I - A transferência bancária consiste numa ordem dada por um sujeito que tem junto do banco uma conta bancária para que este transfira uma determinada quantia para outra conta bancária, creditando-a nesse valor.
II - Uma vez dada a ordem e tornando-se esta definitiva, a transferência é imune a qualquer vicissitude do contrato base, inexistindo qualquer dever de restituição por parte do banco.
III - Tendo o banco réu recebido ordem de transferência bancária de determinadas quantias da conta de depósito da conta da cliente para uma conta cujo NIB foi indicado pela cliente, porque recebeu um ordem devidamente autorizada pelo cliente, está obrigado a cumpri-la.
IV - Acontece que, no âmbito da relação bancária que se estabelece entre o banco e o cliente, há que reconhecer que recai sobre este, enquanto prestador de serviços e de “gestor” de património alheio, relativamente ás contas tituladas pelos seus clientes, um especial dever de proteção do património do cliente, decorrente da boa-fé (artº 762º nº 2 do Código Civil).
V - Nesse dever de proteção de interesses alheios, estão incluídos especiais deveres de informação e de diligência, que no caso, se mostram violados com a atuação do banco réu, o qual, tendo sido atempadamente informado pelo banco do beneficiário da transferência bancária da existência de fortíssimos indícios de fraude, omite tal informação da cliente, não evitando dessa forma que a mesma viesse a ser vítima de uma segunda fraude,(efetuada em circunstâncias muito semelhantes à primeira) e não atua com a diligência que era devida, prestando de forma célere a colaboração solicitada pelo banco do beneficiário, enquanto aquele mantinha a transferência sob investigação, de molde a permitir a recuperação integral das quantias.
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto - ...
Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Maria Eiró
Pinto dos Santos
SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO:
A Autora A..., Unipessoal Lda. intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra o Réu Banco 1..., S.A., pedindo que, pela procedência da acção, seja o Banco Réu condenado a:
a) A prestar à autora as informações descritas no artigo 40.º do libelo inicial; Sem prescindir,
b) A entregar à autora o dossier completo do processo; Sem prescindir,
c) A ressarcir a autora do valor de € 13.952,54 (treze mil, novecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescido de juros vencidos no valor de € 846,71 (oitocentos e quarenta e seis euros e setenta e um cêntimos) e juros vincendos até efetivo e integral pagamento. Sem prescindir,
d) A ressarcir a autora relativamente ao diferencial entre o valor da primeira transferência e o valor recuperado, no montante de € 6.782,82 (seis mil, setecentos e oitenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos que, na presente data se calculam em € 411,61 (quatrocentos e onze euros e sessenta e um cêntimos) e juros vincendos até efetivo e integral pagamento. Sem prescindir,
e) A pagar à autora uma indemnização a fixar equitativamente por V.ª Ex.ª, mas que não deverá ser inferior a € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).”
Para tanto e em suma alegou ter sido vítima de uma burla informática, consubstanciada na realização de duas transferências bancárias a que procedeu, em 23.11.2023 e em 29.11.2023, que julgou estar a realizar para um seu fornecedor (B...).
Que mal se apercebeu da burla, logo informou o banco.
Este, porém apesar de, em data anterior à sua transferência bancária fraudulenta ter já suspeitas de fraude relativamente à primeira, não informou a cliente, o que a ter ocorrido, teria evitado que a autora tivesse procedido à segunda transferência com o prejuízo daí decorrente.
O banco logrou reaver mais tarde, uma parte da quantia, mas nunca informou a autora do processo levado a cabo, desconhecendo a autora por que razão foi apenas parcialmente indemnizada.
Que para além disso, sofreu transtornos e angústias com a atuação do banco réu de que pretende ser ressarcida.
Citado, o Banco Réu contestou, pugnando pela improcedência da ação, declinando qualquer responsabilidade pelos factos lesivos em que a A. assenta a demanda, sustentando que, ao invés do alegado pela A., a fraude foi feita em termos que não responsabilizam o Banco R., tendo as transferências sido consumadas com base numa acção negligente da própria A. uma vez que aceitou sem questionar ou validar, as informações que recebeu do autor da fraude, sobre a pretensa alteração de IBAN. Alegou ainda que não tinha como identificar a eventual origem fraudulenta dos valores transferidos e uma vez alertado pelo ordenante – a própria A. – diligenciou pela devolução dos respetivos fundos, tendo logo no dia seguinte, 30.11.2023, realizado dois pedidos de devolução das transferências, o que não se mostrou possível, tendo apenas sido possível recuperar uma parte desse, como alegado e reconhecido pela própria A., em Abril de 2024, o que sucedeu na sequência e a propósito das insistências realizadas pelo próprio Banco 1....
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador por escrito, onde se procedeu à fixação do objeto do processo e à enunciação dos temas da prova, tendo sido proferido despacho de admissão dos meios probatórios e designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Esta veio a realizar-se e, no final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo o “Banco 1..., S.A.” do pedido formulado pela Autora, “A..., Unipessoal Lda.”.
Porque integralmente vencida, as custas da acção ficam a cargo da autora (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).”
Inconformada, a Autora A..., UNIPESSOAL, LDA. veio interpor o ressente recurso de APELAÇÃO, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“a) Considera a recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil uma vez que da mesma não resulta qualquer pronuncia sobre os seguintes pedidos formulados pela recorrente: que fosse o Banco 1... condendo a prestar as informações descritas no artigo 40.º do libelo inicial e, sem prescindir, que fosse aquele condenado a entregar o dossier completo do processo (pois que ora recorrente não tem conhecimento do processo à data de hoje, tendo tido acesso aos documentos que a recorrida juntou com a contestação apenas com a notificação da mesma).
b) No que concerne à matéria de facto, a recorrente considera ter sido incorretamente julgada a que resulta do ponto 16), 19), 27), 30) e 34) da matéria de facto provada e a alínea única da matéria de facto julgada como não provada.
c) No que concerne à matéria de Direito, considera a recorrente que a decisão proferida viola os artigos 73.º, 74.º e 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Instituições Financeiras, Decreto-Lei 298/92 de 31 de Dezembro, bem como os artigos 483.º, 563.º e 798.º do Código Civil, e artigos 312.º e 314.º do Código de Valores Mobiliários.
d) O documento n.º 4 junto com o libelo inicial impõe julgar como provado “Que o Banco R. recebeu o documento Swift a 28 de Novembro de 2023 relativamente à primeira transferência e nada comunicou nem perguntou à Autora, tendo-se apenas provado a respeito o vertido nos pontos 12,16, 19, 27 a 34 da matéria de facto.”.
e) E o julgamento deste facto como provado impõe a alteração da matéria de facto julgada como não provada sob os pontos 16), 19) e 27).
f) Ora, de forma inicial cumpre esclarecer que a recorrente não imputa ao Banco 1... a responsabilidade pela burla.
g) Já não pode a recorrente deixar de imputar ao Banco 1... a responsabilidade por não ter evitado a segunda transferência e por ter omitido informações.
h) O que a recorrente pretende fazer ver a Justiça é que, após a ordem da primeira transferência, o Banco 1... tinha informação – por parte do Banco de Destino - da suspeita de fraude, não avisou a recorrente e, com tal omissão, não evitou que a recorrente tivesse procedido à segunda transferência, conforme era sua obrigação, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Instituições Financeiras.
i) Mais, após a denúncia feita pela recorrente o Banco 1... não se dignou a responder às inúmeras questões que lhe foram sendo colocadas.
j) Ora, o legal representante da recorrente efetuou a competente participação criminal, tendo entregue cópia da mesma no Balcão do Banco 1..., em ....
k) Após o que quase diariamente pediu informações ao Banco 1..., às quais só obtinha a resposta de que “o seu processo está a ser tratado”.
l) Após inúmeras insistências, um funcionário do Balcão entregou ao legal representante da recorrente um documento Swift que esta juntou com o libelo inicial sob o documento n.º 4 (não tendo tido até à presente data conhecimento da primeira comunicação que foi enviada pelo Banco 2... e sobre a qual insistiram por resposta).
m) Não se compreende como é que, existindo nos autos o documento n.º 4 (comunicação entre o Banco de destino da primeira transferência – Banco 2... e o Banco 1...) junto pela recorrente – do qual resulta “SEGUNDO PEDIDO DE URGÊNCIA SEM RESPOSTA ÀS NOSSAS MENSAGENS DD 28-11-2023”-, e considerando ainda o facto provado sob a alínea 12), considerou o
Tribunal a quo como não provado que o Banco 1... tivesse recebido o documento Swift relativo à primeira transferência e que não o comunicou à recorrente, de forma a evitar a segunda transferência.
n) Trata-se de um ostensivo erro de julgamento!
o) Do referido pode ler-se:
“Segundo pedido de urgência sem resposta às nossas mensagens dd 28-11-2023 Relativamente ao seu pagamento SEPA do ...24 relativo a 24495.95 /eur trn 0010TRF...23
Informamos que a sua ordem de pagamento foi submetida ao nosso controlo interno de fraude ver abaixo qte
Solicito-lhe que verifique a legitimidade do pagamento suspeito.
Acreditamos firmemente que o seu cliente é vítima de fraude.
Por favor, pergunte ao banco adquirente o segundo qual é o nome do beneficiário previsto no pagamento queira informar-nos sobre o beneficiário previsto no pagamento.
Informe-nos por que razão o pagamento é (não é) correto e explique a razão subjacente ao pagamento se o pagamento não for correto, enviar um relatório policial completo e uma carta de responsabilidade para fraude(at)Banco 2....nl Unqtd
Aguardamos a vossa resposta
Queira por favor enviar toda a correspondência futura relativa a esta investigação ao abaixo assinado, mencionando a referência ...23.” (negrito e sublinhado nossos).
p) A recorrente juntou aos autos o próprio documento que atesta que o Banco 1... recebeu uma comunicação à qual não respondeu nem transmitiu à recorrente e que recebeu uma segunda comunicação que também não transmitiu nem comunicou à recorrente, conforme documento n.º 4 junto com a petição inicial.
q) Não pode restar qualquer dúvida da leitura deste documento n.º 4 que o Banco 1... tinha a informação – através da comunicação swift – que a recorrente tinha sido alvo de uma burla antes da ordem da segunda transferência.
r) Portanto, considerando que pelo menos desde 28 de Novembro de 2023 (ou em data anterior uma vez que não se consegue perceber se o dia 28 de Novembro corresponde ao primeiro ou segundo aviso, sendo certamente anterior à data da segunda transferência, 29 de Novembro de 2023) que o Banco 1... tinha conhecimento da suspeita de fraude, considera a recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo deveria ter julgado como não provado que o Banco 1... teve conhecimento dos factos através das chamadas telefónica da própria A., realizadas em 29.11.2023, às 19h:12 (facto julgado provado sob o n.º
s) Considera ainda a recorrente que o Banco 1... esteve em condições de poder (e de dever) evitar a segunda transferência efetuada a 29 de Novembro de 2023, uma vez que teve conhecimento da suspeita de fraude através da comunicação Swift que, sublinhe-se, seria já o segundo pedido de resposta pelo banco de destino.
t) Pelo que se impõe julgar como não provado o facto que resulta da alínea 19.
u) Tinha o Banco como identificar a eventual origem fraudulenta dos valores recebidos na sequencia das duas descritas transferências.
v) Tanto tinha que o Banco de destino conseguiu identificar e alertou o Banco 1....
w) Pelo que se impõe julgar como não provado o facto que resulta da alínea 27.
x) No que concerne à factualidade julgada como provada sob as alíneas 28) e 29) cumpre desde já referir que a ora recorrente só teve conhecimento dos documentos de pedido de devolução de transferência com a notificação da contestação apresentada pelo Banco 1....
y) Até então, não tinha o Banco 1... informado a recorrente de que tinha feito qualquer diligência para que os valores transferidos fossem devolvidos.
z) Considera a recorrente que tinha o Banco 1... a obrigação de ter comunicado àquela que tinha feito os pedidos que resultam do documento n.º 3 junto com a contestação, o que nunca fez.
aa) O mesmo se diga sobre os documentos seguintes, juntos pelo Banco 1... na contestação apresentada aos presentes autos.
bb) A recorrente desconhecia o email de 25 de Abril de 2024.
cc) Aliás, nunca o Banco 1... comunicou à recorrente que a mesma iria ser ressarcida de parte dos valores transferidos.
dd) Nos meses seguintes à denúncia, o Banco 1... bastou-se com a informação de que estavam a efetuar as diligências ao seu alcance (quais?!) e, meses volvidos, de que tentou proceder à devolução dos fundos e que tal já não era possível (conforme documento n.º 5 junto pela recorrente no libelo inicial).
ee) No entanto, apesar desta informação, a recorrente verificou que tinha sido creditado um valor na sua conta bancária, superior ao valor da segunda transferência e inferior ao da primeira transferência.
ff) A este respeito, cumpre sublinhar o teor do documento n.º 6 junto pela recorrente com o libelo inicial (desconsiderado pelo Tribunal a quo).
gg) Do mesmo resulta que uma representante do B... – terá contactado o banco de destino (referente à segunda transferência, Banco 3...).
hh) No dia 30 de Novembro de 2023 o Banco 3... respondeu à AA dizendo que estariam a tomar as medidas imediatas para garantir a máxima segurança para todos os utilizadores.
ii) Resulta ainda que no dia 18 de Janeiro de 2024 o Banco 3... informou a AA de que tinha conseguido identificar o utilizador, tomar as precauções necessárias e que, para eventuais reembolsos, o Banco 1... deveria iniciar o processo de reembolso, o que ainda não teria feito.
jj) Mais resulta que o Banco 3... pretendia o relatório policial (aquele que a recorrente entregou no dia seguinte à denúncia ao Banco 1... e que este não terá encaminhado para os Bancos de Destino).
kk) MAS, conforme documentos n.º 4 a 9 juntos com a contestação, o Banco 1... só enviou documentos para o Banco de destino relativo à primeira transferência (Banco 2...).
ll) Não existe um único documento – à exceção do pedido inicial de reembolso – enviado ao banco de destino relativo à segunda transferência (Banco 3...).
mm) Se os Venerandos Sr.s Juízes Desembargadores atentarem à identificação do destinatário das comunicações swift (das quais a recorrente só teve conhecimento aquando da notificação da contestação) nenhuma delas tem como destino o Banco 3....
nn) Portanto, o Banco 1... não enviou os documentos que o Banco 3... – que disse que tinha conseguido identificar o utilizador e tomar as precauções necessárias e que para eventuais reembolsos o Banco 1... teria de iniciar o competente processo, designadamente através do envio de relatório policial (documento n.º 6 junto com o libelo inicial – precisava para reembolsar a recorrente.
oo) O recorrente entregou a queixa apresentada junto das autoridades policiais no dia seguinte à denúncia e o Banco 1... só terá alegadamente enviado a documentação necessária ao Banco de Destino Banco 2... (primeira transferência) em 24 de Janeiro de 2024...
pp) Não o tendo feito relativamente ao Banco 3..., pois que não existe qualquer comunicação swift com este banco nos autos.
qq) E não se sabendo se o fez relativamente ao Banco 2..., uma vez que não resulta provado o envio de tais documentos, mas tão só a troca de comunicações swift com este banco.
rr) Até à presente data, não sabe a recorrente porque razão não foi devolvida a totalidade do valor da primeira transferência (deduzindo que o estorno se refere à mesma porque é superior ao valor da segunda transferência).
ss) E deduz que não lhe foi devolvido o valor relativo à segunda transferência porque o Banco 1... não cuidou de enviar a documentação necessária (conforme resulta dos documentos 6 junto com a petição inicial e 4 a 9 da contestação).
tt) Nunca a recorrente recebeu qualquer esclarecimento do Banco 1... a respeito.
uu) A recorrente também não tinha tido conhecimento dos documentos swift juntos pelo Banco 1... com a contestação sob o n.º 5 a 9.
vv) E continua a não ter a comunicação Swift completa a que se refere o documento n.º 4 junto com o libelo inicial.
ww) E também não tinha tido conhecimento do documento junto pelo Banco 1... com a contestação sob o n.º 10, do qual resulta a informação (e não a prova) de que participação às autoridades só foi enviada a 24 de Janeiro de 2024.
xx) Pois que o Banco 1... não juntou prova de ter enviado qualquer participação, mas tão só uma comunicação entre funcionários do Banco a dizê-lo.
yy) Pelo que se impõe julgar como não provados os factos que resultam das alíneas 30) e 34) da sentença de que se recorre: não há qualquer documento que comprove o envio das “Letter of Indemnity” e o relatório de polícia.
zz) O facto de o Banco 1... nunca ter enviado nem comunicado tais informações à recorrente consubstancia, por si só, uma violação do disposto nos artigos 73.º, 74.º e 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Instituições Financeiras.
aaa) O Banco 1... violou o dever de comunicação e de informação que sobre si impendia ao não ter transmitido à ora recorrente que existia uma suspeita de fraude sobre a primeira transferência ordenada (transmitida via swift por duas vezes), o que teria evitado a segunda transferência.
bbb) Dispõe o artigo 563.º do Código Civil que um facto é causa de um resultado, sempre que, em termos de normalidade social, seja adequado a produzir esse resultado.
ccc) In casu, impunha-se que a MM.ª Juiz se tivesse deslocado mentalmente para o passado, para o momento em que a conduta foi praticada e ponderado, enquanto observadora objetivo, se, dadas as regras gerais de experiência e o normal acontecer dos factos – o id quod plerumque accidit – a omissão de informação teria como consequência evitar a produção do evento (a segunda transferência).
ddd) A recorrente considera que o Banco 1..., ao ter incumprido a sua obrigação de comunicação e informação, é responsável pelo dano adveniente da ordem da segunda transferência que teria evitado se tivesse transmitido a comunicação o swift anterior à transferência de 29 de Novembro de 2023.
eee) E considera ainda que o Banco 1... é responsável pelo dano correspondente à diferença entre o valor da primeira transferência e o valor de que foi a recorrente ressarcida uma vez que o Banco 1... não foi diligente nem célere no processo de reembolso, não tendo sequer enviado a documentação necessária para o efeito ao Banco 3....
fff) Sendo certo que até à presente data o Banco 1... nunca prestou qualquer esclarecimento quanto ao valor reembolsado pelo Banco 2....
ggg) Nem entregou à recorrente o dossier completo, conforme peticionado no libelo inicial e olvidado pelo Tribunal a quo.
hhh) Continuando a recorrente sem acesso, designadamente, às comunicações swift do Banco 2....
iii) Resulta assim inequívoco que o Banco 1... não cumpriu o dever de comunicação e informação, seja por omissão ou inércia própria, o que originou danos na esfera da recorrente merecedores da tutela do Direito.
jjj) A omissão de informação, e o facto de o Banco 1... não ter diligenciado pela recuperação dos valores transferidos originou um prejuízo à recorrente, existindo, conforme demonstrado, nexo causal entre o facto ilícito (violação do dever de informação e o dano verificado.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deverá o recurso ser admitido, ser verificada a nulidade invocada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e ser o mesmo julgado procedente por provado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo e proferindo-se decisão que condene o Banco 1... nos termos peticionados nos presentes autos.
Tudo com as ulteriores consequências legais. Assim se fazendo Justiça.”
O Réu Banco 1..., S.A., veio juntar contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso (sem formular conclusões).
O recurso foi admitido como APELAÇÃO, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - cfr. arts. 638.º, n.ºs 1 e 7, 644º, nº. 1, al. a), 645º, nº 1, al. a), e 647º, nº 1, do CPC.
O Tribunal recorrido pronunciou-se inda sobre a arguida nulidade da sentença, nos seguintes termos:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, analisados os fundamentos do recurso não vislumbramos que a sentença posta em crise padeça de qualquer nulidade, mormente a suscitada.
Sobre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al.d), do CPC), importa ter presente que o objeto da pronúncia é cingido ao conhecimento do pedido (acção ou reconvenção) e ao conhecimento das exceções perentórias especificadas separadamente (art. 488.º do CPC-95/96, e art. 572.º al c) do CPC) – isto é, o conhecimento dos seus efeitos pratico-jurídicos reclamados, eventualmente descriminados na conclusão da respetiva peça processual.
Não se deve confundir a omissão de pronúncia com a desconsideração de argumentos ou teses sustentadas pelas partes.
Quando muito, será esta a situação identificada pela autora recorrente.
Nessa medida, entendemos que a sentença proferida não padece de qualquer nulidade que cumpra conhecer e reparar, o que ora deixamos consignado para todos os efeitos legais, pelo que, se indefere a reclamação de nulidade suscitada no recurso interposto.”
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões decidendas são as seguintes:
-nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil por omissão de pronúncia quanto aos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) da petição inicial.
- modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas;
- erro na aplicação do direito, quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do banco réu, baseada na omissão de informação relevante ao cliente e na falta de diligência na sua atuação.
III - DA NULIDADE DA SENTENÇA:
Considera a recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, uma vez que da mesma não resulta qualquer pronuncia sobre os seguintes pedidos formulados pela recorrente na petição inicial:
-que fosse o Banco 1... condenado a prestar as informações descritas no artigo 40.º do libelo inicial e, sem prescindir, que
-fosse aquele condenado a entregar o dossier completo do processo.
Vejamos.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença (elencados no art. 615º do CPC) correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
Ocorre “omissão de pronúncia” sempre que o juiz deixe de proferir decisão sobre questão que devesse conhecer, isto é quando o Tribunal deixe de conhecer questão suscitada ou não aprecie alguma pretensão. (art. 615º nº 1 al d) do CPC).
Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava Alberto dos Reis[1], “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Constitui jurisprudência pacífica que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
Significa isto que a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
No caso em apreço, da leitura da sentença, constata-se que, efetivamente, o tribunal não se pronunciou sobre os pedidos formulados pela autora nas alíneas a) e b) da petição inicial.
Com feito, na petição inicial, após a exposição dos factos integrantes da causa de pedir e o direito que a autora entende ser aplicável, a autora formula o pedido de condenação do Réu, nos seguintes termos::
Ser o Banco Réu condenado a:
“a) A prestar à autora as informações descritas no artigo 40.º do libelo inicial; Sem prescindir,
b) A entregar à autora o dossier completo do processo; Sem prescindir,
c) A ressarcir a autora do valor de € 13.952,54 (treze mil, novecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescido de juros vencidos no valor de € 846,71 (oitocentos e quarenta e seis euros e setenta e um cêntimos) e juros vincendos até efetivo e integral pagamento. Sem prescindir,
d) A ressarcir a autora relativamente ao diferencial entre o valor da primeira transferência e o valor recuperado, no montante de € 6.782,82 (seis mil, setecentos e oitenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos que, na presente data se calculam em € 411,61 (quatrocentos e onze euros e sessenta e um cêntimos) e juros vincendos até efetivo e integral pagamento. Sem prescindir,
e) A pagar à autora uma indemnização a fixar equitativamente por V.ª Ex.ª, mas que não deverá ser inferior a € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).”
O pedido é a pretensão do autor (artº 552º nº 1 al e) do CPC) e consiste no meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor.
A autora integrou no pedido formulado contra o banco réu, a sua condenação a prestar à autora as informações descritas no artigo 40.º da petição inicial e a entregar-lhe o dossier completo do processo.
No artigo 40º da p.i, a autora alegou o seguinte: “ Nem sequer se dignou o réu a enviar todo o processo nem a informar sobre o estado do mesmo, direitos indiscutíveis da autora e que em muito teriam auxiliado na apresentação de queixa crime.”
E no artigo 45º da p.i., elenca o conjunto de questões que pretende ver respondidas com a consulta daquele processo interno do banco:
“45. Por tal, deverá o réu ser condenado a prestar à autora as seguintes informações:
• Porque razão não comunicaram à autora a informação prestada pelo Banco de Destino?
• Porque razão não solicitaram à autora as informações solicitadas pelo Banco de Destino?
• Responderam ao Banco de Destino e o quê?
• Que diligências tomaram quanto tiveram conhecimento da informação enviada pelo Banco de Destino?
• Que diligências tomaram para recuperar os valores transferidos?
• Comunicaram às entidades policiais?
• Elaboraram a carta de indemnização?
• Existe possibilidade de recuperar a totalidade dos valores?”
Estamos perante uma omissão de pronúncia, na sentença, sobre questão que o tribunal devia conhecer, uma vez que, manifestamente o tribunal a quo, não proferiu decisão sobre aqueles concretos pedidos formulados pela autora, no sentido da sua procedência/improcedência (total ou parcial), pelo que poderemos, na verdade, estar perante uma nulidade de sentença.
Acontece, porém que, a nosso ver, tal nulidade é apenas aparente, pelas razões que passaremos a expor.
A presente ação é uma ação fundada na responsabilidade civil do banco réu.
O que a autora pretende através desta ação é responsabilizar o banco réu, enquanto utilizadora dos instrumentos e serviços de pagamento fornecidos por aquele banco, pelos prejuízos que sofreu em consequência de duas transferências a que procedeu para uma conta bancária fraudulenta, responsabilizando o réu pelas perdas sofridas, em consequência da falta de informação e da diligência necessária no acompanhamento da situação.
Ou seja, os pedidos indemnizatórios formulados na p.i. sob as alíneas c) d) e e), constituem precisamente a pretensão jurisdicional, da autora configurando o verdadeiro “pedido”, formulado em consequência da causa de pedir invocada.
Já os pedidos formulados nas alíneas a) e b), mais não constituem que um requerimento de meios de prova a produzir, a que alude o nº 2 do citado artigo 552º do CPC.
A autora pede para ser informada pelo banco de todo o procedimento que levou a cabo, no âmbito da fraude que lhe foi comunicada e pretende ter acesso ao processo interno do banco de acompanhamento daquele situação.
O que a autora pretende através dos pedidos formulados nas alíneas a) e b) da petição inicial, é ter acesso a informação e documentação, que alega não ter tido acesso antes da propositura da ação e que entende ser relevante para a desmonstração do direito indemnizatório a que se arroga e que pretende ver reconhecido nesta ação.
Estamos assim, perante um requerimento de meios de prova.
Na petição inicial deve o autor, no final da petição, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
O facto daquele requerimento probatório ter sido apresentado aquando da formulação do pedido, não lhe retira tal natureza, até porque só faz sentido a obtenção daqueles documentos na posse do banco para esclarecer e demonstrar a factualidade em discussão nesta ação.
Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto.[2]
A autora formulou pedido de junção aos autos de prova documental (arts. 362.º a 387.º do Código Civil ) no poder do banco réu, - documentos existentes no seu processo interno - pelo que a sua pretensão consistiu na obtenção de meios de prova, na posse da parte contrária, que a seu ver eram relevantes para obter resposta ao conjunto de questões que elencou no artigo 45º da p.i.
Tendo este pedido sido feito na p.i, o banco réu, na contestação veio juntar aos autos diversos documentos bancários recolhidos do processo interno de acompanhamento da situação de fraude da sua cliente.
No despacho saneador, foi proferido o seguinte despacho:
“Admitem-se os documentos juntos aos autos pelas partes, nos respetivos articulados (art.º 423.º, n.º 1, do CPC) relativamente aos quais, não tendo sido suscitado incidente nos termos do art.º 446º, do CPC, ainda que impugnados, ficam sujeitos à livre apreciação do Tribunal, nos termos do art.º 607.º, n.º 5, do CPC.”
Em face de tal junção, se a autora entendia, que os documentos bancários juntos pelo réu, na contestação, não satisfaziam integralmente o requerimento probatório que apresentou (pedido formulado nas alíneas a) e b)), deveria de imediato, no âmbito do exercício do contraditório - ter suscitado a questão perante o tribunal a quo, informando que os documentos juntos não satisfaziam a totalidade do meio de prova, insistindo pela sua junção e eventualmente pela aplicação das sanções legais – artigos 430º e 417º do CPC..
Em alternativa, poderia ter interposto recurso autónomo do despacho que admitiu os documentos juntos, uma vez que nos termos do disposto no art. 423º nº 1 do C.P.C., “os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que aleguem os factos correspondentes”, nos termos do disposto no art. 644º nº 2 al d), do CPC, por considerar parcialmente desatendida a sua pretensão probatória, o que também não ocorreu.
Nada disto tendo ocorrido, apesar de cumprido o contraditório, em face do silêncio da autora, que se prolongou até ao encerramento da produção da prova, com o encerramento da audiência final (cfr. art. 607º nº 1 do CPC), tem de entender-se que foram juntos aos autos os documentos na posse do banco réu requeridos pela autora.
O processo civil não é mais do que um conjunto de regras ordenadoras da forma e dos prazos de arguição em Tribunal das pretensões jurídicas das partes.
A obrigação de seguir este "figurino legal" conduz necessariamente à autorresponsabilização dos sujeitos processuais: caso pretendam praticar um qualquer ato processual terão de o fazer pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de preclusão.
Refere, a este propósito, José Lebre de Freitas.[3] o seguinte: "Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos perentórios. (...) As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato."
Desta forma, entendemos que a nulidade da sentença é meramente aparente, uma vez que o tribunal admitiu a junção dos autos dos documentos do processo do banco, não tendo a autora suscitado oportunamente -até ao encerramento da discussão da matéria de facto - qualquer incumprimento da obrigação de apresentação dos documentos em poder da parte contrária.
Indefere-se pois a arguida nulidade.
IV - DA MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO:
Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.
Tal como explica Abrantes Geraldes[4], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade
Mas se o Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPC, há porém que não olvidar os princípios da oralidade e da imediação.
Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa,[5] o que está em causa não é determinar se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, “sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se matéria considerada como um facto provado reflete, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”.
Nos termos do preceituado no art. 607º n.º 5, do CPC, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Não obstante, a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão.
A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e percetibilidade e tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
Daí que a jurisprudência[6] acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”.
Importará, por isso, aquilatar se as conclusões que foram retiradas a partir da prova que foi produzida e credibilizada pelo tribunal, não contende com as regras da experiência comum e da lógica.
Tendo ainda em consideração os ónus decorrentes para aquele que impugna a matéria de facto do disposto no art. 640º do CPC, entendemos que a Apelante cumpriu tal ónus, pelo que nada impede a reapreciação da matéria de facto.
Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pela Apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza, como dissemos da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
Vejamos.
A Apelante considera ter sido incorretamente julgada a matéria de facto que resulta dos pontos 16), 19), 27), 30) e 34) e da alínea única da matéria de facto julgada como não provada.
São estes os factos impugnados:
16) O Banco 1... teve conhecimento dos factos através das chamadas telefónicas da própria A., realizadas em 29.11.2023, às 19h:12, data em que as duas transferências já tinham sido ordenadas e, consequentemente, processadas.
19) O Banco 1... não esteve em condições de poder (nem esteve em condições de dever) evitar as transferências realizadas.
27) O Banco não tinha como identificar a eventual origem fraudulenta dos valores recebidos na sequência das duas descritas transferências;
30) Em Janeiro de 2024, e conforme solicitado ao Banco 1... como forma de procedimento para a realização da devolução dos valores, foram apresentadas cartas com pedido de reembolso – “Letter of Indemnity”.
34) Foi encaminhado relatório de polícia a OIC e pedida “indeminity letter” a 11.01.2024.
E impugna ainda o seguinte facto, que foi julgado não provado:
a)Que o Banco R. recebeu o documento Swift a 28 de Novembro de 2023 relativamente à primeira transferência e nada comunicou nem perguntou à Autora, tendo-se apenas provado a respeito o vertido nos pontos 12, 16, 19, 27 a 34 da matéria de facto.
O erro de julgamento invocado baseia-se precisamente, segundo a recorrente, no facto de o tribunal a quo não ter procedido à devida valoração do “documento SWIFT”, que foi junto pela autora com a petição inicial, e que é mencionado neste último (e único ) facto não provado, que a autora pretende ver provado e consequentemente ver julgados não provados os factos 16, 19 e 27.
Vejamos primeiro a fundamentação destes factos feita na sentença:
Diz-se aí o seguinte: “Assim, os factos dados como provados assentam desde logo, como mencionado supra, na consensualidade que se alcança da posição das partes vertida nos respetivos articulados e na análise crítica e conjugada da prova documental coligida nos autos, incluindo os áudios das chamadas telefónicas realizadas pela A. a denunciar ao Banco R. a fraude em que havia incorrido ao realizar as duas transferências em discussão, aludidas na matéria de facto tida por demonstrada, em concatenação crítica e conjugada com os depoimentos das testemunhas inquiridas, designadamente a funcionária da A. que realizou as ditas chamadas a denunciar os factos ao Banco R., BB, tendo todos estes elementos probatórios contribuído para o apuramento dos “factos provados” nos moldes como resultaram narrados nos pontos 3 a 34.”
Nenhuma menção específica é feita, na verdade ao documento 4 da p.i., cujo conteúdo nenhuma atenção despertou ao tribunal a quo, que quanto ao facto não provado, fundamentou da seguinte forma: “Já no que tange ao facto não provado (levado à alínea a)), a sua não prova decorreu de, sobre esse facto, ter resultado positivamente apurada realidade distinta – a levada aos pontos 12, 16, 19, 27 a 34 da matéria de facto dada como provada.
Daí que, na ausência de outros subsídios probatórios, e atentas as implicações neste domínio do princípio estabelecido no art. 414.º do C.P.C, propendeu-se no sentido de dar como não demonstrada a aludida matéria de facto.”
Não podemos deixar de concordar com a Recorrente quanto à existência de um flagrante “erro de julgamento”, erro esse que decorre precisamente de não ter sido dada a necessária relevância ao teor do documento 4 junto com a p.i, cuja relevância no conjunto dos demais factos provados, importa necessariamente um desfecho diverso desta ação.
Trata-se de um documento bancário, que tal como a autora alega na p.i, lhe foi entregue por um funcionário do banco réu, tendo sido entregue ao seu gerente que se deslocou ao balcão de ..., para resolver o assunto em discussão nesta ação.
Na p.i a autora alegou (artº 12 da p.i), que: “Após denúncia, um funcionário do réu entregou ao legal representante da autora um documento Swift emitido pelo Banco de Destino relativo à primeira transferência, do qual resulta que este tinha solicitado à ré, pela segunda vez e com carácter de urgência, resposta ao pedido de informação sobre a suspeita que o Banco de Destino tinha de que a autora tinha sido alvo de burla – cfr. doc. n.º 4.”
Ora, a obtenção deste documento pela autora que estava na posse do banco réu, já que se trata de um documento interno de correspondência internacional entre bancos, foi confirmado pelas testemunhas, funcionários do Banco 1..., CC e DD, tendo este último, então diretor do Balcão de ... do Banco 1... confirmado que o entregou em mão ao gerente da autora, EE.
Daí que tenha sido feita prova suficiente da legitimidade do documento – documento na posse do banco que este entregou à sua cliente.
Para analisar a sua relevância probatória, analisemos a cronologia dos acontecimentos, tal como emergiu provada:
No âmbito da atividade desenvolvida pela Autora, esta recebeu a 21 de Novembro de 2023, um email que julgava ser do fornecedor “B...” a informar que tinham alterado a conta bancária, pelo que os futuros pagamentos deveriam ser feitos para o IBAN ...38 do Banco 2... N.V..
Após pedido de confirmação de dados, a 23 de Novembro de 2023 a Autora procedeu ao pagamento de uma fatura vencida, emitida por aquele fornecedor, no valor de € 24.429,95 (vinte e quatro mil, quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e cinco cêntimos).
A 29 de Novembro de 2023, da parte da manhã, a autora voltou a receber um email que julgava ser do fornecedor “B...” a informar que existia uma fatura vencida por liquidar e que o pagamento deveria ser feito para o IBAN ...82.
Nesse seguimento, a Autora procedeu ao pagamento de uma fatura vencida, emitida por aquele fornecedor, no valor de €13.952,54 (treze mil, novecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos) no dia 29 de Novembro de 2023.
No mesmo dia em que procedeu ao pagamento descrito, a Autora recebeu da parte da tarde um novo email do fornecedor “B...” a questionar quando seriam efetuados os pagamentos das faturas vencidas.
Foi então que se apercebeu que tinha sido vítima de fraude, ao remeter os pagamentos para duas contas que, afinal, não eram as da sua cliente, como supôs serem.
Aqueles transferências bancárias tiveram os seguintes destinos: a primeira transferência teve como destino o Banco 2... e a segunda transferência teve como destino o Banco 3..., ou seja tratam-se de transferências bancárias internacionais.
O documento 4 da p.i., tem o seguinte teor, de acordo com a tradução junta aos autos:
Trata-se de um documento SWIFT (Swift significa “Society for Worldwide Interbanck Financial Telecommunication”), através do qual o Banco de destino da primeira transferência bancária feita pela autora alerta o banco Réu, ou seja o banco que havia dado a ordem de transferência dos fundos em cumprimento da solicitação feita pela sua cliente, do seguinte:
“Informamos que a sua ordem de pagamento foi submetida ao nosso controlo interno de fraude ver abaixo qte
Solicito-lhe que verifique a legitimidade do pagamento suspeito.
Acreditamos firmemente que o seu cliente é vítima de fraude.
Por favor, pergunte ao banco adquirente o segundo qual é o nome do beneficiário previsto no pagamento queira informar-nos sobre o beneficiário previsto no pagamento.
Informe-nos por que razão o pagamento é (não é) correcto e explique a razão subjacente ao pagamento se o pagamento não for correcto, enviar um relatório policial completo e uma carta de responsabilidade para fraude(at)Banco 2....nl
Unqtd
Aguardamos a vossa resposta” (sublinhado nosso).
Relevante ainda quanto a este documento, salienta-se o seguinte, relativo à sua data: “Segundo pedido de urgência sem resposta às nossas mensagens dd 28-11-2023”.
Este documento – documento interno do Banco 1... - demonstra de forma inequívoca, em face do seu teor, que o Banco 1...; pelo menos, no dia 28 de novembro de 2023, ou seja, um dia antes de ocorrer a segunda fraude bancária, tinha sido informado, no âmbito do sistema de correspondência interbancária internacional – sistema SWIFT -, que a transferência efetuada pela sua cliente a 23.11.2023, levantara suspeitas de fraude junto do banco de destino, que lhe comunica acreditar firmemente que a sua cliente (ora autora) é vítima de fraude e lhe solicita com urgência que lhe sejam fornecidas informações sobre o destinatário das quantias transferidas.
Este documento datado de 28.11.2023, refere ainda ser o ““Segundo pedido de urgência sem resposta às nossas mensagens”, o que significa que o Banco 1... recebera já, sobre o mesmo movimento bancário um alerta anterior a esta data, sem resposta da sua parte.
O tribunal recorrido não podia pois ter ignorado, como ignorou, na análise da prova produzida a relevância desta comunicação intrabancária interbancária ocorrida entre o Banco de destino da primeira transferência – Banco 2... e o Banco 1... - e que o mesmo era já um “SEGUNDO PEDIDO DE URGÊNCIA SEM RESPOSTA ÀS NOSSAS MENSAGENS DD 28-11-2023”.
Constata-se que na sentença, o tribunal recorrido, com base na documento e no depoimento dos funcionários do banco supra mencionados, limitou-se a julgar provado o seguinte facto:
12) Após a denúncia realizada no dia 29 de Novembro de 2023, um funcionário do Banco Réu entregou ao legal representante da Autora um documento Swift (correspondência trocada entre Bancos) emitido pelo Banco de Destino relativo à primeira transferência, do qual resulta que este tinha solicitado ao Banco Réu, pela segunda vez e com carácter de urgência, resposta a um pedido de informação sobre suspeita que o Banco de Destino tinha de a Autora ter sido alvo de burla.
Porém, nenhuma consequência retira do teor deste facto, nem do documento nele mencionado, tão pouco na sua data, a qual implica que, pelo menos (dizemos pelo menos, porque sendo um segundo aviso, o banco já seria sabedor da eventual fraude em data anterior), um dia antes da segunda transferência fraudulenta de que voltou a ser vítima a autora, com contornos muito semelhantes à primeira, o banco sabia das suspeitas de fraude relativamente à primeira transferência, e disso não alertou a sua cliente, julgando não provado: Que o Banco R. recebeu o documento Swift a 28 de Novembro de 2023 relativamente à primeira transferência e nada comunicou nem perguntou à Autora, tendo-se apenas provado a respeito o vertido nos pontos 12, 16, 19, 27 a 34 da matéria de facto.
A verdade é que perante a informação contida neste documento em análise, o banco réu dele não deu conhecimento imediato à sua cliente, que no seguinte volta a cair numa burla semelhante à primeira, apenas com uma destinatário diverso – o Banco 3....
Daí que se imponha a alteração da matéria de facto impugnada, nos moldes peticionados pela recorrente.
Impõe-se que o facto a) dos factos não provados, passe a integrar o elenco dos factos provados, com o seguinte teor:
O Banco R. recebeu o documento Swift junto como doc 4 da p.i, a 28 de Novembro de 2023 relativamente à primeira transferência e nada comunicou nem perguntou à Autora, apesar da urgência aí solicitada pelo banco de destino (Banco 2...).”
Concomitantemente, impõe-se julgar não provados os factos 16, 19 e 27 que foram julgados provados, uma vez, que em face de tal documento bancário, não se pode afirmar que:
-O Banco 1... teve conhecimento dos factos através das chamadas telefónicas da própria A., realizadas em 29.11.2023, às 19h:12, data em que as duas transferências já tinham sido ordenadas e, consequentemente, processadas, pois o banco soube em perimira mão das suspeitas de fraude relativamente à primeira transferência, não através do telefonema da autora, mas pelo sistema de comunicação interbancária internacional, pela comunicação SWIFT que lhe foi feita em 28.11.2025, pelo banco de destino da primeira transferência, com alerta de fraude.
Resulta do identificado documento que, pelo menos no dia 28.11.2023, a primeira transferência efetuada encontrava-se ainda no “controlo interno de fraude” e sob investigação junto do banco de destino, encontrando-se aquele banco a aguardar as informações que solicitou ao Banco 1..., que este deveria recolher junto da sua cliente, a autora, pelo que também não se pode afirmar que no dia 29.11.2023, as duas transferências já tinham sido processadas (no sentido que aqui é dado, do valor transferido ter já chegado à conta de destino, nada sendo por isso possível, fazer).
Assim, mantem-se apenas provado o seguinte facto:
- A autora deu conhecimento dos factos ao banco réu, através de chamadas telefónicas realizadas no dia 29.11.2023, às 19h:12.
E deverá constar dos factos não provados, os seguintes:
- Que o Banco 1... só tenha tido conhecimento dos factos relativos à primeira transferência através das chamadas telefónicas da própria A., realizadas em 29.11.2023, às 19h:12, e que nessa data em que as duas transferências já tinham sido processadas (pagas na conta do beneficiário).
Também não poderá subsistir no elenco dos factos provados que,
19-O Banco 1... não esteve em condições de poder (nem esteve em condições de dever) evitar as transferências realizadas, porque resulta do documento em analise que o banco de destino, tinha já dado início a um processo de suspeita de fraude e pedira já colaboração do Banco 1... para a solucionar. Foi-lhe expressamente solicitada a recolha de informações junto da sua cliente, pelo que não se pode dizer que o banco nada pôde fazer…
Constata-se porém que o processo que o “facto” impugnado, mais não é um que uma “conclusão”.
Ora, a fundamentação de facto de uma sentença deve conter unicamente factos materiais.
Sendo factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os atos e factos dos homens, e entendendo-se por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito.
Referiu-se no Ac. do STJ de 1.10.2019[7], in www.dgsi.pt que a nossa jurisprudência tem vindo a entender “que são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial”.
Assim deve esta conclusão ser eliminada (quer do elenco dos facos provados, quer dos não provados).
Quanto ao facto:
27-O Banco não tinha como identificar a eventual origem fraudulenta dos valores recebidos na sequência das duas descritas transferências; constitui igualmente um juízo conclusivo, pelo que não pode subsistir no elenco dos factos provados da sentença, juízo esse que, ademais se mostra igualmente contrariado pelo teor do documento analisado, uma vez que o banco de destino alertara para a possível fraude, pedindo elementos para a sua confirmação.
Por último, a recorrente impugna os factos provados 30) e 34), que reputa deverem ser jugados não provados, alegando que não há qualquer documento que comprove o envio das “Letter of Indemnity” e o relatório de polícia.
30) Em Janeiro de 2024, e conforme solicitado ao Banco 1... como forma de procedimento para a realização da devolução dos valores, foram apresentadas cartas com pedido de reembolso – “Letter of Indemnity”.
34) Foi encaminhado relatório de polícia a OIC e pedida “indeminity letter” a 11.01.2024.
Entende que estes factos devem ser julgados não provados.
Alega para tanto que inexiste documentação junta pelo banco réu, relativamente à segunda transferência que tinha como destinatário o Banco 3..., pois que não existe qualquer comunicação swift com este banco nos autos, para além do pedido inicial de devolução de transferência emitida, desconhecendo se foi remetida àquele banco .
Que até à presente data, não sabe a recorrente porque razão não foi devolvida a totalidade do valor da primeira transferência (deduzindo que o estorno se refere à mesma porque é superior ao valor da segunda transferência) e deduz que não lhe foi devolvido o valor relativo à segunda transferência porque o Banco 1... não cuidou de enviar a documentação necessária (conforme resulta dos documentos 6 junto com a petição inicial e 4 a 9 da contestação), sendo que nunca recebeu qualquer esclarecimento do Banco 1... a respeito.
Conclui que se impõe julgar como não provados os factos que resultam das alíneas 30) e 34) da sentença, porque não há qualquer documento que comprove o envio das “Letter of Indemnity” e o relatório de polícia.
Parece-nos que a reapreciação destes dois factos, se mostra inútil, em face do facto provado 15) que não foi impugnado no recurso e que tem o seguinte teor:
15)-A A. foi reembolsada do referido valor de €17.647,13 (dezassete mil, seiscentos e quarenta e sete euros e treze cêntimos) por conta das duas transferências que a A. julgava estar a realizar para um seu fornecedor (“B...”):
- a primeira no valor de € 24.429,95, realizada a 23.11.2023; e
- a segunda no valor de € 13.952,54, realizada a 29.11.2023; (sublinhado nosso)
Sabe-se também com base nos documento juntos como 1 e 2 da contestação, que, através de documento datado de 30.11.2023, denominado “Devolução de transferência emitida”, pede ao banco do beneficiário a devolução de ambas as quantias: - € 24.429,95 e de € 13.952,54, documentos onde se pode ler: “De acordo com as instruções de Vossa Excª, solicitamos ao banco do beneficiário a devolução da transferência acima identificada. O resultado deste pedido de devolução não depende do Banco 1..., pelo que o mesmo não pode ser responsabilizado pela não devolução dos fundos ou dedução de despesas por parte do banco destinatário. Deste modo sugerimos que, simultaneamente contacte diretamente com o beneficiário da transferência. Caso o Banco 1... não obtenha qualquer resposta, ao fim de 40 dias a contar da presente data, o presente processo será considerado como encerrado”.
Assim, aceitando a Apelante que o reembolso foi feito por conta das duas transferências, ao não impugnar o facto 15 dos factos provados, e aceitando que o Banco 1... fez um pedido inicial de devolução de transferência junto do Banco 3..., mostra-se inútil, a nosso ver, tendo em consideração a decisão de mérito a proferir, saber em concreto se o réu apresentou as cartas com pedido de reembolso – “Letter of Indemnity” e encaminhou o relatório de polícia a OIC junto do Banco 3... (banco destinatário da segunda transferência).
Desta forma, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto, sendo que as alterações passarão a constar, da fundamentação de facto, que segue,
V - FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão, encontram-se provados os seguintes factos:
1) A Autora é uma sociedade que se dedica à atividade de consultadoria, engenharia industrial, assistência técnica e automação industrial.
2) A Autora é cliente do Banco 1..., aqui Réu, com conta n.º ...01.
3) No âmbito da atividade desenvolvida pela Autora, esta recebeu a 21 de Novembro de 2023, um email que julgava ser do fornecedor “B...” a informar que tinham alterado a conta bancária, pelo que os futuros pagamentos deveriam ser feitos para o IBAN ...38 do Banco 2... N.V..
4) Após pedido de confirmação de dados, a 23 de Novembro de 2023 a Autora procedeu ao pagamento de uma fatura vencida, emitida por aquele fornecedor, no valor de € 24.429,95 (vinte e quatro mil, quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e cinco cêntimos).
5) A 29 de Novembro de 2023, da parte da manhã, a autora voltou a receber um email que julgava ser do fornecedor “B...” a informar que existia uma fatura vencida por liquidar e que o pagamento deveria ser feito para o IBAN ...82.
6) Nesse seguimento, a Autora procedeu ao pagamento de uma fatura vencida, emitida por aquele fornecedor, no valor de € 13.952,54 (treze mil, novecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos) no dia 29 de Novembro de 2023.
7) No mesmo dia em que procedeu ao pagamento descrito, a Autora recebeu da parte da tarde um novo email do fornecedor “B...” a questionar quando seriam efetuados os pagamentos das faturas vencidas.
8) A Autora informou de imediato o fornecedor “B...” de que nenhum valor estava pendente uma vez que tinha liquidado as duas faturas, conforme instruções enviadas por email relativamente ao IBAN para efeitos de transferência.
9) O fornecedor “B...” respondeu que não tinha procedido a qualquer alteração da conta bancária.
10) Em face de tal, a Autora concluiu ter sido alvo de uma burla informática.
11) Consequentemente, o legal representante da Autora entrou em contacto com o Gestor de conta a comunicar o sucedido e a solicitar que fossem tomadas diligências urgentes, designadamente que fossem canceladas as transferências de forma a que a Autora pudesse reaver os valores transferidos e apresentou queixa-crime.
12) Após a denúncia realizada no dia 29 de Novembro de 2023, um funcionário do Banco Réu entregou ao legal representante da Autora um documento Swift (correspondência trocada entre Bancos) emitido pelo Banco de Destino relativo à primeira transferência, do qual resulta que este tinha solicitado ao Banco Réu, pela segunda vez e com carácter de urgência, resposta a um pedido de informação sobre suspeita que o Banco de Destino tinha de a Autora ter sido alvo de burla.
13) O Banco de Destino logrou recuperar € 17.647,13 (dezassete mil, seiscentos e quarenta e sete euros e treze cêntimos).
Mais se provou que:
14) Os factos e circunstâncias relacionadas com a situação em causa, antes referida, foram tratados e acompanhados no balcão de ... do Banco R..
15) A A. foi reembolsada do referido valor de €17.647,13 (dezassete mil, seiscentos e quarenta e sete euros e treze cêntimos) por conta das duas transferências que a A. julgava estar a realizar para um seu fornecedor (“B...”):
- a primeira no valor de € 24.429,95, realizada a 23.11.2023; e
- a segunda no valor de € 13.952,54, realizada a 29.11.2023;
16) -A autora deu conhecimento dos factos ao banco réu, através de chamadas telefónicas realizadas no dia 29.11.2023, às 19h:12 (facto ora alterado)
17) A A. aceitou proceder às duas transferências para o IBAN comunicado por email que julgou ser proveniente do fornecedor “B...” sem cuidar em questionar ou validar a proveniência (o email) das informações que recebeu do autor da fraude, sobre a pretensa alteração de IBAN;
18) ... O que resulta da 1.ª chamada realizada pela A. para o Banco R., onde a funcionária da A., BB, reconhece que aceitou e acatou como boa a informação recebida, sem sobre ela questionar (proveniência do email) ou estranhar a atipicidade de tal pedido, tendo procedido em conformidade –efetuou as transferências tendo por base a informação recebida sobre alteração do IBAN a creditar.
19) Facto ora eliminado.
20) As duas transferências foram ordenadas e consumadas através do serviço Banco 1... NET EMPRESAS (utilizadora BB).
21) Quanto à 1.ª transferência:
Realizada a 23-11-2023 às 11:41:14
NUM_CONTA_DB ...01
IBAN_...38
MONTANTE 24.429,95
MOEDA EUR
22) Esta operação foi validada com SMS e coordenada, com SMS enviado para o número de telemóvel ...40:
“Net Empresas, 23 nov 11h41; Trf. Estrangeiro p/; Mont.:24.429,95 EUR; Cod
Autorização: XXXXXX”
23) O SMS e a coordenada foram corretamente inseridos no dia 23-11-2023 às 11:42:19, tendo sido realizada com sucesso a transferência acima indicada pela funcionária da A., BB.
24) Quanto à 2.ª transferência:
Realizada a 29-11-2023 às 11:49:27
NUM_CONTA_DB ...01
IBAN_BEN NL17 Banco 3... ...82
MONTANTE 13.952,54
MOEDA EUR
25) Esta operação foi validada com SMS e Coordenada, com SMS enviado para o número de telemóvel ...40:
“Banco 1... Net Empresas, 29 nov 11h50; Trf. Estrangeiro p/; Mont.:13.952,54 EUR;
Cod Autorização: XXXXXX”
26) O SMS e a coordenada foram corretamente inseridos no dia 29-11-2023 às 11:50:31, tendo sido realizada com sucesso a transferência acima indicada, pela funcionária da A..
27) facto ora eliminado
28) ... Sendo que uma vez alertado pela Autora tentou proceder à devolução dos fundos.
29) Tendo no dia seguinte à denúncia pela A., no dia 30.11.2023, realizado dois pedidos de devolução das transferências.
30) Em Janeiro de 2024, e conforme solicitado ao Banco 1... como forma de procedimento para a realização da devolução dos valores, foram apresentadas cartas com pedido de reembolso – “Letter of Indemnity”.
31) Foi enviado GP ...81 (pedido de dados - OIC solicita confirmação de legitimidade da transferência) no dia 06.12.2023;
32) Foi enviado GP ...51 - Enviado SWIFT OIC a 07/12/2023 – indicando que foi pedida a devolução e que a mesmo foi recusada;
33) E ainda o GP ...11/...38 (com o próprio balcão a solicitar insistência junto de OIC, indicando que têm em sua posse relatório polícia e a solicitar email para envio do mesmo) - enviado swift a OIC a 04.01.2024.
34) Foi encaminhado relatório de polícia a OIC e pedida “indeminity letter” a 11.01.2024.
35) O Banco R. recebeu o documento Swift junto como doc 4 da p.i, a 28 de Novembro de 2023 relativamente à primeira transferência e nada comunicou nem perguntou à Autora, apesar da urgência aí solicitada pelo banco de destino (Banco 2...).” (facto ora alterado)
E são julgados não provados os seguintes factos:
-Que o Banco 1... só tenha tido conhecimento dos factos relativos à primeira transferência através das chamadas telefónicas da própria A., realizadas em 29.11.2023, às 19h:12, e que nessa data em que as duas transferências já tinham sido processadas (pagas na conta do beneficiário).(facto ora alterado).
VI - APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
A presente ação funda-se na responsabilidade bancária, pretendendo a autora ser indemnizada, pelos valores correspondentes aos existentes na sua conta de depósito no banco réu, que foram objeto de duas transferências bancárias por si ordenadas, em 23.11.2023 e em 29.11.2023, julgando estar a proceder a pagamentos a um seu cliente (B...), tendo sido vítima de fraude no âmbito do cibercriminalidade, fundando a responsabilidade do banco na falta de informação e de diligência no acompanhamento da situação.
Na sentença, o Réu foi absolvido dos pedidos, com o seguinte fundamento: “No contexto de facto apurado, o Banco 1... não esteve em condições de poder (nem esteve em condições de dever) evitar as transferências realizadas. Com efeito, não só não teve como identificar a eventual origem fraudulenta dos valores recebidos na sequência das duas transferências realizadas pela A., como, uma vez alertado pela Autora, diligenciou pela devolução dos respetivos valores, tendo no dia seguinte à denúncia pela A., no dia 30.11.2023, realizado dois pedidos de devolução das transferências.
(…) Desse modo, não poderá ser imputada a este qualquer responsabilidade pelas duas transferências que a A. concretizou imbuída em engano perpetrado por terceiro não concretamente identificado, nem poderá ser imputada qualquer atuação omissiva da qual tivesse resultado o comportamento lesivo decorrente das ditas transferências, incluindo da 2.ª das mesmas. Acresce o facto de as mesmas terem sido consumadas com base numa acção da própria A., na pessoa dos seus funcionários, que se concluiu como negligente uma vez que aceitou em realizá-las nos moldes descritos sem questionar ou validar, as informações que recebeu do autor da fraude, sobre a pretensa alteração de IBAN, através de email que julgava ser proveniente do seu fornecedor “B...” mas que na verdade não era. E ainda para mais, considerando o elevado montante das operações envolvidas, como mencionado. Acresce ainda ter sido em resultado de um comportamento ativo que foi desencadeado pelo próprio Banco R. - que logo no dia seguinte ao do conhecimento dos factos, diligenciou pela devolução dos respetivos fundos –, que a A. logrou recuperar uma parte do montante indevidamente transferido, o que sucedeu na sequência e a propósito das insistências realizadas pelo próprio Banco 1....”
A alteração da matéria de facto, a que procedemos, na sequência da impugnação feita neste recurso, da qual decorreu a prova inequívoca, face à documentação junta aos autos, de que o banco réu fora alertado, (antes mesmo da reclamação apresentada pela sua cliente), no âmbito do sistema de comunicação interbancária internacional para a existência de fortes suspeitas de fraude relativamente à primeira transferência fraudulenta de que a autora foi vítima, importa a reapreciação do direito aplicável, uma vez que esta factualidade afasta, a nosso ver, as premissas em que o tribunal de primeira instância baseou a sua decisão.
Resulta da matéria de facto que a autora é detentora de uma conta de depósitos no banco réu.
Como refere Menezes Cordeiro[8] «a abertura de conta é um contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual, ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias. Trata-se do contrato que marca o início de uma relação bancária complexa e duradoura, fixando as margens fundamentais em que ele se irá desenrolar».
A abertura de conta tem associado o «depósito bancário». «O depósito bancário em sentido próprio é um depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro. Trata-se duma operação que surge sempre associada a uma abertura de conta, de tal modo que, em regra, o banqueiro já deu o seu assentimento genérico».[9]
«Quando é efetuado um depósito bancário, este dá origem à abertura de uma conta, constituindo esta a expressão contabilística do depósito efetuado. Assim, é na conta que se vão registar todas as entregas feitas pelo cliente ao abrigo do contrato de depósito celebrado, bem como todos os levantamentos das quantias nela depositadas»[10] (
O art.º 1185.ºdo Código Civil define o contrato de depósito como sendo “o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e restitua quando for exigida”.
O contrato de depósito bancário é assim o contrato, mediante o qual uma das partes (o depositante) empresta a uma instituição bancária (o depositário) certa quantia em dinheiro, mediante retribuição (juros), sendo que o depositário fica proprietário de tal quantia, podendo utilizá-la, embora com a obrigação de a restituir, no mesmo género, qualidade e até tal quantidade, quando o depositante o solicitar.
O depósito bancário faz ainda parte dum complexo contrato celebrado com o banco, relacionado com a movimentação da conta a crédito ou a débito, onde se inclui ainda a possibilidade de movimentação da conta através de meios remotos, nomeadamente através do serviço de homebankig.
Estes serviços, também denominados de “banca eletrónica”, de “e-banking”; de “banco internético”, “banca eletrónica”, “banca on line”, ou permitem aos seus clientes, mediante a aceitação de determinados condicionalismos, a utilização de toda uma panóplia de operações bancárias, online, relativamente às contas de que sejam titulares, que proporcionam ganhos de comodidade para o utilizador que não necessita de deslocar-se à instituição bancária e não fica limitado às horas de expediente dos bancos, fornecendo uma resposta rápida e eficiente às necessidades de movimentação da conta.
Hoje em dia, as operações de pagamento são efetuadas cada vez mais através da internet, assistindo-se a uma acentuada diminuição de pagamentos feitos através de cartões.
Isto coloca importantíssimas questões de segurança, aos utilizadores, uma vez que os atos ilegais cometidos utilizando a internet e outros dispositivos tecnológicos constituem alvos naturalmente apetecíveis para os hackers.
A segurança do serviço prestado pelo banco, utilizando um sistema tecnológico com encriptação da informação, apresenta-se como fundamental, pois a entidade bancária tem o dever de prestar um serviço eficaz e seguro.
Objetivo instrumental do banco para atingir a necessária segurança, é o de garantir que os seus clientes o utilizem de forma correta, fornecendo-lhes a informação necessária para o efeito.
Na Diretiva (UE) 2015/2366 (conhecida como Diretiva «Serviços de pagamento» revista ou DSP 2) que proporciona a base jurídica para o desenvolvimento contínuo de uma maior integração do mercado interno de pagamentos eletrónicos na União Europeia (UE), e foi transposta para a ordem jurídica através do RSP, pode ler-se o seguinte no considerando 7:
“Nos últimos anos, assistiu-se a um aumento dos riscos de segurança relacionados com os pagamentos eletrónicos. Isto deve-se à maior complexidade técnica dos pagamentos eletrónicos, ao volume cada vez maior deste tipo de pagamentos à escala mundial e ao aparecimento de novos tipos de serviços de pagamento. A existência de serviços de pagamento seguros constitui uma condição indispensável para o bom funcionamento do mercado de serviços de pagamento. Os utilizadores de serviços de pagamento deverão ser, pois, protegidos de forma adequada contra esses riscos. Os serviços de pagamento são essenciais para o funcionamento de atividades económicas e sociais da máxima importância.”
Os serviços de pagamento em moeda eletrónica estão sujeitos ao Regime Jurídico dos Serviços de pagamento de da Moeda Eletrónica, (a seguir designado RSP), atualmente regulado pelo DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, que transpôs para a ordem jurídica interna a referida Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, a qual procedeu a uma revisão do enquadramento jurídico europeu em matéria de serviços de pagamento. As alterações que a mesma introduz procuram responder aos desafios do ponto de vista regulamentar colocados pela realidade dinâmica associada aos serviços de pagamento, tendo em vista a implantação generalizada dos novos meios de pagamento no mercado, que asseguram o funcionamento de atividades económicas e sociais da maior importância, e também responder às preocupações relacionadas com a segurança dos pagamentos eletrónicos, fundamental para assegurar a proteção dos utilizadores e a promoção adequada do desenvolvimento do comércio eletrónico em condições concorrenciais.
A segurança dos serviços de pagamento constitui assim indiscutivelmente uma condição indispensável para o bom funcionamento do mercado de serviços de pagamento.
Na situação em apreço, a autora deu instruções ao banco réu, para proceder a duas transferências bancárias, uma no dia 23.11.2023, no montante de €24.429,95 euros, tendo indicado o NIB para o qual a transferência deveria ser feita, duma conta num banco estrangeiro (o Banco 2...) e uma outra em 29.11.2023, no valor de €13.952,54, para o NIB que indicou, duma contra noutro banco estrangeiro, (o Banco 3...), operações estas que foram devidamente validadas com o SMS e Coordenada, com SMS enviado para o número de telemóvel da autora, devidamente inseridas e como tal, devidamente realizadas.
Estas transferências bancárias foram ordenadas pela autora, tendo em vista a autora proceder a pagamentos devidos a um seu cliente – B....
Provou-se porém, que as transferências foram afinal ordenadas para duas contas bancárias de desconhecidos, contas essas cujo NIB foi transmitido à autora, tendo em vista aqueles pagamentos, através de e-mails fraudulentos, cuja origem maligna a autora não se apercebeu.
Provou-.se com efeito que, no âmbito da atividade desenvolvida pela Autora, esta recebeu a 21 de Novembro de 2023, um email que julgava ser do fornecedor “B...” a informar que tinham alterado a conta bancária, pelo que os futuros pagamentos deveriam ser feitos para o IBAN ...38 do Banco 2... N.V..
Não tendo estranhado tal comunicação (a funcionária na gravação junta aos autos, em que comunica ao banco a fraude, refere que mais tarde veio a constatar que o e-mail recebido tinha um “f” a mais do que e-mail do cliente, impercetível numa primeira leitura), a autora deu ordem ao banco réu para proceder à transferência para aquele NIB indicado.
Tratava-se do pagamento de uma fatura vencida, emitida por aquele fornecedor, no valor de €24.429,95.
A 29 de Novembro de 2023, da parte da manhã, a autora voltou a receber um email que julgava ser do mesmo cliente, “B...” a informar que existia uma fatura vencida por liquidar e que o pagamento deveria ser feito para o IBAN ...82.
Nesse seguimento, a Autora procedeu ao pagamento de uma outra fatura vencida, emitida por aquele fornecedor, no valor de €13.952,54 .
Foi quando, nesse mesmo dia, da parte da tarde, que a autora recebeu um novo email do fornecedor “B...” (este verdadeiro), a questionar quando seriam efetuados os pagamentos das faturas vencidas, apercebendo-se dessa forma, da fraude de que foi vítima, o que comunicou de imediato ao banco réu, através de chamada telefónica feita nesse mesmo dia e cuja gravação sonora foi junta aos autos.
A fraude, no âmbito do cibercrime que de que a autora foi vítima, consistiu no facto de ter recebido um e-mail malicioso, com a aparência de ser um e-mail enviado pelo seu cliente “B...”, a quem tinha pagamentos a fazer, a solicitar-lhe que o pagamento fosse feito para um NIB que indicou, quando esse NIB não era do seu cliente, mas de desconhecidos, que dessa forma pretenderam obter benefícios ilegais.
A funcionária da autora, porque tinha um pagamento a fazer a esse cliente da autora, na gestão corrente da vida comercial da empresa, procedeu, ao mesmo, ordenando ao banco réu uma transferência bancária para o NIB que lhe foi indicado, pelo “suposto” cliente, para quele proceder à transferência de fundos da conta da autora, para a conta que lhe foi enganadoramente indicada.
O episódio repetiu-se seis dias mais tarde, sendo que perante o novo e-mail supostamente do mesmo cliente, foi indicado um novo NIB para ser processado outro pagamento que era devido pela autora ao mesmo cliente
Em ambos os casos, tratou-se da realização da operação de transferência bancária para uma conta de um banco estrangeiro.
Sendo a responsabilidade pela prática de tais atos, que causaram um prejuízo à autora correspondente aos valores de que foi desapossada, imputável aos autores (desconhecidos) que os praticaram, teremos, não obstante de analisar agora se, e em que medida, poderá o banco réu ser responsabilizado pelos prejuízos sofridos pela autora, como a mesma pretende.
Como vimos, a operação efetuada consistiu numa transferência bancária.
“A transferência bancária consiste numa ordem dada por um sujeito que tem junto do banco uma conta bancária para que este transfira uma determinada quantia para outra conta bancária, creditando-a nesse valor. O dador da ordem denomina-se ordenante; o destinatário da ordem, o beneficiário. A conta pode ser do ordenante que é ao mesmo tempo beneficiário, ou de outrem; nesse banco (intrabancária) ou noutro banco (interbancária), em Portugal (nacional) ou no estrangeiro (internacional”.[11]
É a forma mais comum de transferência de moeda bancária, segundo o mesmo autor, “que se traduz numa variação do saldo das contas, ou dito de forma mais precisa, da alteração do valor dos créditos bancários do cliente face ao seu banco”.
A transferência bancária decorre assim no âmbito dum prévio acordo com o banco, e consistindo ela um meio de circulação de moeda e um meio de pagamento, ela incluir-se-á no âmbito duma “operação económica mais vasta, cujo cerne, em regra, é um contrato donde emerge a obrigação pecuniária que será satisfeita dessa forma por via de moeda bancária. Esse contrato pode ter uma natureza evidentemente muito diversa – compra e venda, doação, mútuo, empreitada e denomina-se a relação de valuta”.[12]
Em face duma ordem de pagamento válida dada ao banco, concordamos com Pestana de Vasconcelos,[13] quando afirma que, “uma vez dada a ordem e tornando-se esta definitiva, a transferência está imune a qualquer vicissitude do contrato base ou mesmo á inexistência da obrigação que se pretende cumprir. Assim, se o contrato base for nulo, for anulado, resolvido, a transferência não é atingida. A recomposição da relação terá de que se fazer no quadro da relação contratual alterada (deveres de restituição, nos termos do art. 289º, para a nulidade e anulação e art. 433º, com os eventuais limites do art. 434º para a resolução). Se a obrigação for inexistente, a restituição do indevido nos termos do art. 476º, constitui-se entre o beneficiário e o ordenante. Não há qualquer dever de restituição por parte do banco”.
E isto será assim, dizemos nós mesmo no caso de existência de fraude de terceiro, (no caso da mesma não ser percetível), uma vez que o banco está contratualmente obrigado a executar aquela ordem e a mesma traduz-se numa operação autorizada pelo cliente – foi a cliente quem indicou ao banco o NIB da conta de destino, para ser efetuada a transferência.
O banco limitou-se a cumprir a ordem dada pelo seu cliente, tal como estava contratualmente obrigado.
Na situação em apreço, o banco réu recebeu da sua cliente uma ordem de pagamento legítima e devidamente autorizada por aquela.
O banco á partida é alheio ao facto das transferências de fundos ordenadas pela sua cliente não terem suporte em qualquer obrigação de pagamento da sua parte.
Desta forma, porque duma operação autorizada se tratou – é a cliente quem fornece ao banco o IBAN do destinatário dos fundos a transferir, entendemos que a situação em apreço não deverá ser enquadrada no regime previsto para as operação bancárias fraudulentas não autorizada pelo cliente ordenante.
Uma operação não autorizada consiste numa operação de pagamento para a qual o titular não deu o seu consentimento, o que não é a situação em apreço, em que a operação de transferência bancária para uma contra fraudulenta é solicitada e autorizada pela própria autora ao banco, com indicação do NIB beneficiário da transferência.
A nosso ver, a situação em apreço difere das situações abrangidas no artigos 114º e ss do RSP, porquanto ali está contemplada a responsabilidade do prestador de serviços de pagamento em caso de operações de pagamento não autorizadas, que consagra em sede de principio geral, no nº 1 desta norma que o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsar imediatamente o ordenante do montante da operação de pagamento não autorizada após ter tido conhecimento da operação, ou após esta lhe ter sido comunicada.
Uma operação não autorizada consiste numa operação de pagamento para a qual o titular não deu o seu consentimento. No caso em apreço é a própria autora quem autoriza e solicita ao banco a realização da operação.
Relativamente às operações não autorizadas (utilização indevida de cartões, utilização indevida de credenciais de autenticação, utilização indevida de senhas e acesso indevido ao sistema bancário, roubo de identidade e outras,), a lei consagra um regime detalhado, altamente protetor do utilizador dos serviços, sendo que para afastar a sua responsabilidade o prestador de serviços (o banco) terá que apresentar elementos que demonstrem a exigência de fraude, de dolo ou de negligencia grosseira por parte do utilizador dos serviços de pagamento (art. 113º nº 4 da RSP).
Acontece que no caso em apreço, a operação em causa foi devidamente autorizada pela autora, (atuando em erro, é certo). Foi ela quem solicitou ao banco que fizesse a transferência das quantias supra indicadas da sua conta para a conta de destino que ela própria indicou, não tendo havido intervenção de terceiros, que se tivessem intrometido na utilização daquele meio de pagamento.
Dessa forma, o banco que recebeu uma ordem legítima que estava obrigado contratualmente a cumprir.
Nos termos do art. 121º do RSP a ordem de pagamento não pode ser revogada pelo utilizador de serviços, de pagamento, após a sua receção pelo prestador de serviços de pagamento do ordenante, a não ser nos casos aí excecionados, não podendo ser descartada a hipótese de bloqueio da operação, caso se confirme a existência de fraude.
Acontece que a responsabilidade civil que a autora imputa ao banco réu, não é aquela que resulta das normas previstas no RSP do banco relacionadas com o risco associado à utilização dos instrumentos de pagamento aí previstos, especialmente no caso de execução de operações não autorizadas, resultantes nomeadamente da utilização de um instrumento de pagamento perdido, furtado, roubado ou abusivamente apropriado (cfr. artigo 114º e ss).
A responsabilidade que é imputada ao banco réu pela autora é a de não lhe ter prestado e de lhe ter ocultado, uma informação relevante de alerta de fraude e de não ter atuado, com a diligência a que estava obrigado.
O DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro consagra o REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS, (a seguir RGICSF) qual estabelece no artº 73º o seguinte principio fundamental: “as instituições bancárias devem assegurar, em todas as atividades que exerçam elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e de segurança.”.
Prossegue o Artigo 74.º, que consagra Outros deveres de conduta, nos seguintes termos: “Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”
Por sua vez, o critério de diligência mostra-se estabelecido no Artigo 75.º, da seguinte forma: “Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.
Estamos no domínio duma relação de confiança existente entre o banqueiro e o cliente, que comete àquele a gestão do seu património.
Luís[14] Miguel Pestana Vasconcelos, salienta a este propósito deste relacionamento, o seguinte: “A participação de um sujeito, não só na vida comercial, mas na verdade, em quase todos os aspetos do dia-a-dia passa pelo relacionamento com o banco (num exemplo simples pagamento com cartão, débito em conta, transferências, etc.
(…) O banco disponibiliza-lhe um conjunto de serviços financeiros e é a ele que o cliente se dirige para se informar, para pedir aconselhamento.
O cliente espera que o banco o auxilie a defender os seus interesses patrimoniais (com o limite nos próprios interesses do banco – não se espera que o banco conceda crédito a quem não reunir os requisitos para tal), Há neste contrato um elemento de tutela de interesse do cliente assente numa relação de confiança intensa.”
Isto tem enorme relevo na génese e na determinação do conteúdo dos diversos deveres que recaem neste caso sobre o banco.”
Conclui dessa forma que, “Atendendo à relação de confiança que se cria entre as partes, ou melhor do cliente no banqueiro, a quem aquele comete a gestão de grande parte da sua vida patrimonial, decorrem deveres de informação, proteção do património e de aconselhamento.”[15]
Os deveres de informação, aconselhamento e mesmo de proteção do património do cliente, ainda que não estejam diretamente previstos na lei, resultam ou podem resultar de exigência de boa-fé (artº 762º nº 2 do C.Civil) no âmbito do contrato celebrado entre o cliente e o banco.
A ordem de transferência dada pela autora deveria culminar com o crédito da conta de destino no banco Banco 2... daquele valor.
Acontece que no âmbito de processamento interbancário internacional desta transferência de fundos monetários entre as contas envolvidas, o banco do beneficiário (do destino), por ter fortes suspeitas de fraude (certamente por se tratar de conta de depósitos envolvida em incidentes anteriores do conhecimento daquele banco), submete a ordem de pagamento ao seu controle interno de fraude e avisa o banco réu de forma assertiva, que: “Acreditamos firmemente que o seu cliente é vítima de fraude”.
Nessa sequência, solicitando ainda ao Banco 1... para verificar a .legitimidade do pagamento suspeito junto do seu cliente, pede-lhe expressamente o seguinte: “Por favor, pergunte ao banco adquirente o segundo qual é o nome do beneficiário previsto no pagamento queira informar-nos sobre o beneficiário previsto no pagamento.
Informe-nos por que razão o pagamento é (não é) correto e explique a razão subjacente ao pagamento se o pagamento não for correto, enviar um relatório policial completo e uma carta de responsabilidade para fraude(at)Banco 2....nl.”
É isto que consta do documento SWIFT junto aos autos como documento 4 da p.i., mencionado supra na reapreciação da matéria de facto.
De realçar que do documento consta ainda o seguinte: “SEGUNDO PEDIDO DE URGÊNCIA SEM RESPOSTA ÀS NOSSAS MENSAGENS DD28.11.2023.”
Em face desta fortíssima suspeita de fraude, para a qual o banco do beneficiário alertou o banco réu, alerta esse feito, com menção de URGÊNCIA, impunha-se que o banco réu, tivesse avisado de imediato o seu cliente daquela informação, prestada pelo banco estrangeiro.
E impunha-se que, de igual forma, recolhesse com urgência junto da sua cliente, toda a informação que lhe foi solicitada pelo banco do beneficiário da transferência, que visava confirmar a convicção firme daquele banco de que a autora estava a ser vitima de fraude.
Resulta da matéria de facto que o banco, nenhuma relevância deu a tal alerta, que requeria urgência da sua parte no tratamento da mesma, não tendo o banco réu dado resposta deu àquele banco, o que motivou a segunda interpelação via SWIFT do mesmo consubstanciada no documento que foi junto aos autos.
Não deixa aliás de ser significativo para demonstrar, a falta de cuidado e de valor dispensado pelo réu a tão importante informação que lhe foi dada através daquele documento, na forma como o documento SWIFT em que é dado este alerta, foi entregue em mão pelo funcionário do banco ao gerente da autora, (tal como este relatou em tribunal), já após aquele ter descoberto ter sido vítima de burla, como comprovativo ou demonstração de que o banco réu estava a realizar diligências para resolver a situação…
O artigo 762.º, n.º 2, do CC, exige às partes que atuem de boa fé na execução do contrato, sendo esta exigência de atuação de boa-fé, na relação bancária se traduz numa maior intensidade pois traduz-se em deveres de proteção do património do cliente que este lhe confiou.
E justificação económica para tais especiais deveres é clara: o cliente paga diversas comissões, em crescendo, pela realização de operações de pagamento. Um dos núcleos da contraprestação do banco pela comissão paga (que tem sempre nos termos da lei de ter como correspetivo um serviço efetivo por parte do banco — art. 3.º, al. f), do Decreto-Lei n.º 58/2013 de de 8 de maio), é que a segurança dos fundos que confia ao banco seja protegida.
As operações abusivas ou fraudulentas podem assumir configurações muito diversas e, num momento em que sistemas de inteligência artificial possam dar vantagem aos hackers, o banco tem de assegurar a proteção das contas.
Para além do dever geral de diligência que impende sobre qualquer mandatário, no cumprimento da missão que lhe foi confiada, cabem-lhe especiais deveres de lealdade e cooperação, que não resultando literalmente da regulamentação do mandado, se retiram do conteúdo do princípio da boa fé, que no caso não foram observados pelo banco réu.
A omissão de informação da sua cliente, mal foi alertado para a possibilidade de fraude, através de meio de comunicação expedito, teve duas consequências:
A primeira foi a de não ter evitado que a sua cliente fosse novamente vítima de fraude, num contexto muito semelhante ao anterior, já que consistiu em novo pagamento a ser feito supostamente para a mesma cliente, o que de acordo com as regras da experiência e normalidade teria sido evitado, se houvesse conhecimento de irregularidade e de suspeita de fraude na operação de pegamento feita uns dias antes.
A segunda, a de não ter logrado recuperar integralmente os valores objeto dos pagamentos indevidos ao beneficiário da transferência, que poderia ter sido evitado se o banco lograsse junto da sua cliente, obter com a necessária celeridade os elementos que lhe foram solicitados com urgência, pelo banco do beneficiário por suspeitas de fraude.
Com efeito o banco do beneficiário teve de proceder “a um segundo pedido de urgência sem resposta às nossas mensagens.”
Resulta do documento 4 da p.i, que aquele banco tinha a execução da transferência pendente, uma vez que, tal como consta do aludido documento, “a sua ordem de pagamento foi submetida ao nosso controlo interno de fraude”, que estava a correr na Banco 2... Equipa de Investigação e Pagamentos.
E pediu que a resposta fosse dada a essa equipa. Lê-se no aludido documento: “aguardamos a vossa resposta. Queira enviar toda a correspondência futura relativa a esta investigação ao abaixo assinado, mencionando a referência …”.
O Banco réu não juntou qualquer comprovativo de ter respondido diretamente a este pedido, nomeadamente com a urgência solicitada, não demonstrando ter dado continuidade àquele processo de averiguações que corria no banco do beneficiário.
Ao contrário, dos documentos 1 e 2 juntos com a contestação, constata-se que o banco réu se limitou, em face da reclamação apresentada pela sua cliente em 29.11.2023, a remeter com data de 30.11.2023, os pedidos genéricos de “pedido de devolução de transferência emitida”, relativamente às duas transferências suspeitas.
É certo que o banco no âmbito das diligências que posteriormente levou a cabo logrou recuperar e devolver à autora a quantia de €17.647,13.
Porém, se tivesse atuado com a diligência que lhe era exigível, na defesa do património da sua cliente, em face das concretas circunstâncias do caso apurados, em que beneficiou duma informação privilegiada, que lhe foi transmitida internamente pelo banco do beneficiário, de suspeitas fortíssimas de fraude, teria evitado o prejuízo sofrido por aquela, tornando-se dessa forma responsável por ressarcir tal dano.
Conforme refere o professor Menezes Cordeiro, a este respeito[16], “Numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza automaticamente o obrigado: joga contra ele a presunção de culpa – portanto de faute ou de culpa/ilicitude . prevista no artigo 799º nº 1 do Código Civil. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal prestara a informação ou que beneficiara dalguma causa de justificação ou de escusa.
Já numa situação de tipo aquiliano, a mera falta de informação a nada conduz. O prejudicado terá de provar todo o condicionalismo que originaria o dever de informar por parte de outrem e, depois, de demonstrar que o visado não cumprira, com culpa, tal dever”.
No caso em apreço estamos claramente no âmbito duma situação enquadrável da responsabilidade contratual, em que se mostram violados deveres de informação e de diligência por parte do banco réu.
Conclui-se assim, em face da matéria de facto provada, pela responsabilidade do banco réu, pelos danos patrimoniais sofridos pela sua cliente, correspondentes aos valores que não vieram a ser integralmente repostos, por violação culposa dos deveres de informação e de diligência que lhe eram exigíveis, perante a informação de suspeita de fraude, que recebeu num momento inicial de todo o processo, de molde a proteger os interesses patrimoniais da sua cliente, tudo sem prejuízo, naturalmente do direito de regresso sobre o autor ou autores (desconhecidos até á data) do ato ilícito.
A esse valor haverá apenas que deduzir o valor que foi recuperado, totalizando a quantia de € 20.734,66 (24.429,25 + 13.952,54 -17.647,13).
Essa quantia vence juros de mora, tal como peticionado, mas apenas desde a citação do réu, contados á taxa supletiva legal para as operações comerciais, nos termos dos artigos. 804º nº 1, 805º nº 1, 559º do C.Civil e Portaria n.º 277/2013, de 26 agosto.
Em face do exposto, terá que ser revogada a sentença recorrida.
VII - DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e em consequência, condenam o banco Réu a apagar à Autora a quantia de €20.734,66 euros, à qual acrescem juros vencidos e vincendos contados á taxa supletiva legal, desde a citação até integral pagamento.
Custas pelo Apelado.
Porto, 17 de junho de 2025.
Alexandra Pelayo
Maria Eiró
Pinto dos Santos
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[1] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143.
[2] Ver Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, pág.452.
[3] In Introdução do Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 124-125,
[4] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 277.
[5] In “Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil”, pág. 312)
[6] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por Henriques Gaspar no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt
[7] Acórdão disponível in www.dgsi.pt
[8] In Manuel de Dir. Bancário, 2ª ed. Pag.489.
[9] Obra citada, pag. 524
[10] Paula Ponces Camanho – Do Contrato de Depósito Bancário, pag. 93 a 98.
[11] Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, in Direito Bancário, 3ªedição, Almedina, pg. 468.
[12] Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, ob citada, pg. 470.
[13] Obra citada, mesmo loc.
[14] Obra citada, pg. 86
[15] Pg 83 e ss.
[16] Obra citada, pg. 315.