PROCESSO PENAL
DIREITO DE DEFESA
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
Sumário

I- A alteração do objeto processual está processualmente prevista e obedece aos condicionalismos definidos pelos artigos 358º e 359º ambos do Código de Processo Penal que visam acautelar simultaneamente a prossecução das finalidades do processo penal e os direitos de defesa do arguido que consabidamente têm proteção constitucional (vide artigo 32º da Constituição da República Portuguesa).
II-A inobservância do consagrado em tais preceitos é cominada com nulidade da sentença porquanto o artigo 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal (artigo convocado pelo recorrente) determina que «é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia se a houver fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º».
III-O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.
IV- No caso vertente não há «uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refere aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. »
V- Os factos que fundamentam a condenação não constituem um crime diverso, já que o mesmo não se confunde com tipo legal de crime e a alteração da qualificação jurídica foi comunicada também relativamente às penas acessórias tendo sido observado o consagrado na lei processual penal.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1-RELATÓRIO:
Nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo nº 457/23.1PALSB que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 6 foi, em 28 de fevereiro de 2025, proferido acórdão que, com relevo para o presente recurso, condenou o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:
Com referência à vítima BB:
-1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.°3, alínea a) e 177.°, n.°1, alíneas a) e b), do Código Penal, - sendo absolvido da agravação da alínea c) deste último comando normativo -, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
-66 (sessenta e seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.°1 e 177.°, n.°1, alíneas a) e b), do Código Penal, - sendo absolvido da agravação da alínea c) deste último comando normativo e das demais imputações que perfaziam o remanescente até 104 (cento e quatro) crimes na pena de 4 (quatro) anos de prisão, por cada crime,
-5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a), 177.°, n.°1, alíneas a) e b), 22.° e 23.° do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada crime,
-1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a) e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
-4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 2 e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, a pena de 6 (seis) meses de prisão, por cada crime.
- 854 (oitocentos e cinquenta e quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.°1, alíneas a) a c) e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal, - sendo absolvido da agravação da alínea c) deste último comando normativo e das demais imputações que perfaziam o remanescente até 960 (novecentos e sessenta) crimes na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) anos de prisão, por cada crime.
-1 (um) crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.° 1, alínea b) e 177.°, n.°1, alínea a), do Código Penal - sendo absolvido da qualificação constante da alínea a) do primeiro comando normativo e das agravações das alíneas b) e c) deste último comando normativo na pena de 3 (três) anos de prisão.
-1 (um) crime de perseguição, p. e p, pelo artigo 154º n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB:
i)Na pena de 1 (um) ano de prisão.
ii) Na pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB, com efectivo afastamento da residência, bem como qualquer outra em que venha a habitar, pelo período de 3 (três) anos.
iii)Na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição - esta integrada em contexto prisional, face à efectividade da pena única de 14 (catorze) anos de prisão aplicada.
-Aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, pelo período de 14 (catorze) anos -nos termos do artigo 69.°-C, n.° 1, 2 e 4, do Código Penal - aditado pela Lei n.°103/2015, de 24 de Agosto - com referência às imputações de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.°s 1 e 3, alínea a) e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal, de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a), 177.°, n.°1, alíneas a) e b), 22.° e 23.° do Código Penal, de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 1, alíneas a) a c), e n.°2 e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a) - e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal, de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.°1, alínea b) e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal.
Com referência à vítima CC
-1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, alíneas a) e c) e n.°2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal):
i)Na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
ii)Na pena acessória de proibição de contacto com a vítima CC, com efectivo afastamento da residência, bem como qualquer outra em que venha a habitar, pelo período de 5 (cinco) anos.
iii)Na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica - esta integrada em contexto prisional, face à efectividade da pena única de 14 (catorze) anos de prisão aplicada.
-Operar o cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas e condenar o arguido AA na pena única de 14 (catorze anos) de prisão efectiva.
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Inconformado com a decisão condenatória dela recorreu o referido arguido extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
1ª) - Erro notório existe, quando usando um processo natural e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou contraditório com um outro facto (positivo ou negativo) contido na decisão recorrida.
2ª) - Conforme resultou da audiência, o elenco dos factos dados como provados de 1 a 95 são fundamentados com base, essencialmente na prova testemunhal tendo sido unicamente valorado os declarações da própria vítima BB porquanto, as outras testemunhas nunca podem ser valoradas, dado que não são testemunha presenciais e dado ao tipo do crimes em questão, o ouvir dizer, ou que lhe disseram é sobejamente perigoso a sua valoração.
3ª) - A prova valorada foi em total detrimento de toda a prava testemunhal apresentada pelo Arguido.
4ª) - E estranha-se a total aceitação das declarações de BB, quando na sua avaliação psicológica, é concluindo aí, que é uma avaliação de “provavelmente credível", e quando nas suas declarações para memória futura não se lembra e recorda quando ocorreram os factos.
5ª) -Por acaso fizeram alguma avaliação psicológica ao arguido que também era vítima? Para assim aferir da sua credibilidade?
6ª)- Essa aferição foi feita pelo Tribunal recorrido que nenhum crédito deu à vítima AA mas constitui uma nulidade processual dado que o arguido/vítima deveria ter sido sujeita a uma avaliação psicológica tal como a BB sob pena do xadrex das garantias e direitos das partes ter sido desigual e sonegado a AA.
7ª) - 0 Douto Acórdão condena o Arguido a todos os crimes ai elencados sem prova demonstrativa, das circunstâncias específicas do tempo e lugar os crimes ocorreram, ou seja, o Tribunal julgou com o pretexto perigoso da convicção a que se refere o Art. 127,° do Cód. Proc Penal
8ª) - Ou seja, o Tribunal valoriza totalmente umas declarações da testemunha BB que no seu relatório de avaliação psicológica foi como "provavelmente credível” e desvalorizou-se na íntegra o sem qualquer reserva o depoimento do Arguido.
9ª) - Na verdade onde está a presunção da inocência, onde está a máxima do “in dubio pro reo” que são princípios fundamentais na nosso Processo Penal, que decorre da presunção constitucional de inocência e consiste em: na dúvida sobre os factos a provar, o tribunal decide em favor do arguido (absolvição não agravação, atenuação, etc.)
10ª) - Assim sendo, o Tribunal recorrido violou claramente estes princípios legais e constitucionais, o que se vem suscitar a sua ilegalidade e inconstitucionalidade na sua aplicação e interpretação, para todos os efeitos legais.
11ª) - O julgar à convicção não pode valer tudo condenar sim, mas com factos e provas concretas, mas o que realmente não sucedeu nos presentes Autos, já que da matéria factual dada como provada, não pode nunca levar uma condenação do arguido
12ª) - Dos factos dados como provados no Douto Acórdão de 1 a 95, não se alcança notoriamente. e sem margem para dúvidas, que tenha o arguido praticado os crimes do qual foi condenado.
13ª) - Não se refere dias, horas, ou seja, nada especificamente quo coloquem o arguido nos lugares que as acusações o fazem, o embora, em bom rigor seja uma Acusação muito ténue e titubeante, nos factos apresentados e prova.
14ª) - De forma, que não se pode valorizar umas declarações de uma testemunha, que nem se recorda dos factos, que é uma testemunha provavelmente credível, em detrimento total e sem qualquer crédito de um depoimento do arguido.
15ª) -O princípio máximo legal e constitucional de in dúbio pro reo, tem que ser aplicado ao caso em concreto dos Autos, e consequentemente concluir por uma total absolvição da prática dos crimes por parte do Arguido
16ª) - E por fim, o dado todo o anteriormente alegado deve o Douto Tribunal da Relação ter em conta o artigo 430° do Cód. Proc. Penal, para efeitos de renovação da prova.
17ª) - Em sede própria o Mmº Juiz Presidente comunicou ao Arguido a alteração não substancial dos factos constantes da acusação, nos termos do disposto no artigo 358.° n.°s 1 e 3, do Código do Processo Penal, com referência ao artigo 1º, alínea f). esta "a contrario sensu" do mesmo Código para que o Tribunal possa eventual mente considerar: i) A atuação do arguido AA tenha ocorrido com o intuito, conseguido, do levar BB a sentir-se vigiada, perseguida e assediada e daí, poder incorrer no cometimento, em autoria material e na forma consumada, de um crime do perseguição, p .e. p pelo artigo 154.°-A. n.°s 1, 3. 4 e 5, do Código Penal, e ainda a aplicação do pena acessória de proibição do confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 69 °- C, n.°1 2 e 4, do Código Penal.
18ª) - Ora entende o Arguido que não estamos perante uma alteração não substancial dos factos, mas sim numa clara alteração substancial dos factos.
19ª) - Na verdade, não estamos perante o circunstancialismo do artigo 358°, n.ºs 1 e 3. do Código do Processo Penal, mas sim do artigo 359.° também do Cód Proc. Penal, já que os factos de que o arguido vinha acusado por violência doméstica Art. 152.° do Cód Penal, o qual foi absolvido, não são os mesmos factos que o Tribunal a quo entendeu se tratar de um crime do perseguição, art. 154° do Cód. Penal, e que são factos completamente dispares e totalmente diferentes, do que vinha indiciariamente acusado o arguido.
20ª) Deste modo, estamos perante uma alteração substancial dos factos carreados na Douta Acusação Pública, o que por conseguinte, deve ser dada e declarada nula a sentença nesta especificidade, e ser caso o anteriormente não seja julgado procedente o da absolvição do arguido, o julgamento repetido nesta parte - Art-º 426,° o 426º- A do Cód Proc. Penal,
21ª) O Tribunal não pode socorrer-se de presunções judiciais para suprir a falta de prova relativamente factos oportunamente discutidos e apreciados em Julgamento (Ac. STJ 09/10/2003, P° 03B2536 -Oliveira Sarros), não podendo tais presunções assentar em factos com tais incompatíveis, designadamente se tais factos tiveram sido dados como não provados (Ac STJ dc 14/10/97 - Pereira Graça).
22ª) - Há por isso Erro de Julgamento quanto à matéria de facto e na apreciação da prova produzida, e erro na Interpretação e Aplicação do Direito.
23ª) Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Tribunal a quo violou os artigos 607º nº 5 do NCPC por força do artigo 4ºdo CPP, 340º e 355° nº 2 ss do C.P.P, e 13°, 20º e 32°da C.R.P., entre outros
24ª) - Pelo que e sem necessidade de mais considerações, deve o Recorrente ser absolvido por não estarem preenchidos os pressupostos da prática dos crimes pelo qual foi condenado.
Termina requerendo o provimento do recurso com a consequente revogação da decisão recorrida ordenando-se a renovação da prova conforme requerido e absolvendo-se o recorrente do crime em que vem condenado ou a repetição do julgamento por nulidade insanável.
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Admitido o recurso o Ministério Público apresentou a sua resposta concluindo que:
1- “No que se refere ao «erro notório na apreciação da prova», em nosso entender não estamos perante qualquer vício do acórdão, antes se entende é que o que o arguido pretende colocar em causa é a valoração da prova feita pelo Tribunal.
Do teor do acórdão consta uma minuciosa e claríssima fundamentação da matéria de facto dada como provada.
2- O Tribunal não teve quaisquer dúvidas quanto aos factos que deu como provados, pelo que não há lugar a violação do princípio in dubio pro reo.
3- O Tribunal ao apreciar a prova, debruça-se sobre a qualificação jurídica, até porque a prova é dinâmica e no decurso da audiência de discussão e julgamento podem ser carreados outros factos, que não fazendo parte da acusação, não acarretem um insuportável afectação para a defesa, pelo que sem dúvida, estamos perante uma alteração da qualificação jurídica que não integra uma alteração substancial dos factos.
Termina pugnando pelo não provimento do recurso e, consequente, manutenção da decisão recorrida.
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Também a assistente CC apresentou resposta ao recurso de que extraiu as seguintes conclusões:
A) O Arguido limita-se a invocar a existência de erro notório na apreciação da prova, sem nunca concretizar tal alegação.
B) Do exame do acórdão recorrido, nomeadamente dos factos nele consignados como provados, não se vislumbra, s.m.o., qualquer insuficiência de factos apurados para a decisão de direito proferida.
C) Com efeito, no âmbito dos poderes de cognição que lhe competiam, face aos factos que constituíam o objeto do processo, o Tribunal não deixou de fora da sua apreciação factos relevantes que importava conhecer para a decisão de mérito.
D) Está apurada a factualidade pertinente à subsunção da conduta do arguido à previsão normativa dos tipos de ilícitos em questão e à culpabilidade para fundamentar a decisão final.
E) Salienta-se que o erro na apreciação da prova não pode ser confundido com o erro de julgamento.
F) No caso vertente, o recorrente coloca em causa a valoração da prova, concretamente a prova testemunhal e os documentos juntos aos autos, a qual, em seu entender, não permite considerar provados os pontos de facto impugnados.
G) Acontece que o recorrente não indica os factos que são objeto da sua inconformidade, nem as passagens da gravação dos depoimentos.
H) S.m.o., entendemos que toda a prova constante dos autos, designadamente documental, pericial e testemunhal, merecem toda a credibilidade, não existindo, margem para dúvida, sobre a veracidade dos factos praticados pelo Arguido, ora Recorrente e que conduziram a sua condenação.
I)Pelo que, não existe qualquer violação do artigo 127° do C.P.P.
J) Outrossim, não se deteta qualquer outro vicio previsto nas restantes alíneas do sobredito artigo 410°. n°. 2°. do Código de Processo Penal.
K) Por outro lado, da leitura do acórdão recorrido, nomeadamente da fundamentação da matéria de facto constante da decisão, depreende-se que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base numa apreciação crítica, coerente e racional dos meios de prova produzidos, em estrita observância do disposto no artigo 127° do C.P.P.
L) A convicção do Tribunal a quo encontra-se solidamente alicerçada, não se descortinando qualquer dúvida razoável quanto à verificação dos factos considerados provados, bem como quanto à sua imputação ao recorrente, inexistindo qualquer incerteza de natureza insanável a esse respeito.
M) Pelo que, inexistindo qualquer dúvida por parte do Tribunal a quo, em relação à verificação dos factos dados como provados assim como, de estes terem sido perpetrados pelo recorrente, não existe qualquer violação do princípio in dubio pro reo, devendo o recurso improceder, nesta parte.
N) O Arguido vinha acusado, entre outros, da prática de um crime de violência doméstica, perpetrado na pessoa da Assistente/Demandante BB, cuja qualificação jurídica foi alterada pelo Tribunal a quo, para um crime de perseguição, p. e. p. pelo artigo 154.°-A, n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal.
O) A alteração da qualificação jurídica dos factos foi devidamente enquadrada nos poderes do Tribunal, não consubstanciando uma alteração substancial que exigisse a aplicação do regime do artigo 359° do referido diploma,
P) Mas sim, uma alteração não substancial dos factos.
Q) O Tribunal a quo deu a conhecer ao arguido a intenção de proceder à alteração da qualificação jurídica e aditamento de factos apurados da prova produzida em sede de audiência, concedendo-lhe prazo para defesa.
R) Face ao que antecede, não assiste razão ao recorrente quanto à alegada nulidade da decisão com fundamento em alteração substancial.
S) Em consequência, julgou bem o Tribunal a quo, devendo, em consequência ser desatendida a pretensão do Recorrente.
Termina pugnando pelo não provimento do recurso do arguido e consequente manutenção da decisão recorrida.
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De igual modo a assistente BB apresentou resposta ao recurso do arguido extraindo da mesma as seguintes conclusões:
1.Rege a jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra, Acórdão datado de 10/07/20218, Proc. n° 26/16.2GESRT.C1 do Relator Orlando Gonçalves, que “O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum”, ”Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
2.O Arguido/Recorrente não alega nenhum facto para o alegado vício de erro notório na apreciação da prova, estando as alegações do Recorrente desprovidas de qualquer fundamentação para o preenchimento do art. 410° n° 1 c) do CPP.
3.O Tribunal a quo fundamentou de forma inatacável a matéria de facto dada como provada e explicou de forma minuciosa a lógica que seguiu para fundar a sua convicção.
4.Ao contrário das alegações do Recorrente, o Tribunal a quo não teve qualquer dúvida quanto à matéria de facto dada como provada e alicerçou, exaustivamente, a sua decisão, inexistindo qualquer violação do princípio do in dúbio pro reo.
5.O Recorrente vinha acusado de um crime de violência doméstica na pessoa da aqui Assistente/Recorrida e o Tribunal a quo alterou a referida qualificação jurídica para um crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154o-A n°s 1, 3, 4 e 5 do CP, tendo em conta a prova produzida nos autos e, nomeadamente, a factualidade provada em 3, 31, 34, 50 a 54, 57 e 78 a 80, tendo a referida alteração sido formalmente comunicada à defesa que prescindiu do prazo para defesa.
6.A alteração da qualificação jurídica consubstancia uma alteração não substancial dos factos e não uma alteração substancial dos factos, como alegado pelo Recorrente, pelo que nada há a alterar relativamente a essa questão.
Termina pugnando pela manutenção da condenação do arguido recorrente.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer em que com maior relevo refere:
Subscrevemos na íntegra a posição do Ministério Público em 1ª. Instância, atenta a pertinência, correção jurídica e clareza da sua fundamentação, a realçar, com total acerto, os fundamentos de facto e de direito determinantes do entendimento de que não deve ser procedente o recurso.
Em seu reforço, à luz dos princípios de apreciação da prova já salientados na resposta ao recurso em 1ª. instância, e atentando nos factos concretos que o recorrente entende terem sido incorretamente dados como provados, sempre se dirá:
1- O recorrente pretende impugnar a matéria de facto nos termos por si salientados, mas não cumpre o ónus de especificação previsto no artº. 412º nº3 do CPP, o que nos leva a citar a recente jurisprudência expressa no acórdão da Relação de Lisboa de 10-1-2024 , proferido no processo nº 456/22.0PGAMD.L1, que , nesta vertente e em situação similar, refere:
“ (…) Muito embora, quer as alegações quer as conclusões se mostrem um pouco insipientes em relação ao objectivo pretendido, é possível extrair das mesmas que o arguido pretende impugnar a matéria de facto.
Da motivação apresentada pelo recorrente poder-se-á extrair que, na verdade, este pretende pôr em causa a factualidade apurada e que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida, em sede de audiência.
Estaremos, então, no campo da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.°, n°3, 4 e 6 do C. P. Penal.
A apreciação do invocado erro de julgamento vai para além da análise da sentença e estende-se à prova produzida em audiência e ao que da mesma se pode extrair, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.°3 e 4 do citado dispositivo legal, que impõe ao recorrente:
a) a indicação dos «concretos pontos de facto» que considera incorrectamente julgados;
b) as «concretas provas» que, em sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida, o que implica a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Relativamente às duas últimas especificações recai, ainda, sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.) - Ac. RL, Proc. nº1111/09.2PFSXL.L1, de 25-1-11 (Relator Desembargador Jorge Gonçalves).
O recurso da matéria de facto, assim formulado, permite que os poderes de cognição do tribunal de recurso se estendam à matéria de facto e que, sendo o recurso, nessa parte, procedente, venha a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1ª instância (artigo 431º, alínea b), do Código de Processo Penal).
Daí que o tribunal de recurso só possa alterar o decidido se as provas indicadas pelo recorrente, que o tribunal vai ouvir, ou ler, sem a imediação, nem a oralidade, impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n°3 do art.° 412º do CPP).
No caso, o recorrente invoca genericamente que os factos dados como provados foram incorretamente julgados, mas não cumpriu, nem na motivação, nem nas conclusões, o ónus de especificação imposto pelas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 412º do C. P. Penal, apresentando, neste segmento, apenas um ataque genérico à forma como o Tribunal a quo valorou a prova produzida, numa crítica global à produção e valoração/apreciação da mesma, não se justifica sequer o convite ao aperfeiçoamento.
Não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do tribunal “a quo” se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal.
2 - No essencial, salienta o recorrente que apenas com base no depoimento da assistente BB é que o tribunal formou a sua convicção, sublinhando que o relatório pericial não demonstra suficientemente a sua credibilidade, o que não permite ao tribunal formar a convicção alcançada com base nesse depoimento.
Ora, da leitura do acórdão, extrai-se com clareza que o tribunal assentou a sua motivação em múltiplos elementos de prova, designadamente os que de forma expressa exarou, e o Ministério Público também realçou na resposta a recurso apresentada.
Patentemente, e na linha da posição assumida pelo Ministério Público em 1ª. Instância, impõe-se assim concluir pela improcedência do recurso, aqui sopesando a muito bem fundamentada motivação da matéria de facto exarada no acórdão, e o entendimento jurisprudencial expresso , entre outros, no acórdão da Relação de Lisboa de 9-3-2023 ( processo 220/19.4GAMTA.L1-9 ), que refere:
“ (…) I. Incumbe ao recorrente definir os termos do seu recurso em matéria de facto, delimitando o respetivo objeto, não lhe bastando enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito, alegando que da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou que não se provou o crime, pelo deverá ser absolvido, de tal modo que tivesse de ser o Tribunal Superior oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à pretensão final do recorrente e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra. Assim não cumprindo o legalmente determinado o recurso apresentado neste segmento, este não pode ser conhecido neste segmento;
II- A violação do princípio “ in dubio pro reo”, só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção, coisa que de forma patente não aconteceu no caso em apreço. Mais se acrescenta que o “in dubio pro reo” constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e dá resposta às situações de dúvida quanto à verificação de determinado facto, impondo que o “non liquet” em matéria de prova seja valorado a favor do arguido(…)”.
Em consonância com todo o exposto, emitimos parecer no sentido da manutenção do acórdão recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Observado o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal nada foi aduzido.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto pelo arguido cumprindo, assim, apreciar e decidir.
2-FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente arguido invoca no seu recurso delimitado pelas conclusões as questões a dirimir são:
- se a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal.
- se o recorrente enquanto vítima devia ter sido sujeito a avaliação psicológica e se tal omissão configura uma nulidade.
- se a decisão recorrida padece de erro de julgamento nos termos do artigo 412º nº3 do Código de Processo Penal.
- se a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 410º nº2 al.c) do Código de Processo Penal.
- se a decisão recorrida violou os princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova.
-se a decisão recorrida padece de erro de interpretação e aplicação de direito.
*
2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara a decisão recorrida, na parte que releva para a apreciação do recurso interposto, o que a seguir se transcreve:
(…)
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todos os formalismos legais, no âmbito da qual, entre o mais, se procedeu a comunicação de alteração não substancial dos factos nos termos do disposto no artigo 358.°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 1.°, alínea f), este “a contrario sensu” do mesmo Código, com respeito a eventual:
i) Actuação do arguido AA ocorrer com o intuito, conseguido, de levar a BB a sentir-se vigiada, perseguida e assediada e, daí, poder incorrer no cometimento, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, p. e p. pelos art.°s 154º n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e bem assim com possibilidade de aplicação das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição, devendo a pena acessória de proibição de contacto com a vítima incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
ii) Aplicação de pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 69.°-C, n.°1, 2 e 4, do Código Penal, com referência às imputações de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.°s 1 e 3, alínea a) e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a), 177.°, n.°1, alíneas a) a c), 22.° e 23.° do Código Penal, de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.°1, alíneas a) a c), e n.°2 e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a) - e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.°1, alíneas a) e b) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal - tudo conforme se alcança das respectivas actas.
*
O tribunal é competente e estão verificados todos os pressupostos de validade e regularidade da instância, não subsistindo nem sobrevindo quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
II- Fundamentação.
A. Matéria de facto provada.
O tribunal, discutida a causa, deu como provados os seguintes factos:
Do acusatório - demandas cíveis enxertadas e demais apurado em audiência de julgamento.
Da acusação do Ministério.
1.Desde data não concretamente determinada do ano de 2008, o arguido/demandado AA (doravante AA) e a arguida/demandante e assistente CC (doravante CC) mantiveram uma relação análoga à dos cônjuges, vindo a contrair matrimónio, um com o outro, no dia ... de ... de 2011, fixando residência comum na ..., nas ..., em ..., tendo-se separado no dia ... de ... de 2023.
2. Desse relacionamento amoroso, nasceram dois filhos em comum, DD (doravante DD), no dia ... de ... de 2009, e EE (doravante EE), no dia ... de ... de 2010.
3.Com AA e CC, partilhavam a residência comum os filhos descritos em 2. e a assistente/demandante BB (doravante BB), nascida no dia ... de ... de 2005, filha daquela última.
4.Por força da relação amorosa mantida com CC, AA criou BB como se sua filha fosse, desde pelo menos os 6 (seis) anos de idade, a qual por esse motivo o apelidava de “pai”.
5.Aproveitando-se dos laços familiares e da relação de confiança, desde data concretamente não apurada, mas pelo menos a partir do ano de 2019, AA passou a abordar BB, adoptando comportamentos com intenção de satisfazer os seus desejos libidinosos.
6.Deste modo, em data não concretamente apurada do ano de 2019, no interior da residência comum, AA dirigiu-se a BB, então com 13 (treze) anos de idade, e disse-lhe: “Eu dou-te um IPhone quando tu fizeres catorze anos, se tu me deixares ter sexo oral contigo.
7. A partir do Verão de 2019 e até ao mês de ... de 2022, à excepção dos fins-de- semana e do primeiro confinamento derivado do estado de emergência em Portugal decretado pelo Presidente da República em razão da pandemia Covid-19 - mediado entre 18 de Março e 20 de Junho de 2020, com uma frequência diária, aproveitando o facto de CC se ausentar da residência comum, pelas 06:30 horas, para ir trabalhar, AA passou a dirigir-se ao quarto de BB, deitou-se na cama da mesma, trajando uma camisola e umas leggings, colocou-se por debaixo dos lençóis e começou a tocá-la e a acariciá-la, nas zonas das mamas, do rabo e da vagina, dizendo-lhe que “como não era filha dele, de sangue, não tinha mal manter relações sexuais.
8.Numa das ocasiões descritas em 7., ainda no ano de 2019, AA despiu as roupas que BB trajava.
9.A partir de ... de ... de 2019, no circunstancialismo e com a frequência descritos em 7., por debaixo dos lençóis da cama, AA passou a despir a parte de baixo da roupa que BB trajava e, debruçando o seu corpo sobre esta, pôs a sua língua na vagina da mesma.
10.De seguida, AA pediu a BB que pusesse a sua boca no seu pénis, erecto, mais lhe dizendo que queria ali ejacular, o que aconteceu numa dessas ocasiões.
11.A partir de ... de ... de 2019, no circunstancialismo descrito em 7., AA encostou a “ponta” do seu pénis, erecto, na vagina de BB, exercendo força, não logrando, contudo, consumar o acto sexual, uma vez que aquela, por ser virgem, manifestava-lhe dor, gritando.
12.Nalgumas dessas ocasiões, em número não inferior a 5 (cinco), ao ver recusada a sua intenção de manter relações sexuais com penetração com BB, AA, apelidava-a de “puta”, “nojenta”, “como não conseguia manter relações sexuais, que não custava nada”, e ",castigava-a ”, retirando-lhe o telemóvel, beneficiando do seu ascendente sobre a mesma, enquanto marido da mãe.
13.De igual modo, em outras dessas ocasiões, em número não inferior a 3 (três), ao não lograr consumar as relações sexuais com BB, AA dizia-lhe: “Podias dar- me o rabo, podias deixar fazer”, o que aquela sempre negou.
14-Em dia não concretamente apurado, mas mediado entre o início do ano de 2022 e o dia ... de ... de 2022, AA enviou para o telemóvel de BB uma fotografia com o seu pénis erecto exposto e uma das suas mãos a agarrá-lo.
15.Em decorrência e no âmbito do inquérito n.°405/22.6JDLSB, no dia ... de ... de 2022, AA ficou sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, vindo a ser libertado no dia ... de ... de 2022.
16.No dia ... de ... de 2022, quando AA saiu do Estabelecimento Prisional de ..., CC encontrava-se no exterior a aguardá-lo, tendo-o transportado para a residência em comum, descrita em 1.
17.Entre o dia ... de ... de 2022 e o mês de ... de 2023, AA voltou a partilhar a residência com CC, os seus dois filhos EE e DD, e a partir do final do mês de ... de 2022, com BB.
18.No mês de ...de 2022, em dia não concretamente apurado, aproveitando-se da circunstância de se encontrar sozinho, no interior da residência comum, com BB, AA agarrou-a pelo braço, levou-a para o quarto que partilhava com CC, despiu-a, deitou-a na cama, baixou-lhe as calças e, fazendo uso de preservativo, penetrou-a, exercendo força com o seu pénis, erecto, na vagina daquela, fazendo movimentos de "vai-e-vem ”, embora a mesma lhe manifestasse a intenção de parar, acabando por chorar, por lhe estar a doer, o que aquele não respeitou consumando o acto sexual ejaculando.
19.A partir desta data e até ao dia ... de ... de 2023, AA passou a actuar conforme descrito em 18., com uma frequência de quatro vezes por semana, mantendo, de igual forma, sexo oral, colocando o seu pénis na boca de BB e passando a sua língua na vagina desta, sem que a mesma, na maioria das vezes, tenha manifestado a intenção de parar o acto sexual, por se sentir emocionalmente dependente.
20. Enquanto actuava conforme descrito em 18. e 19., nas vezes em que BB lhe pedia para parar e lhe transmitia que não estava a gostar, AA reagia num tom de voz elevado, dizendo que “era um insuflável ”, “parecia uma mulher insuflável a ter relações sexuais com ele”, “que parecia uma morta”,”que mais valia estar a ter relações sexuais com um morto”, “que nunca tinha orgasmos”, í(que estava sempre quieta”, “que não lhe dava prazer”.
21.Em ... de 2023, AA e CC separaram-se, tendo esta passado a residir na habitação da sua progenitora, sita na ..., com os seus filhos, EE, DD e BB e continuado, aquele, a residir na morada descrita em 1.
22. Todavia, entre ... de 2023 e o dia ... de ... de 2023, AA passou a partilhar a residência descrita em 1, com BB, por esta ter discutido com CC, sua mãe, actuando conforme descrito em 18. e 19.
23. No dia ... de ... de 2023, BB foi acolhida numa instituição de acolhimento, no âmbito de um Processo de Promoção e Protecção, vindo a sair da mesma no dia ... de ... de 2023.
24.Durante o período temporal descrito em 23., pelas 07:00 horas, AA passou a ir buscar BB à porta da instituição de acolhimento e a transportá-la para a residência apurada em 1., mantendo os actos sexuais descritos de 18. a 19., com uma frequência de cinco vezes, por semana.
25.Enquanto BB se encontrava na instituição de acolhimento, o arguido AA pediu-lhe que enviasse vídeos consigo nua, a mostrar a vagina e demais partes do corpo desnudado, o que esta acedeu uma vez que aquele lhe dizia que, caso o não fizesse, iria mostrar outros vídeos de cariz sexual que, entretanto, filmara de ambos em actos sexuais à sua mãe, CC e à Directora da instituição de acolhimento.
26.Entre o mês de Abril de 2023 e o dia ... de ... de 2023, no decurso de discussões, com uma frequência semanal, AA dirigiu a CC as seguintes palavras:
“Puta”;
“Vai para o caralho ”;
“Dás a cona a qualquer um ”;
“Filha da puta”.
27.No dia ... de ... de 2023, entre as 08:10 horas e as 13:49 horas, AA remeteu do telemóvel com o n.°..., por si utilizado, para o telemóvel com o n.°..., utilizado por CC, cujo contacto se encontrava gravado como “kanina”, as seguintes mensagens:
“Bom dia se hoje não vires buscar as tuas coisas e as coisas dos teus filhos hoje as coisas vão para o lixo ”;
“Pois estou me a cagar se es tu que pagas ou não já tives te mto tempo para tirares as coisas dei te até mais tempo quando foste tu que atitaste as minhas coisas fora por isso já sabes tens até hoje”;
“Nao nao quero ca nada nem em outro quarto nem em lado nenhum desta casa”;
“Sim mandas te fora os tapetes do ginásio e papéis que te tinham dado no dia do pai e quando fiz anos por isso se tu podes-te rasgar e mandar isso tudo fira eu tbm posso por isso tens até ao fim do dia de hoje para vires buscar as tuas coisas e as coisas deles ”;
“Os piriquitos a tartaruga e o cão daqui a pouco vou solta los ”;
“A tartaruga ou vens buscar ou vai pela sanita ”;
“OJcfaz o que quiseres mas quando lá fores buscar as tuas coisas eu quero la estar”;
“E não pagues nada desta casa pk eu só vou sair daqui quando ouver uma ação de despejo ”;
“Não disse que eras capaz de roubar só disse que queria estar presente”;
“Pois conforme estalaste os dedos para me deixares aqui na merda agora podes estalar os mesmos dedos para tirares as tuas coisas de casa”;
“Não os tenho cmg pk primeiro viras eles contra mim agora querias o que dis me la”;
“Sim foste tu quando os chamas te aos dois po pe de ti foste tu que tanto os querias ao pé de ti para eu ficar sozinho que conseguiste ou esperavas que depois de me deixarem sozinho que eu fica se a bater palmas sim estou triste desiludido com eles mas a culpa de eu estar assim com eles e tua e tu sabes perfeitamente isso ”;
“Pois estou me a cagar agora juro te mesmo hoje vou apresentar outra queixa contra ti mas juro te mesmo é só parar de apresentar queixas até eles irem para um colégio isso eu te juro”;
“To a caminho da esquadra mais uma queixa”;
“Okjá estou na esquadra”;
“Hoje vais ficar sem eles te juro”;
“Parva vais ficar com tudo o que vai acontecer hoje é hoje sim juro te que só vou parar quando eles estiverem no colégio nem que para isso eu tenha que este duas horas na quadra todos os dias a apresentar queixas contra ti”;
“Hoje tas tao fdd filha de uma puta hoje podes ter a certeza que vou fazer espetáculo aí em casa da tua mãe até a polícia vir e levar os miúdos vais ver minha puta de merda andas te três anos a enganar me hoje vais ver minha cabra de merda ”;
“Ho pa vai po caralho eu to a ler as conversas dele e do FF queres que te mande os prints e calma hoje vou preso minha puta mas tu hoje morres ”;
“Calma que tu hoje vais ver o que é merda a serio ”;
“Até já e já vais ver o que eu fazer merda minha puta hoje vais morrer”;
“Já estou a ir para a tua mae até Já ”;
“Hoje tas tao fodida que se eu fosse a ti desaparecia do mundo mas mesmo assim vou atraz de ti ”;
“Hoje vamos tirar isto tudo a limpo”;
“Ok já resolvemos tudo hoje digo-te está merda toda vai dar que falar hoje prepara te que o teu dia e a dos nossos filhos vai ser brutal aguarda me ”;
“CC hoje vais conhecer um AA que em 15 anos não conheces te”;
“Tbm hoje vais tu primeiro para dentro de um saco a seguir vai ele ”;
“Aguardem que estou aqui na damaia a comprar uma prenda para tine para ele a prenda serve para os dois ”.
28.No dia ... de ... de 2023, pelas 14:00 horas, AA dirigiu-se ao local de trabalho de CC, sito na ..., em ..., e, no decurso de uma discussão com esta, retirou-lhe o telemóvel da marca …, S20, num valor aproximado de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) e atirou-o duas vezes contra o chão, destruindo-o.
29.Enquanto AA actuava conforme descrito em 28., agarrou CC pelo braço, empurrou-a contra o balcão do estabelecimento de … ali existente, enquanto lhe dizia “lá em cima vou-te matar ”, abandonando de seguida aquele local para parte incerta.
30.Depois de BB ter saído da instituição onde se encontrou para a residência da sua mãe, CC, entre o dia ... de ... de 2023 e o dia ... de ... de 2024, AA remeteu a esta última as seguintes mensagens:
“Vais receber todas as fotos e vídeos da tua filha enquanto estava no colégio todos os dias me mandava vídeos todos os dias esteve na minha casa até no dia que fujiu do colégio passou a noite toda cmg vou te mandar tudo para o mensager”;
“Todos vão ver quem ela é até na escola vão saber vou mandar todos os vídeos para algum da escola dela ”;
“Ela que me venha trazer tudo o que lhe andei a comprar e todo o dinheiro que me deve”;
“A tatuagem fui eu que lhe paguei foi fazer cmg tenho vídeos disso tbm ”;
“Diz a ela para vir trazer tudo antes que seja eu a ir aí em baixo ”;
“Durante estes messes todos os domingos ela estava cmg ias mós passear e ainda te pedia dinheiro e tu mandavas todas as terças feiras quando ela saia da tua casa era eu que a levava ao colégio ainda há três dias ela teve cmg cá em casa pediu me a tatuagem e eu paguei mas como ela andou a gozar com a minha cara quero toda a roupa que lhe comprei a tatuagem que lhe paguei quero tudo o que é meu se ela vir me trazer as minhas coisas tudo bem se eu for obrigado a ir aí em baixo todo o bairro vai saber quem á a tua filha que eu mostro mesmo tudo o que tenho dela”;
“CC podes dizer à tua filha para me vir trazer as coisas para não ter que ir aí a baixo arranjar confusão ”;
“Há e é só para te dizer que tu foste dizer a BB que estavas afazer de tudo para me pores preso ela é minha testemunha tudo o que me andas te a dizer ela contava me tudinho e agora ela é minha testemunha”;
“É fdd né enquanto andavas a mandar lhe dinheiro até aqueles 60€ foi jogo dela para irmos almoçar pk todos os dias de manhã eu ia buscar lá ao colégio e vinha para minha casa é só para saberes bem com quem lidas ok a tua frente é uma coisa andou a fazer jogo com os dois agora vai ser a minha vez logo a noite vou ai a baixo buscar tudo o que é meu ia agora aí mas prefiro ir a noite pois aí tenho a certeza que estão aí em casa até logo ”;
“Olha lá vais fazer ir aí em baixo arranjar mesmo merda é isso que queres né? ”;
“Ok então até mais logo agora é mais fácil chegar aí em cima bem ditas obras até mais logo”;
“Espero que hoje me dês tudo o que é meu enquanto isso não vais ter descanso te juro”;
“E podes dizer a tua filha que a próxima vai ser ela ”;
“Isso continua a ignorar depois dizes a eu falo CTG ok CC continua a dar baila tu e a tua filha vão se foder calma so ”;
“Aquilo de ontem não é nada comparado com o que eu tenho guardado para vocês”;
“Aproveita bem estes dias que não vais trabalhar para a semana vai começar a caçada de novo sabes que eu sei como te apanhar não sabes então até lá”;
“Estou a ameaçar te pk tu não me queres ouvir pk sabes bem que nunca te quis fazer mal até pk se há alguém culpado sou eu não tu mas tu estás a gozar cmg e tu sabes que isso deixa me fora de mim ”;
“Então peço te pela alma da minha mãe resolve cmg tudo na boa pk eu já não tenho nada a perder ”;
“E tu sabes disso tu tens mtas coisas eu não tenho nada por isso não tenho nada a perder ”;
“Não podes dizer que não tentei resolver tudo pela melhor forma ”;
“CC conheces me melhor que ninguém sabes que estou a tentar resolver tudo a bem mas tu não queres preferes que eu foda a minha vida eu fodo até pk mais do que está não dá mas não te esqueças de uma coisa vou foder a vida de todos ”;
“Peço te suplicote não quero foder a vida de ninguém acredita juro pela alma da minha mãe mas tbm já não tenho nada a perder ajuda me para eu não foder mais a vida né ninguém peço te por favor ”;
“Vais ver então depois de todos verem quem é a tua filha”;
“E acredita os piores só os vais ver no teu trabalho a frente de todos todos aqueles que andaste a dizer que violei etc etc depois quero ver se ainda vão dizer isdo
31. Entre o dia ... de ... de 2023 e o dia ... de ... de 2024, AA remeteu a BB as seguintes mensagens:
“Puta que te pariu pá vai lá pó caralho hoje toda a gente vai saber quem tu és felizl8 anos ”;
“Os teus vídeos vai circular”;
“Amanhã quero ver a puta da tua cara quando estiver mostrar os vídeos que me mandasse aí do colégio a tua diretora aí quero ver a puta da tua. Cara é o que vais dizer”;
“Não faz mal mas os teus vídeos vão vazar até a tua escolaputinha”;
“Vamos ver putinha de merda então amanhã”;
“Mas calma que hoje vou te foder a vida toda até lá a baixo a tua mãe a frente de todos vou mostrar os teus vídeos calma ”;
“Vais ver então calma até vergonha de andares na rua vais ter vais ser conhecida pela putinha calma só então”;
“A partir das 9 da manhã se não tiver tudo o que é meu o teu irmão e a tua mãe vão começar a receber todos os teus vídeos que tens a foder cmg todos os teus vídeos que me mandavas lá no colégio quando acabavas de tomar banho por isso se não queres passar por isso tens até às 9 da manhã depois não digas que não te avisei até para os teus amigos da escola vou mandar os teus vídeos até vergonha de saíres de casa vais ter. Tás avisada”;
“Eu avisei te mas tem calma que o pior está para vir deixa me ir aí a baixo e vais ver como o bairro todo vai saber a minha vida já tá na merda agora vou por a tua na mesma merda que puseste a minha até na tua escola vai andar a girar os teus vídeos tem calma so
“Bloqueaste me né ok BB esconde te então mas lembra-te vais ter que sair de casa e ir para a escola quando te apanhar vai ser bem pior acredita
32.Entre os dias ... e ... de ... de 2024, AA remeteu a CC as seguintes mensagens:
“Não tenho culpa de teres uma filha que seguiu as tuas pizadas tu com a idade dela andavas nas caves a chupar a pila aos pretos a tua filha vai ser sempre aquela que acabou com o casamento da mãe ok se deitou na cama com o ex padrasto dela infelizmente ela e tu vão ter que viver com isso a vida toda”
“Pedofilo era o teu pai que violou a tua irmã de 7 anos já a tua filha meteu se debaixo de mim tudo o que fiz CTG fiz com ela agora ela que vá lá ter com o GG ok ele já vai receber as fotos e vídeos dela e depois quero ver beijinhos”
“Hades mijar nas cuecas a minha frente tem calma”;
“Juro te CC nem que eu não faça mais nada na minha vida mas vocês as duas tenham cuidado quando saírem de casa quando vos apanhar não vos vou perdoar acredita a minha mala tá feita”;
“Aí CC a pala da tua filha vais ficar com a vida toda fdd”;
“Como ela tem coragem de ainda querer ficar com as minhas coisas quando andou a pagar as coisas com a cona ela não tem vergonha bem como fotografias e vídeos de cariz sexual
33.Entre os dias ... e ... de ... de 2024, AA publicou no estado do seu WhatsApp a seguinte mensagem:
“Sinto uma raiva tão grande dentro de mim, tô farto desta solidão chegar a casa e não ter uma voz para ouvir ter filhos e cagarem para um pai um pai que não é exemplo para ninguém mas até preso fui para não faltar nada a eles pois eles estão a cagar se como ou não sim amigos tô a dois dias sem comer, n tenho gaz luz e há mts nesses a viver esta solidão estou farto hoje acaba este inferno este pesadelo já fiz tanta merda na minha vida mas hoje vou fazer a pior merda da minha vida não aguento desculpem de vós desiludir mas não dá mais ao menos vou ter companhia podem não ser a melhor ma ouço vozes pelo menos vou ter comer comer que agora comia obrigado pelos vossos conchelhos até um dia. n.
34.No dia ... de ... de 2024, AA contactou, via telemóvel, BB, dirigindo-lhe as seguintes palavras:
“O putinha, diz à tua mãe que é para ter cuidado a andar na rua que ela vai levar uma porrada nos cornos, nem sabe de onde é que a pedra vai cair, diz a ela para abrir o olho ”;
“Ó putinha, gostaste da surpresa? Hoje tem mais, hoje vai ter mais e vai ser pior, todos os dias um bocadinho pior está bem? ”;
Podem-se esconder à vontade, só não se esqueçam de uma coisa, ao menos ali não trabalhas mais, nem ela vai mais àquela escola, pode ir para outra escola, agora para aquela estou de olho, estou aqui de olho, só vos quero apanhar as duas juntas, as duas tá bem? Me aguardem, até já!
35.No dia ... de ... de 2024, AA remeteu a CC as seguintes mensagens:
“Fds tu és putinha mas a tua filha ainda consegue ser mais putinha que tu”;
"Espero que vocês estejam felizes tu a BB e a DD eu vou ficar a tua espera pk sei que quando ficares sem a DD vens me chatear e nesse dia ou se calhar até bem antes nos nos vamos encontrar só espero nesse dia estares tbm com o teu namorado assim resolvo logo com VCS todos ”;
Não atendes não faz mal Hades querer falar cmg e eu ir te mandar levar na cona putinha ”
36.No dia ... de ... de 2024, AA remeteu a CC as seguintes mensagens:
“Andas com uma vidinha mas não te preocupes que eu vou te encontrar”;
“Já mandei MSG ao teu amigo HH amanhã estou lá no hospital para lhe abrir os cornos com a minha bola de snooker o lado positivo da história vai ser atendido rápido não me digas que vai se cagao como tu e vai se despedir kkkkk amanhã eu mostro lhe o que é uma bola de snoker”;
“Só para te avisar que tu ou o teu sobrinho ou os dois fizeram me o canhão da mota quando te encontrar nem que seja no tribunal é bom que tenhas dinheiro para pagares a mota se não vais pagar com o corpo ”.
37.No dia ... de ... de 2024, AA remeteu a CC uma mensagem áudio com as seguintes palavras:
“Otariazinha de merda” Tu pensas o quê? Pensas que vais estar a vida toda a fugir de mim? Burra de merda nós temos dois filhos. Pode demorar um ano, dois anos ou dez anos, mas sabes que um dia os teus filhos vão-me procurar e me vão dizer onde ê que tu estás a morar e nesse dia tens a tua certidão de óbito marcada filha da puta, és tu e o teu namorado! Tou com uma raiva de vocês mano, juro-te. Mas escuta tou quase a apanhar mas eu não quero apanhar um de cada vez. Quando fizer merda a um, já vou ser engavetado. Sabes como é, para apanhar vinte e cinco, vou limpar três, três de uma vez. Se a tua mãe e o II não se puserem a jeito também vão eles os dois. Vai fugindo, vai esperneando, vai saltando, mas não esqueças que no dia que fores a Tribunal vais ter lá muita gente à tua espera. Podes dar um pinote para a direita um pinote para a esquerda, podes sair com o teu advogado, podes sair com a polícia, que alguém vai seguir atrás de ti, está bem. Então aguarda-me porquinha de merda.
38.No dia ... de ... de 2024, quando se encontrava no estabelecimento de … denominado “...”, sito, na ..., AA detinha uma bola de bilhar de cor branca, escondida no interior de duas meias de vestuário e presa por um nó.
39.Em data não concretamente apurada, mas entre o mês de ... de 2023 e o dia ... de ... de 2023, no interior da residência comum, CC dirigiu a AA a expressão “Pedófilo”.
40.No dia ... de ... de 2023, no interior da residência comum descrita em 1., no decurso de uma discussão e em razão da conduta de AA para consigo e a sua filha BB, CC dirigiu-se àquele, desferiu-lhe duas chapadas na zona da face e cuspiu- lhe na mesma zona corporal, o que fez na presença do filho menor, EE.
41.Naquele mesmo dia ... de ... de 2023, CC, disse ao filho em comum, EE, quando este se dirigia à mercearia:
“Vê se há veneno dos ratos para o teu pai o que o mesmo transmitiu a AA, seu pai.
42.Em data não concretamente apurada, mas entre o dia ... de ... de 2023 e o dia ... de ... de 2024, CC remeteu para o telemóvel utilizado por AA, com o número não determinado, uma mensagem áudio, com o seguinte conteúdo “vou fazer de tudo para seres preso”.
43.AA praticou os factos apurados, aproveitando-se do ascendente que tinha sobre a menor BB, sua enteada, porque filha da sua esposa, CC, bem como, da confiança que enquanto pessoa com laços familiares próximos lhe era votada, o que lhe possibilitava estar sozinho com a mesma.
44.AA tinha consciência de que, à data dos factos, BB era menor e, apesar disso, não se coibiu de praticar tais actos, ofendendo dessa forma o sentimento de criança, de inocência, de modéstia e de vergonha daquela, bem como, a sua integridade física e psicológica, provocando-lhe elevados níveis de ansiedade, com a ocorrência de ataques de pânico, sentimentos de culpa associados “à destruição do arguido e da família.
45.Ao agir do modo apurado, AA procedeu de forma deliberada, livre e consciente, praticando actos de relevo em e com menor de 14 anos e de 18 anos, a fim de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais, o que conseguiu.
46.Sabia AA que os factos que praticou com e sobre BB eram adequados a prejudicar um livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade desta, e que tinha reflexos na esfera sexual da personalidade da mesma.
47.AA sabia que as fotografias e os vídeos em causa, de carácter sexual, expunham BB, menor, com idade compreendida entre os 14 anos e os 18 anos e que, por isso, estava proibida a sua obtenção, exibição, cedência ou partilha.
48.Sabia AA que todas as imagens de teor pornográfico em causa, utilizando a menor BB, com idade compreendida entre os 14 anos e os 18 anos, são proibidas, não obstante, não se inibiu de as solicitar, obter, exibir, ceder e partilhar.
49.AA quis agir, utilizando fotografias e vídeos de cariz sexual e íntimo da menor BB, para satisfazer a sua libido, o que conseguiu.
50.Ao actuar da forma apurada, AA, molestando psicologicamente CC e BB, faltou ao respeito e consideração devidos para com a sua esposa, mãe dos seus filhos, e para com a sua enteada, respectivamente, fazendo-as viver em permanente sobressalto e angústia, bem sabendo que as suas condutas são idóneas a provocar-lhes medo e ansiedade.
51.Em consequência das palavras dirigidas pelo arguido AA, CC e BB sentiram grande inquietação e temeram pela sua integridade física e mesmo pela sua vida, pois acreditaram, que aquele seria capaz de levar por diante o mal que lhes anunciava.
52.De igual forma, ao agir conforme apurado, AA quis ofender CC e BB, na honra, consideração e dignidade, bem como, quis humilhá-las e fazê-las temer pela sua integridade física e até pela sua vida, com o propósito conseguido de lhes causar sofrimento emocional, diminuindo-as como pessoas.
53.Ao assim agir, AA pretendeu submeter CC e BB aos seus desígnios, humilhando-as, diminuindo-as na sua dignidade e consideração pessoais, coartando a sua liberdade de decisão, acção e movimento, causando-lhes tristeza, receio, insegurança, intranquilidade, medo e angústia, com pleno conhecimento de que as suas condutas eram idóneas a provocar tais resultados, o que quis e conseguiu.
54.Ao agir da forma apurado, AA actuou com a intenção concretizada de levar BB a sentir-se vigiada, perseguida e assediada.
55.AA desrespeitou e menorizou CC bem sabendo que tinha o dever acrescido de a respeitar na qualidade de cônjuge e progenitor de filhos em comum.
56.AA sabia que a reiteração do seu comportamento e a forma como o mesmo se prolongou no tempo, punha em causa a paz familiar, indispensável ao saudável convívio entre os membros familiares, impedindo-a de se verificar.
57.AA quis agir deliberada, livre e conscientemente da forma apurada, o que fez ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
*
Da acusação e demanda cível enxertada pela assistente/demandante CC.
58.Pelo menos a partir do dia ... de ... de 2023, CC saiu da casa de morada da família sita na morada apurada em 1. e passou a residir em casa de sua mãe, JJ.
59.No dia ... de ... de 2023, AA remeteu a CC mensagem com o seguinte teor “só vou descansar quando te puser na cadeia, juro-te a partir de hoje é guerra aberta ”.
60.No circunstancialismo apurado em 28. e 29., AA actuou perante CC na presença de DD, filha de ambos, e de pelo menos um cliente do estabelecimento em que aquela labora.
61. Entre ... de ... de 2023 e ... de ... de 2024, AA deslocou- se, por diversas vezes, à residência de JJ, mãe de CC.
62.Em tais ocasiões, após se introduzir no prédio onde passaram a residir CC com DD e EE, AA deixou, junto à porta de entrada do apartamento uma fotografia de CC com a inscrição “puta, eu estive aqui”.
63.No mesmo período, AA enviou a CC fotografia da fachada do mesmo prédio, com a mensagem “anda que tô a tua espera”,
64.De igual modo, dirigiu-lhe as seguintes mensagens: “benditas obras, vou subir aos andaimes do prédio, entrar aí e matar-vos a todos”, “vou estragar a minha vida”, “vem a janela para eu te ver”.
65.Nestas circunstâncias, temendo pela sua integridade física e da sua mãe, com 76 anos de idade, CC viu-se obrigada a deixar a casa desta e a pernoitar:
i)Entre 11 e ... de ... de 2024, na pensão ..., tendo pago a importância de € 238,80 (duzentos e trinta e oito euros e oitenta cêntimos);
ii)Entre 14 e ... de ... de 2024, na residencial ..., tendo pago a importância de € 66,50 (sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos); e
iii)Entre 16 e ... de ... de 2024, na pensão ..., tendo pago a importância de € 141,90 (cento e quarenta e um euros e noventa cêntimos).
66.No âmbito do processo n.°9851/23.7T8LSB, do Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Lisboa, por sentença proferida em ... de ... de 2024, foi decretado o divórcio entre AA e CC, com consequente dissolução do vínculo conjugal constituído em ... de ... de 2011.
67.A saída da casa de morada de família apurada em 65. ocorreu em razão da conduta globalmente apurada a AA e deste ter permanecido a residir em tal residência, pese embora CC figurasse como titular do respectivo arrendamento, sendo fiadora JJ.
68.Do integral circunstancialismo apurado, CC deixou de proceder ao pagamento das rendas, bem como das facturas de consumo de energia e água.
69.AA não procedeu ao pagamento das rendas, nem das facturas de consumo de energia e água.
70.Em ... de ... de 2023, JJ, na qualidade de fiadora do acordo de arrendamento celebrado por CC, foi informada pelos representantes do senhorio KK da resolução deste e interpelação para o pagamento das rendas de ... de 2023 a ... de 2023, no montante total de € 2.120,00 (dois mil cento e vinte euros) - valores, entretanto, objecto de perdão pelo senhorio.
71.CC apenas logrou proceder à entrega do imóvel, em ... de ... de 2024, tendo-se vencido as rendas respeitantes aos meses de ... e ... de 2023 e ... de 2024, no montante de € 530,00 (quinhentos e trinta euros) cada, perfazendo o total de € 1.590,00 (mil quinhentos e noventa euros) - valores, entretanto, objecto de perdão pelo senhorio.
72.CC não pagou o consumo de electricidade e gás fornecido pela ... da casa de morada de família, respeitante ao período de ... a ... de ... de 2023, no valor de € 119,38 (cento e dezanove euros e trinta e oito cêntimos).
73.A ... de ... de 2024, a ... emitiu factura em nome de CC, no valor global de € 329,49 (trezentos e vinte e nove euros e quarenta e nove cêntimos), compreendendo o valor apurado em 72. e o valor de € 210,11 (duzentos e onze euros e onze cêntimos) igualmente em dívida.
74.CC não pagou o consumo de água, fornecido pela ... da casa de morada de família, respeitante ao período de ... a ... de ... de 2023, no valor total de € 194,30 (cento e noventa e quatro euros e trinta cêntimos) e € 23,25 (vinte e três euros e vinte e cinco cêntimos).
75.De igual modo, AA não pagou os valores referidos em 72. a 74.
76.Ao tomar conhecimento de que a sua filha BB tinha sido abusada sexualmente por AA, ao ter de fugir de sua casa, por temer pela sua integridade física, dos seus filhos e sua mãe, CC padeceu e padece de ansiedade, depressão e necessita de tratamentos médicos e medicamentosos regulares.
77.Desde ...de 2023 até ao presente, é acompanhada pela LL, psicóloga.
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Da acusação e pedido de indemnização civil pela assistente/demandante BB
78. Com a acção levada a efeito por AA contra si, BB sentiu humilhação, medo, insegurança, perturbação e sofrimento emocional.
79.Sofreu insónias, pesadelos e ansiedade.
80. Teme que AA possa ser libertado a qualquer momento e a venha procurar para continuar a atormentar.
Da contestação da arguida/assistente e demandante CC.
81.A acção de CC no circunstancialismo apurado em 16. decorreu do facto de acreditar que AA se corrigiria, deste ter ficado sem recursos para subsistir, e os filhos do casal, bem como a assistente BB lhe terem pedido que aquele regressasse a casa.
82.Não obstante e em razão do que conduziu à prisão preventiva de AA CC afastou BB, sua filha, do domicílio conjugal, colocando-a a viver com a avó materna, numa tentativa de a proteger e de a afastar do arguido/demandado.
83.As afirmações “pedófilo ” e "vou fazer de tudo para seres preso ” dirigidas conforme apurado em 39. e 42. decorreram do sentimento de revolta perante o comportamento globalmente apurado ao arguido/demandado AA.
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Da situação pessoal e condição socioeconómica do arguido/demandado AA.
84.Durante o seu crescimento, AA foi exposto a situações traumáticas no seio familiar de origem, nomeadamente agressões físicas perpetradas pelo progenitor contra os restantes elementos da família e que alegadamente culminaram com a fuga da mãe da casa da família, originando a sua institucionalização e da sua irmã, quando este tinha 11 anos de idade.
85.Aos 16 anos de idade, foi expulso do colégio, devido a agressões aos funcionários, integrando uma instituição em ....
86.Em termos formativos e laborais, o último trabalho foi no … ...”, em ..., onde já tinha trabalhado durante vários anos no passado, desempenhando a função de ....
87.No passado, teve várias experiências principalmente no ramo da …, área onde iniciou a sua primeira experiência laboral, quando ainda frequentava o curso de formação em ..., concluindo o 6.° ano de escolaridade.
88.Aquando do seu último emprego, AA auferia € 900,00 líquidos mensais, acrescidos de € 300,00 de extras, permitindo garantir as suas despesas mensais.
89.Apresenta como projecto futuro emigrar para o ..., onde tem alguns conhecimentos.
90.No domínio da saúde, não há referências a problemas inclusive comportamentos aditivos.
91.Em termos de características pessoais, o arguido dispõe de competências pessoais e sociais que lhe permitiram utilizar um discurso socialmente adequado ao contexto avaliativo, indo ao encontro do socialmente expectável, embora com maior dificuldade ao nível da reflexão sobre o seu envolvimento no presente processo.
92.No âmbito dos presentes autos (com abrangência da incorporação do inquérito n.° 405/22.6JDLSB que correu termos na 2.a Secção de Lisboa - Violência Doméstica - Núcleo Acção Penal do DIAP Regional de Lisboa) e à ordem dos mesmos, AA encontrou- se sujeito à medida de coação de prisão preventiva:
Entre ... e ... de ... de 2022; e
Desde ... de ... de 2024 até ao presente.
93.O arguido descreve a actual situação jurídico-penal com apreensão, associada ao receio de uma eventual condenação, realçando os impactos da sua prisão, perda de trabalho e a visibilidade do processo na comunidade, espoletando a intenção de abandonar o país no futuro.
94.Adopta um discurso que reporta dificuldades ao nível da sua capacidade autoavaliativa e de autocrítica.
95.Em ambiente prisional, mantém um comportamento conforme às normas prisionais, encontrando-se inactivo e não tem qualquer contacto de proximidade/apoio no exterior.
*
Dos antecedentes criminais registados.
96.O Arguido/demandado AA não tem antecedentes criminais registados.
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Matéria de facto não provada.
Da discussão da causa, e com relevância para a boa decisão da mesma, não logrou provar- se que:
a) No circunstancialismo apurado em 11., AA penetrou a vagina de BB.
b) No circunstancialismo apurado em 28. e 29., o arguido AA disse a CC: “o teu pai é um pedófilo e violou a tua irmã aos 5 anos" e “fodes com os clientes todos ", proclamando tais palavras, em frente à filha de ambos e de clientes do estabelecimento em que a ofendida labora.
c)Para além do circunstancialismo apurado em 28. e 29., em datas não concretamente apuradas, entre ... de ... de 2023 e ... de ... de 2024, o arguido AA, deslocou-se, por diversas vezes ao local de trabalho de CC vindo a proferir-lhe as seguintes palavras: "eu vou-te matar filha da puta", em frente dos filhos menores de ambos, dos clientes do estabelecimento em que aquela labora e da entidade patronal desta.
d)AA manteve relação de namoro com BB.
e) Em datas não concretamente apuradas, mas entre o mês de ...de 2023 e o dia ... de ... de 2023, pelo menos, com uma frequência bissemanal, CC, no interior da residência comum, dirigiu a AA a expressão “ Violador ”,
f) Ao agir da forma apurada, CC fê-lo deliberada, livre e conscientemente com o propósito único e reiterado de:
-Humilhar e maltratar, psíquica e emocionalmente, AA, apesar de saber que lhe devia particular respeito e consideração, na qualidade de cônjuge e progenitor de filhos em comum.
-Ofender na honra, consideração e dignidade e causar sofrimento físico e emocional AA.
-Pôr em causa a paz familiar, indispensável ao saudável convívio entre os membros familiares, impedindo-a de se verificar.
*
C. Convicção do tribunal e exame crítico das provas.
Por força do estatuído no artigo 127.°, do Código Processo Penal «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
Nesta sede, rege o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outra banda, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal. Como defende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, p. 111 “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
Em tal ancoragem axiomática, o tribunal formou a sua convicção, sobre os factos imputados no teor acusatório global, com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, a qual se reconduziu, de modo essencial ao cotejo valorativo dos seguintes elementos probatórios:
i)Declarações do arguido/demandado AA (face ao cariz e extensão das mesmas, com desnecessidade de abrangência aos interrogatórios judiciais ocorridos em precedência e, daí, sem operacionalidade do disposto no artigo 141.°, n.°4, alínea b), e 357.°, n.°1, alínea b), do Código de Processo Penal - em observância do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.°5/2023, de 9 de junho, proferido no processo n.°660/19.9PBOER.L1-A.S1 que fixou jurisprudência no sentido em que «as declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária com respeito pelo disposto nos artigos 141.° n.°4, al b), e 357.° n° 1, al. b), do Código de Processo Penal, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento»);
ii) Declarações da arguida/assistente/demandante CC;
iii) Declarações para memória futura de:
EE, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 211 a 261, do ANEXO I);
DD, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 150 a 210, do ANEXO I);
BB, de fls. 1295 a 1298 (transcrição, de fls. 71 a 148, do ANEXO I) - na observância do Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2017- Processo: 895/14.0PGLRS.L1-A.S1 - 3a Secção - Relator: Manuel Augusto De Matos - nos termos do qual «As declarações para memória futura, prestadas nos termos do art. 27l.°, do CPP, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 355.°e 356.°, n.°2, al. a), do mesmo Código.».
Contributos depoimentais sequenciais de MM, agente da PSP, exercendo funções há 3 anos, na 2a Divisão Policial de...,... (com conhecimento do arguido/demandado AA, da arguida/demandante/assistente CC e da demandante/assistente BB apenas do exercício das suas funções); NN, agente da PSP, exercendo funções na esquadra da PSP de ... em ... há 3 anos (com conhecimento do arguido/demandado AA e da arguida/demandante/assistente CC apenas do exercício das suas funções); OO, agente da PSP, exercendo funções, neste momento e há 2 meses, na Esquadra de Fiscalização da ... da Polícia de Segurança Pública e, antes disso, na ... (com conhecimento do arguido/demandado AA e da arguida/demandante/assistente CC apenas do exercício das suas funções); PP, agente da PSP, exercendo funções, desde ..., no serviço de segurança interna, e, antes disso, graduado de serviço na ...a Esquadra da PSP de ... (com conhecimento do arguido/demandado AA e da arguida/demandante/assistente CC apenas do exercício das suas funções); QQ, agente da PSP, exercendo funções há 6 anos na 7.a Esquadra de Investigação Criminal de ... (com conhecimento do arguido/demandado AA do exercício das suas funções e concretamente em razão do cumprimento de mandado de detenção do mesmo no âmbito dos autos); RR, psicóloga e técnica de apoio à vítima na ... desde ...de 2023 (sem conhecimento pessoal do arguido/demandante AA, mas apenas de ouvir falar no âmbito do exercício das suas funções na ..., nomeadamente no âmbito do acompanhamento que efectuou à demandante/assistente BB; com conhecimento da arguida/demandante/assistente CC, por ser a mãe de BB); SS, … (irmã da arguida/demandante/assistente por ser sua irmã, tia da demandante/assistente BB e com conhecimento do arguido/demandado, por ter sido casado com sua irmã); TT, empresária na área da … (com conhecimento da arguida/demandante/assistente CC por ter trabalhado para si no seu estabelecimento sito na ..., o qual mantém há 16 anos, inicialmente sendo sua cliente e, em ... de 2020, passando a trabalhar para si, embora não de forma constante; conhecer a assistente/demandante BB por ser filha da arguida; e conhecer o arguido/demandado AA por frequentar o seu estabelecimento, tendo-o conhecido por intermédio da arguida/demandante/assistente CC); LL, psicóloga (sem conhecimento pessoal do Arguido, apenas de “ouvir falar” pela arguida/demandante/assistente CC, que conhece apenas do exercício da sua actividade profissional, acompanhando-a desde ... de 2023 e até a presente data; com conhecimento da assistente/demandante BB de vista, como sendo filha de CC); UU, desempregada (sobrinha da arguida/demandante/assistente CC, prima da assistente/demandante BB, e com conhecimento do arguido/demandado AA, por ter sido casado com a sua tia); JJ, reformada (mãe da arguida/demandante/assistente CC, avó da assistente/demandante BB e do arguido/demandado AA, por ter sido casado com a sua filha); e VV, trabalhador na área de … (com conhecimento da arguida/demandante/assistente CC por ter sido sua namorada desde .../.../2023 até há 3/4 meses atrás, sem coabitação, da assistente/demandante BB por ser filha da primeira, e do arguido/demandado AA, embora não pessoalmente, por ser o ex-marido da arguida/demandante/assistente CC);
Acervo probatório documental:
Auto de notícia de crime, de fls. 740 a 743;
Auto de denúncia, de fls. 1123 a 1127;
Participação, de fls. 1086 a 1086v.;
Fotografias captação de conversação, de fls. 780 a 797, 805 a 807 e 1183 a 1192;
-CD, de fls. 820, 1135 e 1193;
Aditamento, de fls. 240;
Relatório Polícia Judiciária, de fls. 1209 a 1216;
Relatório Pericial, de fls. 1225 a 1235;
Auto de denúncia, de fls. 70 a 81;
Aditamentos, de fls. 165, 166, 189, 291, 297, 313, 465 a 465v., 504 a 504v., 542 a 542v., 622-A a 623, 676 a 676v., 679, 689, 698 a 698v., 1243 e 1263;
Fotografias, de fls. 314 e 423 a 425;
“Prints” informáticos de mensagens, de fls. 167 a 179, 301, 426 a 439, 442 a 443, 471 a 489, 491v. a 492v., 494 a 502, 510 a 516, 634 a 664, 699 a 706 e 1130 a 1134;
Auto de verificação, de fls. 1264 e 1265;
CD’s, de fls. 580, 709, 716 a 718;
Auto de visionamento e fotogramas, de fls. 614 a 619;
Auto de denúncia, de fls. 20 a 26v.;
Aditamento, de fls. 152;
Informação CPCJ, de fls. 127 a 128;
Certidão do assento de nascimento de CC, de fls. 49 a 50
Certidão do assento de nascimento de BB, de fls. 51 a 52;
Certidão do assento de nascimento de AA, de fls. 53 a 54;
Certidão do assento de nascimento de DD, de fls. 55 a 56;
Certidão do assento de nascimento de EE, de fls. 57 a 58;
Prova pericial:
Relatório da Perícia de Natureza Sexual, em Direito Penal, quanto a BB, de fls. 932 a 934;
Relatório da Perícia Psicológica, quanto a BB, de fls. 1364 a 1378;
Cotejando tais elementos, observando posturas, verbalizações e razões de ciência, tudo ao lume das elementares regras da lógica, racionalidade e experiência comum, nos termos que se passam a expor.
C.I Factos provados em 1. a 3.: assim se pacificaram pela confluência das declarações de arguido/demandado AA e da arguida/assistente/demandante CC complementadas com o seguinte teor certificado:
Certidão do assento de nascimento de CC, de fls. 49 a 50
Certidão do assento de nascimento de BB, de fls. 51 a 52;
Certidão do assento de nascimento de AA, de fls. 53 a 54;
Certidão do assento de nascimento de DD, de fls. 55 a 56;
Certidão do assento de nascimento de EE, de fls. 57 a 58;
*
C.II. Factos provados de 4. a 25. e facto não provado em a): em primacial linha resultaram da aferição de verosimilhança às declarações do arguido/demandado AA com as declarações para memória futura de BB, de fls. 1295 a 1298 (transcrição, de fls. 71 a 148, do ANEXO I), levadas depois ao cotejo quer com as declarações da arguida/assistente/demandante CC, quer com as declarações para memória futura de EE, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 211 a 261, do ANEXO I) e DD, de fls. 402 a 403v, quer com o depoimento de TT, quer ainda com a prova documental e pericial constante.
Deste modo, com referência às imputações sexuais, AA avançou negação verbalizando ser “tudo mentira ”, vindo a procurar sustentar que BB dava-se melhor consigo do que com a mãe CC, mas inventou história com a ajuda desta, tendo feito jogo duplo, invenção que lhe chegou a confessar quando regressou da casa da avó, no final de 2022.
Em tal enquadramento, confirmando que, quando saiu da prisão, CC o foi efectivamente buscar e pretendia ter sexo consigo, o que ele rejeitou, procurou fazer crer ter sido condição sua para regressar a casa que BB saísse.
Afrontando a imputação de, a partir do ... de 2019 e até ao mês de ... de 2022, com uma frequência diária, à excepção dos fins-de-semana, aproveitando o facto de CC se ausentar da residência comum, pelas 06:30 horas, para ir trabalhar ter passado a dirigir-se ao quarto de BB, deitar-se na cama da mesma, trajando uma camisola e umas leggings, colocor-se por debaixo dos lençóis e começar a tocá-la e a acariciá-la, nas zonas das mamas, do rabo e da vagina, dizendo-lhe que “como não era filha dele, de sangue, não tinha mal manter relações sexuais”, invocou a temporalidade da situação pandémica derivada da propagação do vírus Sars-cov 2 e do confinamento ocorrido, argumentando que só após a pandemia é que CC começou a sair, chegando a ficar três meses seguidos em casa. Em tal linha de raciocínio, esclareceu dos horários laborais desta e seus (CC - horário llh30 - 23h00 - estabelecimento ...; arguido - ... - 6h00 - 15h00 - estabelecimento ...), aduzindo que saía do trabalho, ficava com os filhos e ia buscar a CC ao trabalho pelas 23h00. Mais adiantou que, em 2021, CC trabalhava para TT, no estabelecimento desta sito na estação da ..., sendo que pelas 07h20 saía de casa e fazia o horário 07h30 até 14h00 (enquanto o arguido - empregado na ... - horário 8h00-16h00 - trabalhava de 2.a a Sábado - só aos Domingos é que não trabalhava; ademais vendendo ….
Em tal senda, apenas confirmando que camisola e leggings era o seu pijama, o facto de ter estado em prisão preventiva no período apurado, da situação de desemprego, veio a rejeitar todas as imputações constantes, reiterando que não queria que BB voltasse a estar com ele sozinho, sendo impossível estar quatro vezes por semana sozinho com esta, esclarecendo que a mesma frequentava a escola …, tendo horários variáveis, e, algumas vezes entre as 07h30 - 14h00, acompanhava a mãe CC para o local de trabalho.
Já confrontado com o teor das declarações para memória futura tomadas a BB, incluso suportado no Relatório da Perícia Psicológica quanto a BB, de fls. 1364 a 1378 (que incidiu essencialmente sobre a credibilidade do testemunho) entendeu esclarecer que, no dia ... de ... de 2022, tirou autorretrato despindo as calças com o seu telemóvel, com recurso a temporizador porque estava em conversação em contexto WhatsApp com senhora de nome WW, de 32 anos de idade, e pretendia remeter o mesmo, acabando por não o fazer. Nessa ocasião, BB estava casualmente a dormir na sua cama, razão pela qual são captados os seus joelhos no mesmo retrato. Teve o cuidado de chamar por ela para se certificar que se encontrava a dormir e não assistia ao seu autorretrato. No entanto, admitiu constrangimento caso a mesma acordasse e o visse na pose em que se colocou.
Ademais, adiantando que minutos antes também os filhos EE e DD tinham estado no quarto, confrontado com a eventualidade de também estes poderem por ali ter ficado a dormir aquando do seu alegado contacto erótico com terceira, rejeitou linearmente a possibilidade de levar a efeito o alegado autorretrato na presença destes.
Mais procurou justificar que ofereceu o mesmo telemóvel - … - à BB, telemóvel que tinha acabado de adquirir há um mês e meio por cerca de € 600,00 (marca que admitiu não ser da sua predileção) e a formatação não terá sido bem-sucedida, razão pela qual tal autorretrato acabou por ficar na memória do aparelho.
Prosseguiu arguindo que CC queria que ele dependesse dela, que o maltratou e que mostrou foto que ele não mandou para WW aos amigos dele, humilhando-o.
Em tal mote, esclareceu dos termos da separação, que EE e DD ficaram consigo e que CC lhes chegou a dizer “sabias que o pai anda a chupar a cona à BB? Sabias que a BB anda a chupar o pénis ao pai?”, facto que levou a que BB se exaltasse, dizendo que não perdoaria mais a mãe, chegando a haver agressões no Dia da Mãe. Mais confirmou que entre ... de 2023 e o dia ... de ... de 2023, passou a partilhar a residência com BB, por esta ter discutido com CC.
Em decorrência, ilustrou episodio em que BB foi com colegas à praia, em ... e acabou por ir lá buscá-la, vindo a parar a mota no regresso e a serem observados por CC, que nessa circunstância procurou bater na BB.
Confirmou estreitamento da relação com BB, apoiando-a nos estudos e no trabalho (que lhe arranjou no … “...” - 18h00-22h00 - 3.a a 6.a feira - ordenado mínimo), ao tempo trabalhando o declarante no estabelecimento “...”, em ....
Mais adiantou que pagava parte da renda da casa - no valor € 550,00 - mas não concretizou quanto.
Já no concernente às idas à instituição onde BB foi acolhida, admitiu ter ido lá buscar a mesma no máximo cinco vezes, durante três meses, porque ela ligava a dizer que não conseguir comer pequeno-almoço, vindo o declarante a pagar-lhe o pequeno-almoço fora da instituição.
No entanto, confrontado com teor concreto do processo de promoção e protecção decorrido na CPCJ e a sua omissão às notificações, não alcançou explicar a mesma, mais acrescendo desconhecer porque BB foi institucionalizada.
Quanto aos envios de vídeos, tendeu a esclarecer que BB lhe mandou-lhe dois vídeos: uma no wc, desnudando-se e a mandar beijinhos; outro na casa da avó a tomar banho, sendo que, na primeira vez, disse-lhe que foi por engano, dai que tenha desconfiado que fosse para o então namorado dela GG, e na segunda vez acabando por lhe dizer “vê lá se não te enganas mais vezes”, chegando a dizer-lhe que ía ao colégio e mostraria à directora, o que não fez, de resto admitindo não ter reportado tais situações a ninguém justificando por “não ter poder sobre ela”.
A par, sempre admitiu que, durante quinze a vinte dias ainda teve com BB em casa, pese embora a suspensão provisória do processo com a condição de inexistência de contactos. 
Perante tal, dir-se-á que, salvo circunstancial apontamento histórico-temporal, a restante prova em confronto se assumiu arrasadora da credibilidade, lógica e racionalidade da versão entendida sustentar pelo arguido.
Com efeito, em fulcral intensidade, apresentou-se o teor das declarações para memória futura de BB, de fls. 1295 a 1298 (transcrição, de fls. 71 a 148, do ANEXO I), suportado no teor do Relatório da Perícia Psicológica quanto à mesma, de fls. 1364 a 1378 - exarado em ... de ... de 2024 - pelo ... - compreendendo, entre o mais, metodologia, processo de avaliação, funcionamento individual, suporte social, recursos, resultados avaliativos - com aferição quanto à credibilidade do testemunho, quanto à situação denunciada e suas circunstâncias, capacidade de conservar, recuperar e reproduzir memórias, susceptibilidade de fantasiar e inventar factos de natureza sexual e extensão do dano psicológico em função dos crimes vivenciados, entre o mais se concluindo:
O relato corresponde a um relato provavelmente credível, tendo sido vivenciada a situação descrita e as circunstâncias que levaram à alegada ocorrência dos factos;
Sem observação de indicadores de susceptibilidade em fantasiar ou inventar factos de natureza sexual, até pelo desejo de confiança e de permanência na relação com AA, não só pela figura parental que pudesse representar como, também, pelas características de personalidade da jovem;
Evidência de elevados níveis de depressão e ansiedade, com sintomas psicossomáticos de relevo, que se manifestam ao nível físico e psicológico. Acentuado nível de tristeza, solidão, despersonalização, isolamento que condicionam todas as suas interacções familiares e sociais e acentuam os seus sentimentos de desvalorização, baixa autoestima, entre outros.
Os sentimentos de ambivalência associados ao seu lado mais dependente que a jovem nutre pelo arguido AA pode, em caso de possibilidade de contacto, o alegado abuso voltar a ocorrer.
Deste modo, sob o mote de o relato se assumir “provavelmente credível”, o Tribunal aferiu tais declarações na sua integralidade e verificou elevada confluência e compatibilidade não só com a demais prova produzida, como de antemão sob a matriz da elementar lógica, razão e experiência comum.
Vejamos. 
Na ambiência de declarações para memória futura, atenta-se que as mesmas observaram uma linha de perguntas amplas, sem preconceito ou pré-juízos de valoração, nunca descurando a linha do tempo, cronologia e cadência dos factos, alcançando um relato vivo, de confiança e partilha de intimidade absoluta.
Sob tal timbre, BB começa por confirmar a abordagem do arguido acerca do iPhone - quando fizesse 14 anos e para deixar ter sexo oral - quando ainda tinha 13 anos - apenas não se recordando o que lhe respondeu.
De tal em diante, esclarece que arguido esperava que a mãe saísse de casa, para ir trabalhar, para ir para o quarto dela e enfiar-se na cama dela e começar a tocá-la - apalpar, avançar e começou a tentar ter sexo com ela. Arguido sempre trajado com camisola, mas de leggings. Tocava-lhe nas mamas, no rabo e depois na vagina, tendo ocorrido vezes em que a despiu também
Disse-lhe que como não era filha dele, de sangue, não tinha mal e que nunca faria isso aos seus irmãos, qu eram filhos dele.
Prossegue confirmando que o mesmo tirou as leggings e de pénis erecto chegou a tentar introduzi-lo na vagina. Tentou muitas vezes, só que ela se queixava de dores, porque era virgem e ele começava a ser bruto e a gritar - chamava-lhe puta, nojenta, como é que não conseguia fazer.
Tinha ela 13 anos, ele conseguiu penetrá-la, mas não totalmente (justificando assim a declarante a razão pela qual “deu como virgem no exame”). A este trecho, adiantar-se-á que, entre a negação linear do arguido, o esclarecimento da vítima no amplo contexto explicitado por esta, entendeu o Tribunal fazer prevalecer o teor do Relatório da Perícia de Natureza Sexual em Direito Penal quanto a BB de fls. 932 a 934 (-I-) - exarado em ... de ... de 2022 - pela ... do INML, IP - Serviço de Clínica Forense do INMLCF - de que se conclui que a examinanda não apresenta lesões ou sequelas relacionáveis com os eventos descritos, razão pela qual apenas se entendeu decair o segmento fáctico assim dado como não provado em a).
Posto tal ponto de ordem, afere-se impressivo o assinalar pela declarante que, quando ela dizia que doía, ele parava, outras não, confirmando que aquele encostava a ponta do pénis na sua vagina e fazia força.
Mais lhe sugeriu sexo anal, mas ela nunca deixou - na ímpar expressão “podias-me dar o rabo, podias-me deixar fazer”.
Na cadência do relato, BB admite que o arguido lhe fez sexo oral (colocando boca e língua na vagina) e mandava-a fazer a ele, despindo este a parte debaixo.
Tudo assim ocorreu sempre na ausência da mãe.
Arguido que dizia que se queria vir para a boca dela, tendo uma vez deixado que aquele ejaculasse na sua boca, uma vez que se sentia obrigada a fazer.
Durante os seus 13 anos, assim aconteceu todos os dias menos ao fim-de-semana, quando a mãe estava em casa, prosseguindo até esta descobrir e fazer queixa - ... de 2022.
Aprofundando o relato, esclareceu que a primeira vez ocorreu no verão, após os 13 anos dela (donde 2019), vindo, em ... de 2019, o arguido a evoluir na prática sexual, primeiramente na forma oral.
Desde ... do ano em que fez 14 anos (2019) até à data do seu aniversário - ... - quatro a cinco vezes por semana - pouco coito oral, queria mais coito vaginal, não ejaculando o arguido todas as vezes que abordava.
O acto sexual acabava porque ela saía ou ele dizia que ela não conseguia fazes nada. Batia nas coisas, tirava-lhe o telemóvel, queria o Instagram para vem com quem é que ela falava, não a deixava sair, inventava desculpas à mãe dizendo que ela lhe tinha respondido mal.
Até aos 14 anos, ele não tirou fotografias e continuou a fazer tudo igual.
A mãe descobriu por uma foto.
Ele foi preso no dia ... de ... de 2022 e, na manhã desse dia, a mãe apanhou uma foto, de manhã, no seu telemóvel, ele com o pénis à mostra.
Ela negou. Mãe gritou com ela e depois levou-a à PJ e apresentaram queixa.
Quando saiu da cadeia, teve relações sexuais com ela.
Antes de sair, mandava cartas à mãe, culpabilizava-a a ela BB, que ela o seduzia.
Soube que ía prestar declarações para memória futura e ameaçou suicidar-se.
Quando o arguido saiu da prisão foi viver com a mãe.
Ela foi morar com a avó, com quem veio a ter problemas e voltou a viver com os arguidos e irmãos.
Ela já tinha 16 anos e ele voltou-a a abordar dizendo que já não era crime.
Sempre que mãe não estava em casa.
Arguido foi manipulando a mãe, inclusive ela própria convenceu a mãe para confiar nele, segmento declaratório assuntivo que permite elevar a credibilidade das declarações.
Ainda em 2022, AA tirou-lhe a virgindade - sozinhos em casa - levou-a para o quarto dele e da mãe, despiu-a e despiu-se - agarrou-a no braço - baixou calças e penetrou-a. Disse-lhe várias vezes que não queria. Disse-lhe que estava a doer e que não queria mais, ele mesmo assim continuou. Sentiu a penetração total dele, sentiu-o a ter prazer, ele via que ela estava a chorar e ele continuava. Ele ejaculou, usou preservativo. Na maioria das vezes, não usava preservativo, dizendo que não queria usar.
De ... de ... de 2023 - saiu do colégio em ... de ... de 2023. Durou até aí.
Em ...de 2022, voltou a viver com a família e o arguido.
Fez dezassete anos em ... e durou até ... de ... de 2023 (quando saiu do colégio).
Ao longo de 2023, em ..., a mãe separou-se do arguido, foi viver para casa da avó e ela foi com a mesma, ao igual que os irmãos.
AA ficou na casa deles sozinho.
Desde o dia em que perdeu a virgindade até ...de 2023, aconteceu vaginal e oral.
Dizia-lhe para ele parar e que não estava a gostar. Ele continuava, fingia que não a estava a ouvir - depois gritava com ela e dizia que era um insuflável, que parecia estar morta, que mais valia estar a ter relações sexuais com um morto.
Ele sempre percebeu que ela não queria, disse-se ela ou não.
De .../... de 2022 até ... de 2023 (quando saem de casa), acontecia quatro a cinco vezes por semana.
Posteriormente, saem de casa, mãe disse para não ter contacto mas arguido arranjava sempre maneira de entrar em contacto - via aplicações Snapchat, Instagram, WhatsApp - indo também à escola todos os dias.
Depois, voltou a falar com ele às escondidas da mãe, até ao verão.
Mãe descobriu que ela estava na praia com o AA.
Na senda da autenticidade das suas declarações, assume dependência emocional dele, porque ele criou-a desde pequena/bebé.
Viveu com ele até ... de ... de 2023 - dia em que foi para o colégio.
Mantiveram relações sexuais, mas nunca o viu como namorado.
Uma vez disse-lhe que não queria ter mais relações sexuais com ele, ele vestiu as calças, partiu a porta e começou a gritar.
Dizia que não queria mesmo quando se encontravam.
Tinha medo dele.
De ...a ... de 2023, nunca mantiveram relação de cópula com ela a chorar, chegando contudo a ter com ela a dizer que não queria, prosseguindo o arguido até ejacular, por pelo menos três vezes,
Quando foi para o colégio, ele continuou a mandar-lhe mensagens e começou a pedir-lhe vídeos, nua, de cariz sexual, a mostrar a vagina e partes do seu corpo.
Chegou a mandar uma vez por uma visualização.
Tudo porque ele dizia que tinha vídeos anteriores com ela e que ía ao colégio e mostrar à mãe se parasse de mandar.
Mandou sob chantagem, sempre.
No dia em que fez 18 anos, ele foi buscá-la ao colégio, levou-a para casa e foi a última vez que fizeram sexo - ... de ... de 2023.
De ... a ..., enquanto esteve no colégio, ele ia buscá-la todos os dias, levava-a para casa e tinha relações sexuais. Às sete da manhã já estava lá para a levar.
Queria ir porque tinha o cão em casa.
Relações de cópula completa, até ejacular, apenas vaginal.
Última relação, depois de ela ter ido a uma festa.
No dia 24 contou tudo à mãe.
Engravidou do arguido no verão de 2023, antes de ir para o colégio, vindo a efectuar IVG no ....
Chegaram a ter sexo no meio do mato - por volta do mês de ... - não disse nada, porque sentia que não valia nada.
Posto tal, revelando índice maior de credibilidade às declarações prestadas pela vítima em detrimento das entendidas prestar pelo arguido, aduzindo à descrição excepcional dos fins-de- semana, em que a mãe da então menor se encontrava em casa, o período respeitante ao primeiro confinamento (aludido pelo arguido e, enquanto tal, assumido em seu pleno abono) derivado do estado de emergência em Portugal decretado pelo Presidente da República em razão da pandemia Covid-19 - mediado entre 18 de Março e 20 de Junho de 2020, o Tribunal dissecou:
i)As declarações da arguida/assistente/demandante CC, a qual bem circunstanciou o ano de 2022 e a queixa-crime apresentada em razão de ter observado foto que retratava o arguido AA em nu integral, a mexer no pénis com as duas mãos e com a filha nas pernas dele, filha cujas pernas identificou na mesma foto.
Deste modo, retratou relação atribulada, assumiu ter falado muito com a sua filha BB e ver mensagens de visualização única, eliminadas, na aplicação WhatsApp.
Esclarecendo que AA nunca quis ter iPhone, dizendo que não gostava, adiantou que era empregada de balcão, em estabelecimento na estação da ..., com o horário das 06h30 - 14h30/15h00, de 2.a a 6.a feira. A esse tempo, mandava mensagem, via WhatsApp, ao arguido que lhe respondia que estava tudo normal.
Caracterizou a relação do arguido com BB, como de pai e filha.
Mais identificou a camisola e leggings envergadas pelo arguido e de modo a identificar a parte corporal de BB em foto captada pelo arguido, esclareceu que, a BB teve acidente escolar que lhe levou a ser intervencionada cirurgicamente, por duas vezes, e lhe resultou cicatrizes nos joelhos.
Em ... de ... de 2023 - AA mandou-lhe vídeo reproduzindo relações sexuais - tapados na cama, tendo conseguido gravar com outro telemóvel, da BB.
Nunca notou nada de anormal às refeições.
Admitiu ter ido buscar o arguido aquando da sua libertação, justificando com o facto de as filhas estarem desesperadas e queriam o mesmo em casa. No mais, avançou ter sido manipulada pelo arguido, pensando tirar a BB de casa, a qual chegou a ir viver para casa da sua mãe, contrariada e magoada.
Assumiu que, enquanto, o arguido AA esteve preso, foi visitá-lo e levava o AA e a DD.
Igualmente, admitiu não se ter certificado, nem tomado medidas para que não voltasse a acontecer.
Contrariando a versão do arguido, antes esclareceu que o mesmo começou a dizer que ela era maluca, facto que coincidiu com BB se ter chateado com a avó (sua mãe) e quis voltar para casa.
Chegou a levá-la para o trabalho, durante uma semana, decorria o mês de ..., contudo, AA reiterou-lhe que ela era doente e questionou-a.
Sabe que BB faltou às aulas e, pese embora frequentar fisioterapia três vezes por semana, deixou de ir às sessões.
No mais, confirmando os termos da separação ocorrida em ...de 2023, o facto de entre ... de 2023 e o dia ... de ... de 2023, AA passar a partilhar a residência com BB, por esta ter discutido consigo, e que, no dia ... de ... de 2023, a mesma foi acolhida numa instituição de acolhimento, no âmbito de um Processo de Promoção e Protecção, vindo a sair no dia ... de ... de 2023, instituição onde não era suposto o arguido ir (facto que só posteriormente veio ao seu conhecimento), confirmou ter tido conhecimento pela sua filha, no dia ... de ... de 2023, que, enquanto esta se encontrava na instituição de acolhimento, o arguido pediu-lhe que enviasse vídeos consigo nua, a mostrar a vagina e demais partes do corpo desnudado, o que esta acedeu uma vez que aquele lhe dizia que, caso o não fizesse, iria mostrar outros vídeos de cariz sexual que, entretanto, filmara de ambos em actos sexuais à sua mãe, CC e à Directora da instituição de acolhimento.
ii)As declarações para memória futura de EE, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 211 a 261, do ANEXO I) e DD, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 150 a 210, do ANEXO I), conformam o relacionamento familiar, o marco referencial da primeira prisão do arguido, a vontade de ver o arguido reintegrado no agregado, os termos de relacionamento do arguido com BB, a reacção da mãe a dizer que o pai tinha assediado a BB, que tinha visto fotos no telemóvel dela com o pai e o receio da mãe em que este namorasse com a BB.
iii) A razão de ciência de TT, empregadora de CC, no segmento em que esclareceu que esta chegou a deixar de trabalhar uma primeira vez, cerca de dois a três meses e, posteriormente, num período mais alargado (após a pandemia Covid-19) motivado pelo facto de CC necessitar de ganhar mais dinheiro e ter encontrado outro trabalho. Tal reporte aproxima clara compatibilidade com o período respeitante ao primeiro confinamento (aludido pelo arguido e, enquanto tal, assumido em seu pleno abono) derivado do estado de emergência em Portugal decretado pelo Presidente da República em razão da pandemia Covid-19 - mediado entre 18 de Março e 20 de Junho de 2020 - reforçando o adquirido quanto aos períodos úteis de ausência do domicílio.
iv)Acervo probatório documental e remanescente pericial:
Auto de notícia de crime, de fls. 740 a 743 - consubstanciando aquisição noticiosa de crime por banda da PSP - ... de ... de 2022 - em virtude de denúncia formulada por CC com atinência a abusos sexuais perpetrados pelo arguido AA na sua filha BB.
Auto de denúncia, de fls. 1123 a 1127 - consubstanciando aquisição noticiosa de crime por banda da PJ - ... de ... de 2023 - em virtude de denúncia formulada por BB contra AA.
Participação, de fls. 1086 a 1086v. - consubstanciando aquisição noticiosa de crime por banda da PSP - ... de ... de 2023 - em virtude de participação formulada por CC com atinência ao facto de não ver a sua filha BB desde o dia ... de ... de 2023, estando a mesma com AA, tendo-os vistos juntos.
Fotografias captação de conversação, de fls. 780 a 797, 805 a 807 e 1183 a 1192 - de que se colhe o teor das conversações estabelecidas entre AA e CC, entre o dia ... e ... de ... de 2022, incluindo acervo fotográfico conexo e inclusive, na pasta “apagado”, duas fotografias iguais de AA a manipular o pénis, na qual é visível a perna da vítima - datada de 4.a feira, ... de ... de 2022, pelas 22h23 e de fotografias seminua e nua remetidas por BB para AA quando se encontrava no colégio.
CD, de fls. 820, 1135 e 1193 - com suportes de ficheiros áudio, screenshots extraídos de conversações entre AA e CC através da aplicação WhatsApp, prints e vídeos de conversação através da aplicação Instagram.
Aditamento n.°10 de fls. 240 - ... de ... de 2023 - deslocação policial à residência de CC.
Relatório Pericial de fls. 1225 a 1235 - Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária - com atinência ao exame e perícia efectuado aos telemóveis utilizados por CC, BB e EE, aferindo da valia dos registos de chamadas, conversações nas redes sociais WhatsApp e Instagram, partilha de ficheiros vídeo e fotografia com conexão ao arguido AA.
Perpassados tais elementos probatórios, assumir-se-á sem rebuço que o relato de BB pericialmente aferido como “provavelmente credível” vem a encontrar ancoragem de verosimilhança que confina a negação do arguido ao total descrédito.
Com efeito, partindo de um relato que não observa indicadores de susceptibilidade em fantasiar ou inventar factos de natureza sexual, até pelo desejo de confiança e de permanência na relação com AA, não só pela figura parental que pudesse representar como, também, pelas características de personalidade da jovem, antes assume evidência de elevados níveis de depressão e ansiedade, com sintomas psicossomáticos de relevo, que se manifestam ao nível físico e psicológico, com acentuado nível de tristeza, solidão, despersonalização, isolamento que condicionam todas as suas interacções familiares e sociais e acentuam os seus sentimentos de desvalorização, baixa autoestima, entre outros.
Donde, sob o mote de o relato se assumir “provavelmente credível”, o Tribunal aferiu tais declarações na sua integralidade e verificou elevada confluência e compatibilidade não só com a demais prova produzida, como de antemão sob a matriz da elementar lógica, razão e experiência comum.
Com efeito, escrutinados os termos, verifica-se uma nocividade relacional com três pontos fulcrais estabelecimento: AA e CC; AA e BB; BB e CC.
Neste particular contexto, ressuma clarividente a matriz relacional “pai-filha” que estabelecida entre o arguido e BB veio a descambar numa deriva em propensão sexual do primeiro para com a segunda.
Na verdade, na temporalidade dos factos, é de notar que a razão fundamental subjacente à primeira incursão em prisão preventiva do arguido não deixa de se ater já a situação de cariz sexual. Donde, tomando por hipótese como boa a versão do arguido, no sentido de que foi condição imposta por si para regressar a casa de CC a saída da sua filha BB, facto se assume plenamente contraditório com a verificada e incrementada aproximação constante à mesma.
Acresce que se a justificação da actuação de BB é ilustrada pelo arguido como de mero interesse material (aquisição de iPhones, etc), o que em nada explica o teor do amplamente declarado por aquela quanto às abordagens sexuais, pior ocorre a imputação da tese de cabala concebida por CC no sentido de se vingar de si.
Efectivamente, desde logo a tese, permita-se-nos, mirabolante e sem ínfimo arrimo probatório/pericial, de ter sido CC quem lhe clonou o seu WhatsApp e enviava e recebia mensagens para o comprometer, aqui particularmente se elevando o já referenciado Relatório Pericial de fls. 1225 a 1235 - Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária - com atinência ao exame e perícia efectuado aos telemóveis utilizados por CC, BB e EE, aferindo da valia dos registos de chamadas, conversações nas redes sociais WhatsApp e Instagram, partilha de ficheiros vídeo e fotografia com conexão ao arguido AA.
A propósito de tecnologia, sempre se diga que não se compreende como o arguido não gostava de iPhones mas ocorreu-lhe justificar que ofereceu o mesmo telemóvel - iPhone 11 - à BB, telemóvel que tinha acabado de adquirir há um mês e meio por cerca de € 600,00 e a formatação não terá sido bem sucedida, razão pela qual tal autorretrato acabou por ficar na memória do aparelho.
Igualmente, assumindo a tese do arguido de que BB se dava melhor consigo do que com a mãe, não se compreende que tenha, nas palavras daquele, inventado a história com a ajuda desta, tendo feito jogo duplo.
Ora, valorando as fotografias captação de conversação, de fls. 780 a 797, 805 a 807 e 1183 a 1192 (-I-) - de que se colhe o teor das conversações estabelecidas entre AA e CC, entre o dia ... e ... de ... de 2022, incluindo acervo fotográfico conexo e inclusive, na pasta "apagado", duas fotografias iguais de AA a manipular o pénis, na qual é visível a perna da vítima - datada de 4.a feira, ... de ... de 2022, pelas 22h23 e de fotografias seminua e nua remetidas por BB para AA quando se encontrava no colégio, com o aditamento n.°44 - fls. 698-698v. (com folha de suporte com mensagens e estados do WhatsApp (inclusive foto de BB a fls. 699 verso com legenda “Guapaaaa és bem melhor em tudo que a tua mãe mais mulher que ela ” - fls. 699 a 706): ... de ... de 2024 - acompanhamento de CC no âmbito do policiamento de proximidade da PSP e os “Prints” informáticos de mensagens, 426 a 439, 442 a 443,471 a 489,491v. a 492v., 494 a 502, 510 a 516, 634 a 664, 699 a 706 e 1130 a 1134 (-II-) - acervo de mensagens remetidos pelo arguido AA a CC evidenciando perseguição à mesma, inclusive casa da mãe e trabalho; menção à preparação de fotos de BB, perseverança nas tentativas de chamada de voz, retratos da mãe de CC a levantar dinheiro em caixa multibanco e a circular na via pública, tudo conforma a propensão sexual com que o arguido afrontou BB, sexualizando-a e servindo-se do resultado de tal acção para perturbar em confronto a mãe da mesma.
De resto, para quem se sentiu particularmente prejudicado pela situação que o conduziu ao primeiro período de prisão preventiva, não se concebe que o arguido, presumido inocente, não tivesse passado a redobrar o cuidado para não voltar a ser prejudicado por CC e BB.
Precisamente em tal linha de raciocínio, não se entende minimamente razoável que BB, por hipótese, estivesse a dormir na precisa situação em que o arguido se encontra em chat erótico WhatsApp com terceira pessoa, já depois de se "assegurar” do sono profundo da mesma, mantendo esta pelo menos uma das pernas na vertical como bem se colhe do retrato constante.
Ao invés, tal retrato e tudo o que demais os autos revelam à saciedade é que essa circunstância bem esclarece da verdadeira ambiência sexualizada criada pelo arguido em tomo da vítima, a qual é plenamente condicente com o amplo relato levado a efeito por esta com respeito à actuação sexual de que foi objecto.
Aliás, o estreitamento relacional alcança índice maior mesmo quando a separação do casal, o arguido não se coíbe de passar a coabitar apenas com BB, prestando-se a com ela conviver numa pulsão sexual em tudo compatível com o relato da mesma. Pulsão que se estendeu mesmo no tempo em que a mesma vem a ser acolhida em seio institucional, tempo em que o arguido assume surgir à porta, pelas 7h00, para tomar pequeno-almoço com a jovem, sob o fundamento de esta não conseguir tomar o da instituição (!) e perdurou depois da saída daquela de tal meio, onde o arguido a acompanha a fazer tatuagem (!).
A este trecho cumpre salientar o teor das Deliberações da CPCJ - ..., de fls. 123 a 128 - constituindo acervo de processado e deliberações atinentes - ... de ... de 2023 e ... de ... de 2023 - com alusão à intervenção necessariamente dirigida às crianças DD, EE e à jovem BB - colhendo-se as incidências processuais conexas decorrentes e a omissão do arguido.
C.III Factos provados de 26. a 42. e 58. a 83. e não provados de b) a í): (por imperativo de compreensão e apreciação global da factualidade conexa, assimiladas as epigrafadas “Partes II e III” tal qual constantes da acusação do Ministério Público e mais englobando as acusações deduzidas pelas assistentes e os pedidos de indemnização civil): não prescindido do enquadramento relevante que queda explanado em C.I. e C.II. que particularmente conduziu à estabilização dos factos provados de 1. a 26., em primacial linha o acervo factual ora em epígrafe resultou da aferição de verosimilhança às declarações do arguido/demandado AA com as declarações da arguida/assistente/demandante CC, levadas depois ao cotejo com as declarações para memória futura de BB, de fls. 1295 a 1298 (transcrição, de fls. 71 a 148, do ANEXO I), de EE, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 211 a 261, do ANEXO I) e DD, de fls. 402 a 403v, bem como com os depoimentos de MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, LL, UU, JJ e VV, tudo ainda examinado sob a matriz da prova documental e pericial constante.
Em tal arrimo, duas versões fundamentais se assinalaram em audiência:
i)A do arguido/demandado AA que, avançando, parte da factualidade ser verdade ao contrário da demais, vem essencialmente a admitir como possível o facto provado em 26 (embora com a ressalva de não se lembrar), confirmar o facto 27 (embora com a ressalva de haver um contexto e assinalando que CC saiu de casa mas ía lá todos os dias na mesma, partiu portas, colocou roupa no chão e deixava torneiras abertas, a par de ter recebido chamadas anónimas de colegas desta), o facto 28 (justificando com o facto de CC lhe ter chamado “pedófilo” e de ter chegado a trocar número de telemóvel mas cada vez que ligava para os filhos CC voltava a saber o seu número) e parcialmente o facto 29 (admitindo ter agarrado o braço mas não tendo empurrado, de ter dito ao ouvido da CC “para de me chamar pedófilo / violador ”, confirmando a presença da filha de ambos DD e de ter falado com esta dizendo-lhe que não tivesse medo e que não ía fazer mal a ninguém).
Quanto ao facto 30, encetou por avançar desconfiou que estava a falar com a mãe para depois assumir ter pago tatuagem, tendo sido BB a escolher, tal tendo ocorrido em ..., após a saída do colégio, contexto em que admite o envio da mensagem, reiterando que BB fazia jogo duplo e, questionado sobre eventual relação de namoro com BB, admitiu que uma vez lhe pareceu que ela pretendia e confrontou-a com isso, enjeitando porém o declarante liminarmente tal possibilidade.
No concernente ao facto 31, avançando não se recordar para depois declarar negativamente o envio, e já quanto ao facto 32, para além de igualmente o rejeitar, volveu atese da cabala de CC, alvitrando apenas ter podido ser esta em razão de lhe ter clonado o perfil do WhatsApp, forma em que a mesma acabava a criar os diálogos, rejeitando o arguido ademais qualquer envio de vídeos e fotos de cariz sexual.
Já quanto ao facto 33, embora o admitindo, explicou que se tratou de mensagem que colocou em estado do WhatsApp e nunca no Facebook (facto confirmado pela examinação dos suportes constantes), sendo que, ainda que não tivesse muitos amigos, sempre fez referência a dois de nome XX e FF.
Mais enjeitou os factos 34 e 35, vindo a confirmar o facto 36, derivando para aludir a alegada ameaça com bola de snooker de indivíduo de nome HH ao seu filho EE, passando, então, também a andar munido de similar bola de snooker, também em razão de ameaças que recebeu de indivíduo de nome II.
Não tendo reminiscência do facto 37, acabou por confirmar a apreensão que consubstancia o facto 38.
Em sequente compasso, no capítulo dos factos 39 a 42, tendeu a confirmar a sua integralidade numa linha de comprometimento de CC, assinalando que os insultos ocorreram com maior frequência e reagia virando-lhe as costas, ocorrendo não só na presença do EE mas também da DD e da BB.
ii)A da arguida/assistente/demandante CC, em plena confirmação do sentido estabilizado como provado, em objetiva linha de raciocínio lógico e coerência que elevaram índice de credibilidade superior a AA, esclarecendo pari passu toda a cronologia apurada.
Deste modo, confirmando ser AA identificado como “kanina”, confirmando todas as mensagens e admitindo ter chegado a responder a algumas.
Assim, quanto ao facto 28, aduziu esclarecimento que BB mandou mensagem à DD para dar € 10,00 a AA, tendo a declarante lhe transmitido para não responder, nem dar. Em sequência, confirmou que este ameaçou a DD que ía ao seu trabalho, assim tendo concretizado, tendo entrado dentro do balcão, procurado ligar telemóvel (no valor de cerca de € 650,00) mas acabando AA por o partir em razão de acção que o levou a cair ao chão, enquanto lhe dizia que a ía matar, tudo observado por cliente que não fez nada (facto plenamente consentâneo com as captações vídeo constantes dos autos). Nessa ocasião, DD que se encontrava presente ficou assustada.
Quanto ao facto 29, confirmou o agarrar do braço, o empurrão contra grades de cerveja situadas atrás do balcão, tudo no estabelecimento propriedade de YY, acabando a chamar a polícia, estando tudo registado pelo sistema de videovigilância.
Já quanto aos factos 30 e 31, assumiu desconhecimento.
Sobre o facto 32, esclareceu tratar-se da segunda vez, quando desapareceu com a BB, assinalando que anteriormente AA não mandava mensagens.
Acerca do facto 33, revelou tratar-se de publicação no estado do WhatsApp, não no Facebook, mais confirmando ter observado AA com fotografia da filha no Tik Tok, tratando- se de suportes que, ao igual que as mensagens enviadas pelo mesmo à BB, estão no processo.
Confirmando que o arguido chegou a dizer que se ía matar e que ligou para a saúde 24, explicou que o mesmo nunca o faria por ser narcisista.
Quanto ao teor constante do facto 34, esclareceu ter assinalado à BB para não responder, observou todas as mensagens e confirmou as ligações de AA.
Particularmente dilucidando o facto 37, acrescentou que AA também foi à casa da mãe, a qual tinha 90% de incapacidade visual, tendo-lhe mandado foto a seguir a mesma e dizendo que lhe mandaria pedradas, tudo a par de ter chegado a pôr-lhe cola na fechadura da porta de casa, por duas vezes.
Nesta senda, revelou todo condicionamento sofrido e a indiferença manifestada por AA para com o sistema de justiça.
No concernente ao facto 38, esclareceu que AA trazia bola de bilhar dentro de meia cinzenta na mota para se defender.
Já quanto ao conspecto fáctico estabilizado de 39 a 42, admitiu que lhe tenha chamado pedófilo em razão do que ele fez precisamente à sua BB, em tudo enquadrando a sua acção no contexto familiar disruptivo criado por AA.
Ainda quanto à matéria do acusatório, culminou o seu depoimento evidenciando arrependimento pelo ripostar a AA na presença do filho EE, esclareceu dos termos relacionais actuais da família e repercussões para todos os membros da mesma (a própria, os filhos EE, DD e BB).
Alumiou sobre a actualidade e o facto de ter recebido dois contactos telefónicos de número não identificado, para saber do EE, bem como com que idade é que a BB ía dizer que tudo começou.
No mais, elucidou quanto à matéria da demanda cível que enxertou, mormente confirmando a existência de contrato de arrendamento do que fora a casa de morada da família em seu nome, sendo fiadora a sua mãe, e facturas parcialmente em dívida (alegou ter pago a água e ficado a dever o gás e as rendas)
Terminou verbalizando nunca ter desconfiando de abusos e admitindo ter agido mal em o ter ido buscar ao estabelecimento prisional após a libertação, ainda que explicando os termos da pressão familiar vivenciada, nunca tendo chegado a pensar pô-lo na rua por ele ser violento, não obstante ter chegado a pedir ajuda às autoridades, mas diziam-lhe que a casa era dos dois e logo ele não podia sair. Postas as primaciais razões em confronto, a prova complementar veio a conformar a versão de CC em primazia da entendida verter por AA.
Vejamos.
Assim, das declarações para memória futura de:
EE, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 211 a 261, do ANEXO I): circunstanciando os tempos vivenciais familiares, incluindo marco referencial em que o pai foi preso, vem a permitir traçar a linha relacional do casal, desde o período antecedente em que os pais se davam bem, com nota de algumas discussões, com gritos mútuos, perpassando a libertação do pai, descrevendo a reorganização familiar, o darem-se bem no início, o deixarem de dormir juntos, passado um mês voltar a discutir e o que lhe contou a mãe CC acerca do que o pai fez à BB. A par, o constatar do bom relacionamento ente o pai e a BB, a ausência temporária desta para ir morar com a avó, o regresso passado duas semanas e o voltar a darem-se todos bem. Depois, a ocorrência de mais discussões, pese embora assinalando nunca ter ouvido o pai a chamar nomes à mãe, nem vice-versa, ocorrendo algumas vezes as discussões à sua frente. O estender das discussões entre CC e BB, a intervenção do pai, a separação entre pai e mãe, passados cinco meses, indo esta para casa da avó. A par, a sinalização de situação em que pai lhe disse que mãe mandou áudio a dizer que ía fazer tudo para ele ser preso, áudio que ouviu e a situação de discussão entre pai e mãe em que esta cuspiu na cara daquele e deu-lhe duas chapadas, tendo como motivo a troca de quarto. Prosseguiu confirmando a ida a loja para buscar cerveja para o pai, com a mãe a dizer “vê lá se há veneno de ratos para o teu pai”. Mais confirmou que mãe chamou pedófilo ao pai, por mais que uma vez e nas discussões antes de ele ser preso, ao contrário de violador. Manifestou pretender continuar a estar com o pai, sendo que, na sua percepção, a mãe gostava do pai. Adiantou os termos de relacionamento que percepcionou entre o pai e a BB, o descobrir pela mãe que esta ía às vezes à casa do pai, as relações cortadas actualmente que se estendem à irmã DD.
DD, de fls. 402 a 403v. (transcrição, de fls. 150 a 210, do ANEXO I): explicitando os termos da relação familiar ao longo do tempo, incluindo o tempo anterior e posterior à prisão do pai, a reorganização vivencial familiar, assumindo ter sido a própria, bem como a BB a pedir à mãe para o pai voltar para casa quando saiu da prisão porque ele não tinha mais ninguém. Depois, o voltar das discussões, com gritos entre pai e a mãe, sendo o pai quem na maioria das vezes iniciava, e a mãe a levar a BB para casa da tia. A alusão ao aniversário dela - ... de ... de 2023 - em que o pai veio falar consigo porque queria o dinheiro de uma pulseira que ele lhe tinha comprado. Depois, foi ao trabalho da mãe para falar com a DD, a mãe não deixou porque ele estava proibido de o fazer, circunstância em que agarrou a mãe, partiu-lhe o telefone e disse que a ia matar - estava presente. Em sequência, revelou que, desde ... de 2023, pai mandava mensagens à mãe a ameaçar e a tratar mal, algumas vezes a mãe respondeu. Pai manda-lhe fotografias da BB. A ameaçar a mãe, a pôr fotografias desta na porta da escola dela, nas paragens. Descreveu a relação da mãe com BB como boa, embora algumas vezes chatearam-se porque aquela descobriu que esta trocava mensagens com o pai. Aos 18 anos de idade, a BB voltou para casa porque já não queria estar com o pai. Pai pediu dinheiro à mãe, ameaçou-a que queria o dinheiro que ele tinha dado à BB, quando ela esteve lá em casa e a mãe deu-lhe com medo de que ele fosse lá a casa. Viu mensagens do pai para a mãe no telemóvel desta, sendo que pai não lhe mostrou nunca mensagens que mãe lhe mandava.
-BB, de fls. 1295 a 1298 (transcrição, de fls. 71 a 148, do ANEXO I): tal qual já supra assinaladas em maior pormenorização, mas confirmando todo o teor das mensagens recebidas.
Dos contributos depoimentais sequenciais de:
MM, agente da PSP - quanto ao facto 27 - confirmou todo o teor: i) do aditamento n.°4 e folhas de suporte - fls. 166 a 179 - ... de ... de 2023; e ii) do aditamento n.° 48 e folhas de suporte - fls. 1243 - lavrado a ... de ... de 2024 mas respeitante a factos ocorridos em ... de ... de 2023.
CC dirigiu-se à esquadra, exibiu-lhe mensagens e transcreveu-as passando a fazer parte dos aditamentos. De igual modo, a mesma denunciante também lhe mandou mensagens por email.
Descreveu o estado de espírito de CC como assustada e com receio de ser agredido pelo arguido AA.
NN, agente da PSP - quanto aos factos 28-29: confirmou todo o teor do aditamento n.°18 de fls. 313 e 314 - ... de ... de 2023. Descrevendo ocorrência, em estabelecimento na estação da ..., onde acorreu já após a prática dos factos. Constatou a quebra do telemóvel de CC. Face à existência das câmaras de videovigilância, preservaram as imagens. CC estava com filha menor e sentiu-a assustada. Já não viu o arguido AA no local.
OO, agente da PSP - factos 30-31 - confirmou todo o teor do aditamento n.°34 de fls. 465 a 516 (incluindo avaliação de risco) - lavrado em ... de ... de 2024 mas respeitante ao período ... de ... de 2023 a ... de ... de 2024 o qual resultou das funções que exercia ao tempo de policiamento de proximidade.
PP, agente da PSP - facto 32 - confirmou todo o teor do aditamento n.° 36 de fls. 542-542 verso - ... de ... de 2024. Recordou o estado de espírito de CC como sobressaltada e receosa, apesar de estar em esquadra da PSP.
QQ, agente da PSP - facto 38 - esclareceu ter cumprido os mandados de detenção do arguido AA. Confirmou todo o teor do auto de apreensão de fls. 560-560 verso - bola de bilhar dentro de meia - ... de ... de 2024.
TT: esclarecendo que CC trabalhou no seu estabelecimento e pese embora não lhe explicar ao pormenor, sabe que problemas familiares com AA chegou a ser razão para CC não vir trabalhar.
Soube pela mesma acerca da separação e do divórcio, mas não lhe explicou motivo.
Atestou que CC andava nervosa por problemas relacionados com AA, mas não lhe explicitou os mesmos.
Chegou a falar-lhe de mensagens recebidas que lhe causaram ansiedade e pânico, tendo chegado a observar algumas e estando relacionado com a vontade daquele em encontrar-se com aquela, que quando viesse ao Tribunal ía estar com ela e, sobretudo, reteve uma em que o arguido lhe dirigiu a expressão “otária de merda”.
Desconhece teor concreto das mensagens ameaçadoras.
Quanto a mensagens de voz remetidas por AA, salientou uma do seguinte teor “hás-de falar comigo ”, em tom de voz normal, desconhecendo se estivesse nervoso.
Abonou em favor de CC, como uma boa mãe, responsável e honesta.
Confrontada com as folhas 436, 439, e 471 dos autos, identificou o seu estabelecimento comercial, sendo que concretamente a última teve por fundamento uma ausência sua por deslocação ao norte do país, nada que ver com a CC.
Quanto ao episódio do telemóvel, notou-a triste, chegou a facultar-lhe pontos de operadora para poder trocar por outro.
LL, psicóloga: descreveu acompanhamento psicológico a CC desde ... de 2023 até à presente data, em decorrência de reencaminhamento pela ..., asseverando do estado apurado, da sintomatologia depressiva, ansiosa, com alteração de humor, frustração e impotência.
Definiu estratégias de coping para CC para ela lidar com situações que a desestabilizaram, retomar índices de autonomia e autoestima.
Encaminhou-a para médico de família, pela necessidade de prescrição psiquiátrica.
Confirmou crises de ansiedade, que a chegaram a conduzir a urgência hospitalar.
Esclareceu acerca dos relatos de medo do ex-marido (por ameaças e comportamentos no trabalho), procedeu a avaliação de risco, considerando o histórico da paciente detectando situação de violência já atinente a eventos anteriores.
Actualmente, com a iminência do julgamento, os níveis de ansiedade e receio aumentaram.
Em 2024, reorganizou o seu projecto de vida.
UU: em ... de ... de 2023, CC saiu para casa da avó por discussão com AA.
Emocionalmente atestou-a em baixo, triste e com medo das ameaças dirigidas por AA (por mensagens e áudio).
Antes da separação, já haviam discutido anteriormente, tendo a depoente chegado a presenciar. Em tal contexto, notou AA mais agressivo e autoritário e CC muito submissa, calando-se para não gerar mais discussão.
Em ... de ... de 2023, foi à esquadra do ... com a tia, em razão das ameaças.
Observou mensagens escritas e áudio dirigidas por AA a CC, como “vou-te apanhar; vou-te matar”.
Continuou a mandar mensagens até ser preso, bem como movendo perseguição - ia a casa da avó e tirava fotos, ia ao trabalho de CC e tirava fotos. Aludiu a mensagens como “Não vais conseguir fugir muito tempo”, “estou aqui à tua espera”, “vou apanhar-te”.
Quando recebia mensagens, CC tremia de medo. Mesmo no interior de esquadra policial onde se dirigiu, tendo a depoente a procurado tranquilizar com a expressão “mas aqui não te vão fazer nada
CC ficou em casa da avó até fugir, tendo passado noites em vários hotéis (desconhecendo em concreto quando e quanto despendeu, facto antes alumiado pela prova documental), por medo de AA.
Quanto ao primeiro período da prisão preventiva de AA evidenciou conhecimento, avançando que terá sido por pouco tempo, mas desconhecendo em concreto.
JJ: esclareceu do relacionamento durante o tempo de matrimónio, assinalando que pese embora a inexistência de discussões no seu início, as mesmas vieram a tomar-se mais frequentes com o avançar do tempo de relação.
Na sua própria casa, quando os convidava para almoçar, AA arranjava discussão com CC e com os filhos, notando-lhe alguma agressividade, sendo que CC não deixava de lhe responder.
No período em que CC passou a residir consigo, sinalizou .../... de 2023 e esclareceu que CC saiu por discussões com AA e pelo que este fez à sua neta.
CC andava nervosa por discussões, pela situação referente à BB e à desocupação do arguido AA.
CC teve medo dele, chegou a esconder-se uma vez fora da sua casa.
Vigiava a sua casa, tendo por duas vezes lhe colocado cola na fechadura da porta de casa, o que a chegou a impedir de sair de casa.
Esclareceu acerca do arrendamento da casa pela CC, esta enquanto arrendatária e a depoente enquanto fiadora.
Ficaram por pagar rendas, ao igual que facturas da água e electricidade.
Perdoaram rendas e entregaram já chaves ao senhorio.
Tentaram tirar coisas mas AA já tinha vendido/tirado algumas destas.
Já quanto à água e electricidade, CC foi pagando em prestações, contudo não esclarecendo concretamente os montantes e o tempo de pagamento.
VV: em ... de 2023, CC residia em casa da mãe, por problemas com AA, não lhe tendo contado muito acerca disso.
Estado emocional não era dos melhores. Evidenciava medo de perseguição no trabalho, de tal não tendo o depoente presenciado qualquer situação em concreto.
AA falava ao telefone, fazia seguimento e enviava mensagens de voz e escritas. Por uma ou duas vezes, não conseguindo precisar a data, chegou a ver as mesmas.
Ouviu uma das mensagens de voz do seguinte teor “ela não se pode esconder para sempre” e “um dia ia encontrá-la”.
Apontando ao ano de 2024, CC chegou a residir em casa da mãe e depois cerca de duas semanas escondida com os filhos, vivendo em residenciais e hotéis.
AA ameaçava que ia a casa da mãe de CC.
Viu foto tirada à porta do prédio da mãe da CC com a mensagem que podia subir aos andaimes e ir lá a casa (ao tempo, prédio estava em obras).
Quanto ao contrato de arrendamento da casa de morada de família, sabe que AA não pagava a renda e CC teve que entregar a casa, após a prisão daquele.
Sabe pelo que CC lhe disse e viu quantias que ela tinha que pagar referentes a facturas de electricidade e água, caso contrário não conseguiria celebrar novos contratos de fornecimento na nova casa.
Abonou em relação a CC, descrevendo-a como calma e acessível.
RR, psicóloga e técnica de apoio à vítima na ...: esclareceu os termos do acompanhamento que prestou à assistente/demandante BB no período compreendido de ... de 2024 até ... de 2024, sendo que, de ... a ... de 2024, o seguimento ocorreu através de consultas presenciais, e de ... a ... de 2024, apenas através de contactos telefónicos.
BB veio acompanhada algumas vezes pela sua mãe, CC, tendo o acompanhamento como fundamento pretenso abuso sexual, sendo que da alegada violência doméstica apenas veio a ter conhecimento posteriormente.
Descreveu o estado emocional da observanda, sinalizando dificuldades em confiar (na própria e em terceiros), desconforto, baixa autoestima.
Confirmou o abandono escolar como resultado do grande impacto do vivenciado.
No atinente à pessoa do arguido/demandado AA, revelou muito medo do que este pudesse fazer. Neste sentido, fundamentou com as ameaças que este lhe dirigiu, inclusive com menção à eventual divulgação de vídeos e fotografias de teor íntimo e também de abordar a própria mãe.
Ao nível da danosidade das condutas a que foi sujeita por banda do arguido/demandado AA, elucidou acerca do seu cariz físico (falta de apetite, dificuldade de dormir relacionada com pesadelos envolvendo AA e situações agressivas, inclusive experiência de aborto) e psicológico.
Em contra-instância, revelou conhecimento superficial acerca da institucionalização de BB, reforçando que a intervenção terapêutica se focou na situação de abuso sexual e mais confirmou acompanhamento aquando da prestação de declarações para memória futura por banda da mesma BB. 
SS: identificou a relação de BB com AA, salientando que a primeira observava o segundo como um pai.
Viviam desde os dois anos da BB, desde que a irmã CC passou a viver com o arguido AA.
Teve conhecimento do sucedido quando CC lhe disse que ia à Polícia Judiciária com a BB.
Esclareceu acerca do estado emocional de BB, dando conta que a mesma chorava mas que não falaram sobre o assunto.
Relatou, ainda assim, ter medo do AA porque este lhe dizia que os ía matar a todos, antes e depois da prisão preventiva.
AA ameaçava por telemóvel, por mensagem. Chegou a ver no telemóvel, destacando a ocasião em que o chegou a arrancar das mãos de BB, dando conta de que esta umas vezes estava “do lado deles”, outras “do dele”, crendo que BB se convenceu de que “conseguia resolver tudo”. Aprofundando o esclarecimento, deu nota que BB gostava do arguido AA, quer por dependência emocional, quer por relação de namoro.
Confirmou acompanhamento pela ... e por instituição, de que resultou mudança de postura positiva, com maior maturidade, chegando a evidenciar-lhe as mensagens recebidas do arguido AA.
Atestou do estado de pânico de CC, chorando e gritando, designadamente quando se dirigiu à Polícia Judiciária e em razão das ameaças recebidas.
AA mandava mais mensagens a CC, desconhecendo as datas.
Quando CC, chegou a ver e a ouvir as mensagens (escritas e de voz).
Para além disso, chegou a ameaçar a sua mãe e o seu filho.
AA foi várias as vezes a casa da sua mãe. Tirava fotos à mãe a levantar dinheiro no multibanco e dizia que “ia matar a velha”.
Quando CC estava a viver na casa da mãe, chegava a fazê-lo pelas 06h30/7h00, esperando que a mãe saísse de casa e colocando cola na fechadura da porta de casa da mesma.
Passado uma semana, CC fugiu com as filhas BB e DD.
A própria acabo por ficar com o filho do casal, EE, inclusive levando-o à escola.
De igual modo, chegou a ir à porta do trabalho da CC.
Teve relatos da CC do que ia sucedendo.
CC chegou a mandar-lhe fotos do local de trabalho e da porta de casa da mãe, bem como de mensagens do AA com o EE, na mota.
Nunca contaram nada ao EE, razão pela qual ele apenas tem a versão do arguido AA.
Destacou mensagem de natal que o EE pediu para enviar ao pai, AA, remontando ao ano de 2023 e da resposta desde “bom natal só se for para vocês...”.
Quando AA saiu da prisão (em que se encontrava preventivamente), chegou a chatear-se com CC.
Mais elucidou acerca da casa de morada de família, do seu arrendamento em nome da CC, sendo a mãe fiadora. Desconhecendo se a mesma deixou de pagar a renda.
Denotou conhecimento acerca do percurso prisional do arguido AA, bem como da institucionalização da BB até aos dezoito anos, justificando esta por não estar segura em casa.
*
Já no plano documental, o Tribunal analisou e extraiu:
Auto de denúncia de fls. 70 a 81 - consubstanciando aquisição noticiosa de crime por banda da PSP - ... de ... de 2023 - em virtude de denúncia formulada por CC.
Aditamentos:
n.° 1 - fls. 165: ... de ... de 2023, reportando a factos ocorridos a ... de ... de 2023.
n.° 4 - fls. 166 a 179 (incluso prints de mensagens): ... de ... de 2023, reportando o envio de mensagens por banda do arguido à arguida.
n.° 4 - fls. 189: ... de ... de 2023 - acompanhamento de CC no âmbito do policiamento de proximidade da PSP.
n.° 22 - fls. 291: ... de ... de 2023 - acompanhamento de CC de modo a proceder a ficha de risco de violência doméstica.
n.° 23 - fls. 297 (com ficha RVD-2L e print de mensagem - respectivamente fls. 298- 300 e 301): ... de ... de 2023 - acompanhamento de CC no âmbito do policiamento de proximidade da PSP - deslocação do arguido ao seu trabalho e envio de mensagens.
n.° 18 - fls. 313 (com folha de suporte 1 - fotografia - fls. 314 - imagem de telemóvel partido): ... de ... de 2023 - deslocação PSP - local de trabalho de CC.
n.° 34 - fls. 465 a 465v (com ficha RVD-1L e print de mensagem com fotografia respectivamente fls. 466-470 e 471-489): ... de ... de 2024 - acompanhamento de CC no âmbito do policiamento de proximidade da PSP.
n.° 33 - fls. 504 a 504v. (com ficha RVD-ILa fls. 505-506 v.): ... de ... de 2023 - contacto da PSP com CC.
n.° 36 - fls. 542 a 542v.: ... de ... de 2024: reporte de CC à PSP.
n.° 38 - fls. 622-A a 623 (com fichas RVD-2L de fls. 624-633 e folhas de suporte com mensagens e estados no WhatsApp apostos pelo arguido AA - fls. 634-664): ... de ... de 2024: reportes de CC e BB à PSP;
n.° 41 - fls. 676 a 676v.: ... de ... de 2024 - acompanhamento de CC no âmbito do policiamento de proximidade da PSP.
n.° 35 - fls. 679 (com ficha RVD-2L de fls. 680-685 e suporte de mensagens de fls. 686- 687): ... de ... de 2024 - acompanhamento de CC no âmbito do policiamento de proximidade da PSP.
n.° 37 - fls. 689: ... de ... de 2024 - comparecimento de CC em esquadra da PSP dando reporte do envio de mensagens WhatsApp por banda do arguido AA
n.° 44 - fls. 698-698v. (com folha de suporte com mensagens e estados do WhatsApp (inclusive foto de BB a fls. 699 verso com legenda "Guapaaaa és bem melhor em tudo que a tua mãe mais mulher que ela ” - fls. 699 a 706): ... de ... de 2024 - acompanhamento de CC no âmbito do policiamento de proximidade da PSP.
n.° 48 - fls. 1243 (inclusive folha de suporte com mensagens - fls. 1244-1247): ... de ... de 2024 - comparecimento de CC em esquadra da PSP dando reporte do sucedido no dia ... de ... de 2023 - pelas 09hl9 - com novas ameaças dirigidas pelo arguido AA.
n.° 49 - fls. 1263 - lavrado pelo Agente PSP ZZ e atinente à entrega da bola de bilhar ocultada no interior de duas meias apreendida ao arguido AA.
Fotografias de fls. 423 a 425: reportando estado de WhatsApp do arguido - (tmala pronta aí vou eu EPL {<chazinho pronto
“Prints” informáticos de mensagens, 426 a 439, 442 a 443, 471 a 489, 491v. a 492v., 494 a 502, 510 a 516, 634 a 664, 699 a 706 e 1130 a 1134 - acervo de mensagens remetidos pelo arguido AA a CC evidenciando perseguição à mesma, inclusive casa da mãe e trabalho; menção à preparação de fotos de BB, perseverança nas tentativas de chamada de voz, retratos da mãe de CC a levantar dinheiro em caixa multibanco e a circular na via pública;
Auto de verificação, de fls. 1264 e 1265;
CD’s, de fls. 580, 709, 716 a 718 - com suportes de gravações conexas;
Auto de visionamento e fotogramas de fls. 614 a 619 - colhendo-se a presença do arguido AA no local de trabalho de CC, com presença de ambos, discussão, presença de menor, acto de retirar de telemóvel por banda do primeiro à segunda, projecção do aparelho ao solo por duas vezes e abandono do local.
Auto de denúncia de fls. 20 a 26v. - ... - consubstanciando aquisição noticiosa de crime por banda da PSP - ... de ... de 2023 - em virtude de denúncia formulada por AA contra CC
Aditamento n.° 3 de fls. 152 (com ficha RVD-2L de fls. 153-155): ... de ... de 2023 - reportando situação de agressão de CC ocorrida a ... de ... de 2023, ciúmes e mensagens.
Deliberações da CPCJ - ..., de fls. 123 a 128 - constituindo acervo de processado e deliberações atinentes - ... de ... de 2023 e ... de ... de 2023 - com alusão à intervenção necessariamente dirigida às crianças DD, EE e à jovem BB - colhendo-se as incidências processuais conexas decorrentes.
Dos CD’s, a fls 580, 709, 716 a 718, das fotografias constantes de fls 314, 423 a 425, dos prints informáticos de mensagens de fls 167 a 179, 301, 426 a 439, 442 a 443, 471 a 489, 491v a 492v, 494 a 502, 510 a 516, 634 a 664, 699 a 706, 1130 a 1134 - brotou particularmente o apurado quanto ao período que media entre ... de ... de 2023 até ... de ... de 2024, apurando-se que o AA procurou atentar contra a liberdade de CC, através mensagens escritas e áudios, enviados pelo aplicativo Whatsapp, do telemóvel com o n° ..., por si utilizado, para o telemóvel com o n° ..., utilizado pela ofendida.
Finalmente, o conjunto factual pacificado de 58. a 74. resultou ainda da, respectiva, examinação aos seguintes documentos: i) fls. 641; e ii) documento n.°2 de fls. 1601 verso; - documento n.°1 de fls. 1599-1601; - documento n.°3 de fls. 1602-1602 verso; - documento n.°4 de fls. 1603 verso; - documento n.°5 de fls. 1603 verso-1606; e documento n.°6 de fls. 1607 e 1607 verso todos juntos com a acusação e demanda cível enxertada pela assistente/demandante CC.
Aqui chegados e na senda do que já particularmente concluído quedara na apreciação supra consignada em C.IL, com excepção dos factos b) a f) - de b) a e) resultantes de manifesta não prova e f) pela apreciação global que dos factos e da prova necessariamente decorre - dir-se-á que o enjeitamento parcial avançado por AA verifica absoluto arrepio pelo caudal probatório global acabado de analisar.
Com efeito, também aqui, as suas explicações esbarram na evidência das mensagens remetidas, do seu particular teor, intensidade e autenticidade de envio - em concreto bem se apartando de qualquer tese de clonagem de perfil electrónico - das sensibilidades colhidas em distintos momentos a todos os componentes da família directa e até alargada, a par das profissionais de psicologia inquiridas.
Ao invés, assinala-se uma particular vertigem para o condicionamento psicológico, para a afectação da paz das visadas, não enjeitando meios, palavras ou sentimentos, em pleno desprezo das particulares relações de cariz conjugal e familiar subjacentes.
Também, por isso, a actuação captada a CC vem a admitir a não prova do inciso que erige o facto f), na justa medida em que a actuação apurada a esta mormente conforme apurado em 39 a 42., não se concebe como deliberada, livre e conscientemente com o propósito único e reiterado tal qual imputado mas antes de quem, num particular cenário de condicionamento e violência (inclusive sexual perante uma das suas filhas), vem em tendencial emoção violenta a reagir verbal e fisicamente, num contexto de pressão familiar no limite de quem, atestam-no os autos, nunca deixou de confiar nas autoridades, multiplicando os seus pedidos de auxílio face às investidas perseverantes de AA.
*
C.IV. Factos provados de 43. a 57.: em conexão directa com a remanescente matéria de facto provada, consubstanciando essencialmente aspectos de ordem subjectiva, igualmente entende o Tribunal que se provaram nos justos limites do pacificado, na justa medida da conjugação de todos os elementos de prova já enunciados e relacionados entre si, bem como, com as regras de experiência comum, tudo emergindo de um elementar juízo de inferência lógica que, à luz das citadas regras da experiência comum, se estriba nos demais factos provados.
*
C.V. Factos provados em 84. a 95.: atinente à situação pessoal e condição social e económica do arguido AA, brotaram da análise ao teor integral do relatório social constante dos autos, complementado em rectificação pelas declarações prestadas pelo mesmo arguido.
CVI. Facto provado em 96., relevou o certificado de registo criminal do arguido AA actualizado e junto aos autos.
*
Finalmente, três apontamentos finais:
i)Toda a matéria de natureza conclusiva, repetitiva ou de teor normativo foi necessariamente expurgada do catálogo factual provado/não provado;
ii)O relatório Polícia Judiciária de fls. 1209 a 1216, indicado pela acusação para suporte da factualidade respeitante ao Capítulo I de tal peça, foi necessariamente desconsiderado por ser repositório de considerações subjectivas do curso da investigação dirigidas ao Dominus do inquérito;
iii)O teor do relatório social e do certificado do registo criminal instruídos nos autos e referentes à arguida/assistente e demandante cível CC não se elevou à matéria de facto provado, por despiciendo face ao sentido decisório (absolutório) final.
*
D. Questão decidenda - Seu recorte e limites à luz do acusatório.
Arreigado na matéria que consubstancia a factualidade provada, cumpre a este Tribunal Judicial apreciar normativamente:
i) Da responsabilidade criminal dos arguidos, mormente procedendo à análise categorial das imputadas infracções criminais - exigências de imputação objectiva e subjectiva e de punibilidade;
ii) Dos pressupostos do arbitramento pugnado pelo Ministério Público de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pelas vítimas, em caso de condenação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 67.°-A, n.° 1, al. b) e 3 e artigo 82.°-A do Código de Processo Penal e ainda no artigo 16.°, n.° 2 do Estatuto da Vítima - caso não seja deduzido pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 72.° e ss. do Código de Processo Penal, e caso as vítimas, a tal expressamente não se oponham;
iii) Dos pressupostos de determinação de recolha de amostra de ADN, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.°, n.° 2 da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro - atendendo
à gravidade dos factos acusados, e uma vez que os arguidos, presumivelmente, serão condenados numa pena concreta de prisão, igual ou superior a 3 anos, ainda que substituída;
iv)Dos pressupostos da responsabilidade civil arreigada nos pedidos de indemnização civil deduzidos, respectivamente, por CC e BB contra AA.
*
D.I. Aspecto jurídico valorativo da prova e subsunção incriminadora.
Do acusatório, resulta a imputação:
i) Ao arguido AA a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:
1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.° 3, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
104 (cento e quatro) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a), 177.°, n.° 1, alíneas a) a c), 22.° e 23.° do Código Penal;
4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 2 e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a)-e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
1 (um) crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.° 1, alíneas a) e b) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
960 (novecentos e sessenta) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 1, alíneas a) a c) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
Todos perpetrados na pessoa de BB sua enteada:
1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas a) e c) e n.° 2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal); e,
1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2, alíneas a) e b) do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB. sua enteada e com quem manteve uma relação de namoro (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal).
(…)
E Dos crimes de sexual de crianças (agravado) - conceptualização geral.
Para o que ao caso releva, cumpre convocar os seguintes segmentos normativos:
“Artigo 171.° - Abuso sexual de crianças
1- Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2- Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3- Quem:
a)Importunar menor de 14 anos. praticando acto previsto no artigo 170. °; ou
b)Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais;
é punido com pena de prisão até três anos.
4- Quem praticar os actos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
5- A tentativa é punível ”
“Artigo 177.° - Agravação
1- As penas previstas nos artigos 163.° a 165 ° e 167.° a 176° são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vitima:
a)For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo erau do agente; ou
b) Se encontrar numa relacao familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do asente e o crime for praticado com aproveitamento desta relacao.
c) For pessoa particularmente vulnerável. em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez.(...)
“Artigo 170 º-Importunação sexual”
Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal ”
Em primeiro lugar, refira-se estarmos perante um crime de perigo abstracto uma vez que não se exige um efectivo dano para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, bastando-se o legislador com a mera potencialidade de tal ocorrência. Não obstante, a verificação do perigo não é elemento do tipo, mas apenas o motivo ou a ratio legis que conduziu o legislador à incriminação.
O bem jurídico tutelado incide na protecção da sexualidade durante a infância e começo da adolescência e na preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento. Só mediatamente se pode dizer que se protege a liberdade e autodeterminação sexual até porque naquelas idades a capacidade de avaliação e autodeterminação está ainda em fase de formação e desenvolvimento, sofrendo, em tal caso, traumas irreparáveis nesse processo.
Os crimes contra a autodeterminação sexual tipificam condutas livres de violência e de ameaças graves, mas que são susceptíveis de causar graves danos no desenvolvimento da personalidade do menor, uma vez que este não tem ainda capacidade para formar livremente a sua vontade. "O princípio que fundamenta a menoridade sexual não é qualquer suposição de que o jovem abaixo da idade definida legalmente não tenha desejo ou prazer sexual, mas, sim, que ele não desenvolveu ainda as competências consideradas relevantes para consentir em uma relação sexual Só o tempo, por meio de um processo de socialização no qual o sujeito racional completo é (con)formado permite a modelação de um processo de decisão correctamente elaborado" (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de2014, processo n.º1287/08.6JDLSB.L1.S1, Relator Juiz Conselheiro Santos Cabral, www.dgsi.pt).
Agente pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, os familiares ou mesmo os pais da vítima. A vítima, por outro lado, terá necessariamente uma criança ou um jovem menor de 14 anos, sendo, contudo, irrelevante o seu sexo. Tipicamente indiferente é também que a vítima seja ou não sexualmente iniciada; que possua ou não capacidade para entender o acto sexual que nela, com ela ou perante ela se pratica ou se leva a praticar e, ainda, que lhe caiba uma intervenção activa ou puramente passiva no processo.
Conforme resulta do preceito em análise, o conteúdo sexual do acto pode assumir diferente natureza, o que alcança directo reflexo ao nível da moldura abstracta da pena a aplicar. Para o que nos interessa, importa, pois, delimitar o que se entende por acto sexual de relevo, por contraponto ao que se deve considerar como contacto de natureza sexual.
O conceito de “acto sexual de relevo” não constava da versão originária do Código Penal - que consagrava antes (cfr. o então artigo 205°) o conceito de “atentado ao pudor”.
Conceito definido como “um acto que viola, em levado grau, os sentimentos gerais da moralidade sexual”.
Na perspectiva de erradicar dos crimes de natureza sexual qualquer conceito com conotação de dogmatismo moral, tido por arcaico, os crimes de natureza sexual passaram a ser erigidos exclusivamente sobre os valores da liberdade e da dignidade humana, na vertente da liberdade de auto-determinação.
O Capítulo V do C. Penal prevê agora, precisamente, os “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”. O que, quando estão em causa menores, cujo desenvolvimento físico, intelectual e moral está em fase de formação, equivale ao direito ao desenvolvimento são e sem constrangimentos da sua personalidade, aqui na vertente da sexualidade.
Devendo partir-se da perspectiva objectiva, importa atender à multiplicidade de formas que a sexualidade pode revelar, ao enquadramento cultural / modo de vivência da sexualidade nesta fase de crescimento dos ofendidos, analisando todas as circunstâncias do caso e / ou conhecidas do agente, numa perspectiva de adequação do caso concreto ao juízo valorativo suposto no tipo de crime. Para concluir não só sobre a objectividade da ofensa do bem jurídico tutelado, atingindo do patamar de dignidade penal, da representação do agente e do efeito do acto sobre a vítima, no sentido de apurar se o acto foi conotado sexualmente e como ofensivo dos bens jurídicos tutelados.
A acção, além da sua conotação sexual (acto sexual) deverá ser suficientemente relevante (de relevo) para ofender o livre desenvolvimento sexual da criança
As considerações relativas ao antecedente histórico permitem estabelecer, desde logo, que não se trata de “acto sexual” stricto sensu. Aliás, quando é o caso, o legislador, di-lo com clareza utilizando termos como cópula, coito, introdução, masturbação, constantes dos múltiplos tipos legais de crimes inseridos no mesmo capítulo.
Na busca do sentido do tipo (acto sexual de relevo) surge assim como relevante:
o antecedente histórico, atentado ao pudor;
como argumento sistemático, por contraposição, os restantes conceitos mais restritivos utilizados pelo legislador na definição dos múltiplos tipos de crime previstos no mesmo Capítulo V.
o apelo à teoria da causalidade adequada - que preside á construção de todo o tipo de crimes, conforme consagrado no art. 10°: “acção adequada” a produzir o resultado típico.
Convocando os insignes ensinamentos de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 447 definiremos acto sexual de relevo como “todo aquele (comportamento activo...) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica”.
Também Sénio Alves, em "Crimes Sexuais”, pág. 8 e segs., a propósito do que seja acto sexual de relevo refere: “O acariciar dos seios é um acto sexual? E se sim, é de relevo? (...) Numa noção pouco rigorosa (diria sociológica) de acto sexual têm cabimento actos como os supra referidas (o acariciar dos seios e de outras partes do corpo, que não só dos órgãos genitais). São aquilo que vulgarmente se designa como “preliminares da cópula” e, por isso, são actos de natureza sexual ou, se se preferir, actos com fim sexual”, pelo que “o acto sexual de relevo é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas”.
Já Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal em anotação ao artigo 163°, concretizando o que seja acto sexual de relevo, nele integra o toque com partes do corpo nos seios, nádegas, coxas e boca.
Na jurisprudência pode colher-se uma certa uniformidade (cfr. nomeadamente os acórdãos do TRC de 5.3.2000, 27.6.2007, 9.7.2008, 2.2.2011 e do TRP de 26.11.2003, 27.1.2012 e 28.11.2012) de acordo com os ensinamentos da doutrina, que será acto sexual de relevo todo aquele que tenha uma natureza objectiva estritamente relacionada com a actividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas, como é manifestamente o caso de acariciar/apalpar nádegas e parte interior das coxas, actos preliminares do acto sexual final que conduz ao orgasmo.
A interpretação do sentido do tipo apenas se satisfaz mediante uma perspectivação teleológica do âmbito de aplicação dos seus elementos típicos normativos, no respeito do “padrão de adequação social” da respectiva conduta, apurando se o facto submetido a juízo satisfaz o “limiar mínimo” de ofensa do bem jurídico tutelado pela norma, verificando se, em concreto, se mostra preenchida a ofensividade abstracta do bem jurídico suposta no tipo de crime. Num juízo de causalidade adequada sobre a ofensa, pela conduta, do quadro abstracto suposto pela norma, perspectivada no seu enquadramento histórico e na sua inserção sistemática na unidade da ordem jurídica e na confluência dos princípios superiores de natureza constitucional.
A solução terá de se alcançar por uma via que aponta para a “descoberta” (hoc sensu a ”criação”) de uma solução justa do caso concreto e simultaneamente adequada ao (ou comportável pelo) sistema jurídico-penal. O que supõe a “penetração axiológica” do problema jurídico-penal, a qual tem que ser feita por apelo ou com referência teleológica a finalidades valorativas e ordenadoras de natureza político-criminal, numa palavra, a valorações político- criminais imanentes ao sistema. - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 27.
Tal exegese afigura-se a mais consentânea com o texto “Sobre a protecção de menores”, cfr. a nova Directiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho', in JOUE de 17.12.2011 L 355/1; cfr. também os documentos 'Conclusões do Conselho sobre a protecção das crianças no mundo digital' e 'Proteger as Crianças no Mundo Digital'; «Notas substantivas sobre crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual», Maria do Carmo Saraiva de Meneses da Silva Dias, in Revista do Ministério Público, n.° 136, pp. 59 - 98.; Abuso Sexual de Crianças: aspectos jurídicos a ponderar no âmbito da perícia médico-legal, Karen Brito da Silva, dissertação de mestrado, Coimbra, 2010; e Os crimes contra a autodeterminação sexual na Justiça Penal Portuguesa , Ana Sofia Almeida Costa, Porto, 2012.
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E.II Dos crimes de violação agravados (incluso na forma tentada) - conceptualização geral.
Para o que ao caso releva, cumpre convocar os seguintes segmentos normativos:
“Artigo 164.°- Violação
1- Quem constranger outra pessoa a:
a)Sofrer ou praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal ou coito oral: ou
b)Sofrer ou praticar atos de introdução vaginal\ anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
ê punido com pena de prisão de um a seis anos.
2- Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a)A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b)A sofrer ou a praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3- Para efeitos do disposto no n. ° 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima. ”
“Artigo 177 ° - Agravação”
1 - As penas previstas nos artigos 163° a 165/ e 167.° a 176° são aprovadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo. se a vítima:
a)For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do avente; ou
b)Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.
c)For pessoa particularmente vulnerável em razão de idade, deficiência. doença ou gravidez/... ) ”
Complementarmente, acerca da punibilidade, preceituam:
O artigo 22.° do mesmo diploma que:
"1 - Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
2- São actos de execução:
a)Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b)Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c)Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores. ”
O artigo 23.°, do mesmo Código que:
«1 - Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão.
2- A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.
3- A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime.»
No que tange ao bem jurídico tutelado pela norma referencial em apreço, este visa tutelar a liberdade de determinação sexual.
No artigo 164.° n.°2, do Código Penal, exige-se que a vítima do crime de violação seja constrangida a sofrer ou praticar cópula, coito anal ou oral ou penetração vaginal de partes do corpo ou objectos através de um de três meios típicos: i) violência; ii) ameaça grave; iii) ou actos geradores de inconsciência ou impossibilidade de resistir.
Já na modalidade contemplada no n° 1 do mesmo artigo, apenas se impõe que o agente, por qualquer outro meio, constranja a vítima a sofrer ou a praticar os mesmos actos sexuais típicos, radicando este (sub)tipo na compreensão por parte do legislador de que nem todos os casos associados ao desvalor típico do crime de violação (e, em geral, da coação sexual - cfr. art. 163°, n.°2, do CP) se reconduzem ao padrão estrutural, de pendor mais objetivista (e exigente), definido no n.°2.
Enquanto no n.°2 estão tipificados os meios de actuação através dos quais o sujeito activo do crime de violação atinge o resultado visado, no n° 1 apenas se exige que a conduta do agente produza na vítima um determinado efeito intimidatório, de natureza psicológica e subjetiva.
Para este efeito, constrangimento será qualquer acto/processo intimidatório (ou de aproveitamento do temor/intimidação causado pelo agente) dirigido à ocorrência de um facto nocivo (para a vítima ou para terceiro), como é o caso, desde logo, da violência psíquica consubstanciada em ordens, ameaças não graves (uma vez que as ameaças graves, representando a forma mais concludente de violência psíquica, caiem logo no âmbito do art. 164°, n° 2, sendo ainda certo que "as ameaças insignificantes não preenchem a área de tutela típica") e, em geral, de qualquer situação de insegurança (mormente um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo) adequada/idónea a atemorizar a vítima e que - impedindo-a de eficazmente resistir ou de livremente consentir na prática de acto sexual indesejado - a obrigue a isso (cfr. argumentos ínsitos no Acórdão da Relação de Lisboa de 16/2/2021 no processo n.° 87/ 19.2T9SCG.L1-5, também disponível em www.dgsi.pt).
EIII. Dos crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados - conceptualização geral.
Para o que ao caso releva, cumpre convocar os seguintes segmentos normativos:
“Artigo 171.°- Abuso sexual de crianças
1- Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa,, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2- Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou obiectos. o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. (...)“
“Artigo 172.° - Abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável
1- Quem praticar ou levar a praticar ato descrito nos n. °s 1 ou 2 do ar ti 20 anterior, relativamente a menor entre 14 e 18 anos:
a)Em relação ao qual exerça responsabilidades parentais ou que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência: ou
b) Abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência sobre o menor; ou
c)Abusando de outra situação de particular vulnerabilidade do menor, nomeadamente por razoes de saúde ou deficiência:
é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2-Quem praticar acto descrito nas alíneas do n. °3 do artigo anterior, relativamente a menor compreendido no número anterior deste artigo e nas condições ai descritas, é punido com pena de prisão até um ano.
3- Quem praticar os atos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.
4- A tentativa é punível. ”
"Artigo 177.° - Agravação
1- As penas previstas nos artigos 163.° a 165.° e 167.° a 176° são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo. se a vítima:
a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou
b)Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.
c)For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez. (...) ”
A propósito da interpretação deste conspecto legal, descortina-se uma posição doutrinal, talvez impressionada pela epígrafe do preceito que alude a t(menor dependente” e pelo argumento do direito comparado, que circunscreve a aplicação da norma aos casos em que há uma “relação de dependência pessoal ”, emergente da lei, de decisão judicial ou de uma relação de facto[Cfr. Maria João Antunes, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, T. L, 1999, Coimbra Editora, pág. 554 e 556.].
A nosso ver, a epígrafe não é decisiva, pois o que o elemento literal pressupõe é a existência de uma especial relação de confiança para educação ou para assistência (a qual não corresponde necessariamente a uma relação de dependência), de aplicação mais ampla e que justifica a protecção conferida pelo tipo legal de crime.
Na verdade, o normal desenvolvimento da personalidade do menor, mormente, na componente sexual, estará mais vulnerável a ameaças estranhas decorrentes da ausência da protecção conferida pelos progenitores.
Esse manto protector concedido pela família é extensível, ainda que em menor grau, àquelas pessoas a quem o menor é confiado para educação ou assistência, e que devem contribuir para o desenvolvimento da sua personalidade, mas que, como “reverso da moeda”, também poderão beneficiar da criação de situações propícias à adopção das condutas sancionadas pela norma, para além de poderem ser beneficiados por uma maior impunidade, devido às dificuldades acrescidas de denúncia dos factos.
Se a confiança para educação não oferece dificuldades de concretização, por remeter para aqueles que se encontram encarregues da educação escolar, cívica ou religiosa dos menores, já a confiança para assistência engloba não apenas os casos em que se supre a incapacidade dos menores por via do instituto da tutela, ou através da confiança judicial, no âmbito de um processo de promoção e protecção, mas também aquelas situações em que o agente é incumbido de auxiliar ou ajudar[ Como resulta da leitura do Dicionário da Porto Editora, por exemplo, a assistência significa ajuda ou auxílio] os progenitores, na ausência temporária destes, no exercício das responsabilidades parentais (cfr. artigos 1878.°, n.l e 1906.°, n.°4, do Código Civil), como se extrai, além do mais, da agravação das penas resultante da existência de uma relação de tutela e o crime for praticado com aproveitamento dessa relação (cfr. artigo 177.°, n.° 1, al. b), do Código Penal).
Por esse motivo, a relação de confiança pode resultar da lei, de decisão judicial ou de uma relação de facto, não sendo necessário ter carácter permanente, pois pode ser meramente temporária ou intermitente [Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2007, Univ. Católica Ed., pág. 478.].
Quanto ao elemento subjectivo, o tipo legal de crime admite qualquer das formas de dolo previstas no artigo 14.° do Código Penal.
*
E IV. Do crime de pornografia de menores (agravado) - conceptualização geral.
Sob a epígrafe “Pornografia de menores ”, preceitua o artigo 176.°, do Código Penal:
“1 - Quem:
a) Utilizar menor em espectáculo pomogidfico ou o aliciar para esse fim:
b)Utilizar menor em fotografia, filme ou gravacão pornográficos, independentemente do seu suporte* ou o aliciar para esse fim:
c)Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d)Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2- Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3- Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.° 1 recorrendo a qualquer forma de ameaça, constrangimento ou violência é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
4- Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.° 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
5- Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.° 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.
6- Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou por qualquer outro meio, sendo maior, assistir, facilitar ou disponibilizar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores é punido com pena de prisão até 3 anos.
7- Quem praticar os atos descritos nos n.°s 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.
8- Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
9-A tentativa é punível ”
Por seu turno, acerca da agravação prevê o artigo 177.°, do mesmo diploma:
1-As penas previstas nos artigos 163.° a 165.° e 167.° a 176 ° são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou
b) Se encontrar muna relação familiar. de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.
c)For pessoa particularmente vulnerável em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez/...)"
Cumpre assinalar que a lei não fornece o conceito de pornografia.
A pornografia, em sentido clássico, tem o significado de acto sexual chocante, aberrante, praticado em condições profundamente dissociadas do que é usual e conhecido, sem que se confunda como o mero erotismo.
Eliane Rober Moraes, docente de ética na PUC -S. Paulo, intentando traçar a distinção e sobrelevar na controvérsia, pondera que o erotismo só sugere; a pornografia tudo mostra; do âmbito da pornografia está excluída uma nudez não apelativa presente por ex.° nas obras de arte pictóricas, de escultura ou gravuras.
O tipo legal visa a protecção, ainda que remotamente,"demasiadamente longínqua", ( na expressão do Prof. Figueiredo Dias , in Comentário CCCP , ao art.° 172.°, do CP , nota 3 , a propósito da punição das conversas, espectáculos ou objectos pornográficos), da autodeterminação sexual , sem embargo de o desenvolvimento sexual da criança poder ser severa e directamente prejudicado com a sua participação em manifestações pornográficas , isto mesmo à margem de “sacrifício na ara de uma qualquer moralidade sexual “ , autor citado , ainda, no CCCP , pág. 544 , moralidade à revelia da qual o legislador nacional, do CP , após 1995 , se dispôs a construir o direito penal sexual , um pouco de acordo com a filosofia stuartmilliana para o liberalismo económico de que em princípio tudo é permitido ; a proibição vem por excepção.
As Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas , reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais- art.° 2 .°, c), do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é amplo e não deixou de servir de inspiração ao legislador de 2007-lei n° 58 /07, de 4/9, ao introduzir o tipo em causa.
Não há assim qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual.
O conceito de pornografia surge, ainda assim, desinserido de qualquer referência à moral ou pudor públicos, em contrário do que sucedia com o definido no Dec.°-Lei n.° 254/76, de 7/4, visando combater uma onda de divulgação de pornografia que se abateu sobre o país.
Adquiriu-se, na punição transnacional da pornografia, a consciência de que a pornografia infantil é uma indústria milionária, dos mais crescentes na internet através de câmaras digitais e de webcams, tomando-se um negócio fácil e barato, tanto pela distribuição como aquisição pelos utentes da internet, (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2011, proferido no processo n.° 4/10.5GBFAR.E1 .S1, Juiz Conselheiro Relator Armindo Monteiro, disponível em wwv.dgsi.pt).
No que toca às faixas etária abrangidas cumpre sublinhar que uO limite etário dos 14 anos é normalmente entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência. Citando Weinberg, Willians e Pryor, referindo que "os tipos de experiências sexuais que uma pessoa tem, especialmente durante a adolescência, são importantes na direção ou reforço do fluxo da sua preferência sexual", sendo por sobremaneira um desenvolvimento adequado da sexualidade, no sentido de proteger a liberdade do menor no futuro, para que decida, em liberdade, o seu comportamento sexual". (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17-03-2015 in www.dgsi.com e Acórdão do STJ de 13 de Março de 2019 (no Processo n.° 3910/16.0T9PRT.P1.S1, de que foi relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Vinício Ribeiro, disponível na Internet, in www.dgsi.pt
Neste sentido também Teresa Beleza, (in "O conceito legal de violação"), "já não é o pudor do jovem ou da criança (...) que está em causa (...), mas a convicção legal de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de autodeterminação, a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual".
Costa Andrade (in “Consentimento e acordo em Direito Penal”), defende que "até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais". “A lei presume que a prática de actos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de ações sexuais bilaterais. O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei.
Em jeito de conclusão, dir-se-ia que o legislador reconheceu o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade humana e pretende proteger aqueles que, devido à sua imaturidade, ainda não têm capacidade para se autodeterminar nesta vertente.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 5-9-2007, (disponível emwww.dgsi.pt) consta o seguinte - “...Tal como sublinhado por Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit, pág. 487, A fonte da disposição (art. 176.° do CP, introduzido pela reforma de 2007) é o Protoloco facultativo de 25.5.2000 à Convenção sobre os direitos da criança, relativo à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 16/2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 14/2003 (in D.R. I Série-A de 05.03.2003), conferindo à pornografia infantil o significado, segundo o seu art. 2.°, alínea c), de qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de actividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais, relativamente ao que se deveria garantir abrangência pelo direito criminal ou penal de actos de produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse (seu art. 3.°, n.° 1, alínea c)). Também, acolhendo o que a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, de 22.12.2003 (in Jornal Oficial de 20.01.2004), relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, definiu como pornografia infantil com crianças reais, reportada, segundo o seu art. 1.°, alínea b)/i, a qualquer material que as descreva ou represente visualmente envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas, o que foi reafirmado pela Directiva 2011/92/EU, de 27.10.2011 (in Jornal Oficial de 17.12.2011), que, entretanto, veio substituir aquela, definindo pornografia infantil, nos termos do seu art. 2.°, alínea c), como i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.
Mais recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2020, proferido no processo n.° 4883/15.1TDLSB.L1.SI - 3.a Secção (Criminal) - Juiz Conselheiro Relator Nuno Gonçalves nos aponta que “L A criança não é só destinatário, é também sujeito de direitos fundamentais entre os quais sobressai o direito ao desenvolvimento integral em todos os aspetos da sua identidade pessoal', o direito ao respeito pela sua dignidade humana e o direito à proteção contra todas as formas de exploração ou exposição sexual. II. Nos avisados considerandos da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, a pornografia infantil, constitui uma violação grave “dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. Ê uma fenomenologia criminal em que não devem interceder considerandos de ordem cultural ou ideológica, nem haver espaço para a expressão de opiniões pessoais ou de coletivos refratários ao respeito pela dignidade e direitos fundamentais das crianças, universalmente reconhecidos.
O bem jurídico protegido com a incriminação da «pornografia infantil» não se circunscreve ao desenvolvimento da personalidade do menor na sua esfera sexual Protege não somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito de cada um e de todos os menores a um desenvolvimento físico natural e a gozar de uma infância e adolescência harmoniosas e sem traumas. Importa que a criança continue criança durante toda a sua infância e o adolescente o seja em toda essa importante fase da sua formação. Estamos, por isso, perante um bem jurídico plurisubjetivo e coletivo que protege a indemnidade sexual, o bem-estar das crianças e adolescentes, a sua segurança formativa e a dignidade da infância no seu todo. IV. A «pornografia infantil» - e estamos a cingir-nos às condutas que a materializam - prejudica, sem dúvida, a formação e o desenvolvimento da personalidade integral, incluindo a sexualidade do próprio menor - componente essencial da personalidade da pessoa humana -, mas também coloca em perigo, ainda que abstrato, o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso das crianças em geral, do coletivo que está na idade da infância e da juventude, e que a sociedade entende ser igualmente importante e do interesse geral proteger. V. O legislador adianta as barreiras de proteção de modo a abranger o perigo inerente a condutas que podem fomentar quaisquer práticas pedofilias sobre os menores em geral (proibindo e punindo desde a posse, à difusão por qualquer modo, até comercialização de materiais ou conteúdos pornográficos de crianças meramente representadas) e também sobre menores concretos e determinados. VI. As condutas que preenchem o tipo objetivo são multifacetadas. Grosso modo podem agrupar-se em atos de utilização de menores, atos de aquisição ou produção de pornografia de menores, atos de detenção ou acesso, e atos de exibição ou divulgação de pornografia infantil VII Presumindo-se que a formação e desenvolvimento da personalidade global dos menores é colocada em perigo pela pornografia infantil, o legislador decidiu adiantar as barreiras da proteção contra essas práticas altamente lesivas deacontecimentos que “roubam ” ou traumatizam gravemente a infância ou a adolescência dos menores, perturbando um desenvolvimento harmonioso da personalidade a todos os níveis. De modo que na al. b), incrimina o aliciamento da utilização de fotografias, filmes ou gravações pornográficas e a tentativa de obtenção destas modalidades de pornografia infantil VIII. A parte final da alínea b) do n.° 1 do art-° 176° do Cod, Penal prevê e pune o que na terminologia anglo-saxónica se designa por «sexting» (de sex e tenting) de adulto com menor/es, consistente em estabelecer contacto à distância e manter conversação com crianças, através da internet, do telemóvel, ou de qualquer outra tecnologia da informação e da comunicação, para, abusando da sua inexperiência sexual, a aliciar a enviar fotografias, filmes ou gravações pornográficas dela própria ou de outras crianças. IX. O sexting é o primeiro passo, a fase preliminar e preparatória daquilo que, regra geral, o agente criminoso adulto tem em mente: - ganhar a confiança da/o/as/os menor/es aliciada/o/s a fim de obter desta/e/s conteúdos pornográficos com atos sexuais explícitos e, seguidamente, concertar encontros para obter concessões de índole sexual Situação incriminada no art.° 176°-A do Cód. Penal, que internacionalmente se denominado por «child grooming», (a ação deliberada de um adulto que pretende acossar e/ou abusar sexualmente de uma criança ou adolescente) através da Internet ou das redes sociais. X. Nas conversações mantidas através da internet ou das redes sociais ou de comunicação móvel, o adulto, quase sempre sob um perfil falso, tem como primeiro objetivo obter fotografias e/ou vídeos eróticos. Logo que ganha a confiança da/o menor e este lhe faculta ou comparte imagens com atos de conteúdo erótico, o «groomer» pressiona-a/o a enviar-lhe mais e mais e com atos sexuais explícitos ou dos órgãos genitais ou erógenos, e/ou pressiona-a/o um encontro físico e, se a/o menor não acede começa a chantagea-la/o, ameaçando-a/o com publicar as fotografias e os vídeos. Quando se produzem esses encontros forçados o desenlace traduz-se quase sempre em abusos sexuais, não raro em violação, algumas vezes em desaparecimento e, até homicídio. XI. A qualificação de uma fotografia “como pornográfica deve exprimir, segundo o seu conteúdo objetivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstrato, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor. É deste modo ainda (...) uma interpretação de acordo com o bem jurídico”
O tipo legal de pornografia de menores pode revestir, pois, qualquer acto que se enquadre nas quatro modalidades caracterizadoras, correspondentes às diferentes alíneas do n.°1 do art. 176.°, em que transparece uma escala de valoração, embora punível de forma idêntica, desde a utilização de menor à detenção de materiais pornográficos com propósito legalmente definido.
Denota o objectivo do legislador de tutela antecipada do bem jurídico protegido, tratando- se de crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), conforme Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit.9 pág. 487.
De modo tendencialmente rigoroso e compatível com a intervenção do direito penal, o bem jurídico reside mais directamente na protecção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-fisica ou moral) como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, opção neocriminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas (sobre o assunto, Pedro Soares de Albergaria/Pedro Mendes Lima, in “O crime de detenção de pseudopomografia infantil - evolução ou involução?” e Maria João Antunes, in “Crimes contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores”, na Revista Julgar, Especial, n.° 12, Set/Dez.2010).»
Por seu turno, explicam-nos José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, in Ob cit. pp. 219 a 221, que «este crime consubstancia um reflexo das políticas de neocriminalização no âmbito dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual pretendendo-se essencialmente atacar a utilização de crianças nos circuitos cinematográficos (e videográficos) de cariz pornográfico, criminalizando a difusão dessas imagens num circuito pedófilo cuja extensão é já conhecida. A criminalização da actuação e utilização de menores em material pornográfico assenta no princípio de que é autodeterminação sexual dos menores que ainda é posta em causa com tais condutas. A exibição e cedência de fotografia, filmes ou gravações pornográficos, desde que aí seja utilizados menores (não apenas menores de 14 anos como até à reforma de 2007, fora dos casos em que o menor se encontrava numa situação de confiança ou dependência) independentemente de quem cede ou proceda a essa exibição, tendo na sua génese ainda a protecção dos menores que aí são utilizados, vai, no entanto, mais longe, no sentido de pretender desmotivar os próprios consumidores de pornografia de índole pedófila.(...)»
*
E.V. Dos crimes de violência doméstica.
Sob a epígrafe "violência doméstica”, para o que ao caso releva, dispõe o normativo convocado:
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castiços corporais, privações da liberdade. ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
a) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
b) A progenitor de descendente comum em 1ºgrau; ou
c) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
d)A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal
2-No caso previsto no número anterior, se o agente:
a)Praticar o facto contra menor, na presença de menor no domicílio comum ou no domicilio da vítima: ou
b)Difundir através da Internet ou de oufros meios de difusão pública generalizada* dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3- Se dos factos previstos no n.° 1 resultar:
a)Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b)A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4- Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao areuido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas. pelo período de seis meses a cinco anos» e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5- A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6- Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.
Trata-se, pois, de um crime específico, isto é, um delito que só pode ser levado a cabo por certas e determinadas categorias de pessoas, no caso, por quem tenha «dever de solidariedade conjugal, em relações de pura igualdade».
De todo o modo, sempre se precise que a ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laborai, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. O âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam esta dignidade. A ratio deste artigo 152.° vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações da liberdade de movimentos, etc.). Portanto, deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal do cônjuge, ou de quem vive em condições análogas a este.
E. II. Concretização normativa no caso espécie.
E.IIA. Arguido AA.
E.II.A.I. Dos crimes de abuso sexual de crianças agravados.
De acordo com o acusatório, verifica-se imputação ao arguido AA do tipo incriminador em epígrafe em dois segmentos e sempre com respeito à pessoa de BB, sua enteada, a saber:
1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.° 3, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c), do Código Penal; e
104 (cento e quatro) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c), do Código Penal.
Aferindo a matéria de facto provada, temos que:
i) A factualidade provada em 1., 3. a 6., 43. a 46. e 57. aponta à sedimentação dos elementos essenciais à conformação do tipo objectivo e subjectivo de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.° 3, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, por se verificar a prática de acto sexual de relevo com menor de 14 anos, mediante importunação por via de formulação de proposta de teor sexual conforme definido pelo artigo 170.°, do mesmo diploma (no caso, em data não concretamente apurada do ano de 2019, no interior da residência comum, AA dirigiu-se a BB, então com 13 (treze) anos de idade, e disse-lhe: “Eu dou-te um IPhone quando tu fizeres catorze anos, se tu me deixares ter sexo oral contigo”), mantendo-se apenas as primeiras duas agravações (a) por relação de afinidade em primeiro grau - padrasto vs enteada; e b) relação familiar, de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação), decaindo, contudo, a terceira agravação (c) porque a simples idade da vítima não a concebe automaticamente como subsumível ao conceito de pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, qualidade já prevista pelo âmbito da protecção da norma do tipo base).
O dolo assume-se directo - artigo 14.°, n.° 1, do Código Penal.
Tudo assim observado caracteriza, pois, inequivocamente e de modo incontestável, a actuação a que o arguido sujeitou a ofendida, executando o facto relevante por si próprio, nos termos do artigo 26.°, 1° segmento, do Código Penal, agindo, como tal, em autoria material.
No mais, não se provaram quaisquer factos susceptíveis de se traduzirem numa causa de justificação ou exclusão da ilicitude e, de similar modo, em momento algum foi posta em causa a imputabilidade do arguido, não se tendo provado que estava afectado na sua liberdade de avaliação e determinação - artigos 31.° a 39.°, do Código Penal.
Deste modo, conclui-se que, encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo, o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.° 3, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, - sendo absolvido da agravação da alínea c) deste último comando normativo -, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 4 (quatro) anos de prisão.
ii) A factualidade provada em 1., 3, 4., 5., 7., 8., 43. a 46. e 57. aponta à sedimentação dos elementos essenciais à conformação do tipo objectivo e subjectivo de 66 (sessenta e seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, por se verificar a prática de acto sexual de relevo com menor de 14 anos - face à redacção algo vaga do acusatório quanto aos marcos de início e termo e, daí, em necessário benefício da presunção da inocência do arguido, aqui se considerando a seguinte janela temporal: a partir do Verão de 2019 (expressão assim entendida usar pelo acusatório - correspondendo o verão de 2019 ao período mediado entre 21 de Junho e ...) e até ... de ... de 2019 (data em que BB perfez 14 anos de idade) -, com excepção dos fins-de-semana, com uma frequência diária, aproveitando o facto de CC se ausentar da residência comum, pelas 06:30 horas, para ir trabalhar, AA passou a dirigir-se ao quarto de BB, deitou-se na cama da mesma, trajando uma camisola e umas leggings, colocou-se por debaixo dos lençóis e começou a tocá-la e a acariciá- la, nas zonas das mamas, do rabo e da vagina, dizendo-lhe que “como não era filha dele, de sangue, não tinha mal manter relações sexuais”, sendo que, numa dessas ocasiões, AA despiu as roupas que BB trajava), também aqui se mantendo apenas as primeiras duas agravações (a) por relação de afinidade em primeiro grau - padrasto vs enteada; e b) relação familiar, de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação), decaindo, contudo, a segunda agravação (c) porque a simples idade da vítima não a concebe automaticamente como subsumível ao conceito de pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, qualidade já prevista pelo âmbito da protecção da norma do tipo base).
O dolo assume-se directo - artigo 14.°, n.° 1, do Código Penal.
Tudo assim observado caracteriza, pois, inequivocamente e de modo incontestável, a actuação a que o arguido sujeitou a ofendida, executando o facto relevante por si próprio, nos termos do artigo 26.°, 1.° segmento, do Código Penal, agindo, como tal, em autoria material.
No mais, não se provaram quaisquer factos susceptíveis de se traduzirem numa causa de justificação ou exclusão da ilicitude e, de similar modo, em momento algum foi posta em causa a imputabilidade do arguido, não se tendo provado que estava afectado na sua liberdade de avaliação e determinação - artigos 31.° a 39.°, do Código Penal.
Deste modo, conclui-se que, encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo, o arguido cometeu, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, 66 (sessenta e seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, - sendo absolvido da agravação da alínea c) deste último comando normativo e das demais imputações que perfaziam o remanescente até 104 (cento e quatro) crimes incorrendo na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão, por cada crime.
*
E.IIA.II Dos crimes de violação agravados (incluso na forma tentada).
De acordo com o acusatório, verifica-se imputação ao arguido AA do tipo incriminador em epígrafe em dois segmentos e sempre com respeito à pessoa de BB, sua enteada, a saber:
5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a), 177.°, n.° 1, alíneas a) a c), 22.° e 23.° do Código Penal;
1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal.
Aferindo a factualidade provada em 1., 3. a 5., 7., 9, a 13., 18., 43. a 46. e 57. e não provada em a) (este com referência exclusiva ao facto provado em 11.) aponta à sedimentação dos elementos essenciais à conformação do tipo objectivo e subjectivo de:
5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a), 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), 22.° e 23.° do Código Penal, por se verificar constrangimento à prática consigo de cópula e coito anal, rejeitado pela vítima e daí não ocorrendo consumação por vontade alheia ao arguido (no caso, a partir de ... de ... de 2019, no circunstancialismo descrito em 7., AA encostou a “ponta” do seu pénis, erecto, na vagina de BB, exercendo força, não logrando, contudo, consumar o acto sexual, uma vez que aquela, por ser virgem, manifestava-lhe dor, gritando; nalgumas dessas ocasiões, em número não inferior a 5 (cinco), ao ver recusada a sua intenção de manter relações sexuais com penetração com BB, AA, apelidava-a de “puta”, “nojenta”, “como não conseguia manter relações sexuais, que não custava nada”, e “castigava- a”, retirando-lhe o telemóvel, beneficiando do seu ascendente sobre a mesma, enquanto marido da mãe; e de igual modo, ao não lograr consumar as relações sexuais com BB, AA dizia-lhe: “Podias dar-me o rabo, podias deixar fazer”, o que aquela sempre negou), mantendo-se apenas as primeiras duas agravações (a) por relação de afinidade em primeiro grau - padrasto vs enteada; e b) relação familiar, de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação), decaindo, contudo, a terceira agravação (c) porque a simples idade da vítima não a concebe automaticamente como subsumível ao conceito de pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, qualidade já prevista pelo âmbito da protecção da norma do tipo base).
1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, por se verificar que, no mês de ...de 2022, em dia não concretamente apurado, aproveitando-se da circunstância de se encontrar sozinho, no interior da residência comum, com BB, AA agarrou-a pelo braço, levou-a para o quarto que partilhava com CC, despiu-a, deitou-a na cama, baixou-lhe as calças e, fazendo uso de preservativo, penetrou-a, exercendo força com o seu pénis, erecto, na vagina daquela, fazendo movimentos de "vai-e-vem ”, embora a mesma lhe manifestasse a intenção de parar, acabando por chorar, por lhe estar a doer, o que aquele não respeitou consumando o acto sexual ejaculando. Outrossim aqui, mantendo-se apenas as primeiras duas agravações (a) por relação de afinidade em primeiro grau - padrasto vs enteada;
e b) relação familiar, de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação), decai, contudo, a terceira agravação (c) porque a simples idade da vítima não a concebe automaticamente como subsumível ao conceito de pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, qualidade já prevista pelo âmbito da protecção da norma do tipo base).
O dolo assume-se directo - artigo 14.°, n.°1, do Código Penal.
Tudo assim observado caracteriza, pois, inequivocamente e de modo incontestável, a actuação a que o arguido sujeitou a ofendida, executando o facto relevante por si próprio, nos termos do artigo 26.°, 1.° segmento, do Código Penal, agindo, como tal, em autoria material.
No mais, não se provaram quaisquer factos susceptíveis de se traduzirem numa causa de justificação ou exclusão da ilicitude e, de similar modo, em momento algum foi posta em causa a imputabilidade do arguido, não se tendo provado que estava afectado na sua liberdade de avaliação e determinação - artigos 31.° a 39.°, do Código Penal.
Deste modo, conclui-se que, encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo, o arguido cometeu, em autoria material, na forma consumada e em concurso real:
5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a), 177.°, n.°1, alíneas a) e b), 22.° e 23.° do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses, por cada crime;
1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses.
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E.IIA.III Dos crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados.
Também aqui, de acordo com o acusatório, verifica-se imputação ao arguido AA do tipo incriminador em epígrafe em dois segmentos e sempre com respeito à pessoa de BB, sua enteada, a saber:
4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 2 e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
960 (novecentos e sessenta) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 1, alíneas a) a c) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal;
Aferindo a factualidade provada em 1., 3. a 5., 7., 9. a 11., 13., 14., 18., 19., 20., 43. A 46. e 57. aponta à sedimentação dos elementos essenciais à conformação do tipo objectivo e subjectivo de:
4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.°2 e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal - por se verificar manifesta importunação da vítima - porquanto: i) em ocasiões em número não inferior a 3 (três), ao não lograr consumar as relações sexuais com BB, AA dizia-lhe: "Podias dar-me o rabo, podias deixar fazer”, o que aquela sempre negou (manifesto acto de importunação à luz do disposto nos artigos 170.° e 171.°, n.°3, alínea a) ex vi artigo 172.°, n.°2, todos do Código Penal se verificar importunação por via de formulação de proposta de teor sexual conforme definido pelo artigo 170°, do mesmo diploma); ii) em dia não concretamente apurado, mas mediado entre o início do ano de 2022 e o dia ... de ... de 2022, AA ter enviado para o telemóvel de BB uma fotografia com o seu pénis erecto exposto e uma das suas mãos a agarrá-lo (manifesto acto sobre a menor por meio de conteúdo pornográfico, à luz do disposto no artigo 171º nº3, alínea b), ex vi artigo 172°, n.°2, ambos do mesmo diploma), mantendo-se apenas as primeiras duas agravações (a) por relação de afinidade em primeiro grau - padrasto vs enteada; e b) relação familiar, de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação), decaindo, contudo, a terceira agravação (c) porque a simples idade da vítima não a concebe automaticamente como subsumível ao conceito de pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, qualidade já prevista pelo âmbito da protecção da norma do tipo base).
854 (oitocentos e cinquenta e quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 1, alíneas a) a c) e 177°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal - por se verificar a prática de acto sexual de relevo com menor entre os 14 e os 18 anos, inclusive cópula, coito oral e introdução vaginal de partes do corpo da vítima - face à redacção algo vaga do acusatório quanto aos marcos de início e termo e, daí, em necessário benefício da presunção da inocência do arguido, aqui se considerando a seguinte janela temporal: a partir de ... de ... de 2019 (data em que BB perfez 14 anos de idade) e AAA(abrangendo incluso o tempo em que a ofendida se encontrou em instituição), com necessária desconsideração dos dias correspondentes às imputações alcançadas quanto à prática de: - 5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a), 177.°, n.°1, alíneas a) e b), 22.° e 23.° do Código Penal; 1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a) e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal; e - 4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.°2 e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal, atenta a concomitância dos mesmos que, na ausência de precisão de dias concretos, assim carecem de ser valorados em beneficio do arguido com excepção dos fins-de-semana e do primeiro confinamento derivado do estado de emergência em Portugal decretado pelo Presidente da República em razão da pandemia Covid- 19 - mediado entre 18 de Março e 20 de Junho de 2020, primeiro com uma frequência diária, sendo os actos concretos do arguido para com a ofendida de: tocá-la e a acariciá-la, nas zonas das mamas, do rabo e da vagina; debruçando o seu corpo sobre esta, pôr a sua língua na vagina da mesma; pedir que pusesse a sua boca no seu pénis; fazendo uso de preservativo, penetrando- a, exercendo força com o seu pénis, erecto, na vagina daquela, fazendo movimentos de “vai-e- vem ”; depois com uma frequência de quatro vezes por semana entre ... de 2022 e ... de ... de 2023, mantendo, de igual forma, sexo oral, colocando o seu pénis na boca de BB e passando a sua língua na vagina desta, sem que a mesma, na maioria das vezes, tenha manifestado a intenção de parar o acto sexual, por se sentir emocionalmente dependente; e com uma frequência de cinco vezes por semana, entre ... e ... de ... de 2023, indo buscar a ofendida a instituição de acolhimento, transportá-la para a residência e, fazendo uso de preservativo, penetrando-a, exercendo força com o seu pénis, erecto, na vagina daquela, fazendo movimentos de "vai-e-vem ” e mantendo, de igual forma, sexo oral, colocando o seu pénis na boca de BB e passando a sua língua na vagina desta, sem que a mesma, na maioria das vezes, tenha manifestado a intenção de parar o acto sexual - aqui se mantendo apenas as primeiras duas agravações (a) por relação de afinidade em primeiro grau - padrasto vs enteada; e b) relação familiar, de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação), decaindo, contudo, a segunda agravação (c) porque a simples idade da vítima não a concebe automaticamente como subsumível ao conceito de pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, qualidade já prevista pelo âmbito da protecção da norma do tipo base).
O dolo assume-se directo - artigo 14.°, n.°1, do Código Penal.
Tudo assim observado caracteriza, pois, inequivocamente e de modo incontestável, a actuação a que o arguido sujeitou a ofendida, executando o facto relevante por si próprio, nos termos do artigo 26.°, 1° segmento, do Código Penal, agindo, como tal, em autoria material.
No mais, não se provaram quaisquer factos susceptíveis de se traduzirem numa causa de justificação ou exclusão da ilicitude e, de similar modo, em momento algum foi posta em causa a imputabilidade do arguido, não se tendo provado que estava afectado na sua liberdade de avaliação e determinação - artigos 31.° a 39.°, do Código Penal.
Deste modo, conclui-se que, encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo, o arguido cometeu, em autoria material, na forma consumada e em concurso real:
4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.°2 e 177.°, n.°1, alíneas a) e b) do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, por cada crime;
854 (oitocentos e cinquenta e quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.°1, alíneas a) a c) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, - sendo absolvido da agravação da alínea c) deste último comando normativo e das demais imputações que perfaziam o remanescente até 960 (novecentos e sessenta) crimes -, incorrendo na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses, por cada crime.
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E.II.A.IV. Do crime de pornografia de menores agravado.
De acordo com o acusatório, verifica-se imputação ao arguido AA do tipo incriminador em epígrafe com respeito à pessoa de BB, sua enteada, tal qual previsto e punido pelos artigos 176.°, n.°1, alíneas a) e b) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal.
Aferindo a matéria de facto provada, temos que a factualidade provada em 1., 3., 4., 5., 17., 23., 25., 43. a 49. e 57. aponta à sedimentação dos elementos essenciais à conformação do tipo objectivo e subjectivo de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.°1, alínea b) e 177.°, n.°1, alínea a), do Código Penal, por se verificar a utilização de BB em fotografias pornográficas, tendo-a aliciado para esse fim - decaindo a imputação de utilização em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim - ademais se mantendo apenas a primeira das agravações (a) por relação de afinidade em primeiro grau - padrasto vs enteada) decaindo as segundas e terceiras agravação (respectivamente, por, ao tempo, inexistência de (b) relação familiar, de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação), e (c) porque a simples idade da vítima não a concebe automaticamente como subsumível ao conceito de pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, qualidade já prevista pelo âmbito da protecção da norma do tipo base).
O dolo assume-se directo - artigo 14.°, n.°1, do Código Penal.
Tudo assim observado caracteriza, pois, inequivocamente e de modo incontestável, a actuação a que o arguido sujeitou a ofendida, executando o facto relevante por si próprio, nos termos do artigo 26.°, 1.° segmento, do Código Penal, agindo, como tal, em autoria material.
No mais, não se provaram quaisquer factos susceptíveis de se traduzirem numa causa de justificação ou exclusão da ilicitude e, de similar modo, em momento algum foi posta em causa a imputabilidade do arguido, não se tendo provado que estava afectado na sua liberdade de avaliação e determinação - artigos 31.° a 39.°, do Código Penal.
Deste modo, conclui-se que, encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo, o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.°1, alínea b) e 177.°, n.°1, alínea a), do Código Penal - sendo absolvido da qualificação constante da alínea a) do primeiro comando normativo e das agravações das alíneas b) e c) deste último comando normativo -, incorrendo na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 6 (seis) anos de prisão.
E.ILA.V. Dos crimes de violência doméstica.
Na pessoa de CC.
De acordo com o acusatório, verifica-se imputação ao arguido AA de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, alíneas a) e c) e n.°2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal).
Aferindo a factualidade provada em 1. a 4., 26. a 30., 32., 35. a 37., 50. a 53., 55. a 57., 58. a 65., 67. e 77. e não provada em b e c) aponta à sedimentação dos elementos essenciais à conformação do tipo objectivo e subjectivo de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, alíneas a) e c) e n.°2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal).
Com efeito, perante o recorte factual do caso espécie, podemos encetar por dizer que o caso dos autos se estriba no âmbito da “violência familiar” ou “maus tratos familiares”, em que foi directamente e nefastamente afectada a esposa do arguido, CC, numa gravidade unívoca atida a um concreto contexto relacional, que tem como linha trespassante de toda a cronologia apurada o facto de todos os actos exercidos por um elemento da relação, in casu o arguido homem, sobre outrém, a sua própria esposa, nos contextos de espaço e tempo apurados.
Por conseguinte, a linha da acção apurada ao arguido, estribada numa matriz de terror que o mesmo foi tecendo, convoca ponderação normativa no sentido de aquilatarmos se estaremos perante um sequencial de actos que, a seu modo, se equivalem e reclamam punição independente, ou, ao invés, perante um bem jurídico cujo âmbito de protecção abarca o de todas esses actos.
No caso em apreço, realçando que o crime de violência doméstica revela uma construção jurídica complexa, na medida em que o bem jurídico tutelado é multifacetado, incorporando várias modalidades de protecção da vítima pois visa proteger a integridade e saúde, quer física, quer psíquica da mesma, a par de proteger a sua dignidade e integridade moral como ser humano, na respectiva tutela integram-se outras tutelas que também estão previstas no código penal enquanto tutelas de bens jurídicos isolados, como ocorre no crime de ofensa à integridade física, no crime de ameaça, injúria, difamação, dano, violação de domicílio e devassa da vida privada, nos crimes sexuais, entre outros.
No plano dos princípios, todos aqueles crimes podem fazer parte do leque de comportamentos de que o agente se socorre para infligir maus-tratos à vítima, no contexto familiar, clássico da violência doméstica.
Assim, o crime de violência doméstica visa, acima de tudo, acautelar situações de vivência conjugal e/ou familiar que, pela sua continuidade no tempo, interacção próxima entre agente e vítima, assente muitas vezes em situações de grande intimidade física, ocorridas num contexto de reserva de vida privada, longe dos olhares das pessoas, e assente numa especial vulnerabilidade da vítima, fruto da sua dependência emocional e/ou económica no agressor, produza comportamentos violentos, reiterados e de difícil destrinça em termos de momentos concretos, levando a que os comportamentos do agressor possam ser agrupados numa “única” actuação criminógena que acaba por pôr em causa todo o suporte psíquico e físico da vítima.
Mas, se o crime de violência doméstica visa acautelar o que podemos chamar de um bem jurídico complexo ou multi-facetado, podendo nele ser integrado uma série de comportamentos que, isoladamente, também são alvos de tutela penal, há que compreender quando é que essa tutela global, ínsita no crime de violência doméstica, abrange de forma adequada todo o comportamento criminal do agente, numa tutela eficaz da vítima e quando há que punir, autonomamente, outros comportamentos do agente embora eventualmente perpetrados no mesmo contexto.
Ora o caso espécie espelha exactamente uma acção de violência e ambiência de terror personificada pelas acções apuradas ao arguido que, espraiando-se circunstanciadamente no tempo, vieram a pôr em causa o suporte psíquico da vítima.
Por assim ser, afigura-se seguro que a conduta global do arguido decalcada ao contexto axiomático de protecção legal e circunstanciada às acções por si levadas a cabo contra a ofendida, incluso no domicílio comum e perante os filhos, tudo conforme supra elencado na matéria de facto que resultou provada, alcança a verificação integral de todos os precisos elementos integradores de um único tipo objectivo e subjectivo de ilícito: violência doméstica - apresentando-se este numa única unidade resolutiva.
Deste modo, também quanto ao tipo subjectivo, exigindo-se o dolo, em qualquer uma das suas formas, o qual se estende ao resultado danoso das condutas perpetradas pelo agente, no caso dos autos, como decorre da factualidade apurada, erige-se consolidado o preenchimento do elemento subjectivo da tipologia legal de violência doméstica, na sua vertente de dolo directo - artigo 14.°, n.°1, do Código Penal.
Por conseguinte, cumpre consignar que, em termos de forma de actuação, a do arguido se traduziu numa autoria material, de acordo com o artigo 26.°, 1.a parte, do Código Penal.
Da produção de prova levada a efeito em audiência de julgamento, não resultaram provados quaisquer factos susceptíveis de integrarem qualquer causa de justificação da ilicitude ou da culpa - artigos 31.° a 39.°, do Código Penal.
Destarte, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo incriminador de violência doméstica, dúvidas não restam que, com a actuação descrita e comprovada nos autos, o arguido se constituiu, como autor material e na forma consumada, da prática de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, alíneas a) e c) e n.°2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal), incorrendo na pena de prisão de dois a cinco anos.
*
Na pessoa de BB
Subjaz o arguido acusado da prática de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, alínea b) e n.°2, alíneas a) e b) do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB, sua enteada e com quem manteve uma relação de namoro (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal).
Ora, perante a factualidade provada em 3., 31., 34., 50. a 54., 57., e 78. a 80. e não provada em c), é de concluir:
-pela não verificação dos elementos objectivos e subjectivo da imputada incursão de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, alínea b) e n.°2, alíneas a) e b) do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB, sua enteada e com quem manteve uma relação de namoro (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal), justamente e logo pela inexistência de qualquer relação de namoro.
-pela verificação dos elementos objectivos e subjectivo de um crime de perseguição, p. e p. pelos art.°s 154A n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal.
Com efeito, sob a epígrafe “Perseguição ", estabelece o artigo 154°-A do Código Penal:
“1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2-A tentativa é punível
3- Nos casos previstos no n° 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4-A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
5-0procedimento criminal depende de queixa ”
O crime de “perseguição”, olhando à própria redação do preceito legal acabado de transcrever, tem como elementos constitutivos:
A ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio (direto ou indireto);
A adequação da ação a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;
A reiteração da ação.
Exige-se ainda o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades.
Trata-se de um crime novo na nossa ordem jurídica, sendo as condutas suscetíveis de o preencher vulgarmente conhecidas como “stalking”.
A “perseguição” (ou “stalking”) é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa- alvo. Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como, por exemplo, oferecer presentes constantemente, telefonar insistentemente), ou mesmo em ações inequivocamente intimidatórias (como, por exemplo, seguir a vítima constantemente - a pé ou em veículo automóvel enviar repetidas mensagens de telemóvel com conteúdo persecutório e/ou “ameaçador”, enviar correspondência escrita de idêntico conteúdo, etc.).
Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode assumir tal frequência e severidade que afete não só o “bem-estar” das vítimas, como, mais do que isso, lhes cause medo ou inquietação ou as prejudique na sua liberdade de determinação.
A “perseguição” consiste, pois, na importunação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o assediante), de um interesse e atenção continuados, persistentes e indesejados (vigilância, perseguição física, envio de mensagens, telefonemas, etc.), os quais são suscetíveis de gerar medo, inquietação ou prejuízo relevante na pessoa-alvo (sendo certo, quanto a nós, que prejuízo relevante, para os efeitos aqui considerados, é todo aquele que influa nos movimentos do dia-a-dia da pessoa-alvo).
Muito embora os comportamentos do agente possam até ser considerados inócuos e corriqueiros, quando isolados do contexto global e complexivo em que ocorrem, os mesmos constituem crime (de “perseguição” - p. e p. pelo artigo 154°-A do Código Penal -) se forem praticados com persistência (ou seja, de modo prolongado no tempo - em maior ou menor período de tempo -, intimidatório e causando justificado “desconforto” na vítima), e, além disso, se forem cometidos de forma a provocar na vítima medo ou inquietação, ou de forma a prejudicar a liberdade de movimentos e de determinação da vítima.
Em tal matriz, atentando na factualidade provada em 3., 31., 34., 50. a 54., 57., e 78. a 80. e não provada em c), é de concluir inequivocamente pelo preenchimento de todos os elementos, objetivos e subjetivos, do tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 154.°-A, n.°1, do Código Penal, porquanto:
Entre o dia ... de ... de 2023 e o dia ... de ... de 2024, AA remeteu a BB as seguintes mensagens:
“Puta que te pariu pá vai lá pó caralho hoje toda a gente vai saber quem tu és feliz 18 anos ”;
“Os teus vídeos vai circular”;
“Amanhã quero ver a puta da tua cara quando estiver mostrar os vídeos que me mandasse aí do colégio a tua diretora aí quero ver a puta da tua. Cara é o que vais dizer”;
“Não faz mal mas os teus vídeos vão vazar até a tua escola putinha ”;
“Vamos ver putinha de merda então amanhã”;
“Mas calma que hoje vou te foder a vida toda até lá a baixo a tua mãe a frente de todos vou mostrar os teus vídeos calma ”;
“Vais ver então calma até vergonha de andares na rua vais ter vais ser conhecida pela putinha calma só então ”;
“A partir das 9 da manhã se não tiver tudo o que é meu o teu irmão e a tua mãe vão começar a receber todos os teus vídeos que tens a foder cmg todos os teus vídeos que me mandavas lá no colégio quando acabavas de tomar banho por isso se não queres passar por isso tens até às 9 da manhã depois não digas que não te avisei até para os teus amigos da escola vou mandar os teus vídeos até vergonha de saíres de casa vais ter. Tás avisada”;
“Eu avisei te mas tem calma que o pior está para vir deixa me ir aí a baixo e vais ver como o bairro todo vai saber a minha vida já tá na merda agora vou por a tua na mesma merda que puseste a minha até na tua escola vai andar a girar os teus vídeos tem calma so ”;
“Bloqueaste me né okBia esconde te então mas lembra-te vais ter que sair de casa e ir para a escola quando te apanhar vai ser bem pior acredita ”.
No dia ... de ... de 2024, AA contactou, via telemóvel, BB, dirigindo-lhe as seguintes palavras: “Ó putinha, diz à tua mãe que é para ter cuidado a andar na rua que ela vai levar uma porrada nos cornos, nem sabe de onde é que a pedra vai cair, diz a ela para abrir o olho
“Ó putinha, gostaste da surpresa? Hoje tem mais, hoje vai ter mais e vai ser pior, todos os dias um bocadinho pior está bem?
“Podem-se esconder à vontade, só não se esqueçam de uma coisa, ao menos ali não trabalhas mais, nem ela vai mais àquela escola, pode ir para outra escola, agora para aquela estou de olho, estou aqui de olho, só vos quero apanhar as duas juntas, as duas tá bem? Me aguardem, até já!
ii)Ao actuar da forma apurado, AA, molestando psicologicamente BB, faltou ao respeito e consideração devidos para com a sua enteada, fazendo-a viver em permanente sobressalto e angústia, bem sabendo que as suas condutas são idóneas a provocar-lhe medo e ansiedade.
iii)Em consequência das palavras dirigidas pelo arguido AA, BB sentiu grande inquietação e temeu pela sua integridade física e mesmo pela sua vida, pois acreditou, que aquele seria capaz de levar por diante o mal que lhe anunciava.
Tudo assim sem prejuízo de igualmente provado ter quedado que pretendeu ofender BB, na honra, consideração e dignidade, bem como, quis humilhá-la e fazê-la temer pela sua integridade física e até pela sua vida, com o propósito conseguido de lhe causar sofrimento emocional, diminuindo-a como pessoa, coartando a sua liberdade de decisão, acção e movimento, causando-lhe tristeza, receio, insegurança, intranquilidade, medo e angústia, com pleno conhecimento de que as suas condutas eram idóneas a provocar tais resultados, o que quis e conseguiu.
Bem como que AA actuou com a intenção concretizada de levar BB a sentir-se vigiada, perseguida e assediada.
Em tudo assim, agiu deliberada, livre e conscientemente da forma apurada, o que fez ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
O dolo assume-se directo - artigo 14.°, n.°1, do Código Penal.
Tudo assim observado caracteriza, pois, inequivocamente e de modo incontestável, a actuação a que o arguido sujeitou a ofendida, executando o facto relevante por si próprio, nos termos do artigo 26.°, l.° segmento, do Código Penal, agindo, como tal, em autoria material.
No mais, não se provaram quaisquer factos susceptíveis de se traduzirem numa causa de justificação ou exclusão da ilicitude e, de similar modo, em momento algum foi posta em causa a imputabilidade do arguido, não se tendo provado que estava afectado na sua liberdade de avaliação e determinação - artigos 31.° a 39.°, do Código Penal.
Deste modo, conclui-se que, encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo, o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154º n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e, bem assim, com possibilidade de aplicação das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição, devendo a pena acessória de proibição de contacto com a vítima incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
(…)
Da natureza do concurso de crimes - arguido AA.
Uma breve nota para consignar que os crimes de abuso sexual de crianças agravados, violação agravados (incluso na forma tentada), abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, pornografia de menores agravado e violência doméstica e perseguição ocorrem, nos presentes autos, em concurso efectivo e real, dado constituírem concretização de condutas empreendias pelo arguido AA de forma independente, as quais contendem com normas jurídicas que tutelam bens jurídicos distintos (incluso pessoais), não havendo entre eles relação de especialidade ou consumpção, sendo ambos imputados a título doloso.
*
Das consequências jurídico-penais da conduta do arguido AA.
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta global do arguido AA, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar-lhe.
Da natureza e dosimetria concreta das penas a aplicar.
Natureza das penas principais.
Ao contrário da natureza exclusiva das penas previstas para as tipificações dos crimes de abuso sexual de crianças agravado, violação agravados (incluso na forma tentada), abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, pornografia de menores agravado e violência doméstica, já o crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.°, n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (sem prejuízo da possibilidade de aplicação das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição, devendo a pena acessória de proibição de contacto com a vítima incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância), assinala opção entre pena privativa (pena de prisão até dois anos) e não privativa da liberdade (pena de multa até 240 dias).
Dispõe o artigo 70.°, do Código Penal que, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ”
O conteúdo deste artigo sintetiza o princípio basilar que deve presidir à aplicação de penas criminais na nossa ordem jurídica.
Conforme refere FIGUEIREDO DIAS {Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pp. 74, 75 e 113), face ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, existe um princípio de preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas. Resulta deste princípio que as medidas de segurança detentivas só têm lugar quando as não detentivas se revelem inadequadas ou insuficientes à prevenção. Optando-se pela pena privativa da liberdade esta tem necessariamente de se dirigir para a socialização do delinquente.
FERNANDA PALMA {Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, p. 35) afirma, por seu turno, que “[...]a decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção do crime, em que na avaliação do efeito de desmotivação se pondera também a igualdade e a responsabilidade da sociedade na crimogénese.[...] A medida da igualdade e da justiça no que respeita à censura do comportamento criminoso só pode radicar no conhecimento da pessoa e na sua compreensão[...]”, isto é, a censura penal tem de atender ao agente concreto do crime e às suas circunstâncias envolventes.
Decorre do critério geral acabado de enunciar que a pena escolhida há-de realizar “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ”, tal como são definidas no artigo 40.°, n.° 1, do Código Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. São, pois, puras razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que dominam a operação de escolha da pena (assim também, ROBALO CORDEIRO, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, Vol. II, p. 48).
In casu, tendo por base as finalidades das penas (artigo 40°, n.° 1 do Código Penal), de protecção de bens jurídicos e de reintegração dos agentes na sociedade, aferindo a postura do arguido em audiência, os concretos termos apurados às suas condições pessoais, sopesando a inexistência de antecedência criminal, tudo em confronto com a tipologia das concretas acções e gravidade conexa, entende o tribunal ser de optar, também quanto à imputação de perseguição, por pena privativa da liberdade, porquanto se entende que, na espiral cronológica dos actos, a pena de multa não se assume idónea a assegurar de forma adequada e suficiente as finalidades da respectiva punição.
Dosimetria concreta das penas principais.
Posto tal, verifica-se a incursão do arguido AA na prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:
1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.° 3, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 4 (quatro) anos de prisão.
66 (sessenta e seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão, por cada crime.
5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a), 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), 22.° e 23.° do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses, por cada crime;
1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses.
4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 2 e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, por cada crime;
854 (oitocentos e cinquenta e quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 1, alíneas a) a c) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses, por cada crime.
1 (um) crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.° 1, alínea b) e 177.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, incorrendo na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 6 (seis) anos de prisão.
1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas a) e c) e n.° 2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal), incorrendo na pena de prisão de dois a cinco anos.
1 (um) crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154'^ n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos.
Para avaliar da medida das penas no caso concreto, ANABELA MIRANDA RODRIGUES (A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pp. 658 e ss.) entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
A esta luz, na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no n.° 1 do artigo
71° do Código Penal, que dispõe que tal determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Por sua vez, determina o n.° 2 do mesmo normativo legal que, "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,
Deixadas estas considerações gerais, vejamos o tipo penal e respectiva punição.
Assim, in casu são factores de graduação da pena:
O grau de ilicitude da factualidade apurada que se revela elevadíssimo em toda a cronologia criminosa, daí decorrendo um proporcional juízo de censura, porquanto não se descortina na conduta do arguido qualquer motivação que possa merecer laivo de compreensão. Ao invés, da sua atitude resulta: Aproveitamento do ascendente que tinha sobre a menor BB, sua enteada, porque filha da sua esposa, CC, bem como, da confiança que enquanto pessoa com laços familiares próximos lhe era votada, o que lhe possibilitava estar sozinho com a mesma.
A ofensa do sentimento de criança, de inocência, de modéstia e de vergonha daquela, bem como, a sua integridade física e psicológica, provocando-lhe elevados níveis de ansiedade, com a ocorrência de ataques de pânico, sentimentos de culpa associados “à destruição do arguido e da família
Perpassando período anterior aos 13 anos e, posteriormente, mediado entre os 14 e os 18 anos, praticando actos de relevo, sempre a fim de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais.
Adequação dos actos a prejudicar um livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da vítima, com reflexos na esfera sexual da personalidade da mesma.
A extensão da acção a fotografias e vídeos de carácter sexual, com exposição da vítima menor, com idade compreendida entre os 14 anos e os 18 anos, e teor pornográfico;
Uma linear deriva para molestar psicologicamente as vítimas - esposa, mãe dos seus filhos, e enteada - respectivamente, afectando-lhes a honra, consideração e dignidade fazendo-as viver em permanente sobressalto e angústia, bem sabendo que as suas condutas são idóneas a provocar-lhes medo, ansiedade, temou pela sua integridade física e mesmo pela sua vida, pois acreditaram, que aquele seria capaz de levar por diante o mal que lhes anunciava.
A culpa do arguido que se revela também ela elevada, porquanto se concretiza no protagonizar de perversos episódios de abuso, violência sexual, violência doméstica e condicionamento da liberdade das vítimas.
O modo de execução mediante, por um lado, o emprego de efectivo abuso e violência sexual, agressão verbal, afectação psicológica, incluso com recurso a contactos e mensagens telefónicas e via aplicações de contacto para com as vítimas.
As consequências da conduta do arguido, que se atêm ao particular modo de atentar contra as vítimas, com sintomático abalo no respectivo crescimento, educação sexual e equilíbrio psico-emocional e familiar destas.
O dolo que se apresenta em todas as formulações directo e intenso.
Os sentimentos manifestados no cometimento do crime marcados pelo categórico desprezo para com a educação e são crescimento sexual de uma das vítimas, a dignidade de ambas, com sensação de perverso domínio sobre as mesmas.
O motivo que se perscruta, com respeito aos crimes sexuais na deriva para satisfação dos seus instintos libidinosos, no concernente à violência doméstica, em contexto de conflitualidade quotidiana, que o arguido tende recorrentemente a exacerbar com a postura evidenciada, em pleno desrespeito e afronta da vítima e, no que tange à perseguição, à continuidade de afectação de vítima perpassando o plano estritamente sexual para o plano do condicionamento da liberdade e assédio.
A conduta anterior que se releva na inexistência de antecedentes criminais registados, facto que abona a favor do arguido pacificando as correspondentes exigências de prevenção especial.
A conduta posterior de que nada ressalta em abono, sem laivo de contrição em sede de audiência, antes derivando para a antagonização das ofendidas, com pleno alijamento de responsabilidades.
As condições pessoais e situação económica do arguido, revelando um cidadão que cresceu num meio sociofamiliar que não se constituiu como estruturado, tendo sido precocemente exposto a contextos disfuncionais, como a violência doméstica e a institucionalização em lar de acolhimento de crianças, percecionado pelo próprio como não securizante. Exposto a convivialidades de risco que originaram contactos com o Sistema de Justiça Penal e posteriores condenações em penas de prisão efetivas.
À data da sua prisão aparentava manter um estilo de vida estruturado, centrado no exercício profissional, bem como num enquadramento económico favorável. No presente, o indiciado não dispõe de enquadramento familiar ou apoio no exterior, bem como ao nível profissional ou económico, que se constitui como fator de risco. Além do referido, face à sua constituição como arguido adota um discurso que reporta dificuldades ao nível da sua capacidade autoavaliativa e de autocrítica.
Em tudo se concluindo pela carência de sujeitação a avaliação e eventual acompanhamento psicoterapêutico e/ou psiquiátrico estruturado, designadamente direcionado à sexualidade.
As necessidades de prevenção geral no que se refere à tipologia destes crimes em concreto, que se revelam particularmente elevadas por forma a evitar a lesão de bens jurídicos particularmente caros à sociedade, como seja a liberdade e autodeterminação sexual, a saúde, a dignidade e a liberdade do ser humano, em especial de pessoas que mantém uma especial relação com o agente.
Por fim, as exigências de prevenção geral que se afiguram prementes gerando a conduta apurada elevado alarme seja a nível familiar, seja a nível social, encerrando práticas consubstanciadoras de grave afectação dos bens jurídicos protegidos, afirmando-se, a seu modo, como dos graves flagelos do mundo actual, pelos efeitos decorrentes da perversidade e prevalência do cada vez maior número de abusadores, do alastramento devastador da integridade física e autodeterminação sexual de crianças que mais não serão que homens e mulheres de amanhã, carregados não só de estigmatização mas, de antemão, de sensíveis afectações psicológicas e físicas de quem observou a sua infância e adolescência tomada pelos devaneios de homens que, como o arguido, nem a enteada obvia, a par da afectação de quem fora sua esposa e com quem teve dois filhos em comum.
Por assim ser, num conceito de prevenção geral positiva e negativa sob prismas baseados na nocividade social dos crimes em apreço, da dimensão da ameaça que representam e da censura comunitária que suscitam, impõe-se uma punição firme.
Tudo devidamente ponderado, e tendo em conta os limites abstractos acima enunciados, as circunstâncias descritas e, bem assim, considerando as necessidades de prevenção geral e especial, cumprindo fazer ainda sentir ao arguido que errou e que a sociedade não permite, de todo, renovadas actuações como a dos autos, procurando-se com as sanções a aplicar-lhe, fazê- lo entender e assimilar, de uma vez por todas, os valores subjacentes às normas penais violadas, julga-se adequado aplicar ao arguido, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real:
1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.° 3, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos de prisão.
66 (sessenta e seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a pena de 4 (quatro) anos de prisão, por cada crime.
5 (cinco) crimes de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a), 177.°, n.° 1, alíneas a) e b), 22.° e 23.° do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada crime;
1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.° 1, alínea a) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 2 e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, a pena de 6 (seis) meses de prisão, por cada crime;
854 (oitocentos e cinquenta e quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 1, alíneas a) a c) e 177.°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) anos de prisão, por cada crime.
1 (um) crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.° 1, alínea b) e 177.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, a pena de 3 (três) anos de prisão.-1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas a) e c) e n.° 2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal), a pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
1 (um) crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154'A n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal,perpetrado na pessoa de BB, a pena de 1 (um) ano de prisão.
*
Da punição pelo concurso de crimes e respectivas penas.
Fixadas as penas parcelares a imputar ao arguido AA, impõe-se proceder ao seu cúmulo jurídico com observação do disposto no artigo 77.°, do Código Penal, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar ao arguido se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade deste. 
No dizer de FIGUEIREDO DIAS4, “[...] tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique[...]”, devendo na avaliação unitária da personalidade do agente relevar “[...)sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta [...]” Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente assume “[...] grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[...]”.
Destarte, na operação de concretização da pena única que há-de caber ao concurso de crimes, deverá proceder-se a uma análise dinâmica dos factos e da personalidade do agente, a uma simbiose dessas circunstâncias:
A situação temporal dos factos a atender (sua concentração temporal, sua dispersão temporal, seu carácter ocasional ou pluriocasional);
A sua gravidade relativa e sua relacionação («conjunção típica em identidade de natureza, permitindo apreender a dimensão global da ilicitude»);
A personalidade do agente, retratada no modo do surgir dos factos ilícitos, nas suas circunstâncias e na sua reiteração e os seus antecedentes criminais, o que tudo pode indiciar uma personalidade atreita à prática de delitos criminais ou de um determinado grupo dos mesmos, ou a uma personalidade deformada sem o necessário juízo crítico de auto-censura;
Pois que será da conjugação desses factos e circunstâncias que se há-de apurar o grau de culpa do agente e a pena única que a há-de retribuir.
Em tal esteira, no caso concreto, num juízo de aferição global da conduta do arguido arreigado num grau de ilicitude elevadíssimo e modo de execução perpassando o abuso/violência sexual, a pornografia de menores, a violência doméstica e a perseguição, atentando, a seu modo e respectivamente, contra duas vítimas com particulares laços de parentesco e afinidade, na cronologia temporal apurada e numa linha de perseverança que só os tempos de prisão preventiva lograram inibir, a gravidade das consequências da conduta global e conexo índice de culpa, outrossim elevadíssimo, sopesando as concretas condições pessoais, sociais e a situação económica do arguido tal qual apurado, a inexistência de registo de antecedência criminal e o contraste entre as exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama, operando o cúmulo jurídico nos termos do disposto no artigo 77.°, do Código Penal (considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente), temos que, compreendendo a moldura legal do concurso entre um mínimo e um máximo de, respectivamente, 4 (quatro) anos e necessariamente 25 (vinte e cinco) anos de prisão - por imperativo legal constante do artigo 41.°, n.°2, do Código Penal -, operando o cúmulo jurídico, impõe-se adequado condenar o arguido na pena única de 14 (catorze) anos de prisão - artigo 77.°, n.° 2, do Código Penal.
*
Das penas acessórias.
I-Das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima CC - proibição de uso e porte de armas e obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
Ademais, pugna o acusatório pela aplicação ao arguido das seguintes penas acessórias a que alude o artigo 152.°, n.°s 4 e 5, do Código Penal.
No caso em apreço, subjaz a condenação ao arguido de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas a) e c) e n.° 2, alínea a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de CC, sua esposa e mãe dos seus filhos (com aplicação das penas acessórias previstas nos n.°s 4 e 5 do mesmo dispositivo legal), na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - tendo decaído a imputação de similar imputação perpetrada na pessoa de BB
Ora, prevê tal comando normativo que: “4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica Concretiza concretamente a pena acessória de proibição de contacto com a vítima o n.°5 do mesmo dispositivo referência prescrevendo que deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância ”
Deste modo, nos termos e limites do caso concreto, sob o crivo da legalidade, necessidade, proporcionalidade e adequação às finalidades punitivas, tendo por norte fulcral a afectação levada a efeito pelo arguido na vítima CC, o Tribunal decide:
Aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima CC, com efectivo afastamento da residência, bem como qualquer outra em que venha a habitar, pelo período de 5 (cinco) anos.
Aplicar ao arguido a pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica - esta integrada em contexto prisional, face à efectividade da pena única de 14 (catorze) anos de prisão aplicada.
II-Das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima BB - obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição.
Na decorrência da audiência de julgamento, outrossim veio a decorrer a imputação ao arguido da prática, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154:fc n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB, o qual o Tribunal conclui pela aplicação da pena de 1 (um) ano de prisão.
No segmento ora relevante, prevê tal comando normativo que:
“3 - Nos casos previstos no n. ° 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4-A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. ”
Deste modo, nos termos e limites do caso concreto, sob o crivo da legalidade, necessidade, proporcionalidade e adequação às finalidades punitivas, tendo por norte fulcral a afectação levada a efeito pelo arguido na vítima BB, o Tribunal decide:
i) Aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB, com efectivo afastamento da residência, bem como qualquer outra em que venha a habitar, pelo período de 3 (três) anos.
ii) Aplicar ao arguido a pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição - esta integrada em contexto prisional, face à efectividade da pena única de 14 (catorze) anos de prisão aplicada.
III.Da pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais.
Conforme se relatou supra, ocorre a possibilidade de aplicação de pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 69.°-C, n.° 1, 2 e 4, do Código Penal, com referência às imputações de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.°s 1 e 3, alínea a) e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a), 177.°, n.°1, alíneas a) a c), 22.° e 23.° do Código Penal, de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particular mente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.° 1, alíneas a) a c), e n.°2 e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a) - e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal, de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.°1, alíneas a) e b) e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal.
Com efeito, prescreve a norma relevante nos seguintes termos:
Artigo 69.°-C - Proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais
1- Pode ser condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela. curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre dois e 20 anos, atenta a concreta gravidade do fato e a sua conexão com a função exercida pelo agente quem for punido por crime previsto nos artigos 163.° a 176º-A, quando a vítima não seja menor
2- E condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163º a 176. °-A, quando a vítima seja menor.
3- E condenado na inibição do exercício de responsabilidades parentais, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.° a 176.°-A, praticado contra descendente do agente, do seu cônjuge ou de pessoa com quem o agente mantenha relação análoga à dos cônjuges.
4- Aplica-se o disposto nos n. °s 1 e 2 relativamente às relações já constituídas."
Ora, no decalque do caso espécie, considerando a conduta global do arguido, sopesando os índices que presidiram à integração e graduação das penas principais, evidencia-se adequado, e proporcional impor ao arguido a aplicação da pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, pelo período de 14 (catorze) anos – nos termos do artigo 69.°-C, n.°1, 2 e 4, do Código Penal - aditado pela Lei n.°103/2015, de 24 de Agosto.
(…)
Aqui chegados impõe-se proceder à apreciação das concretas questões suscitadas pelo recorrente e que consubstanciam o objeto deste recurso o que se fará pela sua prevalência processual e de molde a progressivamente exaurir-se o conhecimento de tal objeto.
Assim lembramos que o recorrente invoca que a decisão recorrida padece de nulidade nos termos previstos no artigo 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal.
Para tanto refere, em síntese, que o tribunal comunicou a alteração não substancial de factos mas que não está em causa o circunstancialismo do artigo 358º nº1 e nº3 do Código de Processo Penal mas sim o do artigo 359º do mesmo diploma legal uma vez que os factos de que o arguido vinha acusado por violência doméstica art. 152.° do Cód Penal, o qual foi absolvido, não são os mesmos factos que o Tribunal a quo entendeu se tratar de um crime do perseguição, art. 154° do Cód. Penal, e que são factos completamente dispares e totalmente diferentes, do que vinha indiciariamente acusado o arguido.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
Uma das consequências da estrutura acusatória do processo criminal consiste na designada vinculação temática do tribunal significando que o objeto do processo penal é aquele da acusação (ou da pronúncia), sendo esta que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado. Constitui ainda (a vinculação temática), a «pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido» assegurando os direitos de contraditoriedade e audiência5.
O pleno exercício pelo arguido do seu direito de defesa exige a uma delimitação do objeto processual empreendida pelo despacho de acusação ou pelo despacho de pronúncia e tal objeto traduz-se numa narrativa factual e num enquadramento jurídico desta.
A alteração do objeto processual está processualmente prevista e obedece aos condicionalismos definidos pelos artigos 358º e 359º ambos do Código de Processo Penal que visam acautelar simultaneamente a prossecução das finalidades do processo penal e os direitos de defesa do arguido que consabidamente têm proteção constitucional (vide artigo 32º da Constituição da República Portuguesa).
Dispõe o artigo 358º do Código de Processo Penal sob a epígrafe «Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia» o seguinte:
«1 -Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 -Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 -O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»
Por sua vez prevê o artigo 359º do mesmo diploma legal sob a epígrafe « Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia» o seguinte:
1-Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica extinção da instância.
2- A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos se estes forem autonomizáveis em relação ao objeto do processo.
3- Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
A inobservância do consagrado em tais preceitos é cominada com nulidade da sentença porquanto o artigo 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal (artigo convocado pelo recorrente) determina que «é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia se a houver fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º».
No artigo 1º nº 1 alínea f) do aludido diploma legal define-se «alteração substancial dos factos como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».
Como refere Alexandre Pereira da Silva 6«Unânime na doutrina é a conclusão de que quando o legislador se refere a «crime diverso» não o faz em referência à definição de crime que tipificou na al. a) do art.1.º do CPP, conceito meramente operativo ou instrumental que visa evitar repetições desnecessárias no decurso da regulamentação do processo penal. Antes, estaremos perante um «crime diverso» quando ultrapassemos os limites preexistentes do objeto do processo e estejamos já perante um facto ou factos processuais «insuportavelmente» diversos. Daí que a solução para o problema da identidade processual deve ser «procurada na direção que nos é indicada pelo conceito de facto processual dominante. Dito isto, e apesar da sua relação simbiótica, facto processual e objeto processual são conceitos que não se confundem. Facto processual compreende o conjunto de factos sobre os quais vai incidir a atividade processual dos sujeitos. Objeto processual, por sua vez, corresponde a todos os factos constitutivos da pretensão punitiva que estejam entre si numa relação de unidade e identidade. Assim podem fazer parte do objeto processual factos que, não trazidos a julgamento, são, não obstante, parte constituinte do objeto processual sub iudice e abrangidos pelo efeito consumptivo da sentença. Por outro lado, se o objeto processual está submetido a um princípio de imutabilidade, o mesmo já não acontece relativamente ao facto processual cuja fluidez é admitida enquanto não esbarre com os limites impostos pelo objeto processual»
E em consonância com o ensinamento de Frederico Isasca7 «o objeto do processo será assim o acontecimento histórico, o assunto ou pedaço unitário de vida vertido na acusação e imputado, como crime, a um determinado sujeito e que durante a tramitação processual se pretende reconstituir o mais fielmente possível»
O consagrado no artigo 358º do Código de Processo Penal «reporta-se a uma alteração dos factos simples, não determinante da alteração do objeto do processo, permitindo que o tribunal investigue e integre no processo os factos que não constam da acusação e que tenham relevo para a posterior decisão, assumindo-se o segundo normativo como cobertura de todos os retratos que significam uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa, isto é, a alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refere aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.8
Como se exara no Acórdão do STJ de 18-07-20089:
«Quando a al. f) do art. 1.º do CPP nos diz que alteração substancial dos factos é aquela que «tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites das sanções aplicáveis», e deixando de lado esta última hipótese, pensada para situações em que os factos novos representam agravantes qualificativas especiais, somos confrontados com a necessidade de estabelecer um sentido para o conceito de “crime diverso”. Só assim poderemos constatar se houve ou não alteração substancial dos factos, o mesmo é dizer, se ocorreu ou não, por essa via, uma modificação intolerável do objecto do processo.
Duas notas são de adiantar, a tal propósito:
- por um lado, o conceito de “crime diverso” terá que ter uma natureza processual e não substantiva, porque ao serviço do apuramento da alteração substancial dos factos, o mesmo é dizer, se ocorreu ou não, que por sua vez presta homenagem ao princípio acusatório, e, no fundo, serve os interesses da defesa; de tal modo que não se poderá confundir com a ideia de tipo legal de crime diverso (poderemos estar perante “crime diverso” mantendo-se o tipo legal, e poderemos não estar perante “crime diverso” pese embora a mudança de tipo);
- por outro lado, importará recorrer, na determinação do conceito, tanto a um critério normativo, jurídico-penal, como a um critério simplesmente sociológico, que se centre sobre o facto histórico ocorrido.
Haverá que apurar, como ponto de partida, com recurso a um critério normativo, se o significado jurídico-penal da primeira representação hipotética do acontecimento, confrontada com representações ulteriores, não configura a lesão de outra categoria de bem jurídico, ou seja, se não surgirá entre ambas uma relação de concurso aparente, com o que, em princípio se não estará perante um “crime diverso”.
Só que, sempre importará averiguar se o acontecimento histórico, de acordo com uma tal segunda representação do ocorrido, se distingue radicalmente da primeira versão do mesmo. No sentido de que o evento histórico será radicalmente diferente quando, numa abordagem pré-jurídica da factualidade, possamos dizer que partimos de um facto para chegar a outro que nada tem a ver com o primeiro.
Por último, será ainda com recurso a critérios não normativos, que se terá que concluir pela não diversidade do crime, nas situações em que os factos novos impliquem lesão de bens jurídicos diferentes, e portanto um concurso efectivo de crimes, designadamente ideal, mas os factos antes adquiridos para o processo formem com os novos uma “unidade natural” forte. Um pedaço de vida com a mesma imagem social, ou seja, valorado socialmente em termos muito semelhantes.»
Se atentarmos no recurso do arguido o mesmo refere que o tribunal recorrido comunicou alteração não substancial de factos constantes da acusação, nos termos do disposto no artigo 358.° n.°s 1 e 3, do Código do Processo Penal, com referência ao artigo 1º, alínea f). esta "a contrario sensu" do mesmo Código para que o Tribunal possa eventual mente considerar: i) A atuação do arguido AA tenha ocorrido com o intuito, conseguido, do levar BB a sentir-se vigiada, perseguida e assediada e daí, poder incorrer no cometimento, em autoria material e na forma consumada, de um crime do perseguição, p .e. p pelo artigo 154.°-A. n.°s 1, 3. 4 e 5, do Código Penal, e ainda a aplicação da pena acessória de proibição do confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 69 °- C, n.°1 2 e 4, do Código Penal.
E defende que está em causa uma alteração substancial já que os factos de que o arguido vinha acusado por violência doméstica Art. 152.° do Cód Penal, o qual foi absolvido, não são os mesmos factos que o Tribunal a quo entendeu se tratar de um crime do perseguição, art. 154° do Cód. Penal, e que são factos completamente dispares e totalmente diferentes, do que vinha indiciariamente acusado o arguido.
O recorrente não concretiza quais os factos que são totalmente diferentes e, na sequência da comunicação efetuada, prescindiu do seu prazo de defesa conforme decorre da respetiva ata.
O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.
Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, em consonância com a previsto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que as garantias de defesa do arguido exigem o conhecimento dos factos e das disposições legais a que subsumem.
No caso e como consta da ata respetiva e do teor da decisão recorrida: procedeu a comunicação de alteração não substancial dos factos nos termos do disposto no artigo 358.°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 1.°, alínea f), este “a contrario sensu” do mesmo Código, com respeito a eventual:
i) Actuação do arguido AA ocorrer com o intuito, conseguido, de levar a BB a sentir-se vigiada, perseguida e assediada e, daí, poder incorrer no cometimento, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, p. e p. pelos art.°s 154º n.°s 1, 3, 4 e 5, do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e bem assim com possibilidade de aplicação das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição, devendo a pena acessória de proibição de contacto com a vítima incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
ii) Aplicação de pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 69.°-C, n.°1, 2 e 4, do Código Penal, com referência às imputações de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.°s 1 e 3, alínea a) e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de violação agravados, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a), 177.°, n.°1, alíneas a) a c), 22.° e 23.° do Código Penal, de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravados, previstos e punidos pelos artigos 172.°, n.°1, alíneas a) a c), e n.°2 e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.°, n.°1, alínea a) - e 177.°, n.°1, alíneas a) a c) do Código Penal, de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.°, n.°1, alíneas a) e b) e 177.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Código Penal - tudo conforme se alcança das respectivas actas.
No caso vertente, entende-se que as garantias de defesa do recorrente não foram postas em causa inexistindo qualquer alteração substancial de factos.
Não há «uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refere aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. »
Os factos que fundamentam a condenação não constituem um crime diverso, já que o mesmo não se confunde com tipo legal de crime e a alteração da qualificação jurídica foi comunicada também relativamente às penas acessórias tendo sido observado o consagrado na lei processual penal.
E, em consequência, não padece a decisão recorrida da nulidade invocada e prevista no art. 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, improcedendo, neste segmento, o recurso do arguido.
Prosseguindo na apreciação do recurso do arguido alega o mesmo que enquanto vítima devia ter sido sujeito a avaliação psicológica e que tal omissão configura uma nulidade.
Contextualizando a pretensão do recorrente este insurge-se relativamente a uma alegada desigualdade de tratamento por BB ter sido sujeita a uma avaliação psicológica e ele não ter sido apesar de também ter sido vítima de violência doméstica.
O arguido figura nos autos como assistente, mas não recorreu da absolvição decretada no acórdão recorrido relativamente ao crime de violência doméstica de que era vítima e acusada CC sendo esta, também. vítima de crime de violência doméstica imputado ao recorrente e pelo qual o mesmo foi condenado.
Compulsado o histórico dos autos verifica-se que o Ministério Público no âmbito do inquérito determinou que «Compulsados os autos, constatamos que se revela essencial e de toda a utilidade, proceder à realização de perícias de natureza psicológica a BB, no sentido de aferir da extensão do dano psicológico sofrido em função dos crimes vivenciados e, bem assim, da credibilidade do seu testemunho.
Nesta medida, e com a finalidade supra exposta, importa proceder a avaliação psicológica forense, motivo pelo qual, determino o seguinte:
Com estrita observância do determinado no ponto II, do despacho de fls. 1266 a 1267, com nota de MUITO URGENTE, Preso Preventivo, e,
Com cópia de fls. 20 a 26v., 65 a 66, 70 a 85, 125 a 128, 152, 165, 166, 189, 210 a 211, 232, 236, 240, 291, 311, 313, 345, 402 a 403v. (CD e DVD), 465 a 465v., 504 a 504v., 542 a 542v., 584 a 601 (CD e DVD), 622-A a 623, 676 a 676v., 679, 689, 698 a 698v., 740 a 743, 758 a 763, 798 a 804, 823 a 830, 915 a 919 (CD e DVD), 932 a 934, 1000 a 1000v., 1031 a 1031v., 1050 a 1060, 1086 a 1087, 1100 a 1101, 1123 a 1127, 1243 e 1254,
Solicite ao ..., a realização de perícia psicológica a BB (nascida a ... de ... de 2005) tendo em vista determinar:
- qual a credibilidade do seu testemunho, quanto à situação denunciada e suas circunstâncias;
- qual a sua capacidade de conservar, recuperar e reproduzir memórias;
- qual a sua susceptibilidade de fantasiar e inventar factos de natureza sexual;
- qual a extensão do dano psicológico sofrido em função dos crimes vivenciados»
Está como resulta do despacho uma diligência de inquérito determinada pelo Ministério Público no âmbito e com a finalidade prevista nos artigos 262º e 267º ambos do Código de Processo Penal.
O recorrente não qualifica a nulidade processual mas no pressuposto que entende que estará em causa uma insuficiência de inquérito nos termos do artigo 120º nº2 al.d) do Código de Processo Penal uma vez que entende que o mesmo também deveria ter sido sujeito a tal avaliação importa salientar que não estamos no âmbito de qualquer ato obrigatório de inquérito e que tal nulidade teria de ter sido invocada, nos termos previstos no artigo 120º nº3 al. c) do referido diploma legal, o que não ocorreu.
Ademais a avaliação psicológica refere-se a vítima menor aquando da prática dos crimes sexuais inexistindo qualquer fundamento para se considerar que o recorrente tem os seus direitos de vítima atingidos porquanto o mesmo não é menor nem nunca foi vítima de crimes de natureza sexual nos autos.
Assim, improcede, também, neste segmento o recurso do arguido.
Invoca, ainda, o recorrente que a decisão recorrida padece de erro de julgamento.
É pacífico que a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada quer através dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal, a que se convenciona chamar de revista alargada, quer através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do mesmo diploma.
Ora, prevê o artigo 412º nº3 do Código de Processo Penal que quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Impondo o nº4 do preceito em questão que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
No que se reporta à especificação dos concretos pontos de facto, o ónus a que aludimos só é cumprido com a indicação do facto individualizado que consta da decisão recorrida e se considera incorretamente julgado10. Tal ónus de especificação de factos não se basta, assim, com qualquer indicação genérica dos mesmos.
Ademais e no que respeita à especificação das provas concretas, o ónus previsto no art. 412º do Código de Processo Penal só é cumprido se for feita a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida sendo assim insuficiente qualquer indicação genérica de um documento, de uma declaração ou de um depoimento, de uma perícia ou de uma interceção telefónica realizada.
De qualquer modo o recorrente tem o ónus de indicar clara e concretamente o que na matéria de facto quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual oposta à decisão de facto vertida na decisão que impugna, quais os motivos exatos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
Ademais e caso esteja em causa meio de prova oralmente produzido em audiência e gravado exige-se a indicação não só do início de termo da gravação, mas a indicação e especificação das concretas passagens que fundam a impugnação tal como resulta do nº4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
As provas que o recorrente indique nos termos sobreditos e a apreciação das mesmas apresentada no recurso devem não só evidenciar que os factos foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo como fundar a convicção de que se impunha uma decisão diversa da proferida na fixação dos factos provados e não provados.
Não, é, pois, suficiente a demonstração da possibilidade de existir uma seleção em termos de matéria de facto alternativa à da constante da decisão recorrida sendo necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida em julgamento só poderia ter conduzido à matéria de facto provada e não provada por si propugnada e não àquela fixada na decisão recorrida.
O recurso sobre a matéria de facto não está configurado no nosso sistema processual penal como um segundo julgamento, mas sim como um mecanismo de correção.
Com efeito e como se refere no AUJ do STJ nº3/2012 de 18 de abril:
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
E como se exara no Acórdão do Tribunal Constitucional, no processo nº 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, a impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão.
A modificação da decisão recorrida pelo Tribunal de recurso só poderá ter lugar se, depois de cumprido o ónus de impugnação previsto no citado art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se vier a apurar que a decisão recorrida sobre os precisos factos impugnados em face da prova concretamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta.
Traduzindo-se o erro de julgamento na inobservância de ditames em matéria probatória quer na vertente da sua validade quer da sua eficácia especial, na violação de princípios como o da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo ou na violação das regras da lógica e da experiência comum.
Destarte o que se exige é um erro e não uma mera divergência de convicção e assim “se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei [artigos 127º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal], inexistindo assim violação destes preceitos legais11.
Neste caso o recorrente manifestamente não cumpriu o ónus processual que sobre o mesmo impende limitando-se a invocar que o elenco dos factos 1 a 95 se baseou nas declarações da vítima BB cujo depoimento teve uma avaliação de provavelmente credível e nas declarações para memória futura não se lembrava quando ocorreram os factos, que toda a prova testemunhal que indicou não foi considerada, que a matéria de facto não pode levar à condenação do arguido, que não foram observados os princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova.
Embora indique singelamente e em bloco o elenco dos factos 1 a 95 (o que não corresponde a uma correta especificação posto que sob cada número pode estar mais do que um facto) não indica os concretos excertos de declarações ou depoimentos ou qualquer segmento de outros elementos de prova documental ou perícia.
Em suma, omite a especificação total das alíneas b), c) do nº3 do artigo 412º do Código de Processo Penal bem como do nº4 do mesmo preceito.
E, consequentemente, omite a correlação de tais provas com os factos e fundamentação da existência de um erro ou a demonstração de que o raciocínio empreendido pelo tribunal recorrido foi erradamente formado e que se impunha decisão diversa da do tribunal recorrido relativamente a tais factos.
Não tendo cumprido o seu ónus de impugnação da matéria de facto esta não pode ser sindicada nos termos pretendidos, improcedendo, também, neste segmento o recurso do arguido.
Invoca, ainda, o recorrente que a decisão recorrida se a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova limitando-se a enunciar que erro notório existe quando usando um processo natural e lógico se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou contraditório com um outro facto (positivo ou negativo) contido na decisão recorrida e depois genericamente argumentando que o tribunal se baseou no depoimento da vítima BB, que foi a prova valorada foi em total detrimento da prova testemunhal apresentada pelo arguido… em suma reiterando a mesma argumentação que na sua ótica integraria o erro de julgamento.
Porém tratam-se de modos de impugnação da matéria de facto distintas.
Prevê o artigo 410º nº2 do Código que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) o erro notório na apreciação da prova.
Importa sublinhar que em qualquer das hipóteses indicadas o vício tem de resultar da decisão recorrida por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum não sendo assim, admissível apelar a elementos estranhos àquela para o sustentar.
Destarte, a apreciação da existência dos vícios elencados nas diferentes alíneas do referido normativo incide apenas sobre o texto da decisão recorrida, em sim mesma ou em conjugação com as regras da experiência comum, e sem apelo a declarações, depoimentos, documentos do processo ou qualquer outro tipo de prova produzida no julgamento12.
São, assim vícios intrínsecos, estruturais da decisão recorrida percetíveis numa mera leitura da mesma e apreensíveis pelo cidadão médio, pelo que evidentes e revelando juízos ilógicos, contraditórios, ao arrepio das regras e máximas da experiência comum, ou seja, ao normal vivenciar e conhecimentos adquiridos do homem médio.
No que se reporta ao vício de erro notório na apreciação da prova: este ocorre quando o homem médio em face do teor da decisão em si mesma ou conjugada com o senso comum facilmente se apercebe que o decisor levou a cabo em tal decisão uma apreciação desadequada, incorreta sustentada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Tal vício, também, se manifesta quando se infringem as regras da experiência, da prova vinculada ou das leges artis ou quando, sem qualquer fundamento, se diverge do juízo pericial.
É, naturalmente, um vício patente na decisão aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente13.
Redunda num vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido14.
Tal entendimento é perfilhado por todos os Tribunais da Relação e, ainda, pelo Supremo Tribunal de Justiça de que se cita, deste último e a título meramente exemplificativo, o Acórdão de 9 de março de 2023 proferido no processo 1368/20.8JABRG.G1. S115 em que se consigna: “O erro notório na apreciação da prova é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, nomeadamente, através da leitura da matéria de facto e da fundamentação da matéria de facto, mas nem sempre detetável por um simples homem médio sem conhecimentos jurídicos. Na verdade, o erro pode não ser evidente aos olhos do leitor médio e, todavia, constituir um erro evidente para um jurista de modo que a manutenção da decisão com base naquele erro constitui uma decisão que fere o elementar sentido de justiça”.
Sendo que no Acórdão proferido em 23 de setembro de 2010 no âmbito do processo 427/08.0TBSTB.E1. S216 já o referido Supremo Tribunal esclarecera que: “O vício da al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova (…) tem também que ser um erro patente, evidente, percetível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida”.
Assim, tal vício não ocorre se a divergência do recorrente decorre da forma como a decisão recorrida apreciou a prova produzida, ou seja, a não coincidência entre a versão do recorrente sobre a matéria de facto e a da decisão recorrida não preenche o vício de erro notório na apreciação da prova.
Revertendo, ao caso em apreço, o recorrente não se refere ao teor da decisão mas sim ainda que de modo genérico à prova produzida em audiência de julgamento.
Ora, como já referido a apreciação de tais vícios incide apenas sobre o texto da decisão recorrida, em sim mesma ou em conjugação com as regras da experiência comum, não sendo admissível qualquer rogativa a declarações, depoimentos, documentos do processo ou qualquer outro tipo de prova produzida no julgamento pelo que a invocação do recorrente que é, além do mais, absolutamente genérica é inidónea consubstanciar o vício de erro notório na apreciação da prova.
Por outro lado e porque estão em causa vícios de conhecimento oficioso sempre se dirá que analisada a decisão recorrida não se deteta nenhum dos vícios contemplados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal, mormente os genericamente invocados pelo recorrente.
Assim, improcede, também, o recurso do arguido quanto a este segmento.
Insurge-se ainda o recorrente por considerar que a decisão recorrida violou os princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova.
Ora, também nesta vertente a sua impugnação é genérica e com base nos mesmos argumentos já referidos e que o recorrente faz subsumir a distintos vícios da decisão.
O recorrente o que faz é impor a sua discordância genérica dirigida sobretudo à valoração da versão da vítima BB clamando pela violação por parte do tribunal dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.
E no que a este princípio respeita importa salientar que o mesmo tem aplicação em todas as fases do processo e, assim, quer no âmbito da apreciação da prova na 1ª Instância quer no momento da sua reapreciação pelo Tribunal de Recurso e, nesta sede, seja na vertente da efetiva reapreciação da prova seja como vício do texto da decisão, na modalidade de erro notório na apreciação da prova, como previsto no artigo 410º nº 2 al. b) do Código de Processo Penal.
No caso vertente o recorrente não cumpriu o ónus de impugnação e não se deteta da análise da decisão recorrida a existência de qualquer dúvida, séria, razoável e intransponível que motivasse o apelo do tribunal a tal princípio.
O que ocorre é uma discordância genérica do recorrente relativamente à prova, sobretudo à versão de BB que o mesmo entende que não deveria ter sido valorada como o foi pelo Tribunal recorrido acoplada a um mero entendimento que não havia prova dos factos e que o mesmo Tribunal recorrido julgou com o pretexto perigoso da convicção e que faz subsumir à violação dos indicados princípios.
Tal impugnação da convicção do Tribunal recorrido assente na diversa e pessoal interpretação do recorrente relativamente à prova não tem, naturalmente, a virtualidade de abalar o julgamento da matéria de facto realizado na 1ª Instância, posto que tal como consignado no Acórdão do Tribunal Constitucional, no processo nº 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, a impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão.
Na motivação da decisão recorrida está explicitado o percurso decisório do Tribunal recorrido.
Com efeito, o tribunal a quo explicou por referência às razões de ciência, ao grau de verosimilhança, ao conteúdo e consistência intrínseca das declarações e depoimentos porque atribuiu mais credibilidade a determinadas versões em detrimento de outras.
Resulta, também que para o tribunal a quo a imagem global dos factos resultou da correlação e conjugação entre vários elementos de prova e não numa análise fragmentada, descontextualizada dos mesmos como no exercício empreendido pelo recorrente no seu recurso.
O exercício crítico e explicativo da convicção do tribunal a quo é lógico, seguro, assenta em critérios de senso comum e funda-se nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência, revelando absoluto respeito do princípio de livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal e também pelo princípio do in dubio pro reo que não tinha de ter aqui qualquer aplicação.
É compreensível que a convicção do referido tribunal desagrade o recorrente, mas não é sua convicção, a sua interpretação da prova que tem idoneidade a conduzir a decisão diversa da contida na decisão recorrida.
Assim improcede, neste segmento, o recurso do arguido.
Por último invoca o recorrente que a decisão recorrida padece de erro de interpretação e aplicação de direito apelando aos artigos 607º nº5 do NCPC por força do artigo 4º do CPP, 340º e 355º nº2 e ss do CPP e 13º, 20º e 32º da CRP entre outros.
O recorrente não concretiza qual erro de interpretação ou aplicação do direito foi empreendido pelo tribunal recorrido na decisão recorrida, limitando-se a invocar tais normas.
Ora, no que se reporta ao artigo 607º nº5 do Código de Processo Civil o mesmo não tem aplicação ao processo penal uma vez que existe norma própria no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Ademais não concretiza o recorrente como as demais normas que também não delimita posto que refere 355º nº2 e ss, ou seja, seguintes, foram infringidas sendo que não se vislumbra qualquer infração às mesmas.
Assim, improcede na íntegra o recurso do arguido.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e em face do exposto acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar na íntegra o acórdão recorrido.
Custas da responsabilidade do arguido recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça (art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
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Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 18 de junho de 2025
Ana Rita Loja
Rui Miguel Teixeira
Mário Pedro M.A. Seixas Meireles
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1. vide Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do STJ de 29 de janeiro de 2015 processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30 de junho de 2016 proc. 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335.
4. Direito Penal Português - Parte geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, pp. 291 e 292,
5. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, edição 2004, pág. 145.
6. O problema dos factos novos em sede de Processo Penal, A questão da verificação do resultado típico da atividade criminosa após a dedução da acusação, Dissertação de Mestrado, Outubro de 2022, Universidade do Minho.
7. Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, Livraria Almedina, 2ª Edição 1995, pág.240.
8. Vide Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 10 de janeiro de 2023 proferido no processo 52/18.7JDLSB.E3 e acedido em www.dgsi.pt
9. Proferido no processo. n.º 102/08 - 5.ª, acedido em www.dgsi.pt.
10. Vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art. 412º., pág. 1144.
11. Vide Ac. da Relação de Lisboa de 02.11.2021, proc. 477/20.8PDAMD.L1-5.
12. Neste sentido Maia Gonçalves, em Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 729, Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., pág. 339 e Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos Penais 9.ª ed., pág. 73 e ss e, entre outros, Ac.do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 11/07/2024 -processo nº489/21.4SXLSB1-5.
13. vide Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., pág. 341.
14. vide Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos Penais, 9.ª ed., pág. 73 e ss.
15. Relatado por Helena Moniz e acedido em www.dgsi.pt
16. Também acedido em www.dgsi.pt