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FUNDAMENTAÇÃO
MEDIDA DA PENA
BURLA QUALIFICADA
ESPECIAL VULNERABILIDADE
IDADE
ANTECEDENTES CRIMINAIS
PENA DE PRISÃO
Sumário
I. A fundamentação da decisão recorrida quanto aos factores de determinação da medida da pena totalmente cumpridora, desde logo, do que se dispõe no art. 71.º, n.º 3 do Código Penal, pois detalha os factores essenciais que o caso concreto impunha para determinar a pena que se justificava para o arguido por cada um dos crimes por si cometidos e, perante tais factores, pôde compreender o sentido da decisão tomada pelo tribunal a quo. II. Em sede recursal, cabe analisar se o tribunal recorrido incumpriu alguma etapa ou algum critério essencial e o tenha levado a definir, de forma incorrecta, penas desajustadas ao caso concreto. III. A idade, por si só, traduz uma circunstância modificativa agravante autónoma, que não depende da conjugação de quaisquer outras circunstâncias, bastando, para tal, a leitura da alínea c) do n.º 2 do art. 218.º do Código Penal (a par das outras, não cumulativas, duas circunstâncias susceptíveis de evidenciar a especial vulnerabilidade da vítima, ou seja, deficiência ou doença). IV. A decisão recorrida teve o cuidado de associar a idade da vítima ao comportamento dos dois arguidos, muito mais jovens, sendo que a circunstância de a vítima ser uma pessoa laboralmente activa, se mostra a este respeito irrelevante, dado que não está em causa qualquer vulnerabilidade económica. V. Há uma actuação conjugada dos arguidos perante a vítima, idosa, disso se aproveitando para perpetrar os factos e almejar o seu intento criminoso. VI. Encontrada a moldura abstracta da pena aplicável ao arguido por cada crime cometido, a decisão recorrida ponderou, de forma rigorosa e equilibrada, os factores de determinação da medida da pena que se impunham, tendo por pano de fundo o que dispõe no art. 71.º, n.º 2 do Código Penal, nomeando os que contra si pesavam, mas também os que lhe eram favoráveis. VII. Os antecedentes criminais do recorrente são vastos e diversificados, não tendo as condenação sofridas sido suficientes para o afastar da prática de novos ilícitos. VIII. Esse seu passado criminal, em face dos novos factos criminosos praticados, não permite sustentar qualquer juízo de prognose favorável para justifique a suspensão da pena de prisão fixada.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, aos arguidos AA (filho de BB e de CC, natural de …, solteiro, nascido em ... de ... de 1986, titular do cartão de cidadão n.º …, com domicílio na ...) e DD (filho de EE e de FF, natural de …, solteiro, nascido em ... de ... de 2002, titular do cartão de cidadão n.º …, com domicílio na ...) estava imputada a prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso real:
• um crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1, 26.º e 210.º n.º 1, do Código Penal;
• um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelos artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1, 26.º e 221.º, n.º 1 e 3, do Código Penal;
• um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, devidamente conjugados com os artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1 e 26.º, todos do Código Penal.
• um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamentos, previsto e punido pelos artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1, 26.º e 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal;
• um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1, 26.º e 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º1, alínea d), do Código Penal.
Mais foi imputada ao arguido AA a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º1, alíneas q) az) e ae), 3.º, n.º4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, devidamente conjugados com os artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1 e 26.º, todos do Código Penal.
O Ministério Público mais requereu que, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, o Tribunal arbitrasse uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pelas vítimas.
No decurso da audiência de discussão e julgamento foi comunicada uma alteração da qualificação jurídica relativamente aos factos respeitantes à ofendida GG: com efeito, nessa parte, na acusação pública estava imputada a prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1, 26.º e 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.°, n.°1, alínea d), do Código Penal; em face de tal factualidade foi entendido fazer a alteração da qualificação jurídica, imputando-se aos dois arguidos, em coautoria e na forma consumada, a prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea c), todos do Código Penal, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 1, ex vi n.º 3, do Código de Processo Penal.
Na sequência da audiência de discussão e julgamento foi proferida a seguinte decisão (transcrição parcial):
“Pelo exposto, o Tribunal Colectivo acorda considerar parcialmente procedente, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, consequentemente: 1. Arguido AA
a. Absolve-se o arguido AA do crime de burla informática, pelo qual vinha acusado.
b. Absolve-se o arguido do crime de acesso ilegítimo, pelo qual vinha acusado.
c. Absolve-se o arguido do crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 10.º, n.º1, 14.º, n.º1, 26.º e 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º1, alínea d), do Código Penal, por que vinha acusado.
a. Condena-se o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
e. Condena-se o arguido AA pela prática em coautoria material de um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, na pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 206.º, n.º 2, do Código Penal, de 8 (oito) meses de prisão.
a. Com a alteração da qualificação jurídica efectuada, condena-se o arguido DD como coautor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea c), todos do Código Penal, na pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 206.º, n.º 2, do Código Penal, de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
f. Condena-se o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º1, alíneas q) az) e ae), 3.º, n.º4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
b. Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condena-se o arguido AA na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. DD
a. Absolve-se o arguido AA do crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, por que vinha acusado.
a. Absolve-se o arguido DD do crime de burla informática, pelo qual vinha acusado.
b. Absolve-se o arguido do crime de acesso ilegítimo, pelo qual vinha acusado.
c. Absolve-se o arguido do crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º1, 26.º e 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, por que vinha acusado.
b. Condena-se o arguido DD pela prática em coautoria material de um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, na pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 206.º, n.º 2, do Código Penal, de 6 (seis) meses de prisão.
f. Com a alteração da qualificação jurídica efectuada, condena-se o arguido DD como coautor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea c), todos do Código Penal, na pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 206.º, n.º 2, do Código Penal, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
g. Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condena-se o arguido DD na pena única de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
a. Suspende-se a execução da pena única de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão em que o arguido DD é condenado pelo período de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova, a delinear a delinear e a ser acompanhado pelos técnicos dos Serviços da DGRSP. Do arbitramento oficioso de indemnização à vítima 3. Condena-se o arguido AA no pagamento à vítima HH da quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de reparação pelos prejuízos àquele causados, nos termos do art.° 82.°-A, 67.º A, n.º 1, al. b) e n.º 3 do C.P.P.
4. Condena-se os arguidos no pagamento solidário das custas do processo, fixando a taxa de justiça individual em três UC`s (artigos 513º, nºs 1 a 3 e 514º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais).
5. Declara-se perdida a favor do Estado a arma e munições apreendidas nestes autos e, consequentemente, determina-se a sua entrega à PSP, a quem competirá fixar-lhe destino, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. Declara-se perdida a favor do Estado o telemóvel, da marca ..., modelo ..., apreendido nos autos.”
II- Fundamentação de facto: Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
“II. a) Matéria de facto provada. Com relevância, resultaram provados os seguintes factos:
1. Em data não concretamente apurada, anterior ao dia ... de ... de 2023, os arguidos DD e AA acordaram entre si, simularem acidentes de viação com outros condutores e depois abordarem esses condutores, a quem imputavam a responsabilidade do sinistro e exigiam o pagamento imediato de quantias monetárias para pagar os estragos causados, recorrendo caso necessário à força física ou à ameaça de agressão física para obterem o pagamento dos valores exigidos. NUIPC 1615/23.4PCSNT
2. No dia ... de ... de 2023, os arguidos DD e AA alugaram o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula AV-..-JP a II, pelo período compreendido entre 22h00, do dia ... de ... de 2023 e as 18h00, do dia ... de ... de 2023.
3. No dia ... de ... de 2023, cerca das 10h00, quando JJ, nascido a ... de ... de 1960, à data com 63 anos, estava a estacionar o veículo onde seguia nas imediações do supermercado …, sito na ..., em ..., foi abordado pelo arguido AA que o acusou de ter embatido com o veículo que estava a conduzir no seu veículo de matrícula AU-..-JP.
4. De acordo com um plano previamente estabelecido com o arguido DD, o arguido AA solicitou a HH o pagamento da quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), pelos estragos que aquele tinha causado, sob pena de chamar a autoridade policial, bem sabendo que JJ não tinha provocado quaisquer estragos na sua viatura.
5. De imediato, HH referiu que não tinha dinheiro para efetuar qualquer pagamento, tendo nessa altura exibido o seu cartão multibanco da instituição bancária ... e dito ao arguido para o acompanhar a uma caixa de multibanco para confirmar que não tinha saldo suficiente na sua conta bancária para proceder ao pagamento do valor solicitado.
6. Ato contínuo, sem que nada o previsse, o arguido AA puxou o cartão multibanco da mão direita de HH, logrando retirá-lo, e encetou fuga no veículo com a matrícula AU-..-JP, onde se encontrava o arguido DD, na posse do referido cartão, fazendo-o seu.
7. No cartão multibanco de HH estava colado um papel com o código PIN associado ao referido cartão.
8. Na situação descrita nos pontos 2. a 6. o arguido DD permaneceu sempre no interior do veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula AV-..-JP, não tendo presenciado o arguido AA puxar o cartão multibanco da mão de HH, retirando-o.
1. Posteriormente, o arguido DD, de acordo com um plano previamente estabelecido com o arguido AA, na posse do cartão de HH, deslocou-se ao ATM da ..., sito na ..., em ..., e, sem autorização ou conhecimento de HH, procedeu ao levantamento da quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), pelas 10h59m, e de € 10,00 (dez euros), pelas 11h00, da conta bancária de HH.
1. Após, os arguidos, fazendo-se transportar na viatura com a matrícula AU-..-JP, percorreram a autoestrada A16, no sentido KK e ... e a auto estrada ... em ..., tendo utilizado o cartão de multibanco de HH, sem a sua autorização, para proceder ao pagamento das portagens através de contactless, concretamente € 0,60 (sessenta cêntimos) na portagem da A 16 – KK, pelas11h08, € 1,10 (um euro e dez cêntimos) na portagem A16 - ..., pelas 11h11m e € 1,50 (um euro e cinquenta cêntimos) na portagem da...– ..., pelas 12h26m.
1. O arguido AA agiu com o propósito, concretizado, de subtrair e integrar no seu património o cartão multibanco de HH, sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do respetivo proprietário e que lhe causava prejuízo patrimonial, não se tendo coibido de para o efeito ter atuado de modo súbito, bem como ter utilizado a força física necessária para puxar o cartão multibanco da mão de HH, logrando retirá-lo e fugir do local levando-o consigo.
12. Os arguidos DD e AA atuaram com o intuito, concretizado, de utilizarem o cartão bancário titulado por HH para, sem autorização ou conhecimento deste, seu legítimo titular, efetuaram levantamentos de dinheiro e pagamentos de portagens, assim pretendendo obter, como efetivamente obtiveram, um enriquecimento equivalente ao valor dos levantamentos e pagamentos efetuados, bem sabendo que o aludido cartão bancário, a conta a que o mesmo estava associado e respetivo saldo não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade do respetivo titular.
13. Mais sabiam os arguidos DD e AA que com esta sua conduta provocavam, como efetivamente provocaram, um prejuízo no património de HH, equivalente ao valor dos levantamentos e pagamentos por si efetuados.
14. Os arguidos DD e AA ao utilizarem o cartão bancário titulado por HH, atuaram em comunhão de esforços e de intentos, de acordo com um plano que previamente estabeleceram entre si.
15. Os arguidos DD e AA agiram de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. NUIPC 1057/23.1PFCSC
16. No dia ... de ... de 2023, cerca das 12h00, quando LL, nascida a ... de ... de 1947, à data com 76 anos, se encontrava a conduzir o veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-EG, junto ao moinho da ..., em ..., foi abordada pelos arguidos, que a acusaram de ter embatido com o veículo que estava a conduzir no veículo de matrícula ..-UM-.., onde aqueles seguiam.
17. Nessa sequência, os arguidos solicitaram repetidamente a LL o pagamento imediato da quantia de € 1.700,00 (mil e setecentos euros), pelos estragos que aquela tinha causado, sob pena de chamarem a autoridade policial, bem sabendo que LL não tinha provocado quaisquer estragos na viatura onde seguiam.
18. Acreditando no que lhe foi dito pelos arguidos, designadamente que tinha causado estragos no veículo de matrícula ..-UM-.., e face à postura arguidos, que exigiam que a mesma procedesse ao pagamento dos estragos que tinha causado, LL, por indicação dos arguidos, entrou no veículo onde aqueles seguiam e deslocou-se com os mesmos à loja dos CTT, sita na ..., com o intuito de proceder ao levantamento da quantia monetária solicitada.
19. Aí chegados, LL e o arguido DD deslocaram-se ao ATM, tendo LL, com o auxílio do arguido, pelas 12h24m e 12h25m, procedido a dois levantamentos bancários, cada um no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), no valor total de € 800,00 (oitocentos euros), da conta bancária de que é titular.
20. Após, LL entregou a referida quantia monetária ao arguido AA, que a fez sua.
21. Pelo motivo de ainda faltar dinheiro para pagar a alegada reparação do veículo, os arguidos e LL, que obedecia às sujestões dadas por aqueles, deslocaram-se a três caixas de ATM, não tendo sido possível proceder ao levantamento da quantia monetária em falta por uma das caixas de ATM estar avariada e na outra se encontraram muitas pessoas.
22. Após, o arguido DD disse LL para irem ao centro comercial denominado ..., sito na ..., com o intuito de procederem ao levantamento da quantia monetária em falta, tendo esta obedecido.
23. Aí chegados, o arguido DD dirigiu-se com LL ao piso inferior do centro comercial, onde tentaram proceder ao levantamento de dinheiro numa caixa ATM, que fica junto à zona das lojas de telemóveis, o que não foi possível.
24. Nessa sequência, o arguido DD disse a LL para o acompanhar à loja de telemóveis denominada ..., situada no referido centro comercial, tendo esta obedecido.
25. Aí chegados, LL adquiriu, pelo valor de € 1.000 (mil euros), um telemóvel da marca ..., modelo ..., de cor dourada, que foi escolhido pelo arguido DD e que ficou logo na sua posse, tendo o arguido feito seu o telemóvel.
26. No dia ... de ... de 2024, pelas 07h00, o arguido AA tinha na sua posse, guardado debaixo da cama do seu quarto na sua residência, sita na ..., uma pistola da marca ..., calibre 6,35mm, não manifestada, nem registada, a qual tinha introduzido o carregador e no seu interior 6 munições.
27. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar referidas supra, o arguido AA tinha na sua posse o telemóvel referido em 25.
28. Os arguidos quiseram, e conseguiram, enganar LL, atuando com a intenção desta lhes entregar a quantia monetária referida e proceder ao pagamento do telemóvel e fazendo-a crer que os pretextos apresentados para o conseguirem eram verdadeiros, bem sabendo que apresentavam pretextos falsos para conseguirem o pagamento, pois LL não tinha provocado estragos no veículo de matrícula ..-UM-...
29. Os arguidos atuaram com o intuito de obterem para si, como obtiveram, as referidas quantias monetárias, que fizeram suas, através de engano e astúcia, aproveitando-se da situação de especial vulnerabilidade de LL adveniente da sua idade, e, assim, obterem um enriquecimento a que sabiam não terem direito e que só podia ser obtido à custa de um prejuízo que correspondentemente iriam causar na esfera patrimonial de LL, com expressão pecuniária equivalente, ao apontado montante de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros).
30. Só por ter acreditado nos pretextos apresentados pelos arguidos para conseguir o pagamento do referido valor, concretamente que tinha causado estragos no veículo de matrícula ..-UM-.., e face à insistência dos arguidos para que a mesma procedesse ao pagamento imediato do valor devido pelos estragos causados no veículo, é que LL acedeu entregar-lhes as referidas quantias monetárias e proceder ao pagamento do telemóvel.
31. Os arguidos DD e AA atuaram em comunhão de esforços e de intentos, de acordo com o plano que previamente estabeleceram entre si.
32. O arguido AA não é portador de licença de uso e porte de arma, nem de licença de detenção de arma no domicílio quanto à arma descrita, mas mesmo assim, não se absteve de a ter e usar nos termos descritos.
33. O arguido AA tinha na sua posse a referida arma e munições cujas características bem conhecia, bem sabendo que para as deter, guardar, portar ou usar, necessitava de uma licença específica para o efeito, não obstante não se inibiu de as deter e guardar.
34. Os arguidos DD e AA agiram sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
35. Em sede de inquérito os arguidos depositaram à ordem do Tribunal o montante monetário de € 1.963,20, para pagamento a HH e GG, tendo sido entregues a HH € 163,20 e a GG € 1.800,00 e em julgamento pediram desculpas pelo seu comportamento. (Mais se provou, relativamente ao arguido AA):
36. O certificado do registo criminal do arguido AA averba as seguintes condenações:
a. No processo n.º 84/05.0JBLSB, por factos de ........2005, sentença transitada em julgado em 11.12.2006, foi condenado por um crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa;
b. No processo n.º 543/07.5PHLRS, por factos de ........2007, sentença transitada em julgado em 09.05.2007, foi condenado por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa. Por falta de pagameno do montante da multa, por decisão de 26.05.2008 foi determinado o cumprimento dos 5 meses de prisão;
c. No processo n.º 5319/08.0TBCSC, por factos de ........2005, acórdão transitado em julgado em 25.11.2009, por um crime de roubo, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. A pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57.º, do Código Penal;
d. No processo n.º 1349/04.9PHLRS, por factos de ........2004, acórdão transitado em julgado em 23.11.2010, por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de sequestro, dois crimes de condução sem habilitação legal, um crime de ofensa à integridade física simples e ainda, por factos de 04.07.2005, três crimes de ofensa à integridade física simples, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita a regime prova. A pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57.º, do Código Penal;
e. No processo n.º 398/07.0SILSB, por factos de ........2006, sentença transitada em julgado em 11.03.2011, foi condenado por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa;
f. No processo n.º 847/11.2SILSB, por factos de ........2011, sentença transitada em julgado em 06.06.2011, foi condenado por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses. A pena foi declarada extinta por prescrição;
g. No processo n.º 4/11.8PJLRS, por factos de ........2011, acórdão transitado em julgado em 05.09.2013, por um crime de detenção de arma proibida e um crime tráfico de menor gravidade, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. A pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57.º, do Código Penal;
h. No processo n.º 1442/08.9TDLSB, por factos de ........2007, sentença transitada em julgado em 05.09.2013, foi condenado por um crime de detenção illegal de arma, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa. A pena foi cumprida através da prestação de 120 dias de trabalho a favor da comunidade.
i. No processo n.º 74/14.7GACDV, por factos de ........2014, sentença transitada em julgado em ........2015, por um crime de furto simples, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova. A pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57.º, do Código Penal;
j. No processo n.º 7961/19.4T9LSB, por factos de ........2019, sentença transitada em julgado em 19.05.2021, por um crime de falsidade de testemuho, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova.
37. À data dos factos o arguido AA residia em habitação camarária com a compaheira, relacionamento que mantêm há duas décadas, quatro filhos, de 18, 17, 12 e 6 anos de idade e uma neta, de 2 anos e 6 meses. No meio comunitário mantinha interações adequadas com a vizinhança.
38. AA mantém igualmente proximidade com os seis irmãos, três deles residem na mesma localidade, sendo o mais novo da fratria, tendo os pais e três irmãos falecido há vários anos.
39. O contexto familiar é descrito como assente em laços de afetividade, assumindo o arguido um papel significativo no agregado, cuja subsistência dependia sem constrangimentos dos rendimentos auferidos por AA nas atividades de venda ambulante em feiras e na compra e venda de automóveis assim como de apoios sociais, nomeadamente o Rendimento Social de Inserção e os abonos dos menores.
40. O arguido manteve um curto percurso escolar, abandonando a escola na antiga terceira classe para acompanhar os pais na venda ambulante em feiras, atividade que tem mantido no decurso da sua trajetória, não tendo outras experiências profissionais.
41. Nos períodos de lazer anteriores, AA convivia com a família, com amigos e frequentava com os familiares, numa periodicidade média bissemanal, o culto da ... em ..., negando envolvimento em contextos de risco e em práticas associais.
42. Preso preventivo à ordem dos presentes autos, AA pretende reintegrar o mesmo agregado constituído e retomar as mesmas funções laborais de modo a contribuir para assegurar a subsistência dos diferentes elementos.
43. AA encontra-se preso preventivamente desde .../.../2024 à ordem dos presentes autos e tem vindo a cumprir as regras institucionais, não registando qualquer incidente disciplinar, mantendo-se inativo em termos formativolaborais e recebendo visitas regulares dos familiares. (Mais se provou, relativamente ao arguido DD):
44. O certificado do registo criminal do arguido DD averba a seguinte condenação: a) No processo n.º 707/21.9PZLSB, por factos de ........2021, sentença prolatada em 30.06.2022, transitada em julgado em 05.06.2023, foi condenado por um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
45. À data dos factos DD, de 22 anos de idade, vivia com a companheira e a filha do casal, de 6 anos de idade, relação de união de facto que estabeleceram quando ambos 46. contavam os 15 anos de idade.
46. No presente, integra o agregado familiar da madrasta da companheira, sendo que o pai desta encontra-se recluído, e da qual fazem parte dois irmãos de MM, de 4 e 7 anos de idade, sendo a dinâmica relacional do agregado avaliada de boa e de entreajuda.
47. A família de origem do arguido reside próximo, a cerca de 10 minutos de carro, pelo que as visitas e apoio são constantes, descrevendo o relacionamento com os pais e os quatro irmãos mais velhos como sendo bom e caracterizado por laços de afetos e apoio mútuo.
48. À data dos factos o agregado constituído pelo arguido coabitava num apartamento camarário ocupado pela mãe da companheira, entretanto em cumprimento de pena de prisão, no mesmo bairro, desde meados de 2020.
49. À data dos alegados factos, segundo o arguido, encontrava-se a trabalhar na área da ..., sem vínculo laboral, auferindo o valor diário de 45 euros e ... atividade cessada à data da sua detenção/prisão, sendo ele, na época, o principal provedor do sustento do agregado familiar, embora a companheira se encontrasse registada no agregado familiar da sua mãe, para efeitos de RSI, que cessou após a prisão desta.
50. No período prévio à sua detenção, o arguido esteve a trabalhar alguns meses em ..., na ....
51. No presente, a companheira e a madrasta trabalham informalmente na área das ... em espaços dedicados a ..., cujos montantes auferidos são incertos.
52. O agregado da madrasta da companheira aufere RSI no valor de 270,79 euros mensais, acrescido do abono de família no valor de 244,00 euros relativamente aos dois filhos, e a filha do arguido o montante de 72 euros mensais.
53. Sedo com estes valores que as despesas do agregado são asseguradas, beneficiando o arguido do apoio financeiro de familiares e amigos.
54. Como despesas, o agregado apresenta as com eletricidade, água e TV Cabo/comunicações, o valor de cerca de 92,00 euros mensais, alimentação no montante acima dos 500 euros mensais, aos quais acresce o valor da renda da habitação de 16,79 euros, dividindo as despesas entre a família.
55. DD tem o 5.º ano de escolaridade, tendo saído do sistema de ensino aos 17 anos de idade, após várias retenções, tendo chegado a frequentar o 6.º ano sem sucesso.”
Constam como não provados na decisão recorrida os seguintes factos:
“II. b) Matéria de facto não provada. Com relevância para a decisão não se logrou provar:
1. Os dois arguidos acordaram entre si recorrer à força física ou à ameaça de agressão física para obterem o pagamento dos valores exigidos a condutores que abordassem.
2. Foi de acordo com um plano previamente estabelecido com o arguido DD, que o arguido AA puxou o cartão multibanco da mão de HH, logrando retirá-lo, fazendo-o seu.
3. Foi face à violência psíquica exercida pelos arguidos e por temer pelo comportamento que os arguidos pudessem adotar para a sua integridade física, que LL, entrou no veículo dos arguidos e deslocou-se com os mesmos à loja dos CTT, sita na ..., com o intuito de proceder ao levantamento da quantia monetária.
4. Os arguidos usaram de violência psíquica e perturbaram de modo sério LL no seu sentimento de segurança, de tal forma que a mesma ficou intimidada e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagida a proceder nos termos indicados pelos arguidos e a entregar-lhes os valores indicados.
5. Os arguidos colocaram LL na impossibilidade de oferecer qualquer resistência.
III- Convicção da matéria de facto
O Tribunal a quo justificou a convicção da matéria de facto nos seguintes termos:
“II. c) Motivação da decisão sobre a matéria de facto. O Tribunal formou a sua convicção com base de todos os elementos probatórios carreados aos autos, analisados à luz das regras da experiência comum e tendo por pano de fundo o princípio da livre apreciação da prova (artº 127.º do CPP), tudo conforme o raciocínio crítico e a apreciação valorativa que se passa a expor. Os arguidos admitiram terem acordado entre si, simular acidentes de viação com outros condutores, que abordavam, imputando-lhes a responsabilidade do sinistro e exigindo o pagamento imediato de quantias monetárias para pagar os putativos estragos causados. Foi nesse contexto que no dia ... de ... de 2023, cerca das 10h00, quando JJ, estava a estacionar o veículo onde seguia nas imediações do supermercado …, sito na ..., em ..., foi abordado pelo arguido AA que o acusou de ter embatido com o veículo que estava a conduzir no seu veículo de matrícula AU-..-JP. E de acordo com um plano previamente estabelecido com o arguido DD, o arguido AA solicitou a HH o pagamento da quantia de € 450,00, pelos estragos que aquele tinha causado, sob pena de chamar a autoridade policial. Nesta parte, referiu o arguido AA que tendo JJ referido que não tinha dinheiro para efetuar qualquer pagamento, nessa altura exibiu o seu cartão multibanco da instituição bancária ..., que tinha o respectivo PIN, e disse ao arguido para o acompanhar a uma caixa de multibanco para confirmar que não tinha saldo suficiente na sua conta bancária para proceder ao pagamento do valor solicitado. No entanto o arguido AA negou ter puxado o cartão multibanco e papel que continha o código da mão de HH, logrando retirá-lo e dessa forma fazendo-o seu. Com efeito, nesta parte o arguido AA afirmou ter sido JJ quem teve a ideia e voluntariamente lhe entregou o cartão, de forma a que o arguido levasse o cartão a uma caixa multibanco, enquanto JJ ficava a aguardar o seu regresso junto do seu veículo (mas nunca veio a devolver o cartão). No entanto, do depoimeto escorreito e aparentando credibilidade, prestado em julgamento pela testemunha JJ, resultou que quando este exibiu o seu cartão multibanco da instituição bancária ..., disse ao arguido para o acompanhar a uma caixa de multibanco para confirmar a sua afirmação em como não tinha saldo suficiente na sua conta bancária para proceder ao pagamento do valor solicitado. Foi neste contexto que o arguido AA subitamente agarrou e puxou o dito cartão que se encontrava a mão de HH e o papel contendo o código e contra a sua vontade, levou-o consigo, encetando fuga no veículo com a matrícula AU-..-JP, onde se encontrava o arguido DD. Mais referiu a testemunha JJ que apenas foi abordado pelo arguido AA, tendo o arguido DD permanecido sempre no interior do veículo com a matrícula AU-..-JP, sentado no banco situado ao lado do condutor, a olhar para um computador. Na fuga foi o arguido DD quem conduziu o veículo. Ora, pelo concreto local onde se encontrava sentado, o arguido DD não se encontrava posicionado para, logo que o arguido AA regressasse ao veículo, o colocar em movimento e fugirem do local, como é vulgo acontecer nos “assaltos”. Ademais, tudo indica que nesta situação o acordado seria, como posteriormente vieram a fazer com a testemunha (ofendida) GG, através do convencimento, levarem HH (que pese embora tivesse 63 anos de idade, é doente e aparenta ter idade mais avançada) a levantar montante monetário que lhes entregaria, pois não é habitual os cidadãos trazerem consigo € 450,00 em numerário. Outrossim, o arguido DD permaneceu sempre no interior do veículo, é muito natural que não tenha reparado no gesto efectuado pelo arguido AA de subitamente agarrar e puxar o cartão que se encontrava na mão de HH, contra a sua vontade, pensando que HH o tivesse entregue, por ter sido enganado de forma ardilosa (o arguido DD declarou em julgamento, na senda do que alegara na sua contestação escrita). A testemunha NN, nora de HH, descreveu a sua ida ao banco para cancelar o cartão, tendo tomado conhecimento que já tinha sido utlizado por terceiros. Isto posto, considerou-se como não provado que os dois arguidos acordaram entre si recorrer à força física ou à ameaça de agressão física para obterem o pagamento dos valores exigidos a condutores que abordassem e que foi de acordo com um plano previamente estabelecido com o arguido DD, que o arguido AA puxou o cartão multibanco da mão de HH, logrando retirá-lo, fazendo-o seu. Por sua vez a testemunha GG referiu que os arguidos foram sempre simpáticos, educados e agiram com delicadeza, nunca se tendo constrangida ou ameaçada, tendo sempre agido de livre vontade, mormente ao entrar no veículo conduzido pelos arguidos, ao levantar os montantes monetários que lhes entregou e, outrossim, ao comprar o telemóvel e o entregar ao arguido DD. Apenas após os factos “caiu em si” e tomou consciência que tinha “caído no conto do vigário”. Ou seja, os arguidos em toda a sua actuação usaram do seu poder de manipulação e de amabilidade para a convencerem a fazer aquilo que era o seu propósito de forma voluntária, ademais tendo à data dos factos 76 anos de idade, com mais facilidade é um “alvo” fácil, deixando-se envolver por uma teia de deliberados enganos, ganhando a sua confiança, tal como aconteceu. Assim, considerou-se como não provado que os arguidos usaram de violência psíquica e tenham coagido LL a agir como agiu, colocando-a na impossibilidade de oferecer qualquer resistência. Quanto à pistola apreendida e que se encontrava por baixo da sua cama, o arguido AA declarou que não tem licença de uso e porte de arma e aquela não era sua e sim da sua mulher (os dois dormiam naquele quarto). Pertenceria ao pai da sua mulher, que residia no ... e quando há anos faleceu, a mulher do arguido tê-la-ia levado para a casa do casal, guardando-a, desconhecendo o arguido que tal objecto ali se encontrava. Ora, do auto de busca e apreensão e fotografias, a fls. 210, 212 e 213 resulta que a pistola (e munições) estava guardada por baixo da cama, mas de forma facilmente visivel a quem levantasse o colchão (não estava embrulhada e encontrava-se na parte de cima do que aparenta ser uma caixa transparente contendo outros itens). Do exame à arma apreendida, a fls. 562 e 563 resulta as suas características, estando em condições de funcionamento. Assim, estando a pistola e munições guardadas por baixo da cama do casal, sem estar propriamente oculta, no sentido de embrulhada ou no interior de uma caixa opaca, não se acreditou, de todo, na versão do arguido em como aquela ali se encontrava e desconhecia a sua existência. O arguido quis, sim, transferir a responsabilidade da sua guarda/detenção para a sua mulher, estranha a estes autos. Não se afasta que a sua mulher/companheira também teria conhecimento da presença daquele objecto, porém, assim sendo, ambos guardariam a pistola naquele local. Ademais, resulta do certificado do registo criminal do arguido AA que já sofreu duas condenações por deteção de arma proibida o que, só por si, é revelador de uma certa “atração” por tal tipo de objectos. Isto posto, da conjugação critica da prova o Tribunal convenceu-se que a pistola e respectivas munições eram efectivamente deste arguido. Mais se valorou: informação sobre os movimentos bancários, a fls. 6 e 14; informação prestada pela empresa ..., a fls. 29 a 32; imagens de videovigilância, a fls. 29 a 32, 37 a 43, 81 a 84; relatório de diligências externas, a fls. 44; cópia do termo de responsabilidade de aluguer de veículos com condutor, a fls. 52; auto de busca e apreensão e fotografias, a fls. 210, 212 e 213; auto de exame e avaliação, a fls. 214 e 215; fotografia da arma apreendida, a fls. 216; informação sobre a arma apreendida, a fls. 217; auto de reconhecimento pessoal, a fls. 280 e 281; análise das rotas efetuadas pelo veículo de matrícula AU-..-JP, a fls. 54; exame à arma apreendida, a fls. 562; informação do ..., id. a fls. 724 e 725; imagens de videovigilância, a fls. 6, 8 a 10, 15 a 20; informação sobre os movimentos bancários, a fls. 6 e 14; Anexo I – Relatório do GPS do veículo de matrícula AU-..-JP; exame pericial ao telemóvel apreendido ao arguido AA, a fls. 870 a 881. No que se reporta à situação pessoal dos dois arguidos assentou o Tribunal nos respectivos relatórios sociais elaborados pela DGRSP, conjugado com o depoimento das testemunhas OO e PP, amigas do arguido DD. No que concerne aos antecedentes criminais registados, teve o Tribunal em consideração os respectivos conteúdos dos C.R.C. dos arguidos, juntos aos autos.”
IV- Recurso
O arguido AA, inconformado, apresentou recurso, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
1. “O recorrente confessou os factos, de forma quase integral, não podendo, por isso, demarcar-se da facticidade assente, que aceita.
2. Verbalizou arrependimento, que materializou com a reparação integral das vítimas;
3. As questões colocadas visam, assim, exclusivamente matéria de Direito;
4. Desde logo, o recorrente entende que não está verificada a circunstância modificativa agravante do crime de burla relativa à especial vulnerabilidade da vítima em razão da idade;
5. A vítima, não obstante os 76 anos de idade, estava laboralmente activa, conduzia veículos a motor e revelou em julgamento um discernimento perfeitamente normal;
6. Não resultam da matéria de facto provada quaisquer circunstâncias das quais se possa concluir que a vítima apresenta uma diminuição das suas capacidades físicas e cognitivas, de que os agentes se pudessem aproveitar;
7. A vulnerabilidade da vítima não pode ser a normal de uma pessoa com 76 anos; terá que ser uma vulnerabilidade especial;
8. A idade só pode constituir uma especial vulnerabilidade se a vítima, por força dessa idade, se mostra especialmente incapaz de se defender;
9. Conclui-se, pois, que a vítima não é pessoa especialmente vulnerável em razão da idade,
10. Razão pela qual terá que improceder a circunstância modificativa agravante prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 218.º do Código Penal,
11. Com a consequente condenação do recorrente apenas pelo crime matriz de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal; De outro lado, e sem prejuízo,
12. O recorrente discorda da dosimetria das penas parcelares e única, que considera excessivas e desproporcionais em face do quadro de circunstâncias apurado;
13. O recorrente confessou os factos de forma quase integral, em julgamento e em sede de primeiro interrogatório judicial;
14. Verbalizou arrependimento, pedido desculpas às vítimas, que materializou com a sua reparação integral;
15. Nenhuma vantagem patrimonial resultou a favor dos arguidos e a postura adoptada em julgamento foi, reconhecidamente, de grande humildade;
16. O passado criminal do recorrente é extenso, mas de assinalável antiguidade, nunca tendo sido condenado em penas de cumprimento efectivo;
17. Se as penas especialmente atenuadas reflectem já a reparação integral, a pena de 2 (dois) anos aplicada pelo roubo não toma adequadamente em consideração essa circunstância;
18. Mesmo as penas especialmente atenuadas são excessivas face à respectiva moldura penal;
19. Assim, sopesadas todas as circunstâncias que militam contra e a favor do recorrente, entendem-se adequadas e proporcionais as seguintes penas:
• crime de roubo - pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão.
• crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento – pena especialmente atenuada de 6 (seis) meses de prisão.
• crime de burla qualificada - pena especialmente atenuada de 1 (um) ano de prisão. Ou pena não superior a 6 (seis) meses de prisão caso se entenda que o recorrente deve ser condenado pelo crime de burla simples, caso proceda a primeira questão suscitada).
• crime de detenção de arma proibida - pena de 1 (um) ano de prisão.
20. A pena única não deverá ultrapassar os 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, ou os 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão no caso de condenação pelo crime de burla simples.
21. Aqui chegados, importa ponderar a suspensão da execução da pena de prisão, de acordo com o disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal;
22. A antiguidade e espécie dos antecedentes criminais de maior peso,
23. A reparação integral das vítimas,
24. A confissão e o arrependimento,
25. Conjugado com 1 (um) ano de reclusão enquanto preso preventivo,
26. Permitirão ao Tribunal a formulação de um juízo de prognose favorável,
27. Pois a ameaça de prisão e a reclusão por um período já relevante terão a virtualidade de arredar o recorrente da prática de novos crimes.
28. Cremos, em face do exposto, que é possível ao Tribunal formular um juízo de prognose favorável e suspender a execução da pena de prisão concretamente aplicada, ainda que sujeita a apertado regime de prova e condicionada ao cumprimento de obrigações.
29. Mostram-se violadas as seguintes normas: - 50.º, n.º 1 e 70.º do Código Penal; - artigo 218.º, n.º 2 c) do Código Penal; Nestes termos, deverá, em face dos humildes argumentos invocados, ser revogada a decisão revidenda, e substituída por outra em conformidade com as Motivações que seguiram.[…]”
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
1. “Desde já adiantamos que em nosso entender, se justifica a alteração da qualificação jurídica efetuada e da aplicação ao arguido da pena de prisão efetiva, motivo pelo qual aderimos na totalidade ao douto acórdão recorrido.
2. No que se refere à factualidade em que é vítima LL, efetivamente não resultou provado qualquer ato de violência física ou psicológica exercida sobre aquela, que agiu sempre de livre vontade, porém induzida pela atuação ardilosa dos arguidos, que a levaram a convencer-se que tinha causado estragos no veículo dos arguidos e consequentemente teria de os ressarcir pelo prejuízo que havia dado origem.
3. Os arguidos atuaram sempre com o intuito de obterem para si, como obtiveram, as referidas quantias monetárias, que fizeram suas, através de engano e astúcia, aproveitando-se da situação de especial vulnerabilidade de LL adveniente da sua idade, e, assim, obterem um enriquecimento a que sabiam não terem direito e que só podia ser obtido à custa de um prejuízo que correspondentemente iriam causar na esfera patrimonial de GG, com expressão pecuniária equivalente, ao apontado montante de € 1.800,00.
4. Ficou evidente que da prova produzida, não se encontram preenchidos os elementos típicos do crime de roubo agravado (subtração de coisa móvel alheia, que a conduta seja perpetrada através de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir e que o dolo do agente abranja toda a factualidade típica), porém, tal não significa, no entanto, que as condutas perpetradas pelos arguidos não preencham outro ilícito criminal.
5. Existe lapso de escrita na al. f) do dispositivo no que tange à condenação do arguido AA, que refere o arguido DD, que deverá ser retificado tal lapso.
6. Tal como bem decidiu o Tribunal Recorrido, a idade de 76 anos, aliada à forma ardilosa como os arguidos procederam, evidenciam um aproveitamento doloso da fragilidade natural da vítima – que não dispunha de mecanismos de defesa emocional e cognitiva que lhe permitissem suspeitar da intenção criminosa dos arguidos.
7. A idade da vítima GG, à data dos factos com 76 anos de idade (DN ........1947), é só por si fator causador de especial vulnerabilidade, vítima com menor capacidade de se defender da ofensa aos seus direitos, como veio a verificar-se.
8. Dispõe o artigo 218º, nº 2, al. c), do Código Penal que burla é qualificada quando o agente se aproveita da especial vulnerabilidade da vítima, designadamente em razão da sua idade, deficiência ou doença.
9. No caso dos autos resultou provado que a vítima, à data da prática dos factos, contava com 76 anos de idade, não conhecia os arguidos e, ainda assim, foi induzida por estes a entrar no veículo em que seguiam, sendo posteriormente convencida a efetuar levantamentos bancários, num total de € 800,00 (€ 400,00 em dois levantamentos) conduzindo-a a 3 caixas de Multibanco até conseguirem a referida quantia e, além de ser convencida a adquirir um telemóvel no valor de € 1.000,00, por iniciativa dos arguidos e sob falso pretexto. Parece-nos evidente, que a vítima que não conhecia os arguidos, tivesse por sua iniciativa vontade em acompanhar desconhecidos, despender da quantia em causa, que lhe causava empobrecimento.
10. Estes factos demonstram um esquema fraudulento construído sobre manobras de engano que exploram diretamente a idade avançada da vítima e sua natural tendência para confiar, aliada à ausência de mecanismos de defesa ou suspeita face à atuação dos arguidos.
11. A atuação dos arguidos mostra um claro aproveitamento doloso da condição da vítima, nomeadamente da sua idade e da sua suscetibilidade à manipulação. É ainda relevante o valor total envolvido - € 1.800,00, quantia significativa para uma pessoa de idade avançada, presumivelmente com rendimentos limitados, o que agrava o impacto da conduta criminosa.
12. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, não é pelo facto de a vítima, ainda conduzir o seu veículo automóvel e, ainda estar ativa para o trabalho, que deixa de poder considerar-se vitima da especial vulnerabilidade, em razão da idade.
13. A idade de 76 anos, quando associada à natureza dolosa do esquema de engano utilizado e à manifesta desproporção entre o conhecimento e poder de decisão de ambas as partes, configura claramente uma situação de aproveitamento doloso de especial vulnerabilidade, justificando a qualificação do crime como burla qualificada nos termos do disposto no artigo 218º, nº 2, al. c), do Código Penal.
14. Os arguidos conseguiram sem grande esforço convencer a vítima que tinha embatido no seu veículo causando-lhe estragos, mais a convenceram a proceder de imediato ao pagamento desses estragos no valor que indicaram de € 1.700,00, ficando à mercê de dois homens desconhecidos), efetuasse dois levantamentos num total de € 800,00 num ATM e que lhes comprasse um telemóvel no valor de € 1.000,00. Conseguiram mais do que inicialmente previam e pediram, ou seja, mais € 100,00.
15. Perante o comportamento apresentado pela vítima inexistem dúvidas que na circunstância em que ocorreram os factos, encontrava-se fragilizada, diminuída e especialmente indefesa face aos arguidos, tendo sido em concreto escolhida pelos mesmos, por se tratar de vitima frágil, isto é, de avançada idade, e muito crédula, o que de certo facilitador do crime e, determinante para a sua consumação, com aproveitamento doloso por parte dos arguidos dessa especial vulnerabilidade em razão da idade.
16. Os arguidos com toda a certeza, não optaram por escolher pessoas novas, pois tal dificultaria a consumação do crime em causa.
17. Assim, não existem quaisquer dúvidas que os factos em causa, deverão integrar a prática de um crime de burla qualificada, nos termos legais supra citados.
18. No caso, as necessidades de prevenção geral são acima da média, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento de segurança que urge reforçar quanto a situações corridas com pessoas idosas, e o alarme social que provoca a prática de crimes de burla, com ou sem grande impacto patrimonial.
19. No que respeita às necessidades de prevenção especial as mesmas são muito elevadas, dado que os crimes em causa, foram praticados em pessoa de idade avançada. E o arguido já averba vários antecedentes criminais por crimes graves, apesar de terem sido praticados há algum tempo, revelando com a sua conduta grande dificuldade de se autodeterminar de acordo com as regras vigentes na sociedade e uma grande indiferença face às condenações anteriores.
20. Contra o arguido releva a indiferença na prática dos factos perante as vítimas, de idade avançada, levando-as a crer terem provocado danos e sujeitarem-nas a estar perante dois desconhecidos - homens adultos, que as abordam e lhes imputam factos que as mesmas sabem não ter provocado, sendo-lhes exigido o pagamento de danos inexistentes. Provocando-lhes duvidas após insistência dos mesmos, ao ponto de obedecerem aos comandos dos arguidos.
21. Olhando agora para as penas parcelares aplicadas, analisando os argumentos invocados pelo Recorrente de que se mostram excessivas, entendemos que, o tribunal a quo fez uma leitura correta das necessidades de prevenção, da culpa e demais fatores que, por força de lei, devem ser ponderadas na definição da pena concreta.
22. As necessidades elevadas de prevenção especial derivadas da circunstância do percurso criminoso do arguido, o qual, tendo já sido condenado em 7 penas de prisão, suspensas na sua execução, com regime de prova, tem vindo a persistir na prática de ilícitos, pelo que entende-se que não estão verificados os requisitos para a suspensão da execução da pena de prisão, encontrando-se inviabilizado qualquer prognose favorável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
23. A sua falta de reinserção social e profissional, o seu passado de criminal, encontrando-se atualmente recluso no estabelecimento prisional, leva a concluir-se que já passou a oportunidade de afastar este arguido da criminalidade através da aplicação de penas de substituição e que estamos perante um caso em que se impõe o cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada.
24. Vem o arguido alegar que não se conforma com a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, devendo esta ser suspensa na sua execução. No caso concreto, verificamos que a prevenção geral, afigura-se não despicienda, atento o crescimento de ilícitos desta natureza.
25. No que tange à prevenção especial de socialização, considera-se os anteriores antecedentes criminais do arguido, sendo que já foi condenado em 7 penas de prisão suspensa na sua execução, como supra se referiu.
26. Assim, e ponderando todos estes fatores, não podemos deixar de concordar com o douto acórdão proferido nos presentes autos, considerando também que atentos os antecedentes criminais do arguido, dos quais se retira a propensão deste para a adoção reiterada de condutas desconformes ao direito, a comunidade não entenderia que o Tribunal optasse pela aplicação de uma pena não detentiva de liberdade, depois de o mesmo ter sido condenado, em pena de prisão suspensa na sua execução, voltando a praticar crimes, não tendo o mesmo interiorizado o desvalor da sua conduta, a ausência de autocrítica.
27. Resulta, pois, evidente que as penas não privativas da liberdade, não se mostram de todo adequadas e suficientes para satisfazer as necessidades de prevenção especial e punição que o caso concreto exige, revelando o arguido um grau de culpa elevado. Depois de aplicada a medida concreta, o Tribunal a quo ponderou a aplicação ao arguido de pena substitutiva da pena de prisão, que desde logo afastou, por manifesto insucesso no caso das penas por suspensão da execução. Nestes termos, e nos mais de Direito, deverão V. Exas. negar provimento do recurso interposto pelo Arguido, quanto à alteração da qualificação jurídica, à medida da pena e suspensão da execução da mesma, pelo que, o Ministério Público entende que o douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura, motivo pelo qual deve ser confirmado in totum e mantido na íntegra.”
Nesta instância, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aderindo aos fundamentos da resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância.
V- Questões a decidir:
Do artigo 412.º, n.º 1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
As questões colocadas pelo recorrente são as seguintes:
1. Analisar se se mostra verificada, ou não, a circunstância modificativa agravante do crime de burla imputado ao recorrente, previsto no art. 218.º, n.º 2, al. c) do Código Penal;
2. Da medida concreta da pena aplicada a cada um dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado e avaliar a medida da pena única em virtude do cúmulo jurídico operado;
3. Da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
VI- Fundamentos de direito:
Conforme se enunciou, cumpre começar por analisar se se mostra verificada, ou não, a circunstância modificativa agravante do crime de burla imputado ao recorrente, previsto no art. 218.º, n.º 2, al. c) do Código Penal.
A tal propósito é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida: “No que se refere à factualidade em que é vítima LL, não resultou provado qualquer acto de violência, física ou psicológica exercida sobre aquela, que agiu sempre de livre vontade, porém induzida pela actuação ardilosa dos arguidos, que a levaram a convencer-se que tinha causado estragos no veículo dos arguidos e consequentemente teria de os ressarcir pelo prejuízo que causara. Os arguidos atuaram com o intuito de obterem para si, como obtiveram, as referidas quantias monetárias, que fizeram suas, através de engano e astúcia, aproveitando-se da situação de especial vulnerabilidade de LL adveniente da sua idade, e, assim, obterem um enriquecimento a que sabiam não terem direito e que só podia ser obtido à custa de um prejuízo que correspondentemente iriam causar na esfera patrimonial de LL, com expressão pecuniária equivalente, ao apontado montante de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros). Resulta claro que não se econtram preenchidos os elementos tipicos do crime de roubo - a subtracção de coisa móvel alheia, que a conduta seja perpetrada através de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir e que o dolo do agente abranja toda a factualidade típica. No entanto, o não cometimento do imputado crime de roubo agravado pelos arguidos, não significa que a sua conduta não configura outra ilícito. Com efeito, a sua conduta descrita na acusação pública e que se considerou provada configura um crime de burla. Dispõe o n.° 1, do artigo 217.°, do Código Penal, com a epígrafe “burla”, que «quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa». Conforme resulta do citado artigo 217.º, a burla recobre situações em que o agente, com intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo, próprio ou alheio, induz outra pessoa em erro, fazendo com que esta última, por esse motivo, pratique actos que causam a si mesma, ou a terceiro, prejuízos de carácter patrimonial. Donde, o bem jurídico aqui protegido consiste no património, globalmente considerado – cf. António Manuel de Almeida Costa, «A Burla no Código Penal Português», Almedina, Coimbra, 2020, p. 16. Quanto aos elementos constitutivos do tipo objetivo de ilícito, a burla configura um crime material ou de resultado, cuja consumação depende da verificação de um evento que se traduz na saída dos bens ou valores da esfera de «disponibilidade fáctica» do legítimo detentor dos mesmos ao tempo da infração. Por outro lado, estamos em face de um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem que ocorrer como consequência de uma muito particular forma de conduta levada a cabo pelo agente. Traduzindo-se ela na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar atos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios. Porém, para que se esteja o preenchimento do tipo de ilícito, tornar-se-á necessário que o meio enganoso empregue consubstancie a causa efetiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outro modo, não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro, requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos atos de que decorrem os prejuízos patrimoniais. Tratando-se de um crime material ou de resultado, a consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objetiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património, próprio ou alheio, e, depois, entre os últimos e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial. E a qualquer dos momentos em que se desdobra o duplo nexo de imputação objetiva, subjazem os pressupostos da chamada teoria da adequação – cf. n.º 1, do artigo 10.º, do Código Penal. A correspondente afirmação depende, por isso, das circunstâncias do caso, aí incluídas as características do burlado. No essencial, a questão prende-se com o valor ou o conteúdo comunicacional que, globalmente considerada, a conduta do agente reveste na situação controvertida – cf. António Manuel de Almeida Costa, op. cit., p. 38. Ainda, no tocante ao tipo objetivo de ilícito, o n.º 1 do artigo 217.º, do Código Penal, assinala que o erro do sujeito passivo tem que ser provocado astuciosamente. Tal astúcia deve ser entendida como a conduta do agente que comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reações do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objetivo em vista. Numa tal adequação de meios – adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o «ponto ótimo» no menos sofisticado dos procedimentos –, radica em suma, a à fattispecie deste preceito. Exige-se, assim, como pressuposto de responsabilização do agente, a verificação de um genuíno domínio do erro – cf. António Manuel de Almeida Costa, op. cit., pp. 39 e 40. Tal equivale a dizer que, no quadro de compreensão da burla como delito contra o património, num tal domínio do erro terá que ancorar o fundamento da imputação do resultado à conduta. Na medida em que exprime a adequação do comportamento do agente às características do caso concreto, aquele domínio do erro esgota o conteúdo útil da inclusão do advérbio «astuciosamente» no corpo da norma, enquanto caracterizadora do modus operandi da burla. Por último, integra o tipo subjetivo de ilícito do crime de burla, o conhecimento dos elementos objetivos típicos e a vontade de agir por forma a preenchê-los, tratando-se, por isso, de um crime doloso (podendo tal dolo assumir as diversas modalidades compreendidas no artigo 14.º, do Código Penal) e, bem assim, não tendo lugar o seu sancionamento na forma negligente. Destarte, para o preenchimento do tipo subjetivo, não basta o dolo de causar prejuízo patrimonial ao sujeito passivo ou a terceiro, exigindo-se, de outra parte, que o agente tenha «intenção» de conseguir, através da conduta, um enriquecimento ilegítimo, próprio ou alheio. A burla consubstancia, portanto, um delito de intenção, sem que, não obstante, se requeira, para a consumação do crime, a efetivação de tal enriquecimento ilegítimo, verificando-se tal consumação, logo que ocorra o prejuízo patrimonial da vítima. Por fim, se caracteriza este tipo de ilícito como um crime de resultado cortado ou incompleto, pautado por uma «descontinuidade» ou «falta de congruência» entre os correspondentes tipos subjetivo e objetivo, pois que, embora se exija, no âmbito do primeiro, que o agente actue com a intenção de obter, para si ou para outrem, um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objetivo, se observe o empobrecimento (dano) da vítima – cf. António Manuel de Almeida Costa, op. cit., pp. 58 e 59. São, assim, requisitos do crime de burla que o agente: - Tenha a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo; - Com tal objetivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido sobre factos; e - Determine o mesmo ofendido à prática de atos que causem a este, ou a outra pessoa, prejuízos patrimoniais. Acresce que todos estes elementos devem ser abarcados pelo dolo do agente, uma vez que o crime de burla não é punível a título de negligência, conforme supra referido – cf. artigos 13.º e 14.º do Código Penal. Vertendo ao caso sub judice: Tendo presente os factos que a respeito dos dois arguidos se provaram, através de erro que astuciosamente provocaram, agiram levando a ofendida GG a crer que, no exercício da condução do seu veículo, tinha embatido no veículo dos arguidos causando danos, solicitando-lhe o pagamento da quantia de € 1.700,00 para pagamento dos estragos. Assim, mais conseguiram convencer a ofendida a entrar no veículo dos arguidos, acompanhando-os a um ATM e proceder a dois levantamentos bancários, cada um no valor de € 400,00, montante que lhes entregou e ainda a conveceram a acompanhá-los a um estabelecimento comercial e comprar um telemóvel no valor de € 1.000,00, que também lhe entregou. Verifica-se no caso sub judice, os elementos tipicos do crime de burla – o erro do burlado, o prejuízo patrimonial (no valor de € 1.800,00) e a intenção dos arguidos de obter enriquecimento ilegítimo. Os dois arguidos sabiam que - como era sua intenção – faziam suas quantias pecuniárias e um telemóvel a que não tinha direito e causavam prejuízo patrimonial à ofendida no valor de € 1.800,00 e, correlativamente, obtiveram um enriquecimento no mesmo valor, tendo agido sempre por forma livre e voluntária, ciente de que praticavam atos criminalmente censuráveis. Atuaram, pois, os dois arguidos, com dolo direto, nos termos do n.º 1 do artigo14.º do Código Penal. Cumpre, neste momento, apreciar se se verifica a agravante prevista no artigo 218.º, n.º 2, alínea c) do Código Penal. O legislador optou por censurar de forma especial a conduta daqueles que se aproveitam de situação de especial da vítima, em razão da idade, considerando como qualificativa (art. 218.º, n.º 2, al. c)). A idade avançada da vítima GG, à data dos factos com 76 anos, é só por si factor causador de especial vulnerabilidade, ou seja, de menor capacidade da vítima se defender da ofensa aos seus direitos, como efectivamente se verificou, sendo que os arguidos sem esforço a convenceram que tinha embatido no seu veículo causando estragos, mais a convenceram a proceder ao pagamento imediato desses estragos no valor que indicaram como sendo de € 1.700,00, que entrasse no veículo dos arguidos (ficando à mercê de dois homens adultos desconhecidos), procedesse a dois levantamentos num total de € 800,00 num ATM e que lhes comprasse um telemóvel no valor de € 1.000,00. Ou seja, até conseguiram que os “ressarcisse” com valor superior em € 100,00 daquele que lhe tinham pedido. De todo o concreto comportamento da ofendida retira-se que, naquelas circunstâncias, encontrava-se fragilizada, diminuída e especialmente indefesa face aos autores do crime de burla, tendo sido especialmente selecionada pelos arguidos pela sua avançada idade, por a crerem mais “ingénua” e crédula do que a normalidade das pessoas (mais jovens) colocadas no mesmo contexto, o que seria factor facilitador do crime de burla e determinante para a sua consumação, actuando os arguidos com aproveitamento doloso dessa circunstância de indefensabilidade, vulnerabilidade em razão da idade. Consideramos, assim, que o crime de burla praticado pelos dois arguidos é qualificado pela circunstância do artigo 218.º n.º 2, alíena c), do Código Penal. Não ocorrendo causas de exclusão da ilicitude ou de culpa, cometeram os dois arguidos um crime de burla qualificado, p. e p. nos termos dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal.”
Lida a decisão recorrida, nenhuma censura nos merece o enquadramento jurídico-penal aí realizado quanto à qualificação do crime de burla pelo qual o arguido foi condenado, em coautoria.
Vem o recorrente sustentar que a idade da vítima não é suficiente para se poder fazer a subsunção jurídica suposta pelo tipo legal qualificado do crime de burla.
Ora, a idade, por si só, ao contrário do sustentado no presente recurso, traduz uma circunstância modificativa agravante autónoma, que não depende da conjugação de quaisquer outras circunstâncias, bastando, para tal, a leitura da alínea c) do n.º 2 do art. 218.º do Código Penal (a par das outras, não cumulativas, duas circunstâncias susceptíveis de evidenciar a especial vulnerabilidade da vítima, ou seja, deficiência ou doença).
“[…] [N]o que concerne ao crime de burla a especial vulnerabilidade da vítima, que traduz o desvalor da ação, terá de decorrer - em razão, nos termos da lei - de idade, deficiência ou doença, condições cujo denominador comum se prende, sem dúvida, com uma diminuição substancial das capacidades físicas e/ou psíquicas do sujeito passivo, fatores indesmentíveis de indefensabilidade, o mesmo é dizer de acentuada vulnerabilidade; circunstância que não dispensa uma atuação de aproveitamento doloso – de exploração de uma especial debilidade, em função de idade, deficiência ou doença, da vítima - por parte do agente do crime.”, assim, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7/11/2018, relatado por Maria José Nogueira, processo n.º 1239/10.6PBCBR, disponível in www.dgsi.pt1.
A decisão recorrida teve o cuidado de associar a idade da vítima ao comportamento dos dois arguidos, muito mais jovens, tudo nos termos já transcritos, sendo certo que a circunstância de a vítima ser uma pessoa laboralmente activa (o que nem sequer tem qualquer consagração na factualidade provada), se mostra a este respeito irrelevante, dado que não está em causa qualquer vulnerabilidade económica, nem representa tal circunstância qualquer negação da afirmada especial vulnerabilidade; o mesmo raciocínio vale para a capacidade da vítima conduzir veículos motorizados.
Há uma actuação conjugada dos arguidos perante a vítima, idosa, disso se aproveitando para perpetrar os factos e almejar o seu intento criminoso.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto.
Da medida concreta da pena aplicada a cada um dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado.
A propósito da definição das penas por cada um dos crimes praticados pelo recorrente, a decisão recorrida tem o seguinte conteúdo:
“Enquadrada a conduta dos arguidos da forma supra descrita, cumpre proceder à determinação da pena a aplicar pela prática dos crimes pelos quais são condenados. A primeira operação a efectuar é, naturalmente, a determinação da respectiva moldura penal ou pena abstractamente aplicável, que cabe ao crime praticado pelo arguido. O crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal é punido em abstracto com pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão. O crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo e dados de pagamentos, previsto e punido, nos termos do artigo 225.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa (cfr. ainda art.º 41º, n.º 1, do Código Penal). Ao crime de burla qualificada é aplicável pena de prisão de 2 a 8 anos. O crime de detenção de arma proibida é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. A Lei premeia o agente porque [ou quando] ele toma uma iniciativa de sinal contrário àquela que o levou a delinquir, como seja a restituição da coisa furtada ou a reparação do prejuízo causado. Ainda em sede de inquérito, ou seja, antes do início do julgamento) os arguidos, por sua iniciativa, procederam à reparação integral do prejuízo patrimonial que com a sua conduta causaram aos dois arguidos, pelo que se aplica a atenuação especial da pena prevista no artigo 206.º, n.º 2 do Código Penal. O crime de burla qualificada permite a aplicação de tal atenuação (n.º 3, do artigo 218.º, do Código Penal), bem como o crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo e dados de pagamentos (n.º 4, do artigo 225.º, do Código Penal). Destarte, procedendo-se à atenuação especial das penas, nos termos prevenidos no artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal: Ao crime de burla qualificada passa a ser aplicável a pena de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão e ao crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo e dados de pagamentos, a pena de 1 mês a 2 anos de prisão ou 10 a 240 dias de multa. Relativamente à determinação da medida da pena, a mesma rege-se pelos princípios consagrados no art.º 40º do Código Penal, nos termos do qual o objetivo primordial da aplicação de uma pena será a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial positiva). Impõe-se ainda ter presente o disposto no artigo 70.º, que determina a preferência por penas não detentivas da liberdade, em relação às detentivas, sempre que as primeiras puderem “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. No entanto, sempre que na pena conjunta deva de ser incluída uma pena de prisão, tem a Jurisprudência do STJ entendido que não se deve optar pela pena de multa. Com efeito, conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-09-2020, processo n.º 66/18.7PECBR.C1.S1, da 3.ª Secção “...como este Supremo Tribunal tem entendido, e conforme acórdão de 12-02-2009, proferido no processo n.º 110/09, da 5.ª Secção, convocado nos acórdãos de 07-07-2016, proferido no processo n.º 444/14.0PBEVR.S1 – 3.ª Secção, de 1801-2018, proferido no processo n.º476/13.6GTABF.S1 – 3.ª Secção, e de 21-11-2018, proferido no processo n.º 574/16.4PBAGH.S1 -3.ª Secção, «Sempre que, na pena única conjunta tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas “penas mistas” de prisão e multa»”. Ademais, a conduta perpetrada pelos arguidos, analisada no seu conjunto, é particularmente grave, sendo, assim, a opção pela pena de prisão necessária, adequada e proporcionada, à luz das exigências da prevenção geral e especial. Importa, assim, aferir da medida concreta da pena que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa, devendo fazer-se intervir nesta sede a ponderação dos fins de prevenção geral e especial a que se submetem as penas e as medidas de segurança, nos termos do disposto no artigo 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal. Na ponderação da pena concretamente aplicável impõe-se atender também aos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal, sendo que a pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, tendo-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido. Assim, na pena a aplicar, há que ponderar as exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar da punição, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Ainda há que atender, às exigências de culpa do agente, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa). Por último, cumpre considerar as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena. No caso em apreciação, no que tange aos elementos elencados no art.º 71º, n.º 2 do Código Penal, há que considerar: - As finalidades de prevenção geral e de reprovação do crime de roubo são muito elevadas, porquanto a prática deste tipo de crimes, individualmente portadores de uma gravidade objectiva inequívoca, é perturbadora da tranquilidade e segurança públicas, gerando sentimento de intranquilidade entre o comum cidadão, atenta a frequência com que crimes de semelhante natureza se vêm sucedendo e pelo enorme alarme social gerado por tais condutas, ademais quando ocorridos com recurso a facas. - As necessidades de prevenção geral do crime de detenção de arma proibida, principalmente armas de fogo são relevantes, por a posse de armas gerar sentimentos de insegurança e estar normalmente associada a ilícitos com violência. - Os crimes de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo e dados de pagamentos encontram-se num crescendo numa sociedade marcada pelo advento das novas tecnológicas, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral. - O grau de ilicitude é elevado, atentas as circunstâncias que envolveram a prática dos factos. - A culpa que assenta no dolo directo, de forte intensidade na actuações dos arguidos. - Negativamente, os antecedentes criminais do arguido AA, que com 38 anos de idade, já foi condenado por crimes de desobediência, condução sem habilitação legal, um crime de roubo (na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos), um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de sequestro, crimes de ofensa à integridade física simples, um crime de detenção de arma proibida, um crime tráfico de menor gravidade, um crime de detenção ilegal de arma, um crime de furto simples e um crime de falsidade de testemunho -, já tendo sido condenado em penas de multa, prisão substituída por dias de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, sem e com regime de prova.[…] Assim sendo, atentas as molduras penais aplicáveis ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa dos arguidos, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos, tendo ainda em consideração que a vasta panóplia de antecedentes criminais do arguido AA, mormente da mesma natureza dos que é agora condeado, tem de se reflectir negativamente nas penas, entende o Tribunal como justo, adequado e necessário condenar nos seguintes termos: 1. Arguido AA
• crime de roubo - pena de 2 (dois) anos de prisão.
• crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento – pena de 8 (oito) meses de prisão.
• crime de burla qualificada - pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
• crime de detenção de arma proibida - pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.”
Comecemos por um brevíssimo enquadramento doutrinal do problema, de modo a podermos tomar posição quanto à função do tribunal de recurso quando é colocado a avaliar, como sucede no presente caso, a medida da pena e a sua espécie.
Nas palavras do Professor Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 197: “Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta […] quem sustente que a valoração das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado […] [m]as já assim não será […] se […] tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”
Neste mesmo sentido “conservador” da actuação do Tribunal de recurso em sede de “revisão” da medida concreta da pena encontrada pelo tribunal da condenação, podemos encontrar jurisprudência muito relevante dos nossos tribunais superiores e com a qual concordamos integralmente2.
Com efeito, a imediação permitida pelo julgamento realizado na 1.ª instância, com a presença das pessoas de carne e osso, com o seu modo de ser revelado na dinâmica da produção de prova, na confrontação contraditória de cada momento da audiência, fornecem ferramentas de análise e de ponderação que, pela natureza das coisas, estão inacessíveis em sede de recurso, e fornecem ao tribunal da condenação mais elementos para encontrar a medida justa e equilibrada. Não significa isto que o tribunal que aplica a pena acerte sempre, dado que pode, no seu percurso lógico, não respeitar as operações previstas na lei para definir a pena concreta (seja, por exemplo, porque pondera uma moldura abstracta incorrecta ou porque não pondera elementos essenciais de avaliação das condutas ou da história de vida dos arguidos ou pondera os que nenhuma relevância podem ter); antes quer isto tudo dizer, que, nesta sede recursal, cabe, no essencial, começar por analisar se o tribunal recorrido incumpriu alguma etapa ou algum critério essencial e o tenha levado a definir, de forma incorrecta, penas desajustadas ao caso concreto.
É com este enquadramento que cabe, nesta sede, analisar se o tribunal recorrido procedeu correctamente na determinação da medida da pena.
Encontrada a moldura abstracta da pena aplicável ao arguido por cada crime cometido, a decisão recorrida ponderou, de forma rigorosa e equilibrada, os factores de determinação da medida da pena que se impunham, tendo por pano de fundo o que dispõe no art. 71.º, n.º 2 do Código Penal, nomeando os que contra si pesavam, mas também os que lhe eram favoráveis.
O arguido não discute a natureza da pena aplicada, mas tão somente a sua medida.
Cremos ser a fundamentação da decisão recorrida quanto aos factores de determinação da medida da pena totalmente cumpridora, desde logo, do que se dispõe no art. 71.º, n.º 3 do Código Penal, pois detalha os factores essenciais que o caso concreto impunha para determinar a pena que se justificava para o arguido por cada um dos crimes por si cometidos e, perante tais factores, pôde este compreender o sentido da decisão tomada pelo tribunal a quo.
Ao contrário do que é afirmado pelo arguido, cada uma das concretas penas definidas não revela qualquer desproporcionalidade, antes corresponde a um exercício ponderado relativo à culpa manifestada pelo arguido no cometimento dos factos, às exigências de prevenção especial e às exigências de prevenção geral, numa dimensão proporcional e totalmente cumpridora do espírito do legislador enunciado no art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, que assim permite reafirmar a validade das normas violadas e, por outro lado, a reintegração social do arguido.
Considerando a moldura abstracta prevista por cada um dos crimes cometidos, cremos que o tribunal a quo revelou equilíbrio na fixação concreta do tempo de prisão encontrado, pelo que nenhuma censura a tal respeito nos merece.
Cumpre avaliar a medida da pena única em virtude do cúmulo jurídico operado.
Definida a pena concreta para cada um dos crimes praticados pelo arguido, a decisão recorrida formulou as seguintes considerações no momento de definir a pena única a aplicar:
“Tendo sido condenado por crimes que estão numa relação de concurso, impõe-se fixar aos arguidos uma pena única que, de harmonia com o preceituado no artigo 77.º do Código Penal, deverá ser fixada entre a mais elevada das penas de prisão concretamente aplicadas e a soma de todas, sempre com o limite de 25 anos. Destarte, no caso sub judice, por força da aplicação desta regra, quanto ao arguido AA, a pena mínima é de 2 anos e a pena máxima é de 5 anos e 11 meses de prisão. […] Ponderando os traços de personalidade demonstrados pela actuação de cada um dos arguidos, as circunstâncias e gravidade dos factos, o período temporal em que os mesmos foram praticados, a natureza dos crimes cometidos, intensidade e actuação em coautoria, os expressivos e variados antecedentes criminais do arguido AA, julga-se adequado a aplicação das seguintes penas únicas: Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condena-se o arguido AA na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.”
No momento de definir a pena única, a decisão recorrida revelou mais uma vez equilíbrio, definindo uma pena concreta abaixo do permitido pela moldura abstracta do cúmulo jurídico.
Falece, também nesta vertente, a pretensão do arguido com o presente recurso, o que nos leva a apreciar a última das questões a decidir.
Da suspensão da execução da pena de prisão
A este propósito a decisão recorrida tem o seguinte teor:
“Dispõe o n.º 1, do artigo 50.º do Código Penal, que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim, há que fazer apelo a um juízo de prognose social sobre a conduta futura dos arguidos, o qual tem de assentar especialmente na prevenção especial, mas tendo ainda em conta as necessidades de prevenção geral. Relativamente ao arguido AA, ainda que se verifique o pressuposto formal da pena de substituição (pena suspensa), já que está em causa uma pena única de duração não superior a 5 anos, no entanto não se verifica o seu pressuposto material. Na verdade, analisando os seus vastos antecedentes criminais - por crimes de desobediência, condução sem habilitação legal, um crime de roubo (na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos), um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de sequestro, crimes de ofensa à integridade física simples, um crime de detenção de arma proibida, um crime tráfico de menor gravidade, um crime de detenção ilegal de arma, um crime de furto simples e um crime de falsidade de testemunho -, já tendo sido condenado em penas de multa, prisão substituída por dias de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, sem e com regime de prova, não se pode entender que a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão se mostra suficiente para evitar que o arguido volte a assumir a prática de condutas ilícitas e que da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão se alcançarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Por todo o exposto, o arguido AA deverá cumprir, efetivamente, a pena única em que é condenado.”
Em face dos requisitos legais que permitem a substituição da pena privativa da liberdade pela suspensão da sua execução, a decisão recorrida concluiu, em face sobretudo dos seus antecedentes criminais, que não estavam reunidos os pressupostos necessários e fez bem. Com efeito, os antecedentes criminais do recorrente são vastos e diversificados, tendo sofrido as condenação respectivas, as quais, no entanto, não foram suficientes para o afastar da prática de novos ilícitos. Esse seu passado criminal, em face dos novos factos criminosos praticados, não permitem sustentar qualquer juízo de prognose favorável fulcral para permitir a suspensão da pena de prisão fixada, cujo tempo definido já repercute as circunstâncias que lhe são favoráveis e resultam devidamente elencadas a propósito da concreta pena por cada um dos crimes cometidos e na pena única.
Termos em que improcede, também neste segmento, o recurso interposto pelo arguido.
VII- Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 (quatro) UCs.
Notifique.