação, sendo-lhe, em larga medida, irrelevantes a identidade de quem as realiza e forma como tais entregas são realizadas.
Razão pela qual no contrato existente entre ré e AA se antevê a existência mais de uma obrigação de resultado (de entrega dos produtos que aceitar transportar) do que de meios (de proceder à prestação de actividade de uma determinada forma e num período temporal previamente definido para proceder a tais entregas).
Deste modo, a ré logrou demonstrar que o estafeta AA executa a sua actividade com efectiva autonomia, sem estar sujeito a qualquer poder de direcção ou poder disciplinar por parte da ré - art.12.º-A, n.º4 do Código de Trabalho.” – fim de transcrição.
Vejamos:
Tendo em conta a matéria de facto provada, também nesta parte acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer.
Não desconhecemos o recente acórdão do STJ, de 28/05/2025, e no qual se concluiu no sentido de a Ré não ter logrado ilidir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Acontece que nesse caso está assente que se encontram verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A, do CT, considerando-se os índices de subordinação previstos nas alíneas a) e c) especialmente fortes, “uma vez que os poderes de direção, supervisão e controle são elementos essenciais na relação laboral”, bem como que o estafeta trabalhou regularmente, em regra diariamente, desenvolvendo a sua atividade num quadro de regras específicas definidas pela empresa, a qual também controla e supervisiona a atuação da contraparte, tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da conta.
Ora, como resulta da matéria de facto provada e do que ficou dito, no caso em análise apenas se encontram verificados os índices das alíneas a), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT, o estafeta não realizou qualquer entrega durante 324 dias, exerce a profissão de auxiliar de ação direta na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a atividade de estafeta para a ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma quando não está a exercer a mencionada profissão e tem disponibilidade para o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra a frequentar.
Como se decidiu no acórdão da RG, de 08/05/2025, disponível em www.dgsi.pt:
<<(…) 2. Para ilidir a presunção não basta a mera contraprova que coloque em dúvida a existência da relação laboral, ao invés impõem-se que da factualidade apurada se possa concluir que apesar da verificação dos índices caracterizadores da relação laboral, a relação concretamente existente tem uma natureza diversa, designadamente poderá tratar-se de uma relação de prestação de serviços.
3. Para ilidir a presunção importa averiguar se a Ré logrou provar, no caso concreto, se o estafeta, apesar das condições impostas, desprovidas de qualquer negociação, pela Ré/Recorrente, tendo em conta o modelo de negócio em causa, ainda assim, dispõe de tal liberdade, que por um lado, não permite que a estrutura organizativa da Ré/Recorrente possa contar com a sua prestação como elemento disponível e útil na sua organização, e por outro que o estafeta não esteja dependente no que respeita ao seu sustento, do rendimento proveniente de tal atividade.
4. A factualidade apurada permite-nos concluir que o AA exerce a atividade de estafeta através da Plataforma da Ré, com efetiva autonomia, ligando-se apenas à hora do jantar, quando tem disponibilidade, para completar o rendimento que mensalmente aufere como trabalhador por conta de outrem, podendo afirmar-se com relativa segurança, que nem o AA se considera integrado na estrutura organizativa da Ré, como esta também não pode contar com a disponibilidade concreta deste parceiro para gerir a sua de mão de obra disponível, indispensável à prossecução do seu negócio. Daqui resulta que a Ré logrou ilidir a presunção de laboralidade.>>
Assim sendo, é nosso entendimento que a Ré logrou provar que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata, pelo que, ilidiu a presunção de contrato de trabalho prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A do CT.
4ª questão
Se existe uma relação de trabalho subordinado entre o estafeta AA e a Ré Uber Eats.
Alega o recorrente que:
- Caso se entenda que não se aplica o art. 12.º A do Código do Trabalho, e que as presunções do art. 12.º. n.º 1, também não se encontram preenchidas, ainda assim, deve reconhecer-se a existência de um contrato de trabalho, com recurso ao método indiciário.
- O conceito de “subordinação jurídica” deve ser visto à luz da nova realidade, sendo de relevar a inserção do estafeta na estrutura económica da Ré, na organização produtiva encarnada pela plataforma, e a inexistência de uma estrutura organizada por parte do estafeta e a sua dependência dessa organização, quer quanto ao trabalho, quer económica.
- O facto de poder exercer atividade para outros, incluindo a “concorrência”, não assume particular relevo tendo em conta as circunstâncias especificas desta forma de prestar trabalho.
- No que concerne aos equipamentos/instrumentos e meios de trabalho resulta que é a ré Uber Eats que opera e gere a plataforma eletrónica. A Ré Uber Eats, através do sofware gere e controla uma organização produtiva que é sua, sendo ela quem recebe os pedidos e distribui o trabalho de entregas. Os clientes são seus, pois que nenhum relacionamento contratual é estabelecido entre o estafeta e o comerciante/vendedor e o cliente/adquirente.
- A infraestrutura essencial da atividade em causa é o software gerido pela ré Uber Eats, sendo que propriedade dos restantes equipamentos (telemóvel, mochila, veículo) utilizados pelo estafeta é claramente acessória e secundária. Pois que, sem a APP os estafetas não conseguem montar e gerir um negócio de recolha e entrega de bens da dimensão da Uber Eats.
- A Ré Uber Eats através do seu programa informático, organiza e gere a atividade de transporte de recolha e entrega de mercadorias, detendo aquela o poder de direção e de conformação do modo como é prestada a atividade, o que se revela a subordinação do estafeta.
- Relativamente ao exercício do poder sancionatório por parte da Ré Uber Eats, desde logo resulta das obrigações do denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” (ponto provado p) o qual é um exemplo disso.
- Veja-se o seu ponto 5 denominado “As suas obrigações”, onde na al. c) consta o seguinte: “Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos, a Uber Eats reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes destes contratos. Se a Uber Eats restringir o seu acesso a App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato”.
Acresce que no ponto 9 do dito Contrato item denominado “Acesso à app” “No caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas... temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. ....”
- No que concerne à retribuição, decorre da matéria provada que o estafeta recebe uma quantia variável por cada entrega e o valor a receber não depende do tempo de demora na sua realização ou do tempo de ligação à App. Contudo, importa, porém, ter em atenção que o pensamento atual que acompanha as ditas novas formas de organização de trabalho acentua que o mais importante é saber se os critérios de determinação da retribuição são ditados pelo beneficiário da atividade (no caso a taxa de encargo, por quilómetro), ou se são verdadeiramente negociados entre as partes, em pé de igualdade, o que, isso sim, é próprio do trabalho autónomo. Sendo que no caso dos autos é a ré Uber Eats que determina as regras essenciais da fixação da retribuição, sendo a contribuição do estafeta residual e até aparente ou falaciosa.
- A maioria dos indícios tradicionais, designadamente o horário, a assiduidade, a possibilidade de recusar tarefas, o dever de não concorrência a faculdade de se fazer substituir, não se adequam ao trabalho prestado em plataforma digital, mormente a existência de local e horário de trabalho, a pertença de instrumentos de trabalho e a regularidade da retribuição, por se reportarem a relações de trabalho clássicas.
- Por último, no que concerne ao modo de contratação dos estafetas, ocorre de forma não negocial, pois que, as cláusulas e condições são as constantes do contrato, sendo que o estafeta para prestar a atividade tem que as aceitar tal como estão, não existindo qualquer possibilidade de negociação. Estando a Ré numa posição de supremacia relativamente às partes, o que também não é indiciador de um trabalho autónomo.
- Assim, pelo recurso ao método indiciário, é possível qualificar o vínculo existente entre o estafeta AA e a Ré Uber Eats como um contrato de trabalho.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“A doutrina e a jurisprudência socorrem-se do método indiciário, que consiste em procurar, na situação real em apreço, os factos que normalmente andam associados à existência ou inexistência da subordinação jurídica, de acordo com o modelo prático em que aquele conceito se traduz, passando cada um desses factos a constituir um indício que militará a favor, ou contra, a existência da dita subordinação.
“A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objeto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma atividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço”6.
Uma vez que a consideração da natureza da prestação a que um dos sujeitos se obriga ou a onerosidade da sua prestação não são critérios bastantes para afirmar a distinção entre as duas figuras contratuais, consolidou-se como critério distintivo a subordinação jurídica do trabalhador relativamente ao empregador7 - o trabalhador presta a sua actividade sob a autoridade e direcção da sua entidade patronal e no âmbito da sua organização.
Os indícios mais significativos e utilizados - apesar de o seu elenco não ser rígido e de nenhum dos indícios (isoladamente) assumir relevância decisiva - são os seguintes8:
a) vontade real das partes quanto ao tipo contratual;
b) objecto do contrato:
- prevalência da actividade ou do resultado;
- grau de (in)determinação da prestação;
- grau de disponibilidade do prestador da actividade relativamente às determinações e necessidades de serviço da contraparte;
- repartição do risco;
c) momento organizatório da prestação:
- pessoalidade da prestação;
- local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho; - tempo de trabalho e férias;
- tipo de remuneração (para além do mais, releva se o pagamento é feito por tempo de trabalho, à tarefa ou por unidade de tempo e se são pagas férias e subsídios de férias/Natal);
- ocupação em exclusividade (ou não) e grau de dependência económica.
- grau de inserção na estrutura organizativa da contraparte [aferida em função da (não) presença dos seguintes factores: obediência a ordens e instruções directas do empregador quanto ao modo de cumprimento/execução da prestação; sujeição a normas organizacionais/regulamentares (incluindo regras de conduta); existência de antecedentes em termos de acção disciplinar).
d) indícios externos:
▫ regime fiscal e de segurança social;
▫ sindicalização.
Tratando-se de indícios, importa retirar da análise de todos eles “um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta e comparação dela com o tipo de trabalho subordinado»9.
Por fim, tenha-se em conta que a natureza da relação jurídica que se estabelece entre as partes não está dependente da qualificação ou classificação que as partes fizeram (que terá relevo meramente indiciário), sendo necessária a ponderação global do conteúdo das estipulações contratuais e da concreta forma como o trabalho/serviço foi sendo executado na vigência da relação jurídica10, o que acabou por ser vertido no art.12.º-A, n.º3 do Código do Trabalho.
Dão-se aqui por reproduzidas as considerações acima tecidas quanto às circunstâncias que permitiram dar como ilidida a presunção de laboralidade por parte da ré, acrescentando-se apenas o seguinte.
A nosso ver não se pode afirmar que o estafeta em causa esteja integrado na organização empresarial da ré, pois que tal pressuporia que esta soubesse sempre quando poderia contar com o estafeta para lhe prestar serviços, o que, face à sua ampla autonomia, não sucede.
Como resulta demonstrado na factualidade provada, a ré não controla onde é que o estafeta presta a sua actividade, não podendo dirigir o estafeta para locais onde se verifique maior procura ou que costumem ser escolhidos como pontos de recolha de produtos.
Também não controla quando é que o estafeta presta a sua actividade, não detendo qualquer poder sobre a prestação da actividade efectuada, nem podendo dirigir a actividade deste (se este se liga ou não à aplicação ou, caso se ligue, se executa ou não as propostas de entrega, não estabelecendo períodos mínimos ou máximos de ligação), não lhe aplicando quaisquer penalizações ou sanções pela sua ausência - independentemente da sua duração -ou, estando ao serviço, pelas suas recusas às propostas de entrega que lhe são efectuadas pela aplicação.
Ainda que se pudesse afirmar a integração do estafeta na organização produtiva da ré, dado que é certo que contribui para uma organização produtiva alheia, sendo o sistema de entregas arquitectado pela ré, com recurso à plataforma digital, e não tendo ainda ficado evidenciado que o estafeta dispunha de uma organização autónoma, ainda que incipiente, tal poderia constituir um indício relevante de laboralidade da relação estabelecida entre ambos.
Todavia, tem que se ter em consideração a natureza da actividade desenvolvida, já que não se pode afirmar que esta concreta actividade - de recolha e entrega de produtos - envolva o recurso a meios produtivos muito significativos ou a uma grande complexidade organizativa, pelo que uma eventual estrutura empresarial não seria de relevo, sequer, mediano (basta pensar em alguém que se proponha a fazer entregas por si ou um serviço de mudanças, que anuncia na internet, bastará aguardar um contacto telefónico ou via email para efectuar tal serviço, sem que necessite de um estabelecimento comercial ou de uma estrutura de rectaguarda).
Além disso, conforme acima referido, inexiste obrigação de exclusividade por parte do estafeta, que pode desenvolver a sua actividade de entregas para mais do que uma plataforma digital, como sucedeu no caso vertente, o que afasta o carácter de estabilidade na inserção de uma organização empresarial alheia, além de poder oscilar entre estruturas empresariais diversas à medida que vai realizando entregas para plataformas digitais diferentes, o que, hipoteticamente, pode ocorrer no mesmo dia, até mais do que uma vez.
Veja-se ainda que AA exerce a profissão de auxiliar de acção directa na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a actividade de estafeta para a ré. Por outra parte, AA dedica-se à actividade de estafeta, fazendo entregas da ré, tendo em simultâneo realizado entregas para outra plataforma, quando não está a exercer a mencionada profissão ou ocupado com as actividades do ensino superior que também frequenta, e, segundo as suas próprias palavras, tem disponibilidade e vontade para o efeito, não sendo compreensível numa relação laboral que o prestador da actividade apenas desempenhe as suas funções quando “tem vontade”.
Uma palavra ainda para a vontade real das partes quanto ao tipo contratual que estabeleceram.
Se a posição da ré é clara nos termos que resultam do acordo denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”, mencionado em o) e p) dos factos provados, não pode deixar de considerar-se que AA disse, de forma peremptória e simples, que tal relação não configura um contrato de trabalho, salientando-se que não obstante tal afirmação não vincular o tribunal, não pode deixar de ser atendida para aferir o espírito com que o mesmo exerce a actividade de estafeta.
Atento o que fica dito e considerando:
a) a qualificação que as partes deram ao contrato que rege a actividade desenvolvida pelo estafeta;
b) a possibilidade de o estafeta decidir quando faz entregas e em que horários, ligando-se para o efeito à aplicação, sem que seja penalizado por eventuais períodos de ausência, ainda que possam ser mais ou menos prolongados, sem que tenha de informar a ré dos períodos em que não se liga à aplicação, ou justificar os períodos de afastamento, organizando o seu tempo de acordo com a sua conveniência pessoal sem qualquer consideração pelos interesses da ré; veja-se que no período de um ano AA permaneceu 324 dias sem realizar qualquer entrega através da plataforma gerida pela ré, sem que esta lhe aplicasse qualquer penalização quando o mesmo decidiu voltar a fazer entregas;
c) a possibilidade de o estafeta recusar fazer entregas, sem qualquer justificação;
d) a autonomia que o estafeta possui na conformação da sua actividade, nos termos supra analisados;
e) o valor da remuneração do estafeta ser também conformada por este, ao poder fixar, sempre que o entender, uma taxa mínima por quilómetro;
f) a possibilidade de o estafeta se substituir livremente por outrem na prestação de actividade;
g) a inexistência do dever de exclusividade do estafeta, que pode fazer entregas por conta de uma empresa concorrente da ré, como aconteceu com AA, por conta própria ou realizar quaisquer outras actividades;
h) a escolha do estafeta na sua zona de actividade, que pode alterar, se assim o pretender, sem qualquer dependência de autorização por parte da ré; e
i) a contratação, em nome próprio do estafeta, dos seguros necessários para desenvolverem a sua actividade
afigura-se que a forma como a relação entre a ré e o estafeta se desenvolveu aponta no sentido contrário ao estabelecimento de uma presunção de laboralidade e no sentido de se estar perante um efectivo contrato de prestação de serviços.
Tendo em conta os indícios acima elencados e procedendo à sua ponderação global, não se afigura que permitam, de forma segura e inequívoca, concluir que a relação mantida entre a ré e o estafeta em causa, AA, consubstancia um contrato de trabalho.” – fim de transcrição.
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Pois bem, certo é que a era do trabalho digital trouxe novos desafios ao direito do trabalho e, como já vinha sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, alguns dos velhos indícios podem ter menor relevância para o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho no âmbito das plataformas digitais.
No entanto, não podemos esquecer que é a existência de subordinação jurídica que distingue o contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços.
Na verdade, como refere o Professor Leal Amado[3], os traços distintivos essenciais destas duas modalidades contratuais são:
<<i) quanto ao conteúdo da obrigação, no contrato de prestação de serviço trata-se de proporcionar ao credor certo resultado do trabalho, ao passo que no contrato de trabalho está em jogo a prestação de uma actividade (o trabalhador promete uma actividade laboral, o prestador de serviço compromete-se a proporcionar um resultado do trabalho); ii) quanto à retribuição, esta é um elemento essencial e indefectível no contrato de trabalho (<<mediante retribuição>>), sendo um elemento meramente eventual no seio do contrato de prestação de serviço (<<com ou sem retribuição>>); iii) quanto às instruções do credor da prestação, no contrato de prestação de serviço não se faz qualquer menção às mesmas, ao passo que no contrato de trabalho o devedor presta a sua actividade <<sob a autoridade e direcção>>, ou <<no âmbito de organização e sob a autoridade>>, da contraparte.>>
E, a propósito da definição legal de contrato de prestação de serviço, Monteiro Fernandes[4] refere que <<avulta, neste enunciado, a contraposição fundamental do resultado do trabalho (como objecto do contrato) à actividade, em si mesma, que caracteriza o contrato de trabalho.
A colocação do acento tónico no resultado do trabalho significa, além do mais, que o processo conducente à produção dele, a organização dos meios necessários e a ordenação da actividade que o condicionam, estão, em princípio, fora do contrato, não são vinculados – mas antes determinados pelo próprio fornecedor do mesmo trabalho. É claro que, em última análise, tais contratos se traduzem numa alienação de trabalho (o que, justamente, se incorpora no resultado devido) – só que esse trabalho não é dominado e organizado pelo beneficiário final (que apenas controla o produto), e sim por quem o fornece: trabalho autónomo, portanto.>>
Assim, o núcleo da diferenciação entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços está precisamente na existência ou não de trabalho subordinado.
<<(…) No contrato de trabalho é ao credor (o empregador) que cabe programar, organizar, dirigir e fiscalizar a actividade do devedor (o trabalhador). Àquele cabe, com efeito, não apenas a distribuição das tarefas a realizar, como também a definição do como, quando, onde e com que meios o trabalhador as deve executar. É esta diferente posição que é designada, correntemente, por subordinação jurídica ou por supremacia jurídica, conforme se privilegie o lado passivo ou o lado activo da relação. Quer dizer, se a supremacia jurídica se analisa no poder de um organizar e dirigir a prestação do outro, a subordinação traduz-se no dever deste de conformar a actividade laboral prometida com as ordens e instruções daquele.>>[5].
De qualquer forma, por vezes, é difícil surpreender a já referida subordinação razão pela qual, teremos de atender às características específicas da atividade desenvolvida, bem como, à vontade das partes aquando da celebração do respetivo contrato.
Como se decidiu no acórdão desta Relação de 09/11/2018, proferido no processo n.º 4003/17.4T8LRA.C1, ao que julgamos inédito[6]:
<<Sabe-se que a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar.
A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.
A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade - estão aqui em causa os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização) a que se aludem, por exemplo, no acórdão do STJ de 19/12/2012, proferido no âmbito do processo 247/10.4TTVIS.C1.S1., de 9/2/2012, proferido no âmbito do processo 2178/07.3TTLSB.L1.S1, e de 5/11/2013, proferido no âmbito do processo 195/11.8TTCBR.C1.S1.
Diga-se ainda que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.”
Ora, ao contrário do alegado pelo recorrente, da matéria de facto provada não retiramos a existência de sujeição do estafeta a ordens, instruções ou regras relativas à forma de prestação da atividade, de controlo da qualidade da mesma nem de sanções quanto à forma como foi realizada.
Antes se retira da mesma, como já referimos, uma prestação da atividade com autonomia, uma vez que o estafeta não realizou qualquer entrega durante 324 dias, exerce a profissão de auxiliar de ação direta na Associação de Solidariedade Social de ..., trabalhando entre as 22h00m e as 08h00m, o que se verificava já quando começou a exercer a atividade de estafeta para a ré, tendo ainda realizado entregas em simultâneo para outra plataforma quando não está a exercer a mencionada profissão e tem disponibilidade para o efeito, conjugando tais entregas também com o ensino superior que se encontra a frequentar, pese embora seja a plataforma da Ré que organiza o serviço.
Na verdade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de plataforma digital e da sua aplicação informática para pedidos e entregas de bens alimentares e não alimentares e, para tal, recorre aos estafetas que não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma.
No entanto, o facto de os estafetas terem de se inscrever na APP e de estarem ligados à mesma com sistema de geolocalização para receberem pedidos e aceitá-los não se nos afiguram regras específicas quanto à forma de prestação da atividade mas antes procedimentos necessários ao seu exercício e, assim, inerentes ao modo específico de exercício da mesma, o que também ocorre quanto à indicação dos locais de recolha e de entrega dos produtos.
Dito de outra forma, não resulta da matéria de facto provada que a Ré exerce o poder de direção com a imposição de regras específicas quanto à prestação da atividade, que controla, dirige e fiscaliza a mesma.
Na verdade, mesmo que se entenda que o estafeta está inserido na organização da Ré, tal não dispensa a verificação de obediência às ordens ou instruções quanto ao modo de execução da prestação, a sujeição a regras de conduta (artigo 11.º do CT – contrato de trabalho, no âmbito de organização e sob a autoridade).
Como se decidiu no acórdão da RL, de 15/01/2025, disponível em www.dgsi.pt:
<<Reconhecendo-se, embora, algum nível de integração do prestador de atividade na organização do beneficiário, sem que os autos revelem o exercício de poderes de autoridade por este, não se pode concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ambos.>>
No mesmo sentido se decidiu no Acórdão da RE, de 16/01/2025, disponível em www.dgsi.pt:
<<II – Não se demonstra a existência de um contrato de trabalho entre a plataforma digital e o prestador da atividade/estafeta se apenas se verifica uma das caraterísticas constantes do artigo 12.º do Código do Trabalho, de presunção daquele, e se apura, no essencial, (i) que o estafeta desenvolve a atividade na plataforma associado a um intermediário, pagando a ré, semanalmente, a este o valor devido pelas entregas, o qual, por sua vez, paga ao prestador o valor devido pelas entregas, menos 10% que retém para si, (ii) que a plataforma não intervém nos termos e condições da relação contratual entre o estafeta e o intermediário/“Parceiro da Frota”, designadamente na fixação do valor pago, sendo este que exclusivamente fatura à plataforma pela atividade do estafeta, (iii) que a plataforma não procedeu a qualquer processo de seleção do estafeta, e que a possibilidade de desativação da conta pela plataforma, ou de restrição à mesma, se prende apenas com violação de obrigações assumidas pelo estafeta e não com avaliação da qualidade do serviço por ele prestado, (iv) e que o estafeta se pode fazer substituir por outro estafeta registado na plataforma.>>
Em suma, pelos motivos expostos, não ressaltam da matéria de facto provada indícios suficientes que permitam concluir, de forma segura, pela existência de uma relação laboral entre o estafeta AA e a Ré Uber Eats, tal como se decidiu na sentença recorrida.
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Impõe-se, ainda, dizer o seguinte:
Num outro processo relativo à Ré decidimos pela existência de um contrato de trabalho, no entanto, tratava-se de uma ação não contestada.
E em vários processos de uma outra plataforma digital, a Glovo, também decidimos da mesma forma mas com base na presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital (artigo 12.º-A) e em factos não totalmente coincidentes com os dos presentes autos.
Na verdade, no caso em análise, tendo em conta a matéria de facto provada foi ilidida a presunção prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A do CT e a abordagem do método indiciário (a apreciação dos factos provados com vista ao reconhecimento dos indícios), não se basta com uma presunção, antes assenta na prova, por parte do Autor, da já referida autoridade, da subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho.
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Desta forma, na improcedência das conclusões do recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.
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IV – Sumário[7]
(…).
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V - DECISÃO.
Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida.
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Sem custas por delas estar isento o Ministério Público.
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(Paula Maria Roberto)
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(Felizardo Paiva)
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(Mário Rodrigues da Silva)