Em caso de concorrência de créditos laborais, da segurança social e o penhor, será de graduar o penhor anteriormente aos privilegiados créditos laborais e da segurança social.
Juízo de Comércio de ...
RELAÇÃO N.º 240
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: João Proença
Ramos Lopes
AS PARTES
Insolvente: A... S.A.
R.: AA.
Foi a lista apresentada homologada nos termos do artigo 130.º, n.º 3 do CIRE, tendo sido reconhecidos os créditos constantes da lista.
“A apreensão física da totalidade dos bens aqui arrolados encontra-se pendente da resolução em benefício da massa insolvente já notificada aos intervenientes e dado conhecimento ao processo em 11-02-2025.”
Os autos aguardam a tramitação do apoio judiciário da massa para nomeação de patrono.
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Foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos:
“Pelos fundamentos expostos decide-se:
a) Homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, com a correção da credora C... Limitada.
b) Graduar os créditos constantes da lista de credores reconhecidos, elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos seguintes termos:
1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da liquidação - art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;
2.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos privilegiados indicados na Lista sob os nºs 2, 3, 4. 5, 13, 20, 23, 24, 25, 27, 28, 31, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 67, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66 e 67.
3º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado sob o nº 11.
4º - Do remanescente, dar-se pagamento rateadamente aos créditos indicados sob os nºs 8 (quanto aos montantes de €8.627,02, €53,03, €427,30 e €9.107,35) e 35 quanto ao valor de €30.616,92.
5º - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos comuns indicados na Lista.
6º - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos subordinados indicados na Lista sob os nºs 59 e 68.
O credor, Banco 1..., S.A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:
“Nestes termos, e nos demais de direito que Vs. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, assim, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que, após a efetiva apreensão dos bens arrolados para a massa insolvente, efetue a graduação especial quanto àqueles a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios e gradue o crédito com penhor mercantil do Recorrente com preferência relativamente ao produto da venda dos bens sobre os quais incide tal garantia.“
“1. Desde logo, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, na medida em que não foram ainda apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente e a eventual apreensão está dependente da resolução em benefício da massa do negócio de venda do património da insolvente a terceiros, a sentença de verificação e graduação de créditos deveria ter sido proferida apenas após a efetiva apreensão, configurando, nesta fase, um ato inútil.
2. Sem prejuízo, verifica-se na douta sentença recorrida uma contradição quanto à classificação dos créditos, uma vez que, enquanto na parte da fundamentação de facto e de direito é referido que efetuada a “análise dos créditos reclamados no presente caso que apenas está em causa a graduação de créditos comuns”, na parte decisória são identificados e graduados créditos privilegiados e o crédito garantido do aqui Recorrente.
3. Este erro em que incorreu o tribunal a quo poderá explicar o facto de na douta sentença recorrida ter sido efetuada uma graduação geral quando, em virtude da existência de direitos reais de garantia e privilégios creditórios reconhecidos na lista de créditos homologada ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, tal graduação deveria ter sido especial para os bens a que respeitam.
4. Preceitua o artigo 140.º, n.º 2, do CIRE que “a graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”.
5. Porquanto resulta da lista dos credores reconhecidos a existência de créditos que gozam de garantia e privilégios, conforme bem enumerou e discriminou o Sr. Administrador da Insolvência, inclusive no requerimento datado de 09.02.2025, com a referência Citius 41540932, cabia ao tribunal a quo efetuar a graduação especial quanto aos bens sobre os quais incidem tais garantias e privilégios.
6. Certo é que na douta sentença recorrida foi efetuada uma graduação geral dos créditos constantes da lista de credores reconhecidos nos seguintes termos:
“1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da liquidação - art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;
2.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos privilegiados indicados na Lista sob os nºs 2, 3, 4. 5, 13, 20, 23, 24, 25, 27, 28, 31, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 67, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66 e 67.
3º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado sob o nº 11.
4º - Do remanescente, dar-se pagamento rateadamente aos créditos indicados sob os nºs 8 (quanto aos montantes de €8.627,02, €53,03, €427,30 e €9.107,35) e 35 quanto ao valor de €30.616,92.
5º - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos comuns indicados na Lista.
6º - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos subordinados indicados na Lista sob os nºs 59 e 68.”
7. Com efeito, na lista dos credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência ao abrigo do disposto no artigo 129.º do CIRE e junta aos autos no requerimento datado de 09.02.2025, com a referência Citius 41540932, são identificados e discriminados, designadamente, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social e o crédito privilegiado dos trabalhadores da insolvente.
8. É, também, devidamente identificado e explicitado o crédito garantido do ora Recorrente Banco 1..., S.A., no valor de € 17.947,26, decorrente de um contrato de mútuo com garantia de penhor mercantil constituído pela insolvente “sobre os seguintes equipamentos:
• Máquina ponto corrido Juki DDL 9000CF no valor de € 3.150,00
• Máquina de casear JACK JK-1790 no valor de 5.040,00
• Máquina Juki costura inglesa MS-1190 completa no valor de € 8.900,00
• Máquina de 12 agulhas no valor de € 4.990,00”.
9. Este crédito garantido por penhor mercantil sobre os quatro equipamentos identificados pelo Sr. Administrador da Insolvência no requerimento em que junta a lista dos credores reconhecidos corrigida é, por sua vez, identificado na mesma com o n.º 11.
10. Tendo o mesmo crédito sido graduado na douta sentença recorrida, sem a devida discriminação quanto aos bens sobre os quais incide o direito real de garantia (apenas 4 máquinas), em 3.º lugar, após as dívidas da massa insolvente, que saem precípuas do produto da liquidação, e dos créditos privilegiados dos trabalhadores da insolvente.
Ora,
11. Decorre do disposto no artigo 666.º, n.º 1 do Código Civil que “o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros (…), com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel (…)”.
12. Por sua vez, o privilégio mobiliário geral dos créditos laborais não beneficiam de uma norma excecional como a do artigo 204.º, n.º 2, do Código Contributivo, aplicando-se a regra geral prevista no artigo 749.º, n.º 1, do Código Civil de que o privilégio geral cede perante terceiros titulares de direitos que incidam sobre os bens abrangidos pelo privilégio e que sejam oponíveis ao exequente.
13. No caso dos presentes autos, o Recorrente é titular de um direito real de garantia, na forma de penhor (artigo 666.º do Código Civil), sobre 4 máquinas identificadas no Auto de Arrolamento de Bens, que também estão abrangidos pelo privilégio mobiliário geral dos trabalhadores, sendo que o penhor, por ser oponível ao exequente, prevalece sobre o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores (artigo 749.º n.º 1 do Código Civil).
14. A análise do espírito do sistema jurídico diz-nos que a regra geral é a de que o penhor, por consubstanciar um direito real de garantia, que incide sobre bens específicos do devedor, cria no credor a especial expectativa de satisfação do seu direito com o produto da venda desses bens, devendo, assim, prevalecer sobre os privilégios mobiliários gerais, que, pelo seu carácter genérico, não têm uma ligação tão forte com os bens abrangidos, não criando uma expectativa tão forte de satisfação do crédito (artigo 749.º. n.º 1, do Código Civil).
15. Neste sentido, o espírito do sistema jurídico obriga-nos a preencher a lacuna da lei com base na regra geral do artigo 749.º, n.º 1, do Código Civil e não com base na regra excecional do artigo 204.º n.º 2 do Código Contributivo, atribuindo maior relevância à expectativa fundada do credor pignoratício de ver satisfeito o seu crédito com o produto da venda dos bens móveis empenhados.
16. Posto isto, foi já amplamente discutido na doutrina e na jurisprudência a contradição ou conflito, aparentemente insanável, das normas relacionadas com a graduação em simultâneo de créditos privilegiados, por contribuições à Segurança Social, garantidos por penhor, a favor das entidades bancárias e privilegiados, de natureza laboral.
17. Sendo mais ponderosos e mais especificamente juscivilísticos os argumentos aduzidos pela corrente maioritária (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-09-2018, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-11-2015, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2021 e 30-05-2006, in dgsi.pt) e sufragada também nas presentes alegações de recurso, defendo que na graduação em que concorram em simultâneo créditos privilegiados, por contribuições à Segurança Social, garantidos por penhor e privilegiados, de natureza laboral, deve dar-se prevalência aos créditos garantidos por penhor mercantil dado que os privilégios creditórios em geral assumem uma natureza excecional - à margem do princípio da autonomia privada, afetam o princípio da igualdade entre os credores - artigo 604.º, n.º 1 do Código Civil e, sendo normas excecionais, não podem ser aplicadas por analogia (artigo 11.º do Código Civil).
18. Deste modo, decidindo como decidiu - postergando a primazia do ora Recorrente enquanto credor pignoratício sobre os créditos dos trabalhadores, o tribunal a quo não fez correta e adequada aplicação do direito.
19. O crédito pignoratício do Recorrente deveria ter sido graduado como crédito preferencial, à frente do crédito dos trabalhadores.
20. Ao ter sido graduado em 3.º lugar, atrás dos créditos privilegiados dos trabalhadores, a sentença recorrida fez uma indevida aplicação e interpretação do disposto nos artigos 666.º e 749.º do Código Civil e violou os artigos 10.º, n.º 3, 666.º, 747.º n.º 1, al. a) e 749.º, n.º 1, do Código Civil e o artigo 333.º n.º 2, al. a) do Código do Trabalho.“.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:
A) Contradição na fundamentação quando refere que só está em causa a graduação de créditos comuns quando na fundamentação decide a graduação de créditos privilegiados e o crédito garantido do recorrente. ;
B) Deveria ocorrer uma graduação geral e uma especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios.
O crédito do credor apelante resultante de um contrato de mútuo com garantia de penhor mercantil constituído pela insolvente sobre equipamentos identificados, id. sob o n.º 11, não foi graduado sem a devida descriminação quanto aos bens que incide o direito real de garantia.
O crédito do credor/apelante prevalece sobre o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores.
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Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e bem como aqueles da sentença ora em crise.
Como primeira nota, é de mencionar que os créditos indicados na Lista sob os nºs 2, 3, 4. 5, 13, 20, 23, 24, 25, 27, 28, 31, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 56, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67 e 68, correspondem a crédito laborais. Ocorre manifesto lapso na indicação de que os créditos 54, 55 e 57, como créditos laborais.
Pelo que se ordenará a alteração da sentença.
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A)
Contradição na fundamentação quando refere que só está em causa a graduação de créditos comuns quando na fundamentação decide a graduação de créditos privilegiados e o crédito garantido do recorrente;
De modo enviesado vem o apelante argumentar que a sentença em causa padece de contradição entre a fundamentação e a parte decisória. Enviesado, pois que o que o apelante pretende obter com o presente recurso, não é obter a anulação da sentença, mas claramente obter a alteração do lugar da graduação do seu crédito. Ainda assim, é de dizer o seguinte.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, o seguinte:
“1- É nula a sentença quando: (…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível“.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, 3.ª ed., pág. 735 e seguintes, em anotação ao artigo 615.º, afirmam os citados autores: “Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação). c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronuncia) e e) (pronúncia ultra petitum). (…)
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade: mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b).”.
Notoriamente a apontada nulidade não se encontra verificada, pois que a decisão não enferma do apontado vício.
A M.ma Juíza não se pronunciou sobre a arguida nulidade (artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), contudo tal pronúncia é dispensável face à simplicidade da questão, tanto mais que o apelante expressamente não arguiu tal nulidade (por não ser esse o seu objectivo, tal como anteriormente apontado).
Quanto à graduação de créditos fundamentou-se do seguinte modo:
“Feitas estas breves considerações passemos à análise dos créditos reclamados no presente caso que apenas está em causa a graduação de créditos comuns, encontrando-se nesta situação todos os créditos verificados.
Preceitua o art. 140.º, n.º 2, do C.I.R.E. que «a graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios.“
Ora, tanto basta para afirmar que de modo amplo a M.ma Juíza fixou qual o quadro legal para decidir da graduação dos créditos em causa. Distinta, é a questão do erro de julgamento, que é a verdadeira questão suscitada pelo apelante.
Não se encontra assim verificada a apontada contradição, que inquinaria de nulidade a sentença.
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Deveria ocorrer uma graduação geral e uma especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios.
O crédito do credor apelante resultante de um contrato de mútuo com garantia de penhor mercantil constituído pela insolvente sobre equipamentos identificados, id. sob o n.º 11, não foi graduado sem a devida descriminação quanto aos bens que incide o direito real de garantia.
O crédito do credor/apelante prevalece sobre o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores.
A questão a decidir diz respeito à precedência entre o crédito do apelante garantido pelo penhor e os créditos dos trabalhadores, tendo presente que o património da massa insolvente a apreender compreende apenas bens móveis (pendência a acção aludida de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente relativa à totalidade dos bens móveis da insolvente).
Declarada a insolvência, todo o património do insolvente passa a constituir a massa insolvente. Esta “destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo” – artigo 46.º, n.º 1 do CIRE.
Os créditos sobre a insolvência, de modo simples, são todos aqueles cuja causa seja anterior à data da declaração de insolvência – artigo 47.º, n.º 1 e 3 do CIRE.
Já os créditos da massa insolvente, por contraposição aqueloutros, são todos aqueles que têm causa ou fundamento posterior à data da declaração de insolvência.
Os créditos sobre a insolvência, são subsumidas as seguintes classes de créditos:
a) os créditos garantidos, ou seja os créditos que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais (artigo 47.º, n.º 4, alínea a) do CIRE);
b) os créditos privilegiados, isto é, os créditos que beneficiem de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente (artigo 47.º, n.º 4, alínea a) do CIRE);
c) os créditos comuns, ou seja, os créditos que não são garantidos, não são privilegiados e não são subordinados (artigo 47.º, n.º 4, alínea. c) do CIRE);
d) os créditos subordinados, ou seja, os créditos que são graduados depois de todos os restantes, mesmo depois dos créditos comuns (artigo 47.º, n.º 4, alínea b) do CIRE).
A sentença de graduação de créditos destina-se a efectuar a graduação geral para os bens da massa insolvente e especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios.
O penhor nos termos o artigo 666.º do Código Civil “confere ao credor pignoratício o direito de se pagar do seu crédito com preferência, relativamente aos outros credores do devedor, pelo valor de determinada coisa móvel, ou pelo valor dos créditos ou “outros direitos não susceptíveis de hipoteca”, do património deste último ou de terceiro.
O penhor constitui um direito real de garantia cujo conteúdo consiste, no poder que confere ao seu titular "de, mediante um ato de disposição, realizar a custa desta a coisa, sem que se torne necessária a cooperação do seu proprietário, ou mesmo contra a sua vontade, determinado valor", com preferência face aos "credores comuns do respectivo proprietário, bem como sobre os credores que disponham também sobre ela de uma garantia, mas de grau inferior."“ L MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, 3ª ed., págs. 259 e 260.
“As garantias reais conferem ao credor garantido "o direito de se fazer pagar, de preferência a quaisquer outros credores, pelo valor ou pelos rendimentos de certos bens do próprio devedor ou de terceiro, ainda que esses bens venham a ser posteriormente transferidos". As garantias reais podem ter a sua fonte na lei ou na vontade das partes. Constituem exemplo das primeiras, as hipotecas legais (art. 704º do CCivil), os privilégios creditórios especiais (designadamente, arts. 738º e ss do CCivil, art. 333.º, n.º 1, al. b) do CTrabalho) e o direito de retenção (arts. 754º e ss do CCivil); são exemplo das segundas a consignação de rendimentos judicial ou voluntária (arts. 656º e ss do CCivil), o penhor (arts. 666º e ss do CCivil), a hipoteca judicial (art. 710º do CCivil) ou voluntária (art. 712º do CCivil), a penhora (art. 822º do CCivil) e o arresto (arts. 391º e ss do CPCivil).”, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manuel de Direito da Insolvência, 8ª ed., pág. 302.
A graduação de créditos na insolvência é geral para os bens da massa insolvente e especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios gerais – artigo 140.º, n.º 2 do CIRE.
Deste modo, haverá que se proceder à graduação especial relativamente aos bens objecto do penhor e de privilégio creditórios gerais – bens móveis, que são a totalidade dos bens a apreender pela massa.
Em caso de concorrência de créditos laborais, da segurança social e o penhor, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que será de graduar o penhor anteriormente aos privilegiados créditos laborais e da segurança social.
Na realidade, os créditos verificados e homologados são créditos laborais, indicados na Lista sob os nºs 2, 3, 4. 5, 13, 20, 23, 24, 25, 27, 28, 31, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 56, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66 e 67, 68, crédito fiscal sob o n.º 8, crédito da segurança social sob o n.º 35.
No confronto destes créditos a sentença em crise graduou em primeiro lugar os créditos laborais, o crédito do penhor, e por fim rateadamente os créditos fiscais e os da segurança social.
Não é esse o entendimento deste Tribunal e bem como da jurisprudência aludida.
A argumentação é aquela que decorre de recente aresto do Supremo Tribunal de Justiça 1871/23.8T8LRA-B.C1.S1, de 09.07.2024, relatado pelo Cons LUÍS ESPÍRITO SANTO, é a seguinte:
“1º - É inegável a contradição lógica que resulta da circunstância de o crédito garantido pelo penhor ter preferência sobre o crédito laboral (artigo 666º, nº 1, e 749º, nº 1, do Código Civil), mas não sobre o crédito da Segurança Social (artigo 204º nº 1 e 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social); de o crédito laboral ter preferência sobre o crédito da Segurança Social (artigo 333º, nº 1 alínea a) e nº 2, alínea a), do Código de Trabalho), mas não sobre o crédito garantido pelo penhor; de o crédito da Segurança Social ter preferência sobre o penhor, mas não sobre o crédito laboral (artigo 747º, nº 1, alínea a), do Código Civil), constituindo-se assim uma triangulação conflituante entre si quando a graduação envolva estes três tipos de créditos.
2º - A solução que melhor compatibiliza, na medida do possível, as normas jurídicas envolvidas, passa pela leitura restritiva do nº 2 do artigo 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, a qual se justifica pela circunstância de concorrendo, em conjunto, créditos pignoratícios, créditos dos trabalhadores, créditos do Estado e das autarquias locais e créditos da Segurança Social, deixar de ser aplicável a solução de preferências destinada a regular a traça normal dos créditos em confronto, evitando-se desta forma a preterição desproporcionada de um conjunto mais alargado de outros credores, a saber os titulares de créditos laborais (em benefício injustificado do crédito da Segurança Social que deveria, à partida, ceder perante aqueles).
3º - Compreende-se neste complexo e sui generis quadro que o penhor tenha preferência sobre o privilégio creditório mobiliário geral da Segurança Social e sobre o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores, dado que constitui uma garantia de natureza real, firmada por via contratual, protegendo as legítimas expectativas garantísticas do respectivo credor, sendo o penhor dotado de sequela e oponível erga omnes, em confronto com a mera preferência de pagamento daqueles relativamente aos créditos comuns.
(Perfilhando esta mesma solução vide Salvador da Costa in “O Concurso de Credores”, Almedina 2015, 5ª edição, págs. 242 a 245; António Carvalho Martins, in “Reclamação e Verificação de Créditos”, Coimbra Editora, página 91, nota 126; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1999 (relator Herculano Namora), com a referência 98-B1084, sumariado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1999 (relator Sousa Macedo), com a referência 002783, sumariado in www.dgsi.pt; contra acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1995 (relator Martins da Costa), publicado in www.dgsi.pt.).“
Aderindo a tal entendimento, haverá que proceder a apelação, revogando-se a decisão quanto à graduação do crédito da apelante por referência aos créditos laborais, passando aquele a ter precedência sobre estes, somente quanto aos bens objecto da garantia.
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Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença:
a) Ordena-se a alteração da sentença na parte de identificação dos créditos laborais, passando os mesmos a ser os seguintes: nºs 2, 3, 4. 5, 13, 20, 23, 24, 25, 27, 28, 31, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 56, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67 e 68.
Deixando de estar identificados como tal os indicados sob o n.ºs 54, 55 e 57.
b) Alterando-se a ordem de graduação de créditos do seguinte modo:
Graduação haverá que se realizar do seguinte modo – por referência às alíneas do segmento decisório da sentença:
b) Graduar os créditos constantes da lista de credores reconhecidos, elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos seguintes termos:
1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da liquidação - art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;
2.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado sob o nº 11, do produto da venda dos bens objecto da garantia.
3º - - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos privilegiados indicados na Lista sob os nºs 2, 3, 4. 5, 13, 20, 23, 24, 25, 27, 28, 31, 34, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 56, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67 e 68.
4º - Do remanescente, dar-se pagamento rateadamente aos créditos indicados sob os nºs 8 (quanto aos montantes de €8.627,02, €53,03, €427,30 e €9.107,35) e 35 quanto ao valor de €30.616,92.
5º - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos comuns indicados na Lista.
6º - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos subordinados indicados na Lista sob os nºs 59.
Mantendo-se o demais aí decidido.
Sem custas, por não serem devidas (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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Alberto Taveira
João Proença
Ramos Lopes
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.