Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARBITRAGEM DE SERVIÇOS MÍNIMOS
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
DIRECÇÃO-GERAL
Sumário
Constatando-se falta de personalidade judiciária de uma das partes em juízo, nada obsta a que, dentro da filosofia do sistema, se desenvolva atividade processual no sentido da sanação do vício em causa.
Texto Integral
DGRSP- Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais apresentou contra-alegações subscritas pelo respetivo Diretor Geral ali suscitando a questão prévia da respetiva legitimidade.
A questão que coloca parece-nos, antes, merecer enquadramento ao nível da personalidade judiciária, como aliás também ali se refere.
Senão, vejamos!
O recurso vem interposto ao abrigo do disposto no Artº 405º da LGTFP – Lei 35/2014 – que, relativamente à arbitragem de serviços mínimos consagra ser aplicável subsidiariamente o regime da arbitragem necessária ali previsto e o regime de arbitragem de serviços mínimos previsto no DL 259/2009 de 25/09.
Dispõe-se aqui a propósito do recurso da decisão arbitral que da mesma cabe recurso, com efeito devolutivo, para o tribunal da Relação, nos termos previstos no CPC para o recurso de apelação.
Será, pois, a partir daqui que teremos que enquadrar a questão.
Tal como dito pela Apelada, a DGRSP – Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, é um serviço da Administração Direta do Estado que, nos termos dos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 123/2011, de 29 de dezembro- Lei Orgânica do Ministério da Justiça-, depende diretamente do Ministério da Justiça. A DGRSP, nos termos da sua Lei Orgânica - Decreto-Lei nº 215/2012, de 28 de setembro-, não goza de personalidade jurídica, pelo que, nos termos dos artigos 11º a 15º do CPC, atento ao princípio da coincidência, a DGRSP, por não ter personalidade jurídica, também não tem personalidade judiciária, não podendo, portanto, estar por si só em juízo.
Diferentemente ocorre no âmbito do processo administrativo e fiscal em que o respetivo código – Lei 15/2002 de 22/02 – expressamente confere personalidade judiciária aos órgãos do Estado (Artº 8ºA/3).
Tal como vem colocada a questão afigura-se-nos que existe alguma confusão nos conceitos, pois são mencionados vários pressupostos processuais para resolver a questão que a Apelada começa por identificar como sendo de legitimidade.
Entendamo-nos!
Reconhecendo-se que a mesma é um órgão do Estado, o que faltará desde logo é personalidade judiciária. Apenas se se puder admitir a existência desta se colocará a questão da eventual representação pelo Ministério Público (por falta de capacidade judiciária) e, subsequentemente, se aquilatará da legitimidade. Isto é, para estar em juízo a Apelada carece de ser pessoa (judiciária), de poder exercer por si os poderes de defesa (capacidade judiciária) e de ter interesse direto em contradizer (legitimidade).
Sendo o caso, como se nos perspetiva, de falta de personalidade judiciária, primeiro dos pressupostos processuais para admitir a presença em juízo, a questão que se nos coloca é se a falta de tal pressuposto pode, no caso, ser suprida.
A Apelada DGRSP foi parte no conflito que levou à intervenção do Colégio Arbitral. Na verdade, ao longo do processo, o conflito desenrolou-se entre o SNCGP e aquela Direção Geral – apresentação de proposta sindical, contraproposta, reunião para acordo sobre serviços mínimos.
Atenta a natureza do processo e a hibridez do mesmo – o processo comporta claramente uma fase administrativa a que se segue, em caso de recurso, intervenção judicial-, são distintas as regras jurídicas a considerar, sendo que na fase administrativa o mesmo se regerá pelo Código de Procedimento Administrativo. Nessa medida, não há obstáculo a que ali atuasse como parte. Nesse pressuposto, sendo interposto recurso, quem deverá, então, perante o Tribunal da Relação, assumir a defesa dos seus interesses?
A jurisprudência a que tivemos acesso já foi confrontada com questão similar.
Muito recentemente no âmbito do AC. RLx. de 6/11/2024, Procº 1928/24-8YRLSB, também foi suscitada a falta de personalidade da Direção Geral da Administração da Justiça. E, tendo-se, embora, assumido tal falta de personalidade, reconheceu-se-lhe capacidade judiciária. Considerou-se que “é o Estado que está em juízo, representado pelo Ministério da Justiça/DGAJ, sendo certo que, atentas as especificidades do presente processo, entendemos não dever ser afastada a aplicação da norma do n.º 2 do art.º 10º do CPTA, pois toda a fase administrativa decorreu sob a égide da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, tendo a convocatória sido dirigida à DGAJ, serviço central do Ministério da Justiça, que participou na reunião de promoção de acordo a que se refere o n.º 2 do artigo 398.º da LGTFP, tendo os respetivos representantes assinado a folha de presenças e se pronunciado quanto às greves decretadas pelo SFJ, bem como lhe foi dirigida a notificação para audição, tendo apresentado alegações nos termos do n.º 2 do artigo 402.º da LGTFP.”
No caso sub-júdice está assumido que quem está em juízo é um serviço da administração direta do Estado e não o Estado, o que subscrevemos. Daí que não equacionemos a questão nos mesmos moldes, antes se devendo partir do pressuposto processual personalidade judiciária.
Ora, na fase administrativa do processo a Apelada tinha personalidade para o procedimento em curso, conforme decorre do Artº 65º/1-a) do DL 4/2015 de 17/01. Todavia, no âmbito de processo judicial, como é o recurso em presença, ao qual são aplicáveis as normas referentes à apelação, o caso muda de figura.
Na verdade, estando a Direção Geral legitimada a participar na fase administrativa, a lei processual civil não lhe reconhece personalidade judiciária, conforme decorre do disposto nos Artº 11º a 13º do CPC, aplicáveis, obviamente, em sede de recurso de apelação.
Não tendo personalidade judiciária, poderá sanar-se a falta de tal pressuposto?
O suprimento da falta de personalidade judiciária parece estar arredado de quanto se estatui no CPC, Artº 11º a 14º1. Contudo, vários são os arestos em que se admitiu tal sanação convocando os poderes que, no passado, eram conferidos pelo Artº 265º/2 do CPC que dava ao juiz a possibilidade de suprir a falta de pressupostos processuais mediante a formulação de convite para o efeito, falando-se atualmente numa tendência jurisprudencial no sentido da sanação ex officio de algumas situações de falta de personalidade judiciária2. Nesse sentido militou o Ac. da RLx. de 4/07/2007, Procº 4048/2000, que cita jurisprudência do STJ, nomeadamente um Ac. de 14/01/2004, bem como o da Ac. RP de 8/06/2010, Procº 1520-D/2002. Segundo alguns autores tal vício é passível de sanação, agora com base no disposto no Artº 6º/2 do CPC3 no qual se consigna que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando os atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo. Há mesmo quem afirme que o disposto no Artº 14º do CPC se aplica, “por analogia, a todos os casos em que os atos de uma parte sem personalidade possam ser assumidos mediante a intervenção de uma parte com personalidade judiciária, tanto no plano processual, como no plano dos efeitos substantivos decorrentes seja da propositura da ação, seja da citação, seja da sentença final”4.
Seguindo esta jurisprudência, e atendendo ao princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais, também não nos repugna convocar o Estado a sanar a falta do pressuposto processual em presença5, assim evitando dar por perdida a defesa apresentada.
Ainda que não ocorresse falta de personalidade judiciária – e ocorre – sempre não se poderia prescindir do necessário patrocínio judiciário, tal qual o mesmo está configurado no CPC, designadamente no Artº 40º/2-c).
E com isto discordamos da Apelada quando refere que não se encontra no quadro jurídico vigente, entenda-se na LGTFP, no que tange ao regime de arbitragem de serviços mínimos (Artº 397º, 398º, 400º e seguintes), a obrigatoriedade de a entidade pública ser representada em juízo por mandatário constituído.
Na verdade, sendo aplicáveis ao recurso as disposições que regem a apelação, tanto basta para que se conclua que também as de carater geral aqui se aplicam.
Como decorre da argumentação supra expendida, do nosso ponto de vista a DGAEP não tem personalidade judiciária, pelo que não lhe é legítimo estar em juízo a defender os interesses que são do Estado, carecendo ainda de ser patrocinada por advogado6.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos Artº 6º/2 e 41º do CPC, convida-se o Estado a intervir e ratificar o processado, constituindo mandatário judicial, sob pena de, não o fazendo, ficar sem efeito a defesa apresentada pela DGRSP.
Notifique (as partes) e cite o Estado nos termos do disposto no Artº 24º do CPC.
Lisboa, 06-06-2025,
Manuela Fialho
_______________________________________________________
1. Antunes Varela e Outros, Manual de processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 116, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II VOL., Almedina, 68, J. P. Remédio Marques, Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª Ed., Coimbra Editora, 346
2. Neste sentido J. P. Remédio Marques, ob. cit., 348
3. Tiago Soares da Fonseca, Julgar nº 36, Almedina, 73
4. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 33
5. A Apelada afirma que em casos anteriores, apreciados nesta Relação, em sede de arbitragem de serviços mínimos, sobre esta mesma temática, a DGRSP foi representada pelo seu dirigente máximo, sem necessidade de representação em juízo por mandatário constituído (Acórdãos de 09.10.2024, processo nº 1590/24.9YRLSB, de 06.11.24, processo nº 2747/24.7YRLSB e de 05.12.2024, Processo nº 1923/24.7YRLSB). Consultados os arestos aí prolatados, nunca a questão foi alvo de decisão, pelo que a omissão da mesma não constitui farol que nos aponte caminho neste aresto numa situação em que a Apelada vem, ela própria, suscitar a questão.
6. O Ministério Público intervém (já interveio) nesta sede como titular de um direito próprio a que é alheia a representação do Estado