TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário

I - O crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25º, alínea a), do DL 15/93, é uma forma privilegiada do crime do art.º 21º, (...) crime que tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição da ilicitude”, conforme se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2000, CJ, Ano VIII, tomo I, pág. 190.
II - Além de que, “o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. Ou, mais precisamente, «o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos »”, como se resume no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.10.2014, em texto integral em wwwÁgsi.pt.
III - Ora, no caso dos autos temos como provado que os arguido dispunham já de um nível médio de organização, isto é, tinham uma casa de “recuo”, na qual um deles, acompanhado de indivíduo não identificado, procedia ao embalamento, acondicioamento, pesagem e na qual guardavam droga, dinheiro e todo o manancial de objectos necessários à actividade de tráfico e o outro procedia a entrega da droga aos consumidores que os procurassem.
IV - Possuíam embalagens de cocaína, heroína e haxixe, o que de qualquer modo, implicava terem já assegurado quem lhes fornecesse estes três tipos de droga, e tinham consigo quantia que já ascendia a mais de 800 euros, a qual foi detectada num só dia.
V - Assim, resulta indiscutível que a actuação dos arguidos integra a acção típica prevista no art.º 21º do DL 15/93, de 22.01 dado que não se detecta nenhuma diminuição considerável da ilicitude.
VI - Entendemos, e disso já demos conta noutras decisões proferidas, que a fixação da medida concreta da pena envolve para o juiz, escreve Jesheck , in Derecho Penal , pág. 1192 , Vol. II , uma certa margem de liberdade individual , não podendo , no entanto , esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser , estruturalmente aplicação do direito , devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente , por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP.
VII - Em nosso entendimento, o Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
VIII - Assim, a regra a seguir por este Tribunal de recurso, deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, sendo todo o processo lógico de determinação da pena exata aplicada aferido em sede de recurso, e, caso seja insuficiente ou desajustado, alterado de acordo com o circunstancialismo factual assente, caso contrário, deverá ser mantido e consequentemente a pena concreta assim fixada.
IX - Na verdade, revela a fundamentação do acórdão dado a recurso, que foi feita a ponderação das necessidades de prevenção geral e especial, foi tida em conta que a ilicitude mediana, que os arguidos actuaram com dolo directo, a atuação anterior e posterior ao crime, a ausência de antecedentes criminais, e a própria personalidade dos agentes, pelo que se considera que as penas aplicadas são ajustadas e equilibradas, nada havendo a censurar à decisão.

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório:
Nos autos de Processo n.º 989/23.1SXLSB.L1.foi proferido Acórdão no qual foi decidido:
Condenar os arguidos AA e BB cada um, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma – na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, nos termos que constam na douta decisão.
Inconformado, veio o arguido BB, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
Por acórdão proferido e depositado em 31/01/2025, foi o recorrente BB foi condenado pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e (10) dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, acompanhado de regime de prova.
B. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos às normas princípios jurídicos que se impunham aplicar e não às que foram aplicadas.
C. Entende o recorrente, com o devido respeito, que, da prova produzida em audiência de julgamento e sua ponderação, impõe-se decisão diversa da recorrida.
D. Quanto à Matéria de Facto: O aqui Recorrente entende não ter ficado demonstrado, quanto a si, que tivesse procedido à actividade de venda de estupefacientes, muito menos “proprietário” dos bens apreendidos no interior do …, conforme o Tribunal à quo o condenou.
E. Aliás, esse facto não foi demonstrado nem por prova testemunhal nem pericial; inexiste na realidade qualquer prova.
F. A prova que existe é que o aqui Recorrente é consumidor de produto estupefaciente e que, naqueles circunstância de tempo, lugar e modo, tinha ido adquirir produto estupefaciente para consumo próprio.
G. A testemunha CC, agente da PSP, em suma, quando inquirido menciona o seguinte:
- É um local que patrulha com frequência;
- À entrada do ... estavam 2 indivíduos; era o BB e outro que não sabe quem era;
- O BB fugiu para o interior do prédio;
- Viu o BB a entrar para o quarto; - Não se recorda sequer de alguma vez ter visto o aqui Recorrente no Bairro.
H. Por sua vez, a testemunha DD (Agente da PSP), refere o seguinte, em súmula:
- Nunca tinha visto os arguidos e só os conhece desta situação;
- O BB e o AA saltaram ao mesmo tempo;
- A droga estava mais perto do AA;
- Não viu o saco a cair do bolso do AA, mas acha que é dele por estar mais próximo
I. No mais, inexiste qualquer prova testemunha, pericial, documental que permita sustentar uma condenação tão escandalosa como a que foi proferida pelo Tribunal a quo.
J. O Tribunal a quo não se pode valer unicamente de regras de experiência comum, à sua convicção ou a qualquer outro critério que não em conjunto com um meio de prova válido, e condenar o recorrente pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, se na verdade nenhuma testemunha apresenta uma versão bastante que corrobore tal condenação.
K. Com efeito, estando os factos dados como provados, mas não o tendo sido devidamente motivado nem constar de qualquer meio de prova válido, entende-se ser nula, violando grosseiramente o disposto no art.º 374.º Código Processo Penal, porquanto o tribunal a quo formou a sua convicção, condenou o recorrente com base em factos que não foram dados como provados.
L. Ao dar como provados tais factos, nas versões que constam da fundamentação do Acórdão, violou, entre outros, o princípio da Livre apreciação da Prova, consagrado no art. 127.º do CPPenal.
M. Conforme saliente FIGUEIREDO DIAS in “Direito Processual…”, pág. 139, este princípio está associado ao “…dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo”.
N. No entanto, e como bem enaltece HENRIQUE EIRAS in “Processo Penal Elementar”, Quid Iurys, 2003, 4.ª Edição, p. 102, refere que este princípio “…não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamentação. O Juiz tem de orientar a produção de prova para a busca da verdade material e, ao decidir, há-se fundamentar as suas decisões…”.
O. Refere também FERNANDO GAMA LOBO, in Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2019, 3.ª Edição, pág. 223, que “As regras de experiência têm de corresponder à experiência comum, inerente à sociedade em que vive e a livre convicção têm de corresponder a substratos racionais apreensíveis pela generalidade das pessoas.”.
P. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não observou as mais elementares regras da experiência comum, apreensíveis pela generalidade das pessoas, e em vez de aplicar o princípio sério de livre apreciação da prova, foi no sentido de somente considerar a prova - in casu, a falta de prova – da acusação num seguidismo cego da sua tese.
Q. Veja-se, assim, o mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do Processo n.º 3/07.4GAVGS.C2, de01/10/2009: “a Livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencionamento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido de responsabilidade bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência”.
R. O Tribunal a quo, em evidente do Direito que se queria aplicada, condenou o Recorrente, conforme consta do Acórdão em crise, na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal.
S. Não obstante, e sem prescindir da aclamada Absolvição, para o caso de assim se não entender, não se concebe este entendimento do Tribunal a quo, atento os factos dados como provados e, inevitavelmente, as circunstâncias de modo em que o crime alegadamente ocorreu.
T. Dispõe o art. 25º, al. a) do Dec. Lei nº 15/93, de 22-01: «Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III, V e VI;». Conforme salienta o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-11- 2006 (http://www.dgsi.pt/) a respeito da previsão do mencionado art. 25º «... a atenuação não resulta de uma menor exigência de tutela punitiva face a uma menor potencialidade ofensiva de uma menor quantidade, mas antes a de atribuir menor relevo à menor perigosidade presumida da actividade criminosa, avaliada esta na sua globalidade. As circunstâncias enumeradas de forma não taxativa, deverão ser ponderadas numa perspectiva de averiguação objectiva de um menor relevo ou de um menor grau da ilicitude da acção.».
V. Salienta igualmente a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2010 (http://www.dgsi.pt/):
«O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25º do DL 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, previsto no art. 21º do diploma citado.
(...)
Assim e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25º, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do citado art. 25º, como vem defendendo o STJ, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjuntamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades e contemplados no crime tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para a integração da norma que prevê e pune o crime tipo.».
Y. Transpondo tais considerações para o caso em apreço, do confronto com os factos provados valorados na sua globalidade verifica-se que a factualidade provada reconduz-se a um episódio de cedência de estupefacientes e a uma situação de detenção de estupefacientes na mesma data, destinada à cedência a terceiros mediante a obtenção de vantagem patrimonial/contrapartida monetária, desacompanhada de qualquer outro circunstancialismo fáctico de onde resulte um elevado grau de organização em termos de atividade ilícita.
X. Por conseguinte, impõe-se a absolvição do Recorrente da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22-01; e, operando a convolação, por força da alteração da qualificação jurídica nos termos comunicados, a condenação do Recorrente pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a) do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexa ao mesmo diploma legal.
Sem prescindir,
Em sequência, Acresce ainda:
Y. O artigo 71º, nº 1 do Código Penal estabelece que o critério legal, orientativo, para a determinação da medida da pena, assenta na culpa do agente e nas exigências de prevenção. No nº 2 alude-se às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.”
E finalmente o nº3 impõe que a sentença explicite os fundamentos da medida da pena a que se chegou.
Z. É, sem dúvida, na fundamentação que devem ser tomados em consideração, designadamente, o grau de culpa do agente, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os fins ou motivos que o determinaram, bem como a respetiva situação económica do arguido.
AA. Todavia, a culpa é o limite intransponível da medida da pena.
BB. Para a sua determinação, dispomos de duas regras fulcrais: uma primeira, que nos indica que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, “sendo através da mesma que se fixa a sua magnitude”; uma segunda, que atenderá aos efeitos da pena na vida futura do arguido em sociedade e terá como função “reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos” e, assim, no ordenamento jurídico-legal.
CC. Todas as doutrinas sobre prevenção têm como fim último a reinserção social do agente (ressocialização), para o que se deve ter em conta os seus antecedentes criminais e a sua personalidade no conjunto dos factos.
DD. Não se coloca em crise a gravidade dos factos e as necessidades de prevenção geral reconhecidos pelo tribunal.
EE. Não obstante, entendemos que o tribunal, centrando-se, quase totalmente, na natureza ilícita e gravidade dos factos praticados, omitiu e/ou desconsiderou por completo a situação concreta do condenado quando o Acórdão é proferido.
FF. Como bem refere o Acórdão do TRLisboa supra citado, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto, e como refere Figueiredo Dias, para a formulação desse juízo de prognose favorável, o tribunal deverá atender especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto (in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518).
GG. No caso vertente, não podemos alicerçar o juízo de prognose negativo; Tampouco castigar o Arguido com uma Pena tão excessiva.
HH. Face às necessidades de prevenção especial, atendendo à personalidade do agente e ao facto de serem as suas únicas condenações, a pena aplicada parece-nos claramente excessiva.
II. Cremos que a pena aplicada, face ao princípio da proporcionalidade lato sensu, nas suas três decorrências - adequação, necessidade e proporcionalidade strito sensu - encontra-se totalmente em desarmonia com a culpa do agente.
JJ. Perante a situação familiar e social do agente, idade e condição económica, bem omo face a todos os circunstancialismos que veicularam o agente à prática dos factos criminosos, é adequada à culpa do agente e suficiente para realizar a tutela dos bens jurídicos protegidos, a revogação do acórdão - condenando pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a) do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexa ao mesmo diploma legal - aplicando ao Recorrente uma pena nunca superior a 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeito a regime de prova.
Inconformado, veio também o arguido AA, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
a) No entendimento do tribunal a quo, produzida a prova em sede de audiência de julgamento, resultou, no essencial, demonstrado o seguinte:
b) No dia ... de ... de 2023, os arguidos e um outro individuo cuja identidade não se logrou apurar, encontravam-se no ... do ..., no ..., a proceder, em conjunto e em concertação de esforços e vontades, à venda de heroína, de canábis e de cocaína a terceiros, em troca de quantias monetárias, de acordo com plano estabelecido entre todos.
c) Para tanto, os arguidos e o indivíduo não identificado guardavam as embalagens de heroína, de cocaína e de canábis no interior da...do ..., para evitarem serem surpreendidos na posse de grandes quantidades das aludidas substâncias.
d) Na prossecução dessa actividade, o arguido BB procedia à entrega das embalagens de heroína, de canábis e de cocaína na entrada do referido lote, a indivíduos que ali se dirigiam, recebendo em troca, as respetivas quantias monetárias.
e) Enquanto que o arguido AA e o indivíduo não identificado encontravam-se no interior da fracção …, do ... do ..., no ..., procedendo ao embalamento e guarda dos referidos produtos.
f) Pelas 16h15 deste dia, o arguido BB encontrava-se à entrada do ..., tendo entregue a um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, uma embalagem.
g) Nessa altura, ao se aperceber da presença de Agentes policiais no local, o arguido BB encetou fuga para o interior do lote e dirigiu-se à fracção …, pretendendo ali refugiar-se.
h) Ali chegado, o arguido BB abriu a porta de entrada da habitação e gritou para o arguido AA: ”SALTA...SALTA!!!
i) De seguida, percorreu a habitação, entrou no quarto juntamente com o arguido AA e com o indivíduo não identificado e saltaram, os três, pela janela.
j) Nessa altura, Agentes da P.S.P. que se encontravam no exterior do prédio, intercetaram os arguidos, não tendo logrado interceptar o indivíduo não id.
k) Nesse momento, o arguido AA tinha consigo: - 30 (trinta) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina, com o peso líquido de 2,440 gramas (cfr. exame toxicológico de fls.101, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - a quantia monetária de €47,50 (quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
l) Nesse momento, no interior da habitação, os arguidos tinham, ainda: - 40 (quarenta) embalagens de heroína, com o peso líquido de 5,220 gramas; - 16 (dezasseis) embalagens de heroína, com o peso líquido de 1,862 gramas; - 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 3,200 gramas; - 1 saco de plástico com resíduos de heroína com o peso líquido de 24,784 gramas; - 182 (cento e oitenta e duas) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina, com o peso líquido de 14,766 gramas (cfr. exame toxicológico de fls.98, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - A quantia monetária de €714,15 (setecentos e catorze euros e quinze cêntimos), subdividida em várias notas e moedas do B.C.E.; - Uma balança de precisão; - uma panela; - Uma faca; - Uma espátula - Um fogão; - Uma caixa de arma Airsoft; - Um carregador de Airsoft; - Um power bank; -Uma folha de papel com anotações alusivas às vendas de estupefaciente; - 11 telemóveis, de marcas “...”, “...”, “...”, “..., “...” m) A heroína e cocaína apreendidas destinavam-se a serem comercializadas, por ambos os arguidos, em comunhão e conjugação de esforços e vontades.
n) Ambos os arguidos conheciam as características e natureza estupefaciente dos produtos que detinham e destinavam à cedência a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
o) A quantia monetária apreendida foi obtida com os proventos das vendas de heroína e de cocaína efectuadas.
p) A balança de precisão, a panela, a faca, a espátula e o fogão eram utilizados pelos arguidos para pesar, fraccionar e preparar o estupefaciente que vendiam.
q) Agiram, assim, os arguidos, em comunhão e conjugação de esforços e de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.
r) Porém, salvo o devido respeito, o recorrente entende não ter ficado demonstrado, quanto a si, que tivesse procedido à actividade de venda de estupefacientes, muito menos “proprietário” dos bens apreendidos no interior do …, conforme o Tribunal à quo o condenou.
s) Aliás, esse facto não foi demonstrado nem por prova testemunhal nem pericial t) Vejamos, Quando questionada a testemunha CC (Agente da PSP) respondeu que: É um local que patrulha com frequência; À entrada do ... estavam 2 indivíduos; era o BB e outro que não sabe quem era; O BB fugiu para o interior do prédio; Foi para o … andar e gritou a alertar alguém que lá estava dentro; Viu o BB a entrar para o quarto; Não viu o AA dentro de casa, mas viu pela janela os colegas a interceptarem-no; O AA não acompanhou as diligências dentro do …; Nunca viu o AA antes no bairro; se frequenta o bairro, nunca reparou nele!
u) Ou seja, a testemunha CC patrulha o bairro há anos, não conhecia o arguido AA, nem nunca teve qualquer ocorrência com ele.
v) Não o viu dentro de casa nem à entrada do .... w) No tocante à testemunha DD (Agente da PSP); Nunca tinha visto os arguidos e só os conhece desta situação; O BB e o AA saltaram ao mesmo tempo; A droga estava mais perto do AA; Não viu o saco a cair do bolso do AA, mas acha que é dele por estar mais próximo dele;
x) Contudo o depoimento desta testemunha não mereceu qualquer credibilidade.
y) Vejamos, Numa primeira fase afirmou que tinha a certeza que os saquinhos de cocaína eram do arguido AA e que estavam ou num bolso, ou junto a ele.
z) Contudo, confrontado com o auto, afinal tinha visto o AA a atirar o saco para o chão.
aa) Ora, não é possível que alguém (in caso a testemunha), que não está à espera que alguém salte por uma janela, e por esse motivo não está a olhar diretamente, consiga afirmar que, numa fracção de segundos, e tendo saltado os 2 indivíduos ao mesmo tempo, que caíram no mesmo local, saber com precisão de quem era o saco, se era do 1.º INI que fugiu, ou se era do co-arguido BB ou do arguido AA.
bb) As restantes testemunhas nada disseram de relevante.
cc) No tocante à prova pericial, é totalmente inexistente.
dd) Não foram feitas quaisquer perícias ao saco, no sentido de se apurar da existência de vestígios lofoscópicos.
ee) Desta forma não é possível afirmar que aquele saco onde continham as 30 doses de cocaína eram pertença do arguido ora recorrente AA.
ff) De facto, a prova produzida em relação ao recorrente não é insuficiente, mas sim inexistente.
gg) Pelo que, o Tribunal a quo não se pode valer unicamente de regras de experiência comum, à sua convicção ou a qualquer outro critério que não em conjunto com um meio de prova válido, e condenar o recorrente pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, se na verdade nenhuma testemunha afirmou ter visto o arguido a manusear os objectos encontrados no interior do …; não há nenhuma testemunha que afirme com convicção que aquele saco caído no solo pertencia ao recorrente, e por fim, não houve qualquer prova pericial que corroborasse aquela tese.
hh) Com efeito, estando os factos dados como provados, mas não o tendo sido devidamente motivado nem constar de qualquer meio de prova válido, entende-se ser nula, violando grosseiramente o disposto no art.º 374.º Código Processo Penal, porquanto o tribunal a quo formou a sua convicção, condenou o recorrente com base em factos que não foram dados como
II - Da medida da pena
ii) Conforme acima demonstrado, não ficou provado que o arguido ora recorrente procedesse, em conjunto e em concertação de esforços e vontades, à venda de heroína, canábis e cocaína a terceiros, em troca de quantias monetárias, de acordo com plano estabelecido entre todos (ponto 1); nem que o arguido AA e o indivíduo não identificado encontravam-se no interior da fracção …, do ... do ..., no ..., procedendo ao embalamento e guarda dos referidos produtos (ponto 4).
jj) Ora, caso não se entenda absolver o ora recorrente, é manifestamente excessiva a aplicação de uma pena de prisão de 4 anos e 10 meses, mesmo que suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeito a regime de prova, para condenar factos que não ficaram provados.
kk) Entendemos, pois, que neste ponto o tribunal a quo, face aos factos apurados em julgamento e às finalidades das penas, ao aplicar aquela pena violou os artigos 70º, 71º e 72º, todos do Código Penal.
ll) Em bom rigor, e sobretudo atento o patentemente disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal – que entendemos terem sido violados – várias circunstâncias militam a favor do recorrente, e que não foram devidamente tidas em conta no Acórdão recorrido, tais como: quanto ao grau de ilicitude do facto – não se pode considerar que pelo facto de um agente da PSP ter visto o arguido a saltar de um primeiro andar baixo, quase ao nível do rés do chão, seja um facto ilícito, ou pelo menos que proceda ao tráfico de estupefacientes. quanto ao modo de execução – em face da matéria de facto assente, e principalmente do depoimento das testemunhas, resulta evidente que o arguido ora recorrente nunca foi visto no ..., nem alvo de qualquer ocorrência, pelo que não se pode afirmar que exerce qualquer função relacionada com o crime de que foi condenado intensidade do dolo – não tendo praticado nenhum facto ilícito, não se pode admitir que haja dolo ou negligência; As condições pessoais e a sua situação económica - o ora recorrente AA vive com a família de origem, composta pela mãe e avó materna, contexto familiar estável e apoiante. O arguido refere-se a um contexto familiar estável e protetor e a uma dinâmica familiar positiva, avaliação corroborada pela mãe do arguido. O arguido possui um filho de dois anos de idade de um relacionamento que terminou, referindo-se a um bom entendimento com a ex-companheira e uma relação de proximidade com o filho. O arguido encontra-se trabalhar como ... após certificação profissional em ... do ano transato. Trata-se de uma oportunidade de inserção profissional efetiva. A situação económica é equilibrada e sustentável, atendendo ao rendimento médio familiar. A conduta anterior ao facto e a posterior a este – De acordo com a articulação com a PSP, o arguido não possui registos ou participações posteriores ao presente processo; e não tem quaisquer antecedentes averbados no seu registo criminal.
mm) Estas circunstâncias, só por si, mas também quando conjugadas com as demais, impõe a absolvição do arguido ora recorrente, não se podendo admitir a aplicação de qualquer pena ou condenação.
nn) De salientar que, o tribunal à quo bastou-se com referências genéricas e abstractas às exigências de prevenção geral e especial e à culpa, para a sua condenação e aplicação da medida da pena, o que vem explanado na pena do outro arguido, que é exactamente a mesma, como se de um catálogo se tratasse.
oo) Será, pois, de, caso não se entenda pela absolvição, o que apenas por mero exercício académico se admite, reduzir a medida da pena que foi aplicada ao recorrente para o mínimo legal de 4 anos, por ser o limite mínimo legalmente imposto para a factualidade que é objecto do presente processo.
pp) E por todos estes factores, entende-se que caso V. Exas. não pugnem pela absolvição, máxime a pena a aplicar ao arguido se deve situar no mínimo legal, e assim se satisfazendo, de forma adequada, as exigências de prevenção geral e especial.
***
Respondeu o Digno Magistrado do MP, pugnando pela manutenção da decisão, concluindo nos seguintes termos quanto ao arguido BB:
Não existe qualquer vício, uma vez que é são claros os motivos que determinaram que o Tribunal tivesse dado como provados os factos, bem como absolutamente apreensível o raciocínio do Tribunal. Na verdade, resulta das regras da experiência comum que o comum cidadão, se pacatamente na sua vida, nada tendo a temer, porque nada de ilícito praticou, quando ouve alguém gritar “salta, salta”, para o interior de uma habitação, a percorra a correr e salte por uma janela de, um 1º andar, para a via pública, que foi o que o arguido fez. 3 – A pena é adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece qualquer reparo.
E quanto ao arguido AA:
1 - O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea a), Código de Processo Penal, verifica-se quando o Tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do artigo 358º, nº. 1, Código de Processo Penal, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção; Porém, do teor do acórdão consta uma minuciosa e claríssima fundamentação da matéria de facto dada como provada e, em face disso, onde reside o vício previsto no artigo 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal? Onde reside a falta de fundamentação? Onde reside a falta de enumeração dos factos dados como provados e não provados? Onde reside a falta de exposição tanto quanto possível completa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal? Não existe qualquer vício, uma vez que é são claros os motivos que determinaram que o Tribunal tivesse dado como provados os factos, bem como absolutamente apreensível e lógico o raciocínio seguido pelo Tribunal. Na verdade, resulta das regras da experiência comum que o comum cidadão, se pacatamente na sua vida, nada tendo a temer, porque nada de ilícito praticou, da presença de elementos da PSP. Pelo que não é expectável que o arguido não comece a gritar “salta, salta” para o interior de uma habitação onde se encontram outros indivíduos, a percorra a correr e salte por uma janela de um 1º andar para a via pública, como fez o arguido. O arguido pretende colocar em causa é a valoração da prova realizada pelo Tribunal, mas não tendo impugnado, de forma ampla, a matéria de facto e não tendo de igual modo, logrado contrariar as regras de experiência, nem demonstrado que, por recurso a estas, a fixação factual, bem como a motivação e decisão vertida no acórdão, deveria ter sido diversa daquela que foi, não alcançou tal desiderato. 3 – Quanto à pena é adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece qualquer reparo.
Neste Tribunal o Ilustre Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se manutenção da decisão e improcedência dos recursos.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º2 do CPP e respondeu o arguido AA, pugnando pela posição anteriormente assumida.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência.
2. Fundamentação:
Cumpre assim apreciar e decidir.
É a seguinte a decisão recorrida (fundamentação de facto)
A. Matéria de facto provada.
O tribunal, discutida a causa, deu como provados os seguintes factos:
Do acusatório.
1. No dia ... de ... de 2023, os arguidos e um outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, encontravam-se no … do ..., no ..., nesta cidade, a proceder, em conjunto e em concertação de esforços e vontades, à venda de heroína, de canábis e de cocaína a terceiros, em troca de quantias monetárias, de acordo com plano estabelecido entre todos.
2. Para tanto, os arguidos e o indivíduo não identificado guardavam as embalagens de heroína, de cocaína e de canábis no interior da fracção … do ..., para evitarem serem surpreendidos na posse de grandes quantidades das aludidas substâncias.
3. Na prossecução dessa actividade, o arguido BB procedia à entrega das embalagens de heroína, de canábis e de cocaína na entrada do referido lote, a indivíduos que ali se dirigiam, recebendo em troca, as respectivas quantias monetárias,
4. Enquanto que o arguido AA e o indivíduo não identificado encontravam-se no interior da fracção … do ..., no ..., procedendo ao embalamento e guarda dos referidos produtos.
5. Pelas 16h15 deste dia, o arguido BB encontrava-se à entrada do ..., tendo entregue a um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, uma embalagem.
6. Nessa altura, ao aperceber-se da presença de Agentes policiais no local, o arguido BB encetou fuga para o interior do lote e dirigiu-se à …, pretendendo ali refugiar-se.
7. Ali chegado, o arguido BB abriu a porta de entrada da habitação e gritou para o seu interior: "SALTA... SALTA!!! ".
8. De seguida, percorreu a habitação, entrou no quarto juntamente com o arguido AA e com o indivíduo não identificado e saltaram, os três, pela janela.
9. Nessa altura, Agentes da Polícia de Segurança Pública que se encontravam no exterior do prédio, interceptaram os arguidos, não tendo logrado interceptar o indivíduo não identificado.
10. Nesse momento, o arguido BB tinha na sua posse, no bolso do casaco que envergava:
i. Um frasco que continha canábis (resina) com o peso líquido de 1,856 gramas, produto este semelhante ao entregue conforme apurado em 5.;
ii. A quantia monetária de € 100,00 (cem euros).
11. Na mesma altura, o arguido AA tinha consigo:
- 30 (trinta) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2,440 gramas;
- A quantia monetária de € 47,50 (quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
12. Nesse momento, no interior da habitação, os arguidos tinham:
- 40 (quarenta) embalagens de heroína, com o peso líquido de 5,220 gramas; - 16 (dezasseis) embalagens de heroína, com o peso líquido de 1,862 gramas; - 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 3,200 gramas;
- 1 saco de plástico com resíduos de heroína com o peso líquido de 24,784 gramas;
• 182 (cento e oitenta e duas) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 14,766 gramas;
• A quantia monetária de € 714,15 (setecentos e catorze euros e quinze cêntimos), subdividida em várias notas e moedas do Banco Central Europeu;
• Uma balança de precisão;
- Uma panela;
- Uma faca;
- Uma espátula;
- Um fogão;
- Uma caixa de arma Airsoft;
Um carregador de Airsoft;
- Um power bank;
Uma folha de papel com anotações alusivas às vendas de estupefaciente; - 11 telemóveis, de marcas "...", "...", "...", "….", "...".
13. A canábis, heroína e cocaína apreendidas destinavam-se a serem comercializadas, por ambos os arguidos, em comunhão e conjugação de esforços e vontades.
13. Ambos os arguidos conheciam as características e natureza estupefaciente dos produtos que detinham e destinavam à cedência a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
14. A quantia monetária apreendida foi obtida com os proventos das vendas de canábis, heroína e de cocaína efectuadas.
15. A balança de precisão, a panela, a faca, a espátula e o fogão eram utilizados pelos arguidos para pesar, fraccionar e preparar o estupefaciente que vendiam.
16. Os arguidos agiram em comunhão e conjugação de esforços e de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.
Da situação pessoal e condição sócio-económica do arguido AA.
17. O arguido AA é filho único e cresceu num contexto familiar monoparental, não tendo relação de proximidade com o pai, com quem nunca coabitou.
19. AA vive com a família de origem, composta pela mãe, EE, de 47 anos, e a avó materna, FF, de 65 anos,
20. O contexto familiar é estável e protetor, tendo uma dinâmica familiar positiva,
21. O agregado familiar reside numa casa de habitação social atribuída à família há mais de vinte anos e titulada pela progenitora do arguido com condições de habitabilidade.
22. AA frequentou a escola até ao 11° ano de escolaridade, não tendo concluído este ciclo de estudos. O arguido refere-se à desistência dos estudos pela desmotivação e desinteresse, num movimento precoce de autonomização.
23. O arguido possui um filho de dois anos de idade, fruto de um relacionamento afectivo que terminou em 2001.
24. Tem um bom entendimento com a mãe do menor e uma ligação de proximidade com o filho.
25. Ao tempo dos factos apurados de 1. a 17., o arguido estava desempregado após ter trabalhado na área da …, durante sensivelmente um ano e três meses, junto do pai da sua ex-companheira.
26. Desde ... do corrente ano, o arguido AA exerce profissionalmente a actividade de …, tendo formalizado contrato de trabalho há sensivelmente um mês.
27. Mostra-se satisfeito com esta oportunidade, relativamente à qual fez um investimento recente, ao obter a Certificação … no início do corrente ano.
28. Aufere o valor da remuneração líquida mensal de E 364,90 (trezentos e sessenta e quatro euros e noventa cêntimos).
29. O agregado familiar do arguido apresenta:
i. valor da remuneração líquida mensal dos outros elementos: C 1990,00 (mil novecentos e noventa euros).
ii. valor total das despesas/encargos mensais fixas:
- Habitação - € 120,00 (cento e vinte euros);
- Prestação de alimentos - C 150,00 euros (cento e cinquenta euros);
- Contribuição despesas domésticas - E 150,00 euros (cento e cinquenta euros).
30. AA refere-se a uma ligação positiva e de pertença ao meio onde reside e onde cresceu e socializou mantendo boas relações de vizinhança, não identificando pontos de tensão ou conflitualidade.
31. Não apresenta problemáticas de saúde.
Da situação pessoal e condição sócio-económica do arguido BB.
32. O pai do arguido BB faleceu muito jovem num acidente de viação quando aquele rondava os três anos de idade, exprimindo o arguido activação emocional face a essa perda e mostrando-se muito penalizado pela ausência da figura paterna.
33. BB possui uma irmã mais nova, de um novo relacionamento da sua mãe.
34. Embora o arguido não expresse dificuldades no relacionamento com o padrasto, não o reconhece como figura de substituição parental.
35. BB possui o 9.° ano de escolaridade, através da frequência de um curso profissional de ….
36. No ano lectivo ...2.../2024, esteve inscrito num curso profissional de ..., com equivalência ao 12.° ano, mas desistiu por falta de motivação.
37. Na sua trajetória escolar, BB regista algumas retenções no primeiro e segundo ciclo do básico, associadas a problemas de comportamento e indisciplina, tendo beneficiado no primeiro ciclo de estudos, de acompanhamento psicológico.
38. Desde que desistiu da frequência escolar tem-se mantido desocupado, reconhecendo alguma desorientação e falta de rumo.
39. Actualmente faz referência à colaboração com o avô, no … e está a tirar a carta de condução, não tendo ainda realizado o exame de código.
40. Tem planos para tirar uma licença de …, considerando esta iniciativa como facilitadora da sua inserção profissional.
41. À data das circunstâncias que deram origem ao presente processo judicial, BB mantinha a mesma situação pessoal e familiar presente.
42. O arguido vive com os avós maternos, fazendo parte deste agregado um primo de 24 anos.
43. A dinâmica familiar é positiva e protetora, embora reconheça que passou a viver com os avós há sensivelmente três anos, por incompatibilidades com a mãe, numa fase de maior rebeldia e instabilidade assumindo a dificuldade no cumprimento de regras e em aceitar a autoridade parental.
43. O arguido mantém uma relação de namoro com GG, de 22 anos, desde ... do ano transacto.
44. Considera tal relacionamento gratificante e positivo, reconhecendo a sua namorada como uma influência positiva e um referencial normativo.
45. Os avós de BB vivem numa casa de habitação social, em ..., que o arguido avalia com condições de habitabilidade, num contexto socio habitacional em que se sente ambientado.
46. A condição económica do agregado depende das reformas dos avós — ambos tiveram vida activa contributiva -, avaliando o arguido a situação como satisfatória que garante as suas necessidades básicas, contando igualmente com o apoio da mãe.
47. BB reporta o início dos consumos de haxixe, a partir dos dezasseis anos de idade. Numa fase inicial, caracteriza-o como um consumo ligeiro em contextos de recreativo, com intensificação gradual associada a problemas de ansiedade.
48. O arguido padece de … estando medicado e a melhorar de tal patologia.
49. No entanto, tal problema … interferiu na sua aparência e bem-estar emocional, retraindo-o na interação social.
50. O arguido considera que o acompanhamento médico e a estabilização dos problemas de ansiedade tem-lhe permitido a redução do consumo regular de haxixe.
51. BB celebrou com o ... "contrato de formação" tendo em vista a sua formação profissional como Técnico …, conforme teor de fls. 138 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Dos antecedentes criminais registados.
52. Os arguidos não têm antecedentes criminais registados.
B. Matéria de facto não provada.
Da discussão da causa, e com relevância para a boa decisão da mesma, não logrou provar‑ se que:
Da contestação do arguido BB
a. Na circunstância apurada de 1. a 17., o arguido BB deslocou-se ao local a fim de proceder à compra de produto estupefaciente, por ser consumidor.
a. Após ter adquirido produto estupefaciente, tendo sido alertado por individuo desconhecido para a presença de forças policiais, displicente e instintivamente encetou fuga, porquanto tinha na sua posse o frasco apurado em 10. i), produto este destinado ao seu próprio consumo e que havia adquirido momentos antes.
b. A sua fuga prendeu-se com o facto de ter conhecimento de que o consumo de produtos estupefacientes não se encontra devidamente legalizado em Portugal, bem como pelo facto de anteriormente ter já sido interceptado por agentes policiais na posse de tais produtos, tendo receio de ser novamente interceptado.
C. Convicção do tribunal e exame crítico das provas.
Por força do estatuído no artigo 127.°, do Código de Processo Penal «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
Nesta sede, rege o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outra banda, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal. Como defende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, p. 111 "a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão".
C.I. Matéria de facto provada de 1. a 17. e não provada de a) a c): face ao legítimo direito ao silêncio exercido pelos arguidos em todo o decurso da audiência de julgamento, procedeu-se ao cotejo valorativo de quatro elementos probatórios preponderantes:
i. Declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos ocorrido a ... de ... de 2023 — nos termos do disposto no artigo 141.°, n.° 4, alínea b), e 357.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal e em obediência à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 5/2023, de 09 de Junho processo n.° 660/19.9PBOER.L1-A.S1 disponível em
haps: diariodarcpublica.pt di detalhe, diari o-republica 111-2023-214175751 -
ii. Prova testemunhal consubstanciada nas razões de ciência evidenciadas por CC, agente da Polícia de Segurança Pública há ..., integrando a ..., DD, agente da Polícia de Segurança Pública há..., há ... desempenhando funções na ... da ..., HH, agente da Polícia de Segurança Pública há ..., desempenhando funções ... na ..., e II, agente da Polícia de Segurança Pública, tendo exercido funções na ..., desde ...-...-2023 em ..., dedicando-se à ...
i. Prova documental constante dos autos, designadamente, auto de notícia de fls.2-8, autos de apreensão de fls.17, 18, auto de busca e apreensão de fls.15-16, documentos de fls. 19, 21, 23, 34-36, 37, auto de exame e de avaliação de fls. 25-26 e reportagem fotográfica de fls.27-33 ; e
ii. Prova pericial, designadamente consubstanciada nos relatórios de exames periciais toxicológicos de fls. 96, 98, 101;
Em tal quadro probatório e pese embora a reprodução das declarações dos arguidos em sede de primeiro interrogatório judicial tenha ocorrido na parte final da audiência, por imperativo de explanação da convicção importa começar por atentar no que consistiram os seus individuais posicionamentos e do que se extraiu destes:
i) Arguido AA sustentando, na sua essencialidade, que se encontrava casualmente no local porque tinha combinado ir buscar a filha à creche para ir lanchar com o compadre, quando tudo acabou por se precipitar por se ter assustado com a presença de dois indivíduos em passo apressado dizendo-lhe "salta, salta", facto que o levou a entrar no …, fracção de que desconhece o proprietário, mas porque tendo conhecimento de pretéritos episódios envolvendo abordagem policial violenta, acabou por se dispor a saltar pela janela do mesmo primeiro andar. Em sequência, assumindo a posse da quantia de cerca de E 47,00, pretendeu fazer crer que o estupefaciente (saco plástico com pacotes de cocaína) já se encontrava no chão quando saltou, enjeitando a posse do mesmo. Mais esclareceu desconhecer o co-arguido BB, bem como o indivíduo de identidade não concretamente apurada igualmente actuante (que assinalou se encontrar com máscara). De resto, assumiu saber da actividade de traficância no local, por via do que lhe relata o compadre. Pese embora reiteradamente convocado a explicar a "lógica" do ter saltado e desse modo arriscado a integridade física, manteve fundamento em reacção por medo, sinalizando nunca ter entrado no 1.° C, e apenas tendo seguido dois indivíduos que não conhece de todo.
ii) BB rejeitando a imputação fáctica, assumindo apenas ter haxixe na quantidade de cerca de 1,9 gramas e quantia monetária de E 1,60/E 1,70, porque havia entrado no … para comprar (identificando o local como "banca"), ali tendo permanecido porque estava a aguardar por amigo (cuja identidade não avançou) que também tinha ido comprar. Nesta senda, uma vez que pessoa que estava a vender fugiu, decidiu segui-la, por medo em razão de já ter processo crime precedente conexo com tráfico de estupefacientes e aquela lhe ter dito "corre, corre". Assinalando que se encontrava encostado à porta, acabou por entrar na fracção que não conhecia, por nunca lá ter estado, desconhecendo o respectivo proprietário, acabando a sinalizar que o co-arguido AA era seu amigo e supôs ter saltado também, indicando a respectiva ordem dos alegados saltos da janela e a intervenção policial subsequente. Mais esclareceu consumir cerca de e 5,00 de haxixe por dia e, no circunstancialismo, ter comprado haxixe (o qual foi apreendido) a um indivíduo de máscara e gorro, tendo gasto E 10,00. Acerca da apreensão, remeteu para o indivíduo cuja identidade não apurou ser quem tinha o domínio de todo o estupefaciente numa bolsa, reforçando que quando saltou o estupefaciente e o dinheiro já se encontrava todo no chão.
Ora, ainda sem escalpelizar a restante prova produzida, cumpre convir que, salvo o devido respeito, decorre manifesto que tais versões, pelas suas evidentes fragilidades, comprometimentos objectivamente detectáveis, ausência de lógica e afronta à elementaridade da razão e da experiência comum, nenhum índice de credibilidade convocam.
Com efeito, se o arguido AA mal sustenta, sem sequer apresentar ou instruir prova ínfima nos autos, a razão de se encontrar no local, mesmo a admitir-se em tese que pudesse estar relacionado com convívio com compadre e perspectiva de deslocação a creche para ir buscar a filha, não se entende minimamente razoável que, na sua razão, possa ter derivado para entrar precisamente na fracção do 1.° C, de que desconhece o proprietário e se prestado a saltar de uma janela, "apenas" porque dois indivíduos, que não identificou, lhe surgiram em passo apressado dizendo-lhe "salta, salta". De resto, assim também não colhe tal deriva por ter alegado conhecimento de pretéritos episódios envolvendo abordagem policial violenta.
Convenhamos, sob o índice do padrão de um cidadão de capacitação intelectual média, na ordem da razão de alegado encontro combinado com o compadre, no preciso local de existência de uma banca de venda de produto estupefaciente, não se compreende o porquê de ter seguido quem não conhecia, entrado em fracção de cujo proprietário desconhecia e de ter dado prática a ordem de saltar de um primeiro andar arriscando objectivamente a sua integridade física.
O que haveria a temer da presença policial?
Mesmo dando como boa a tese do arguido, nada se afigura de provocar receio.
Antes pelo contrário, se reservas pudessem suscitar-se sempre teriam de se ater à actividade de traficância consabida no local e nunca a qualquer intervenção das autoridades policiais.
Ao invés, tudo consolida que tais sequenciais derivas estejam linearmente arreigadas no comprometimento e envolvimento de tal arguido na própria actividade de traficância de produtos estupefacientes.
Por seu turno, outrossim não merece qualquer credibilidade o declarado pelo arguido BB, o qual, ao contrário do desconhecimento sinalizado pelo co-arguido, assume antes ser amigo deste. Com efeito, a tese de deslocação para aquisição de haxixe para seu consumo e de se encontrar à espera de amigo (cuja identidade não avançou) que também tinha ido comprar e do qual não se anotou presença no local, vem a ser afrontada pela irracionalidade, permita-se-nos, de ter acabado por derivar na entrada na fracção que não conhecia, por nunca lá ter estado, desconhecendo o respectivo proprietário, acabando por saltar de janela arriscando a sua integridade física (o que lhe valeu mesmo subsequente ida a urgência hospitalar, conforme documentado), apenas porque a pessoa que estava alegadamente a vender estupefaciente acabara de fugir, decidindo segui-la, por medo em razão de já ter processo crime precedente conexo com tráfico de estupefacientes e aquela lhe ter dito "corre, corre".
Ora, na confluência das teses de inocência, eleva-se manifestamente irrazoável que ambos os arguidos tenham adoptado idênticas reacções de fuga e risco para a própria integridade física perante a presença policial assinalada.
De resto, a um cidadão médio sem comprometimento e consciente da sua plena inocência sempre seria exigível que perante a intervenção policial em curso justificasse tranquilamente a sua presença no local, sem qualquer rebuço, mesmo para quem como o arguido BB pudesse ter acabado de adquiri haxixe.
Posto tal, tais teses vieram a evidenciar-se categoricamente postas em capital crise pela demais prova produzida.
Com efeito, conformando documentalmente linha de antagónica razão, começa por se elevar preponderante a análise ao seguinte teor:
i. Auto de notícia e detenção de fls. 2-8 — suporte atestativo da primeira aquisição policial noticiosa da prática criminosa pelos arguidos, bem discernindo os termos da operação policial gerada, os elementos identificativos dos arguidos, a concreta intervenção e localização espácio-temporal, assim como a cronologia dos actos e conexo descritivo global de apreensões, tudo em cumprimento rigoroso das formalidades legais;
ii. Autos de busca e apreensão de fls. 15-16 verso (n.° 1), 17 e 17 verso (n.° 3) e 18 e 18 verso (n.° 2) — permitindo alcançar a legalidade dos termos com respeito às apreensões conexas com as pessoas dos arguidos e reporte à residência visada, com atinência à globalidade do produto estupefaciente e quantias monetárias apuradas;
iii. Testes rápidos de fls. 19, 21, 23 e respectivas guias de entrega de estupefaciente de fls. 20, 22, 24 — de que brotaram os primeiros resultados do estupefaciente concretamente apreendidos aos arguidos;
i. Documentação de fls. 34-36 — consubstanciando manuscritos presumivelmente atinentes a anotações referentes a transacções de produto estupefaciente;
iv. Ficha de urgência de fls. 37 — reportando assistência hospitalar prestada em episódio de urgência ao arguido BB, no ... - com admissão às 21:20:37 de ...-...-2023 e alta no mesmo dia pelas 22:28:59 - e correlacionada com a queda decorrente da fuga apurada, com afectação concreta do tornozelo esquerdo com edema associado (desde as 16h00);
v. vi) Reportagem fotográfica de fls. 27-33 — da qual decorre a percepção visual do interior da residência visada pela busca, perpassando as divisões respeitantes ao hall, quartos, mobiliário e locais de guarda de produto estupefaciente, balança de precisão, telemóveis, quantias monetárias e objectos correlacionados;
vi. vi) Auto de exame e de avaliação de fls. 25-26 — de que ressaltou a inexistência de qualquer valor venal aos objectos apreendidos.
vii. Ademais, sob o crivo pericial, o Tribunal valorou os relatórios de exames periciais exarados pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e constantes de fls. 96, 98-99 e 101 do qual se extraiu concretamente os factos respectivamente provados em 10., 11.e 12.
viii. Em tal conformação documental e pericial, vieram a assentar as razões de ciência das testemunhas:
ix. - CC, agente da Polícia de Segurança Pública, esclarecendo os termos da sua intervenção, em binário com o colega JJ, descrevendo todo o circunstancialismo em ampla compatibilidade com o que fez constar no auto de notícia e detenção de fls. 2-8 por si próprio exarado, bem discernindo toda a actuação, posturas reactivas e precipitações detectadas sequencialmente aos arguidos e ao indivíduo terceiro que logrou a fuga. Confrontado com folhas 27 a 36 dos autos remeteu para a autoria da equipa de investigação criminal.
x. - DD, agente da Polícia de Segurança Pública, elucidando da intervenção que levou a cabo integrado na Equipa de Intervenção Rápida, designadamente permanecendo fora do edifício com o colega KK, e confirmando a precipitação dos arguidos e de um terceiro indivíduo pela janela do … (prédio conotado com a actividade de traficância). Mais confirmou todo o teor dos autos de busca e apreensão de fls. 15­16 verso (n.° 1), 17 e 17 verso (n.° 3) e 18 e 18 verso (n.° 2), bem como reportagem fotográfica de folhas 27 a 36 dos autos, vindo tal confirmação a suprir pontuais e compreensíveis lacunas de reminiscência na pormenorização maior do vertido.
xi. - HH, agente da Polícia de Segurança Pública, cingido à confirmação do teor da reportagem fotográfica de fls. 27 a 36 dos autos, concretamente melhor explicando e discernindo a fotografia n.° 4, de fls. 28 que resultou de pedido de colega para captar a janela constante e correlacionando os manuscritos constantes de fls. 34 a 36 com o espaço retratado na fotografia n.° 3 também de fls. 28.
xii. - II, agente da Polícia de Segurança Pública, esclarecendo ter sido o elemento "shotgun" da operação policial ocorrida, confirmando genericamente os termos de busca à residência apurada e apreensão de produto estupefaciente e dinheiro, bem como o insólito da deriva de fuga em precipitação por janela.
xiii. Deste modo, ao arrepio da falta de verosimilhança ao declarado pelos arguidos, toda a demais prova elencada e assim valorada conflui sem mácula no enquadramento e actuação detectada efectivamente aos arguidos, permitindo alcançar a caracterização espacial do local dos factos, fixando os actos percepcionados aos arguidos, tudo bem permitindo concluir por uma actuação reflectiva, concertada e organizada de traficância efectiva dos produtos estupefacientes detectados.
xiv. Donde, cotejada as versões verbalizadas ao tempo do primeiro interrogatório judicial ao caudal probatório documental, pericial e testemunhal nos termos supra dissecados resulta inexorável concluir que a fragilidade da linha discursiva entendida empreender pelos arguidos, desde logo detectada aos termos, cadência e lógica discursiva empreendidos, vem a soçobrar categoricamente face ao peso da prova documental e pericial pré-constituída, a par da compatibilidade dos contributos depoimentais acabados de expor e cotejar, razão pela qual, outrossim, os factos não provados em a) a c) assim acabaram fixados.
xv. Em epílogo de apreciação das respectivas condutas apuradas aos arguidos, também os aspectos de ordem subjectiva, igualmente se provaram nos seus limites.
xvi. É sabido que os elementos subjectivos são apurados em função dos factos objectivos que indiciam a atitude psicológica do agente para com o facto.
xvii. Com efeito, as intenções, as vontades, os conhecimentos, as representações mentais, porque do foro psíquico do sujeito, não são realidades palpáveis, sensitivamente perceptíveis, hipostaziáveis. Desse modo, a inerente percepção, nomeadamente para efeitos judiciais, só pode ser alcançada por via da ponderação dos comportamentos exteriorizados que, de um modo mais ou menos conclusivo, demonstrem esses estados psicológicos (nas palavras de Germano Marques da Silva, e na linha de pensamento de Cavaleiro de Ferreira, "a maior parte das vezes os actos interiores não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores.", Curso de Processo Penal, II, 1999, p. 101).
Pretender o contrário, conduziria a apenas ser possível demonstrar a atitude psicológica do agente para com o facto no caso de confissão. Tal perspectiva afigura-se manifestamente improcedente.
Assim, quanto aos aspectos de ordem subjetiva, socorreu-se o Tribunal dos elementos objectivos disponíveis, chamando ainda à colação a doutrina do Acórdão da Relação do Porto de 23-02-83: quanto à intencionalidade, pertencendo o dolo "à vida interior de cada um", sendo "portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, como maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência". - cfr. in BMJ n.° 324/620.
Com efeito, a convicção do Tribunal quanto a estes factos, resultou da conjugação de todos os elementos de prova já supra enunciados entre si, bem como, com as regras de experiência comum, tudo emergindo de um elementar juízo de inferência lógica que, à luz das citadas regras da experiência comum, se estriba nos demais factos provados, sendo do conhecimento de qualquer cidadão e, por maioria de razão, de cidadãos que se dedicam e relacionam com a actividade da traficância de estupefacientes que, entre o mais, é proibido comprar, oferecer, ceder, vender, deter ou fazer transitar produtos estupefacientes nos termos apurados.
C.II. Factos provados de 18. a 52.: acervo de incisos respeitantes à situação pessoal e condição social e económica dos arguidos valeu a examinação:
i. Primordialmente dos respectivos relatórios sociais, respectivamente, juntos sob ref. as 41504103 (fls. 150-152 dos autos) e 41562000;
ii. Concretamente por banda da defesa do arguido BB:
- A tomada de inquirição às testemunhas LL, ..., namorada do arguido desde ... de 2024 (em ... de 2023, ainda não o conhecendo), sem conhecimento do co-arguido AA, e MM, ... mãe do arguido, sem conhecimento do co-arguido AA, as quais revelaram, a seu modo, teor abonatório.
iii) A análise ao documento junto pelo mesmo na sua contestação e constante de fls. 138 consubstanciando de que designadamente resultou provado o facto fixado em 52.
-1‑
C.III. Quanto à inexistência de antecedentes criminais registados dos arguidos conforme vertido em 53.: relevaram os respectivos certificados de registo criminal actualizados e juntos a fls. 153 e 154 dos autos.
Finalmente, cumpre consignar que toda a demais factualidade alegada com teor conclusivo, repetitivo ou irrelevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa foi necessariamente expurgada do elenco fáctico provado e não provado.
***
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
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Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objeto à apreciação das seguintes questões, a saber:
A. Insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e nulidade da decisão por violação do disposto no artigo 374º do CPP, bem como violação do princípio da livre convicção;
Dispõe o artigo 374º do CPP que:
1. A sentença começa por um relatório que contém:
a. As indicações tendentes à identificação do arguido;
b. As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c. A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação ou a pronúncia, se a tiver havido;
d. A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que cosnta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal.
3. A sentença termina pelo dispositivo que contém: a) as disposições legais aplicáveis; b) a decisão condenatória ou absolutória; (…)
Nos termos do disposto no artigo 379º, do Código de Processo Penal, é nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”
No caso, o acórdão não é, efectivamente, nulo, pois contém a fundamentação, na qual se elencam os factos provados e não provados, bem como uma motivação, na qual se enumeram as provas produzidas, se descreve o seu teor e se faz a análise e o exame crítico das mesmas, explicitando, de forma clara e perceptível, os motivos que levaram o tribunal a decidir como decidiu.
Os arguidos poderão não concordar com o que é dito nessa mesma fundamentação, não podem é concluir que a mesma não existe ou que é insuficiente pois o tribunal foi bastante cuidadoso a analisar a prova produzida e a fazer o exame crítico da mesma.
O acórdão descreve toda a prova produzida e, mais do que isso, analisa criticamente essa prova, ficando o destinatário a conhecer as exactas razões pelas quais o tribunal considerou provados os factos elencados na motivação da decisão de facto.
De qualquer modo, os arguidos parecem não concordar com a análise da prova e com a convicção formada pelo Tribunal.
De acordo com o disposto no art. 412º do mesmo diploma legal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Versando sobre a matéria de facto, o Recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas (n.º 3)
Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (n.º 4).
No caso, muito embora os arguidos refiram, ao longo da motivação, algumas frases soltas dos depoimentos de testemunhas que imporiam decisão diversa, não obstante, tendo as provas sido gravadas, não mencionam as especificações a que aludem as alíneas b) e c) do n.º3 do artigo 412º por referência ao consignado em acta.
Nem referem também quais as provas que deveriam ser renovadas.
Tendo sempre presente que no artigo 412º do CPP se revela que quando alguém põe em causa a matéria de facto deve indicar concretamente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, cumpre, desde já, dizer que as provas mencionadas devem impor uma decisão diversa da que foi tomada, não se trata de permitir uma outra decisão, mas sim de ela ser imposta pela existência de provas que se mencionam.
Isto é, as provas de que o arguido se socorre para impugnar a decisão da matéria de facto têm que ser tão inequívocas como inabaláveis no sentido de imporem uma decisão diversa da que foi tomada.
Não se trata de existirem duas interpretações possíveis da prova produzida, tem que haver uma só, a do arguido, que se impõe pela sua evidência, pela sua certeza, pelo seu carácter inequívoco, e que obriga o Tribunal da Relação a revogar a decisão tomada pelo tribunal de primeira instância.
No caso, os arguidos não impugnaram correctamente a matéria de facto e as provas a que aludem foram tidas em consideração pelo tribunal, que as valorou no sentido descrito, não se detectando qualquer dúvida ou hesitação do tribunal, que de forma muito esclarecedora e escorreita esclareceu e revelou a sua convicção.
A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade, portanto, uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores (Cavaleiro de Ferreira, ob cit. P 11 e 27).
Neste sentido, o princípio que esse postula, como salienta Teresa Beleza o valor dos meios de prova … não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua livre convicção.
O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o saber de experiência feito e honesto estudo misturado ou na expressão feliz de Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade. (RMP, ano 19, 40).
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Universidade Católica Editora, salienta que o princípio constitucional de livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado e não viola a constituição da república, antes a concretiza (ac. TC n.º1165/96, reiterado pelo ac. N.º 464/97): A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitem ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão.
A Constituição da República e a Lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova. Estes limites dizem respeito: ao grau de convicção requerido para a decisão, à proibição dos meios de prova, à observância do princípio do in dubio pro reo. Os três primeiros são limites endógenos ao exercício da apreciação da prova no sentido de que condicionam o próprio processo de formação da convicção e da descoberta da verdade material. O último é um limite exógeno, no sentido de que sentido de que condiciona o resultado da apreciação da prova.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis. Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
No caso dos autos, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, muito pelo contrário, e não foram violados quaisquer preceitos legais e/ou constitucionais na apreciação da prova que foi feita.
O tribunal a quo, em face da inconsistência das declarações dos arguidos, valorou, além do mais, as declarações dos polícias que levaram a cabo as diligências e procederam às apreensões, que, aliás, não tinham qualquer motivo para mentir.
Não se detecta sequer que o Tribunal tenha ficado com alguma dúvida sobre a factualidade que entendeu assente e que justificasse o recurso ao princípio do in dúbio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deve ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal (cfr. Figueiredo Dias Dtº Processual Penal, pág 213).
Também não se verifica nenhum dos vícios a que alude o n.º2 do artigo 410º do CPP.
Estatui o artigo 410º, n.º2 do CPP que: mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum:
a. a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b. a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c. erro notório na apreciação da prova.
Através da consagração, no nº2 do artigo 410º do CPP, do recurso de revista alargada, o legislador pretendeu que o recurso de revista visasse, tal como preconizava a melhor doutrina, também a finalidade de obtenção de uma “decisão concretamente justa do caso, sem perder de vista o fim da uniformidade da jurisprudência” – Castanheira Neves, Questão de facto – questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, I Coimbra, 1967,p. 34 e seguintes.
Os vícios elencados no n.º2 do artigo 410º do CPP têm de resultar do contexto factual inserido na decisão, por si, ou em confronto com as regras da experiência comum, ou seja, tais vícios apenas existirão quando uma pessoa média facilmente deles se dá conta.
Quanto a aquilo que seja o chamado erro notório na apreciação da prova, escreve Maria João Antunes, no seu Conhecimento dos vícios previstos no artigo 410º, n.º2 do CPP, p.120, que é de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no artigo 127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência.
Percorrida a decisão, não se vislumbram os vícios do artigo 410º do CPP. Na decisão estão explanados os factos que conduziram à decisão e a possibilitaram, não há qualquer contradição na fundamentação, nem tão pouco é notório qualquer erro na apreciação da prova. Nos factos provados e não provados nenhuma insuficiência se detecta.
Por outro lado, não há nenhuma contradição na matéria de facto, entre a matéria de facto e a respectiva motivação ou a qualificação jurídica dada.
Concluindo, não sendo procedente a impugnação da matéria de facto, não estando verificado nenhum dos vícios a que alude o n.º2 do artigo 410º, do CPP , entendemos terem os Mmos Juízes a quo feito correcta interpretação dos factos.
B. Subsunção jurídica ao artigo 21º versus artigo 25º da lei 15/93 de 22.01;
O arguido BB conclui que as suas condutas, a terem sido praticadas, integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. no artigo 25º do dec. Lei 15/93 de 22.01, isto é, um tráfico de menor gravidade.
Nos termos do art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, “quem, sem para tal se encontrar autorizado, (...) oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.º 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Porém, nos termos do art.º 25º, alínea a), do mesmo diploma legal, se nestes casos “a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações nas tabelas I a III (...)”.
Assim, “o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25º, alínea a), do DL 15/93, é uma forma privilegiada do crime do art.º 21º, (...) crime que tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição da ilicitude”, conforme se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2000, CJ, Ano VIII, tomo I, pág. 190.
Além de que, “o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. Ou, mais precisamente, «o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos »”, como se resume no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.10.2014, em texto integral em wwwÁgsi.pt.
Ora, no caso dos autos temos como provado que os arguido dispunham já de um nível médio de organização, isto é, tinham uma casa de “recuo”, na qual um deles, acompanhado de indivíduo não identificado, procedia ao embalamento, acondicioamento, pesagem e na qual guardavam droga, dinheiro e todo o manancial de objectos necessários à actividade de tráfico e o outro procedia a entrega da droga aos consumidores que os procurassem.
Possuíam embalagens de cocaína, heroína e haxixe, o que de qualquer modo, implicava terem já assegurado quem lhes fornecesse estes três tipos de droga, e tinham consigo quantia que já ascendia a mais de 800 euros, a qual foi detectada num só dia.
Assim, resulta indiscutível que a actuação dos arguidos integra a acção típica prevista no art.º 21º do DL 15/93, de 22.01 dado que não se detecta nenhuma diminuição considerável da ilicitude.
Bem andou o tribunal a quo em subsumir as condutas dos arguidos ao artigo 21º e não ao artigo 25º da Lei da droga.
C. Medida das penas
Ambos os arguidos se insurgem contra as penas que lhes foram aplicadas, no caso, pena de quatro anos e dez meses de prisão, suspensa por igual período, sujeitas a regime de prova.
Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá ter em atenção as funções de prevenção geral e especial das penas sem, contudo, perder de vista a culpa do agente (artigo 71º, nº 1 do Código Penal).
A medida da pena deverá constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, nº 2 do Código Penal).
Com efeito, hoje em dia, predominam as teorias relativas, as quais perspetivam as penas não como um fim em si mesmo (de retribuição ao agente do mal do crime – teorias absolutas), mas como um meio de prevenção criminal – prevenção geral positiva (de tutela da confiança na validade das normas, ligada à proteção de bens jurídicos, visando a restauração da paz jurídica) e de prevenção especial positiva de inserção ou reinserção social do agente, (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 49 a 57).
São as considerações de prevenção geral que justificam que se fale de uma moldura da pena, cujo limite máximo corresponderá ao ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, a pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.
O limite mínimo da moldura corresponderá ao mínimo da pena que, em concreto, ainda protege com eficácia os bens jurídicos tutelados, o mínimo imprescindível a assegurar as expectativas de proteção da comunidade. A culpa funcionará como pressuposto e limite máximo inultrapassável da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 40º, nº 2 do Código Penal – é o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 25º da Constituição).
Para além disso, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (artigo 40º, 1, in fine do Código Penal).
Retomando o caso dos autos, podemos verificar, face à fundamentação da escolha e fixação da pena concretas aplicadas aos recorrentes por parte do Tribunal recorrido que foram devidamente ponderados os princípios que deverão presidir a essa decisão.
Na verdade, atendeu o Tribunal a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime pelo qual foram condenados, depunham a seu favor e contra si, nomeadamente o seu dolo direto, o grau de ilicitude, e ao facto ainda de não terem antecedentes criminais anteriores a prática do crime, e ao grau de inserção na sociedade, tudo aliás de acordo com o disposto no artigo 71º do CP.
Ora, atentas as molduras penais abstratamente aplicáveis ao crime pelo qual os recorrentes foram condenados, podemos concluir que as mesmas estão muito próximas do limite mínimo.
Entendemos, e disso já demos conta noutras decisões proferidas, que a fixação da medida concreta da pena envolve para o juiz, escreve Jesheck , in Derecho Penal , pág. 1192 , Vol. II , uma certa margem de liberdade individual , não podendo , no entanto , esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser , estruturalmente aplicação do direito , devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente , por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP.
Em nosso entendimento, o Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Assim, a regra a seguir por este Tribunal de recurso, deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, sendo todo o processo lógico de determinação da pena exata aplicada aferido em sede de recurso, e, caso seja insuficiente ou desajustado, alterado de acordo com o circunstancialismo factual assente, caso contrário, deverá ser mantido e consequentemente a pena concreta assim fixada.
Na verdade, revela a fundamentação do acórdão dado a recurso, que foi feita a ponderação das necessidades de prevenção geral e especial, foi tida em conta que a ilicitude mediana, que os arguidos actuaram com dolo directo, a atuação anterior e posterior ao crime, a ausência de antecedentes criminais, e a própria personalidade dos agentes, pelo que se considera que as penas aplicadas são ajustadas e equilibradas, nada havendo a censurar à decisão.

3. Decisão:
Assim, e pelo exposto, julgam-se não providos os recursos interpostos pelos arguidos, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Notifique.
Custas pelos arguidos que se fixam em 4 UCS cada um.

Lisboa, 18 de Junho de 2025
Cristina Isabel Henriques
Maria da Graça dos Santos Silva
Francisco Henriques